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Caixa de Pandora processos criativos em redes de colaboração - Danilo BARAÚNA, 2013

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Universidade do Estado do Pará 
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação 
Centro de Ciências Sociais e Educação. 
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação 
Curso de Especialização em Estudos Linguísticos e Análise Literária 
 
 
 
 
 
Danilo Nazareno Azevedo Baraúna 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 CAIXA DE PANDORA: PROCESSOS CRIATIVOS 
EM REDES DE COLABORAÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belém-Pa 
2013 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BARAÚNA, Danilo Nazareno Azevedo 
 
 Caixa de Pandora: processos criativos em redes de 
colaboração / Danilo Nazareno Azevedo Baraúna – 2013 
 65 f.: il. Color. 30 cm 
 
 Orientadora: Profa. Dra. Lucilinda Teixeira 
 Trabalho de conclusão de curso (Especialização) – 
Universidade do Estado do Pará, Curso de Especialização em 
Estudos Linguísticos e Análise Literária, 2012. 
 
1. Arte Contemporânea paraense. 2. Imagem. 3. Espaço. 
4. Caixa de Pandora. 
I. TEIXEIRA, Lucilinda. II. Universidade do Estado do Pará. Centro 
de Ciências Sociais e Educação. III. Título. 
CDD – 700.730 
 
Universidade do Estado do Pará 
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação 
Centro de Ciências Sociais e Educação. 
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação 
Curso de Especialização em Estudos Linguísticos e Análise Literária 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Caixa de Pandora: processos criativos em redes de colaboração 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao 
Centro de Ciências Sociais e Educação da 
Universidade do Estado do Pará como requisito 
final para obtenção do título de Especialista em 
Estudos Linguísticos e Análise Literária, sob 
orientação da Profa. Dra. Lucilinda Teixeira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belém 
2013 
 
Universidade do Estado do Pará 
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação 
Centro de Ciências Sociais e Educação. 
Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação 
Curso de Especialização em Estudos Linguísticos e Análise Literária 
 
 
 
 
 
 
Danilo Nazareno Azevedo Baraúna 
 
 
 
 
 
 
 
Caixa de Pandora: processos criativos em redes de colaboração 
 
 
 
 
Banca Examinadora: 
 
 
Profa. Dra. Josebel Akel Fares 
Universidade do Estado do Pará 
 
Profa. Dra. Lucilinda Ribeiro Teixeira (Orientadora) 
Universidade da Amazônia 
 
Profa. Dra. Renilda Rodrigues Bastos 
Universidade do Estado do Pará 
 
 
 
 
 
 
 
 
Data de Aprovação: 12/03/2013 
 
Nota: 10 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Aos meus pais Luiz e Marlise, e meus irmãos Rafael e Fabíola, minha família, maior 
fotaleza. 
 
Aos meus tios, primos e avós. Com especial agradecimento ao Tioi Paulo, Tia 
Alcina, Tia Edna, Tio Rubens, Tia Marluce, Tio José e aos meus avós Lélia (in 
memoriam) e Manoel. 
 
Aos amigos que passam pela minha vida e me fazem querer estar com eles a todo o 
momento. Nigel Anderson, Pedro Ivo, Rosiana da Paz, Tayanne Cid, Paulo Wagner, 
Anne Chagas e Rafael Reis. 
 
A Professora Lucilinda Teixeira, orientadora deste trabalho 
 
Ao professor Orlando Maneschy, pela orientação durante a graduação. 
 
Aos professores da Universidade Federaldo Pará e da Universidade do Estado do 
Pará. 
 
Aos artistas Cláudia Leão, Flavya Mutran, Mariano Klautau Filho e Orlando 
Maneschy, integrantes do grupo Caixa de Pandora, ao qual me debruçei nesse 
estudo. 
 
À Fundação Amazônia Paraense de Amparo à Pesquisa (FAPESPA) pela bolsa de 
iniciação científica concedida ainda na graduação e da qual os resultados geraram 
esta monografia. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O espaço é cheio de buracos: nós, as coisas, os 
mundos. A perfeição seria o espaço puro, fica ele 
a pensar com os seus buracos ... Mas isso, Sr. 
Espaço, é uma coisa tão impossível como a 
poesia pura. 
Mário Quintana 
RESUMO 
 
Neste estudo buscamos identificar os modos de espacialização e expansão da 
fotografia e do vídeo em suas relações com o conteúdo literário no processo de 
criação do Grupo Caixa de Pandora e algumas ações individuais dos integrantes 
deste grupo nas décadas de 1990 e 2000. Atuamos metodologicamente de maneira 
a nos aproximarmos de uma Crítica de Processo, percorrendo a análise de 
documentos como dossiês de obras, portfólios, registros das instalações, fotografias 
e vídeos que compunham as instalações e entrevistas. Constatamos a presença de 
práticas poéticas a partir do que propomos chamar de Redes de Colaboração, 
interconectadas a partir de Nós de Interação, ou seja, pontos que servem de 
referência ao processo criativo de cada integrante do grupo e revelam em conjunto a 
identidade do Caixa de Pandora. Identificamos três Nós de Interação no processo 
criativo do grupo: 1) o processo de tradução do conteúdo literário, 2) a fotografia 
expandida e 3) espacialização da imagem. A identificação desse processo nos levou 
a encaminhar a análise das exposições levando em consideração os seguintes 
aspectos: 1) O trânsito intersemiótico entre literatura, fotografia e vídeo, 
principalmente no que se refere ao Mito de Pandora; 2) A construção dos 
personagens em imagem relacionando à fotografia expandida; 3) A interferência 
desses trânsitos de personagens e processos de tradução na escolha do modo de 
espacialização da imagem fotográfica ou videográfica. Essas imagens se 
espacializam em micro-espaços instalativos, macro-espaços instalativos e seus 
respectivos desdobramentos, perspectivas teóricas que estão intrinsecamente 
ligadas às especificidades do lugar onde esta imagem esteve instalada, articulando 
desde a presença de pequenos objetos até projeções que interferem no espaço 
físico expositivo. Lançamos a hipótese de que a tentativa de rearticulação de 
conteúdos literários foi um dos fatores responsáveis pela expansão da linguagem do 
vídeo e da fotografia nos trabalhos do grupo. O estudo dos processos criativos do 
Caixa de Pandora traz à tona algumas das primeiras experiências instalativas 
realizadas no circuito de arte paraense na década de 1990, instituindo, assim, um 
importante objeto de pesquisa na arte contemporânea no Pará e suas possibilidades 
de inserção no cenário artístico nacional. 
 
Palavras-Chave: Caixa de Pandora; Processos de tradução; Modos de 
Espacialização; Redes de colaboração. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This study aims to identify ways of spatializations and expansion of photography and 
video in its relations with the literary content in the process of creating the Pandora's 
Box Group and some individual actions of the members of this group in the 1990s 
and 2000. We operate methodologically in order to approach a Process Review, 
covering the analysis of documents as file works, portfolios, records of installations, 
photographs and videos that made up the facilities and interviews. We noticed the 
presence of poetic practice from what we propose to call Collaboration networks, 
interconnected from Interaction points, in other words, items that serve as reference 
to the creative process of each member of the group and together reveal the identity 
Pandora’s Box. We identified three points of interaction in the creative process of the 
group: 1) the process of translation of literary content, 2) the expanded photo and 3) 
spatializations of image. The identification of this process led us to forward the 
analysis of exposures taking into account
the following aspects: 1) The traffic 
between inter-semiotic literature, photography and video, especially when it comes to 
the myth of Pandora; 2) The construction of the characters in the image relating 
expanded photography; 3) The interference of these transits of characters and 
translation processes in choosing the spatial mode for a picture or video image. 
These images are spatialized in installative micro-spaces, installative macro-spaces 
and their developments, theoretical perspectives that are intrinsically linked to the 
specific characteristics of the place where it was installed, linking from the presence 
of small objects to projections that interfere in the exhibition space. We hypothesize 
that the attempt to re-articulation of literary content was one of the factors 
responsible for the expansion of the video language and photography in the group's 
work. The study of the creative processes of Pandora's Box brings out some of the 
first experiments on installative works of Pará art circuit in the 1990s, establishing 
thus an important subject of research in contemporary art in Pará and its ability to 
join the art scene national. 
 
Palavras-Chave: Pandora’s Box; Translation Processes; Spatialization Modes; 
Collaboration networks. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
 
 
Tabela 01: Mapeameto de obras e exposições, pág. 17 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
FIGURA 01: Tajá (1985) – Luiz Braga, pág. 21 
FIGURA 02: Sem título (1985) – Emanuel Nassar, pág. 21 
FIGURA 03: Rede de Criação do Grupo Caixa de Pandora, pág. 31 
FIGURA 04: Pandoras de Lata (1993) – Flavya Mutran, pág. 35 
FIGURA 05: Pandoras de Lata (1994) – Flavya Mutran, pág. 36 
FIGURA 06: Pandora de Sangue (1995) – Orlando Maneschy, pág. 37 
FIGURA 07: Pandora de Sangue (1995) – Orlando Maneschy, pág. 37 
FIGURA 08: Pandora de Vidro (1993) – Cláudia Leão, pág. 38 
FIGURA 09: Pandora The Eletronic Box (1993) Mariano Klautau Filho, pág. 39 
FIGURA 10: Faustine ou a Cidade e os Olhos(1996) – Orlando Maneschy, pág. 40 
FIGURA 11: Faustine ou Cidade e os Olhos (1996) –Orlando Maneschy, pág. 41 
FIGURA 12: O jardim dos caminhos que se bifurcam (2000) – Cláudia Leão, pág. 43 
FIGURA 13: O jardim dos caminhos que se bifurcam (2000) – Cláudia Leão, pág. 43 
FIGURA 14: Fotogramas (1995) – Cláudia Leão, pág. 46 
FIGURA 15: Livro de espelhos (1995) – Cláudia Leão, pág. 47 
FIGURA 16: Pandora de água (1995) – Flavya Mutran, pág. 48 
FIGURA 17: Pandora de lata (1994) – Flavya Mutran, pág. 48 
FIGURA 18: Dandi (1993) – Orlando Maneschy, pág. 50 
FIGURA 19: Buba (1993) – Orlando Maneschy, pág. 50 
FIGURA 20: Instalação Caixa de Pandora (1995) – Orlando Maneschy, pág. 51 
FIGURA 21: O beijo das bubas (1993) – Orlando Maneschy, pág. 51 
FIGURA 22: Pandora de Lata (1993) – Flavya Mutran, pág. 54 
FIGURA 23: Pandora de Lata (1994) – Flavya Mutran, pág. 54 
FIGURA 24: Pandora The Electronic Box (1995) – Mariano Klautau Filho, pág. 55 
FIGURA 25: Pandora The Electronic Box (1995) – Mariano Klautau Filho, pág. 56 
FIGURA 26: Pandora de espelhos (1995) – Cláudia Leão, pág. 57 
FIGURA 27: Pandora de espelhos (1995) – Cláudia Leão, pág. 58 
FIGURA 28: Caixa de Pandora (2006), pág. 59 
FIGURA 29: Caixa de Pandora (2006), pág. 60 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO, pág. 11 
 
CAPÍTULO 01 – Mapeamento e considerações históricas, pág. 16 
 
CAPÍTULO 02 – Processos criativos em redes de colaboração, pág. 25 
 
CAPÍTULO 03 – Processos de criação no caminho da tradução, pág. 32 
 
CAPÍTULO 04 – A fotografia expandida, pág. 45 
 
CAPÍTULO 05 – A espacialização da imagem, pág. 52 
1. Micro-espaços instalativos e seus desdobramentos, pág. 53 
2. Macro-espaços instalativos e seus desdobramentos, pág. 56 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS, pág. 62 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, pág. 64 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
INTRODUÇÃO 
 
A produção de imagens no estado do Pará tem desde a década de 1980 se 
destacado em âmbito nacional e internacional. A partir década de 1990 uma geração 
singular de fotógrafos e suas propostas inseriram as bases para a construção de 
um pensamento instalativo no circuito de artes visuais de Belém do Pará. É essa 
produção de imagens e suas articulações com a literatura que o projeto se propõe a 
investigar, construindo uma base de dados e aprofundando estudos acerca desta 
imagem que extrapola os tradicionais objetivos fotográficos de simples registro e 
apresenta uma imagem inserida no território de produção contemporânea de artes 
visuais, como um meio de desconstrução, re-articulação de poéticas, manipulações 
não convencionais e construção de outras memórias, identidades e temporalidades 
em obras de artistas locais. 
 Tal fato nos leva a acreditar na importância de sistematizar dados e registros 
desses trabalhos, bem como aprofundar a compreensão acerca dos mecanismos de 
tradução na direção Literatura – Artes Visuais a partir do viés de leitura de 
pesquisadores da área de artes visuais, um ramo de investigação que no contexto 
de pesquisa científica em nossa Cidade ainda é pouco explorado. Corroboramos a 
importância de voltarmos às atenções do projeto para o amadurecimento de uma 
cultura de pesquisa sobre imagem na região amazônica, especificamente na cidade 
de Belém, tendo em vista a descentralização geográfica dessa produção no que se 
refere ao sistema de arte nacional. 
 Para a compreensão de todos esses processos, articulamos o levantamento e 
análise dessas produções a discussões sobre imagem, tradução e arte 
contemporânea realizadas por autores como Jacques Aumont, Vilém Flusser, 
Cecília Almeida Salles, Rubens Fernandes Júnior e Affonso Romano de Sant’Anna, 
os quais nos apoiarão conceitualmente durante o estudo da imagem em um contexto 
mais amplo. 
 O mapeamento prévio dessas produções na década de 1990 nos levou ao 
contato com a produção do grupo Caixa de Pandora, atuante neste período como 
disseminador de uma nova cultura de produção fotográfica. A partir deste primeiro 
contato pudemos notar a intrínseca relação que este grupo de jovens artistas 
mantinha com a apropriação de conteúdos literários para a produção de seus 
12 
 
trabalhos artísticos. O próprio nome do grupo já faz menção ao Mito de Pandora, o 
qual se encontra constantemente nas discussões por eles realizadas. 
 A partir deste dado passamos a compreender a necessidade de pensar a 
instauração desse conteúdo literário no processo criativo do Caixa de Pandora como 
norteador de grande parte das ações por eles realizadas em suas exposições que se 
iniciaram na década de 1990 e chegaram à década de 2000, sempre com 
constantes e variabilidades poéticas. No entanto, é importante ressaltar que para a 
compreensão desse processo de apropriação do conteúdo literário não pode ser 
pensado sem levar em consideração os embates locais realizados com relação a 
expansão da linguagem fotográfica, no diálogo com o espaço (a partir do surgimento 
das instalações) e de uma fotografia construída (nomenclatura recorrente na década 
de 1990) que extrapola os convencionalismos do que vinha sendo produzido em 
Belém na Época. 
 Para isso, é importante o estabelecimento conceitual dessa pesquisa como 
um estudo de processos criativos do grupo Caixa de Pandora em suas instâncias 
macro, embasado nas teorias da Crítica de Processo (outrora denominada Crítica 
Genética) de Cecília Almeida Salles, que por sua vez tem suas discussões 
fundamentadas nas teorias da Semiótica de Charles
Sanders Peirce. Falamos, 
portanto, essencialmente, do estudo semiótico de processo criativo para 
compreendermos como o conteúdo literário perpassa a produção do Grupo Caixa de 
Pandora a partir da relação entre três elementos teóricos fundamentais, a imagem, o 
espaço e o conteúdo literário, para buscarmos, enfim, possíveis generalizações do 
“movimento criador” a partir da concepção da criação como tradução de signos. 
O processo de tradução traz consigo grandes discussões, iniciadas por 
Roman Jakobson e bem desenvolvidas no livro “Tradução Intersemiótica” de Júlio 
Plaza. Essas discussões surgem a partir da necessidade de fomento às discussões 
e reflexão acerca de práticas artísticas que envolvem o trabalho com meios e 
linguagens diversas e tendo também como base a Semiótica de Pierce 
 Nos trabalhos propostos para análise a relação com a literatura é ponto chave 
para a discussão do processo de criação dessas exposições, no entanto, a relação 
com outras modalidades de produção artística se entremeiam à análise como já 
explicitado anteriormente. Cecília Almeida Salles (2006) denomina Nós de Interação 
esses elementos que compõe a rede de criação de uma obra de arte. Neste 
contexto de pesquisa, identificamos três Nós de Interação: 1 – Processos de 
13 
 
tradução; 2 – A fotografia expandida e 3 – a espacialização da image. É importante 
perceber que a concepção de tradução implica um estudo interdisciplinar, uma vez 
que promove o diálogo entre diferentes disciplinas, linguagens e culturas, lançando 
bases para o pensamento da tradução como criação. 
 É nesse sentido que nos apropriamos do conceito de Entre-Imagens de 
Raymond Bellour (1997) para pensar aqui não as especificidades da linguagem 
fotográfica ou literária, mas os possíveis cruzamentos poéticos e construtivos destas 
obras de arte. Devemos levar em conta que toda a tradução estabelece relações de 
equivalência com seu original, e para isso, é importante perceber os pontos de 
ligação ou Nós de Interação entre conteúdos originais e traduzidos, identificando os 
encaminhamentos metodológicos da tradução em cada unidade caso analisada. 
 Para a compreensão específica das relações entre conteúdo literário e artes 
visuais, utilizamos como referência os modelos de análise propostos pelo autor 
Romanno de Sant’Anna no livro “Paródia, Paráfrase & Cia.” (1988), em que o autor 
parta das concepções de paródia e estilização lançadas por Bakthin e Tynianov e 
reconfigura esses conceitos, atribuindo a este processo macro ainda as concepções 
de paráfrase e apropriação. 
 Aqui a fotografia é linguagem em cruzamento com outras linguagens para a 
construção de ambientes de articulação imagética. A ação do signo percorre 
territórios que expandem os conceitos, trazem consigo o que Rubens Fernando 
Junior (2002) denomina Fotografia expandida (que vai além da fotografia 
construída). Trabalhos de fotógrafos que dialogam teoricamente com Vilém Flusser 
(1985) e constroem narrativas em imagens sem deixar que o aparelho fotográfico 
tome conta de seus objetivos, articulando a relação com o objeto e o ambiente a 
partir de suas imagens manchadas, borradas e que solicitam ao espectador 
presente uma atenciosa análise. 
Para isso, instituímos como objetivo de pesquisa identificar os modos de 
espacialização e expansão de linguagem da fotografia e do vídeo em suas relações 
com o conteúdo literário no processo de criação do Grupo Caixa de Pandora. 
Os procedimentos metodológicos desta pesquisa estão fundamentados nas 
proposições de trabalho científico de Antônio Carlos Gil (2009). O trabalho se 
configura tipologicamente em primeira instância como pesquisa descritiva, na 
medida em que se vale do levantamento de dados padronizados, e também está 
14 
 
inserida em um âmbito de pesquisa explicativa, já que procurará identificar a 
natureza dos fenômenos compreendidos no recorte específico. 
 No que se refere ao delineamento de pesquisa, instituímos um caráter de 
Estudo de caso coletivo a partir de múltiplos casos em determinado recorte. Este 
recorte foi espacialmente delimitado em produções de artes visuais do grupo Caixa 
de Pandora. Como estudo de caso, falamos da instauração de amostragens 
estratificadas de pesquisa, que servirão de índice para a implantação de discussões 
que estão relacionadas a um contexto maior de produções. Uma abordagem teórica 
da Crítica de processo fundamentou os nossos estudos, no que se refere aos 
procedimentos de coleta e análise de dados. Nesta vertente levamos em 
consideração não apenas o processo comunicativo de instauração da obra, mas 
também os processos de gênese dessa criação a partir de um diálogo direto com os 
artistas e sua relação com a criação das obras selecionadas para análise. 
Nesse momento, nos preocupamos em delimitar que tipos de dados melhor 
nos serviriam para uma posterior análise dos objetos de estudo, e para isso 
instituímos os procedimentos e materiais abaixo especificados: 
 
- Pesquisa iconográfica: levantamento de imagens fotográficas e videográficas das 
obras selecionadas para compor o mapeamento. 
- Pesquisa bibliográfica: levantamento de fontes bibliográficas, tais como livros de 
leitura corrente (Obras literárias), livros de referência remissiva (Catálogos) e 
publicações periódicas (Jornais e revistas). 
- Pesquisa documental: levantamento de materiais como dossiês de obra, portfólios 
de artistas e elaboração e aplicação de entrevistas com os artistas. 
 
 As entrevistas foram realizadas como uma espécie de questionário, com 
alguns dados padronizados para os artistas, tais como: principais referenciais 
teóricos no desenvolvimento das poéticas; o possível conceito de instalação; os 
limites conceituais entre certas categorias produtivas que trabalham essencialmente 
com relações espaciais; a necessidade do artista em categorizar suas produções; os 
possíveis referenciais teóricos acerca dos conceitos de Imagem e Espaço e os 
referenciais locais na produção de obras de caráter instalativo e as possíveis 
relações entre sua produção e o conteúdo literário por ele apropriado. 
15 
 
 A pesquisa bibliográfica buscou identificar importantes autores (já citados) 
que estabelecem discussões de caráter histórico-conceitual acerca das relações de 
instauração da imagem (fotografia e vídeo) em um espaço físico e como a literatura 
influenciou o processo de criação do nosso objeto de estudo. 
 Para efeito de análise dos objetos coletados procuraremos compreender os 
significados conceituais propostos pelas produções mapeadas e traçar uma teia de 
significações entre estas e quais territórios pretendem abranger, levando em 
consideração os seguintes critérios e procedimentos de caráter quantitativo e 
qualitativo: 
 
- Locais e períodos de exibição. 
- As características físicas e materiais da obra. 
- Descrição dos componentes e dispositivos em geral. 
- As relações entre os elementos compositivos e o espaço físico. 
- As possíveis condutas, atitudes e comportamentos suscitados ao espectador em 
sua experiência com a obra. 
- As poéticas empregadas em cada unidade-caso. 
- Os modos de apropriação do conteúdo literário nas obras analisadas (paráfrase, 
paródia, estilização e apropriação). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
CAPÍTULO 01 – MAPEAMENTO E CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS 
 
A exploração do conceito de lugar personifica os objetivos desta pesquisa em 
certo ponto. Procuramos compreender como este “lugar” é apropriado pela produção 
de arte contemporânea para analisar a instauração da produção de imagens nesses 
espaços dentro do circuito paraense de arte contemporânea. Segundo Anne
Cauquelin, “um local é uma área dentro de um ambiente que foi alterado de maneira 
a tornar o ambiente geral mais perceptivo” (CAUQUELIN, 2005, p. 142). 
 A consulta ao acervo de dados (imagens, textos, vídeos) do projeto de 
pesquisa “A relação da Imagem nas Artes Visuais: mapeamento da produção 
imagética na arte contemporânea paraense”1 e o contato com alguns textos de 
Rubens Fernandes Junior nos indicou algumas ações do grupo Caixa de Pandora, 
que na década de 1990 instaurou as primeiras experiências de caráter instalativo no 
circuito de artes visuais no estado do Pará. 
 Ainda nesse período, o contato com os estudos da Crítica de Processo, 
implementados no Brasil principalmente por Cecília Almeida Salles, nos abriu a 
possibilidade do emprego de uma abordagem teórico-metodológica em que o estudo 
dos processos criativos de um artista ou grupo de artistas pode servir a um 
entendimento global do processo de criação em arte, o que nos encorajou a lançar o 
olhar sobre as especificidades do processo criativo do grupo Caixa de Pandora, para 
a partir disto compreender os fatores que os levaram a uma compreensão mais 
expandida da imagem e seus mecanismos de espacialização. Mais do que uma 
leitura ou “interpretação” da obra entregue ao público, a Crítica de Processo se 
preocupa com a reconstituição dos fatores que tornaram possível a materialização 
do pensamento artístico, levando em consideração conceitos como a Criação em 
Rede e o Inacabamento. 
 Ao falarmos em Crítica de Processo devemos ter em mente uma abordagem 
de estudo de Documentos de Processo, aqueles que trazem a tona os elementos 
constitutivos do processo de criação. Estes documentos que por algum tempo se 
restringiram aos manuscritos dos artistas tomam hoje outras proporções, e uma 
 
1
 Projeto de pesquisa desenvolvido no âmbito da Faculdade de Artes Visuais / Instituto de 
Ciências da Arte / Universidade Federal do Pará, coordenado pelo Profº. Dr. Orlando Franco 
Maneschy e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) 
no período de 2005 a 2010. 
17 
 
infinidade de outros materiais podem servir à compreensão dos processos de um 
artista, inclusive o diálogo direto através de entrevistas e questionários. 
 A coleta destes documentos foi também realizada a partir do acervo dos 
próprios artistas, em diálogo com publicações que nos forneceram uma perspectiva 
teórica sobre o grupo. Nesse sentido, realizamos a coleta de fotografias de registros 
das instalações bem como de imagens que compunham os trabalhos, catálogos das 
exposições mapeadas (tabela de exposições abaixo), notícias de jornal da época, 
textos de teóricos e críticos de arte, especificamente Marisa Mokarzel, Cláudio De La 
Rocque Leal e Rubens Fernandes Junior e dossiês das obras expostas. Abaixo 
tabela com os artistas, exposições e obras mapeadas. 
 
EXPOSIÇÃO ARTISTAS LOCAL PERÍODO 
 
Caixa de Pandora 
Cláudia Leão; Flavya 
Mutran; Mariano Klautau 
Filho; Orlando Maneschy 
Galeria Theodoro Braga 
(Belém – PA) 
 
18/06/1993 
Caixa de Pandora 
(2ª Edição) 
Cláudia Leão; Flavya 
Mutran; Mariano Klautau 
Filho; Orlando Maneschy 
Galeria do Instituto Cultural 
Itaú 
(Brasília – DF) 
 
25/10/1994 
Caixa de Pandora 
(3ª Edição) 
Cláudia Leão; Flavya 
Mutran; Mariano Klautau 
Filho; Orlando Maneschy 
Galeria Theodoro Braga 
(Belém – PA) 
 
25/04/1995 – 
14/05/1995 
 Caixa de 
Pandora 
(4ª Edição) 
Cláudia Leão; Flavya 
Mutran; Mariano Klautau 
Filho; Orlando Maneschy 
Liceu de Artes e Ofícios da 
Fundação Cultural de 
Curitiba (Curitiba – PR) 
 
03/05/1996 
 
Caixa de Pandora 
(5ª Edição) 
Cláudia Leão; Flavya 
Mutran; Mariano Klautau 
Filho; Orlando Maneschy 
Galeria da FAOP – Festival 
de Inverno da UFMG 
(Ouro Preto - MG) 
 
18/07/1996 - 
18/08/1996 
Caixa de Pandora 
(Projeto “Coletivos” / 
Anos 90) 
Cláudia Leão; Mariano 
Klautau Filho; Orlando 
Maneschy 
Laboratório das Artes – 
Espaço Cultural Casa das 
Onze Janelas (Belém – PA) 
 
31/10/2006 – 
12/11/2006 
Fotografia 
Contemporânea do 
Pará – Novas Visões 
Grupo Caixa de Pandora; 
Flavya Mutran, Walda 
Marques e Arthur 
Leandro 
 
Galeria de Arte da UFF 
(Niterói – RJ) 
 
26/11/1997 – 
14/12/1997 
Fotografia 
Contemporânea do 
Pará – Novas Visões 
Grupo Caixa de Pandora; 
Flavya Mutran, Walda 
Marques e Arthur 
Leandro 
Palácio Gustavo Capanema 
(Rio de Janeiro – RJ) 
 
13/01/1998 – 
06/03/1998 
 
O Rosto e os Outros 
 
Cláudia Leão 
Galeria do Centro Cultural 
Brasil-estados Unidos 
(Belém – PA) 
 
03/1995 
NÃO Orlando Maneschy Galeria Theodoro Braga 
(Belém – PA) 
1994 
Faustine ou A Cidade 
e os Olhos 
Orlando Maneschy Galeria de Arte da UNAMA 
(Belém – PA) 
19/12/1996 - 
04/01/1997 
 
O Jardim dos 
caminhos que se 
bifurcam 
 
Cláudia Leão 
Galeria de Fotografia do 
Alpendre – Casa de Arte, 
Pesquisa e Produção 
(Fortaleza – CE) 
 
2000 
Tabela 01: Mapeamento de obras e exposições 
18 
 
 Nessa tabela identificamos a presença das cinco edições da exposição “Caixa 
de Pandora” bem como de exposições individuais ou coletivas em que alguns 
integrantes apresentaram propostas que muito se aproximavam das discussões 
estéticas articuladas nas exposições do Caixa de Pandora. 
 É importante frisar que o crítico de processo não quer apenas reconstituir ou 
identificar a gênese da criação da obra, mas compreender os fatores que 
influenciam o artista na construção de determinado trabalho, desde mecanismos 
intuitivos até rigorosos planejamentos de execução, da mais primitiva ação criadora 
até o momento de apresentação da obra ao público que, diga-se de passagem, não 
se configura como uma versão final da obra, mas como uma entre diversas outras 
possibilidades de materialização do processo. Sobre essa questão, Cecília Almeida 
Salles (2006) pronuncia: 
 
Devemos pensar, portanto, a obra em criação como um sistema aberto que 
troca informações com o seu meio ambiente. Nesse sentido, as interações 
envolvem também as relações entre espaço e tempo social e individual, em 
outras palavras, envolvem as relações do artista com a cultura na qual está 
inserido e com aquelas que ele sai em busca. A criação alimenta-se e troca 
informações com seu entorno em sentido bastante amplo. (SALLES, 2006, 
p 32). 
 
 É pensando nessas infinidades de relações que o artista estabelece com seu 
meio que a Crítica de Processo também atua. Dessa maneira, iniciamos a análise 
dos processos de criação do grupo Caixa de Pandora a partir de um viés histórico de 
identificação do ambiente cultural em que esses produtores estavam inseridos. 
 Para reconstruir um panorama histórico das ações do grupo Caixa de 
Pandora em âmbito local e nacional recorremos a escritos de Marisa Mokarzel, 
Cláudio De La Rocque Leal e Rubens Fernandes Junior, de modo a identificar como 
as ações do grupo acabaram por modificar certos paradigmas locais de produção de 
arte. Quando do surgimento do grupo o circuito de fotografia na cidade de Belém 
ainda se pautava em produções que caminhavam no território do fotojornalismo e da 
fotografia documental, com autores como Elza Lima, Luiz Braga e Miguel Chikaoka. 
Marisa Mokarzel delimita a importância de retornar à década de 1980 para entender 
a formação do panorama que o Caixa de Pandora encontra ao início de sua 
produção. 
 O início da década de 1990 é fortemente marcado pelas reminiscências da 
atuação da Fundação Nacional de Arte (FUNARTE) na década anterior, na qual 
19 
 
instituiu importantes ações de caráter de fomento
à produção fotográfica nacional. 
Nesse período vimos o surgimento de um trabalho de mapeamento e estímulo à 
realização de exposições fotográficas, que na região amazônica resultou no I 
FOTONORTE Viver a Amazônia, realizado em 1985. Ainda nos anos 1980 a 
FUNARTE investe na articulação de pesquisa para a delimitação de uma 
“Visualidade Amazônica”, no que se refere a trabalhos que se pautam em 
referências advindas da cultura popular local e suas especificidades relacionadas às 
cores puras e fortes da visualidade dos bairros periféricos e região ribeirinha das 
localidades. 
 Neste período, importantes teóricos locais passaram a pensar essas questões 
e instituíram um campo profícuo de pesquisa acerca de uma Amazônia que traz em 
seu cerne de criação poética a visualidade popular e ribeirinha. Osmar Pinheiro foi 
um dos grandes responsáveis pela estruturação de um pensamento teórico acerca 
desses fatores quando em 1982/1983 realizou também para a FUNARTE o projeto 
denominado Fontes do Olhar, um mapeamento de materiais que perpassavam 
textos e depoimentos de artistas e documentação fotográfica acerca dessas 
relações entre as visualidades populares e periféricas e a produção de artes 
plásticas na Amazônia naquela época. A respeito desse processo Pinheiro cita como 
principais referências artísticas Luiz Braga, Jair Jacmont, Roberto Evangelista, Helio 
Melo e Emmanuel Nassar, construindo um pensamento de que: 
 
Estamos numa região pluricultural, que se manteve historicamente dentro 
de uma perspectiva de confronto. Penso que a fronteira cultural, talvez 
como em nenhuma outra região, se faz sentir aqui de uma forma muito 
nítida, essa fronteira de divisão de mundos diferenciados em confronto, 
porque fazendo parte da estrutura maior das relações de poder [...] A prática 
das artes plásticas aqui diz respeito muito de perto, a essa coisa que eu 
conheço muito em particular, que é a questão da visualidade, porque na 
verdade nós colocamos a visualidade do ponto de vista de sua relação com 
a arte. (PINHEIRO, 1985, p. 92-93). 
 
 O embate que surge entre visualidade e artes plásticas faz emergir uma série 
de experimentações dos citados artistas, de modo a conferir à Amazônia naquela 
década uma especificidade de lugar, uma produção que reflete, diagnostica e 
corrobora para a existência dessacralização de uma produção de arte e surgimento 
de um teor lúdico e compromissado com a existência de uma arte que extrapola o 
circuito convencional de exibição de produtos artísticos, dialoga com a cidade, com o 
rio, com a brincadeira, com a floresta e transparece seu apelo de cunho socialmente 
20 
 
marcado. Sobre o processo criativo de artistas nessa época, ainda Osmar Pinheiro 
declara: 
 
As organizações cromáticas que informam as pinturas de fachadas e 
embarcações oriundas da tradição mestiça, de admirável rigor e inteligência 
e que estão presentes também na geometria de papel de seda dos 
papagaios, rabiolas (pipas) revelam as condições particulares de uma outra 
ordem, onde não existe mercado de arte, onde o suporte da obra é a casa, 
o barco, o boteco, o papagaio, o brinquedo, o instrumento de trabalho. [...] 
Onde arte e trabalho são partes de um mesmo movimento cuja razão é o 
afeto [...] são artefatos de múltiplo uso, transitando entre o prazer e a 
necessidade [...] São paisagens pintadas em botecos, puteiros, fachadas, 
resíduos acadêmicos, assimilações, apontando às vezes para uma 
figuração surpreendente [...] Pinturas com a obsessão de cobrir todo o 
espaço e dentro deste os micro espaços e assim por diante até a exaustão 
da forma e da cor. Metáfora de uma região de vastidões [...] Há nesse 
universo de referências uma relação densa entre o utilitário e o lúdico, um 
perpassando o outro. Silenciosa estratégia de resistência cultural. Estética 
do prazer. (PINHEIRO, 1985, p. 96-97). 
 
 Nessa perspectiva, a Fundação Nacional de Arte contribui na década de 1980 
para a edificação de um pensamento que vai permear toda uma geração de 
produtores nos anos seguintes, o que ajuda na expansão do mercado de arte 
paraense, principalmente no que se refere à pintura e fotografia. No entanto, a 
respeito da existência de fato de uma possível “visualidade amazônica” 
concordamos com Marisa Mokarzel na compreensão de que esta visualidade 
discutida acaba se subvertendo em um sentido de “localização” exacerbada que 
proporciona um distanciamento no diálogo com outros lugares. A exaltação dessas 
especificidades nos parece distanciar discussões que poderiam claramente estar 
apoiadas em fluxos de teor nacional, já que pensamos não ser essa visualidade um 
privilégio amazônico. 
 
 
21 
 
 
Figura 01: Tajá (1988) 
Artista: Luiz Braga 
Fonte: www.colecaopirelli.masp.art.br 
 
 
Figura 02: Sem título (1985) 
Artista: Emmanuel Nassar 
Fonte: www.catalogodasartes.com.br 
 
 
22 
 
O grupo Caixa de Pandora, a partir de exposição homônima realizada em 
1993 na Galeria Theodoro Braga, se integrou ao circuito fotográfico de Belém 
articulando discussões imagéticas que fugiam às especificidades relatadas acima. 
Os membros do Caixa de Pandora detinham fortes relações com a cultura 
contemporânea, a moda, o teatro, o cinema e as artes visuais, a literatura, 
propiciando rupturas nos paradigmas da fotografia local, tomando lugar no que 
passou a ser chamado nacionalmente de Fotografia Expandida2(discutiremos melhor 
este conceito mais à frente) de modo a estabelecer diálogos entre repertórios 
diversos “para falar de imagem, tempo, memória, ausência, medo e desejo” 
(MANESCHY, 2007, p. 31). 
 A grande maioria dos trabalhos construídos pelo grupo Caixa de Pandora se 
pautava na relação entre a fotografia, principalmente, e o vídeo, com a apropriação 
de objetos ditos não convencionais para servirem de suporte à produção dessas 
imagens. Neste momento chegamos a corroborar a hipótese de que o grupo Caixa 
de Pandora atuou como um embreante para a quebra de fronteiras entre o território 
da fotografia e das artes visuais na cidade de Belém, e também foram pioneiros na 
produção de trabalhos nos moldes do que hoje chamamos de “instalação”. As ações 
do grupo encorajaram fotógrafos como Walda Marques, Sinval Garcia e Maria 
Christina a romperem as barreiras da fotografia tradicional, de cunho mais 
documental, e passarem a articular experiências de desconstrução dessa imagem 
produzida, e abriram caminho para o surgimento de uma geração de artistas que a 
partir dos anos 2000 potencializa as estruturas instalativas e suas relações com a 
produção de imagem, como Roberta Carvalho, Armando Queiroz, Carla Evanovitch, 
Luciana Magno e Victor De La Rocque. 
 É justamente essa ruptura do grupo com as noções dessa “visualidade 
amazônica” que os torna uma pontual referência para a construção de outras 
perspectivas para a produção da imagem fotográfica na cidade, da inserção da 
produção em vídeo e da articulação desses elementos para além do plano 
bidimensional, estabelecendo relações com objetos e constituindo ambientes 
instalativos. A partir desses desdobramentos Cláudio De La Rocque (1996) abre a 
possibilidade de pensar o Caixa de Pandora como um Movimento e em matéria 
 
2
 Termo amplamente trabalhado pelo pesquisador e crítico de fotografia Rubens Fernandes 
Júnior para referir-se a uma produção fotográfica que se construía a partir de manipulações, 
elaborações laboratoriais, construções estéticas, etc. que ocorreu no referido período. 
23 
 
publicada no caderno Cartaz do Jornal O Liberal de 23 de abril de 1996 preconiza 
que “o grupo passa a ser um movimento quando experimenta de forma sistemática e 
os experimentos
geram propostas diferenciadas de trabalhos, diferentes das que 
vêm sendo produzidas em fotografia”. Em 1994 os integrantes do grupo fundam o 
Caixa de Pandora – Núcleo de Imagens, com o objetivo de promover eventos e 
espaços de discussão e fomento dessa produção imagética. Em entrevista ao 
caderno Mulher do jornal A província do Pará do dia 10 de janeiro de 1998, Cláudia 
Leão explica como ocorreu esse processo: 
 
Primeiro Nasceu a caixa de Pandora – exposição – feita através do convite 
de André Lima, para juntar fotógrafos com uma linguagem pouco 
convencional. Depois, em 1994, quando resolvemos fazer um encontro de 
fotografia, aqui em Belém, houve a necessidade de criar algum trabalho que 
representasse todos os fotógrafos envolvidos, assim nasceu O caixa de 
Pandora – Núcleo de Imagens. Porém, ainda mantínhamos uma mesma 
forma de criar, ou seja, nós, individualmente, arcávamos com todo o custo 
para criar os projetos individuais. No entanto, ficava a cargo do NI – Caixa 
de Pandora buscar recursos para a saída dela daqui e conseguimos muitos 
parceiros. (LEÃO, 1998, p. 05). 
 
 Formado inicialmente pelos fotógrafos Orlando Maneschy, Cláudia Leão, 
Mariano Klautau Filho e Flavya Mutran, o grupo Caixa de Pandora tem suas 
inquietações pautadas no processo de manipulação fotográfica em que a 
colaboração e a individualidade se entremeiam o tempo inteiro, tornando difícil 
dissociar o projeto poético do grupo do projeto poético de cada integrante. Mariano 
Klautau Filho define o Caixa de Pandora como um “grupo de pessoas que estavam 
experimentando. Havia a ideia de não obedecer territórios. Precisava-se trabalhar 
em conjunto. Era um trabalho coletivo”3. Todos eram advindos das oficinas e ações 
da Fotoativa na década de 1990 e se preocuparam em distanciar o conceito 
localizado de Amazônia para pensar um lugar que para eles era global e onde 
poderiam transbordar suas inquietações para o mundo, tornar a fotografia paraense 
deslocalizada e parte de um conjunto conceitual que dialogasse com as discussões 
iminentes acerca da construção da imagem na contemporaneidade. 
Como afirma Marisa Mokarzel (2008), embora os artistas não tivessem noção 
da dimensão histórica que seus trabalhos estavam proporcionando à concepção de 
fotografia na época em Belém, suas construções poéticas conseguiram desviar a 
 
3
 Entrevista realizada por Marisa Mokarzel com Mariano Klautau Filho em 23 de junho de 2008 
e publicada no texto “Caixa de Pandora: Deslocamentos, novas linguagens e práticas na fotografia 
paraense dos anos 1990”. 
24 
 
direção para a qual a produção paraense estava caminhando e inseriram no circuito 
de arte local a necessidade de surgimento de um novo pensamento acerca da arte, 
de uma arte contemporânea que a partir deste contexto surge como possibilidade de 
deslocamento dos padrões da década anterior, que de certa maneira moldaram a 
produção local para uma iniciativa de discussão extremamente localizada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
CAPÍTULO 2 - PROCESSOS CRIATIVOS EM REDES DE COLABORAÇÃO 
 
Com o auxílio da Semiótica Peirciana, as teorias do processo de criação 
delimitam cinco etapas que constituem a criação: a ação transformadora, o 
movimento tradutório, processo de conhecimento, construção de verdades artísticas 
e o percurso de experimentação. Essas fases de desenvolvimento do percurso 
criativo é que possibilitam uma materialização, o surgimento de um produto que 
chegará ao público. 
Segundo os estudos de Cecília Almeida Salles (2006) este caminho criador é 
um percurso construído a partir de tendências que muitas vezes se repetem ao 
longo da história de criação de um artista, que diferente da ciência não busca uma 
verdade sistematizada, mas trabalha, também, no campo da intuição. A autora 
chama a atenção para a necessidade de lançarmos um olhar para os meios e 
técnicas utilizadas por esse artista, pois estes se revestem da vontade poética deste 
produtor. A escolha pela utilização da linguagem fotográfica em detrimento de uma 
pintura não é aleatória. No entanto, é importante ressaltar que esse processo de 
escolha de linguagens na arte contemporânea é essencialmente híbrido e 
transpassado por mais de uma escolha técnica. 
O que hoje conhecemos como Crítica de Processo tem seus subsídios na 
Crítica Genética, os estudos da gênese do processo de criação, embasada na 
perspectiva de que uma obra é construída a partir de uma série infinita de agregação 
de idéias que por aproximação se materializam em um objeto de arte. As 
metodologias de análise preocupam-se em compreender, além de uma interpretação 
do produto artístico, alguns dos caminhos conceituais que levaram um artista a 
determinada materialização de um pensamento em processo. 
 Para alcançar alguns desses caminhos a Crítica de Processo se vale do que 
denomina “Documentos de processo”, materiais como rascunhos, fotografias, 
entrevistas, arquivos digitais, manuscritos, entre outros. Foram estes os materiais 
que nos serviram de base para a prospecção desta pesquisa. Nesse caminho, 
lançamos mão de um mecanismo indutivo de formulação de hipóteses e 
generalizações a partir da observação desses documentos em sua relação com a 
obra entregue ao público. 
 Ao discutirmos no capítulo anterior o contexto histórico em que o Grupo Caixa 
de Pandora estava inserido na ocasião de seu surgimento procuramos já neste 
Maria Clara M Pardini
Maria Clara M Pardini
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26 
 
momento trazer a tona o tempo e espaço externos que configuraram e influenciaram 
de alguma maneira aqueles artistas e seu movimento criador. A concretização da 
obra se dá, portanto, na relação indissociável entre forma e conteúdo, o que reforça 
a necessidade de compreender o movimento tradutório em sua relação com 
linguagens e materialidades outras. Apesar do produto final se materializar em uma 
linguagem, seu percurso é essencialmente intersemiótico. 
 A partir da Semiótica Peirciana, a Crítica de Processo encontrou um caminho 
para a construção de bases de discussão da generalização do movimento criador. 
Começamos a falar de Semiótica chamando atenção para o fato de que por 
justamente ser uma teoria generalista faz-se necessário a busca por outras 
referências específicas para a compreensão dos casos estudados. Neste ponto 
surge a necessidade de buscarmos um aporte teórico em estudiosos da imagem, 
como Jacques Aumont, e da Literatura, como Affonso Romano de Sant’anna. 
 Segundo os estudos de Cecília Almeida Salles (2006) o conceito de semiose 
(ação do signo) possibilita a formulação de teorias para uma generalização da 
criação. Ainda de acordo com Salles (2006): 
 
A principal função do signo é interpretar e ser interpretado simultaneamente. 
Interpretação é, para Peirce, um momento indispensável de qualquer signo. 
Nada é um signo por ele mesmo, mas somente por conta de outro que o 
decifra como um signo. (SALLES, 2006, p. 163). 
 
 A partir deste excerto podemos compreender que a criação, essencialmente 
signo, se dá em uma constante mutação de interpretações e que do primeiro insight 
do artista ao primeiro contato do público com a obra as ativações estão em um 
movimento transformador que percorre tempo e espaço em um contínuo. Isso nos 
faz inferir que todo objeto artístico, como processo sígnico, é apenas uma versão 
possível do que poderia vir a ser, a partir do contato com qualquer uma mente 
criadora. Essa ausência de autonomia sígnica,
que afeta diretamente a criação, é o 
que a semiótica Peirciana denomina sinequismo. Esta própria pesquisa, como 
criação é, portanto, apenas uma versão interpretativa possível. 
 Embora contínuo o processo de criação surge com tendências, direcionado a 
determinado caminho, o que Salles (2006) denomina “causação final”, ou “desejo 
operativo” segundo Charles Sanders Peirce, que se finda em uma materialização 
qualquer, em nosso campo de análise uma obra de arte. Esta obra possui um teor 
Maria Clara M Pardini
Maria Clara M Pardini
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essencialmente comunicativo, ou seja, produz signos a serem interpretados, o que 
torna essa concepção de sinequismo mais clara. 
 É a partir dessa característica da criação como processo sígnico que Cecília 
Almeida Salles lança as bases para pensarmos essa criação como “movimento 
tradutório” em signos, o que está relacionado à “coexistência dinâmica das três 
categorias da fenomenologia Peirciana: primeiridade (sentimento, sensação), 
secundidade (ação, confronto) e terceiridade (interpretação, síntese intelectual)” 
(SALLES, 2006, p. 173). Em suma, a autora preconiza que: 
 
Esse percurso sensível e intelectual pode ser descrito como um movimento 
falível com tendências, sustentado pela lógica da incerteza, englobando a 
intervenção do acaso e abrindo espaço para a introdução de idéias novas. 
Um processo onde regressão e progressão são infinitas, portanto, sem 
definição de origem, nem final. (SALLES, 2006, p. 173). 
 
Para pensar o processo criativo por meio da Crítica de Processo é essencial 
também ter em mente dois importantes conceitos, o da Criação como Rede e do 
Inacabamento. Por Criação como Rede entendemos uma legitimação do processo 
criativo como formado por uma infinidade de fatores, ações e percursos que 
constituem a poética de um artista, e que estão intrinsecamente ligados entre si, 
perfazendo uma organicidade dinâmica. Cecília Almeida Salles sustenta seus 
estudos nas teorias de Pierre Musso acerca do pensamento em rede. Segundo o 
autor, uma rede pode ser determinada como: 
 
[...] uma estrutura de interconexão instável, composta de elementos em 
interação, e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento. 
Pode-se distinguir Três níveis nessa mesma definição: A rede é uma 
estrutura composta de elementos em interação; [...] A rede é uma estrutura 
de interconexão instável no tempo; [...] a modificação de sua estrutura 
obedece a alguma regra de funcionamento.. (MUSSO, 2007, p. 31). 
 
Ainda na perspectiva de definição do conceito de rede, Pierre Musso cita 
Henri Atlan e declara que “A rede é mais que a máquina, porém menos que o 
vivente; mais que o linear, porém menos que o hipercomplexo; mais que a árvore, 
porém menos que a fumaça” (MUSSO, 2007, p.30). 
Esta rede ainda segundo o autor é construída por uma pluralidade de pontos 
que se interligam por uma variedade de ramificações. Cada ponto, ou pico, é nada 
mais que o encontro entre ramificações, um edificador de passagens que se 
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encontram para o surgimento de uma racionalidade que permitirá a aparição de 
novas ligações e assim sucessivamente. 
 O contato com os processos do grupo Caixa de Pandora nos permitiu 
identificar uma relação de auto-suficiência poética de cada integrante bem como 
concomitantemente uma relação dialógica entre os percursos criadores dos artistas. 
Os espaços expositivos construídos pelo grupo constituíam uma totalidade que ao 
mesmo tempo era coletiva e individual. Cada artista integrava a exposição com um 
trabalho individual que, no entanto, mantinha relação direta com questões que 
perpassavam em conjunto as inquietações poéticas de todos os integrantes. 
 Este fato nos fez levantar a hipótese de que o Caixa de Pandora trabalhava 
em uma perspectiva do que propomos denominar de processos criativos em Redes 
de Colaboração, dialogando com o conceito de Rede proposto por Pierre Musso e 
seus desdobramentos na Crítica de Processo. Devemos levar em consideração que 
ao falarmos de Criação em Rede preconizamos em duas instâncias: o processo 
criativo de cada artista; e o processo criativo colaborativo entre os artistas, nosso 
principal objeto de análise neste momento. 
 Como já discutido por Salles (2006), estes processos organizados em rede se 
constituem de uma infinidade de elementos que se interconectam para a formação 
do pensamento criativo em rede. Esses elementos fundadores da rede da criação, o 
que Musso (2007) chama de picos, recebem a denominação de Nós de Interação na 
Crítica de Processo, delimitando mais especificamente as questões que sustentam a 
formação dessa rede. 
 Para pensar os processos do Caixa de Pandora em Redes de Colaboração foi 
necessário identificar justamente esses elementos interconectados que sustentam o 
pensamento criativo coletivo, ou seja, elementos que encontraremos como base de 
configuração criativa no trabalho dos quatro artistas que compõem o grupo, na 
medida em que partem de discussões comuns para a produção de suas obras. Esse 
percurso investigativo nos levou a três principais Nós de Interação centrais à 
criação: 1- O processo de tradução do conteúdo literário; 2- A Fotografia Expandida; 
3- A espacialização da imagem. 
 Ao falarmos de processo de tradução é importante termos neste trabalho uma 
diferenciação clara, já que essa terminologia nos servirá para dois momentos. Em 
primeira instância, e como Nó de interação, esse processo de tradução se refere às 
apropriações de conteúdos literários feitas pelos integrantes do Grupo Caixa de 
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Pandora para a construção de seus trabalhos em fotografia, vídeo, objeto e 
instalação. Em segunda instância a noção de tradução toma um sentido mais amplo 
ao dialogarmos com a semiótica Peirciana para compreendermos o processo de 
criação como essencialmente tradução de signos, como já anteriormente discutido. 
Esses dois âmbitos de tradução são, no entanto, complementares, já que 
procuramos compreender este processo de tradução do conteúdo literário como 
uma ação que perpassa todo o processo criativo do grupo. Esta tradução de 
conteúdos outros integra, veremos mais à frente, um dos principais fatores para a 
expansão da linguagem fotográfica e audiovisual nos trabalhos do Grupo Caixa de 
Pandora. 
 Ao integrar a esse discurso a noção de Inacabamento, proporcionamos a 
edificação de uma das principais características da rede, a dinamicidade e 
mobilidade. Isso significa dizer que o processo criativo de um artista, ou os pontos 
de interação do processo de vários artistas, como em nosso objeto de análise, se 
encontram em constante mutação e continuidade, e que a criação é um contínuo de 
interconexões, ou seja, uma obra exposta acaba por ser apenas a materialização de 
um projeto poético maior que direciona o artista. 
 Identificamos com maior clareza nos processos individuais de Orlando 
Maneschy e Cláudia Leão esse princípio de continuidade em um projeto artístico que 
permeia também as suas produções “fora” do grupo Caixa de Pandora. Orlando 
Maneschy nas exposições
“Não” (1994) e “Faustine ou a Cidade e os Olhos” (1996), 
e Cláudia Leão nas exposições “O rosto e os outros” (1995) e “O Jardim dos 
Caminhos que se Bifurcam” (2000) acabam por partir de alguns dos mesmos Nós de 
Interação que sustentam a Rede da Criação do processo colaborativo no Caixa de 
Pandora. É importante ressaltar que em função dessa continuidade das interações 
gerativas da rede, os trabalhos individuais desses dois integrantes acabam por 
compor também a rede de criação do grupo, na medida em que se torna dificultoso 
delimitar onde termina o processo do artista inserido coletivamente e onde começa a 
rede individual de criação. Cláudia Leão em entrevista concedida ao projeto discorre 
sobre essa perspectiva: 
 
[...] entendo que no meu caso eu utilizava materiais tanto para o meu 
trabalho quanto para as exposições (Caixa de Pandora), para mim não 
havia um limite, talvez por esse motivo a minha intenção nunca foi fazer um 
trabalho específico para ela (Pandora), sempre utilizei espelhos, vidros, as 
imagens borradas e com alterações nos processos químicos, nunca achei 
Maria Clara M Pardini
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30 
 
esse limite. Na verdade para mim faço o meu trabalho, e não um trabalho 
específico para essa ou aquela exposição. Por exemplo, na pandora dos 
espelhos, que são três espelhos que estiveram na minha individual, eu vou 
utilizar esse três espelhos e retomar as imagens do Man Ray e fazer uma 
nova possibilidade para aquelas imagens.
4 
 
Nos trabalhos individuais de Orlando Maneschy e Cláudia Leão 
visualizaremos o retorno de uma série de discussões e personagens que permeiam 
as exposições do Grupo Caixa de Pandora, como as personagens Faustine e Maria, 
que aparecem horas em exposições individuais, hora nas exposições em grupo. 
Falamos da construção de exposições que primam pela edificação de 
ambientes que são unificados a partir de uma linha temática única. No entanto, esse 
ambiente fundado no espaço da galeria não é matericamente unificado. O que 
conseguimos visualizar a partir da coleta de materiais foi a existência de trabalhos 
individuais que caminham para o que conhecemos hoje como instalação, mas que 
na época, ainda não eram entendidos como tais em âmbito local, com exceção da 
experiência realizada no ano de 2006 em Belém no Laboratório das Artes do Espaço 
Cultural Casa das Onze Janelas. 
Discutiremos estes Nós de Interação no processo criativo do grupo levando 
em consideração a noção do Inacabamento como fundamental para compreender 
como a atuação coletiva interfere ou é na verdade um elemento que proporciona 
uma continuidade poética das relações estabelecidas nas produções expostas. 
Abaixo apresentamos um esquema conceitual de como estaria construído essa rede 
de criação do Grupo Caixa de Pandora a partir das obras produzidas pelos artistas 
para essas exposições e seus principais inquietamentos propulsores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4
 Entrevista concedida pela artista para a pesquisa em 14 de agosto de 2012 
Maria Clara M Pardini
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FIGURA 03: Simulação da Rede de criação do Grupo Caixa de Pandora. 
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CAPÍTULO 3 - PROCESSOS DE CRIAÇÃO NO CAMINHO DA TRADUÇÃO 
 
 A primeira discussão pertinente aos processos criativos do grupo refere-se ao 
processo de Tradução Intersemiótica que perpassa toda a sua produção, 
principalmente em relação às traduções realizadas a partir do Mito de Pandora. 
Devemos ao autor Roman Jakobson (2007) a distinção e definição da Tradução 
Intersemiótica como um fenômeno, que consiste em transposições de um sistema 
sígnico para outro. Nesta direção, Julio Plaza publica o livro “Tradução 
Intersemiótica” (1987) e confere a este termo uma fundamentação e 
aprofundamento teórico mais especificamente aplicado às artes visuais, 
 Para construir uma teorização acerca destes aspectos de tradução Júlio Plaza 
assim como Cecília Almeida Salles se vale dos estudos do semioticista Charles 
Sanders Peirce. Como essencialmente semiose, o processo de tradução 
intersemiótica está também ligado a uma transposição, mas nesse âmbito estamos 
falando especificamente de ações artísticas que partem de uma determinada 
linguagem para resultarem em outra enquanto objeto artístico. Da fotografia para o 
vídeo, do desenho para a escultura, da literatura para a fotografia, por exemplo. O 
autor delimita a tradução como leitura, metacriação: 
 
como ação sobre estruturas, como diálogo de signos, como síntese e 
reescritura da história. Quer dizer: como pensamento em signos, como 
trânsito dos sentidos, como transcriação de formas na historicidade. 
(PLAZA, 1987, p. 14). 
 
 Plaza (1987) lança subsídios para pensarmos a tradução como um 
mecanismo muitas vezes indistinguível da criação, como processos que por meios 
diferentes podem produzir efeitos análogos. “Nessa medida, traduzir lato sensu, é 
uma operação metalingüística embutida na própria produção de linguagem (PLAZA, 
1987, p. 27). 
 Para a teoria da tradução intersemiótica a concepção de original é, portanto, 
um dado ineficiente, já que mesmo o conteúdo que poderia se pensar original é 
resultado de uma semiose que por sua vez surge de um processo indefinido de 
traduções. Nesse sentido a ideologia da fidelidade mostra-se metodologicamente 
também ineficiente para compreender a complexidade das ações de tradução. A 
diferença entre criação e tradução intersemiótica, se resume basicamente ao fato de 
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que existe uma escolha consciente de determinado signo a ser traduzido no 
processo de semiose, o que não ocorre necessariamente na criação de maneira 
mais abrangente. 
 Plaza ainda nesta publicação estabelece uma relação com as três tipologias 
principais de signo instituídas por Peirce (ícone, índice e Símbolo) para a partir de 
suas características pensar também tipologias de tradução. O autor institui então a 
Tradução Icônica como aquela em que existe uma similaridade ou equivalência de 
estruturas com o objeto de tradução. Tradução Indicial como um contato transitório 
entre objeto traduzido e objeto tradutor, uma relação de proximidade que, no 
entanto, desajusta certas estruturas em comum. Por fim, a Tradução Simbólica, que 
opera a partir de metáforas, ações de caráter convencional. 
 Essas tipologias em nossa concepção tocam em alguns momentos as 
categorias estudadas por Affonso Romanno de Santa’Anna em seu livro “Paródia, 
Paráfrase e Cia” (1988). Neste livro o autor parte dos estudos de Tynianov e Bakhtin 
acerca dos conceitos de paródia e estilização para então reconfigurá-los e incluir 
neste âmbito outras duas categorias, a paráfrase e a apropriação. Para Romanno de 
Sant’Anna essas quatro categorias aparecem em instâncias de intertextualidade (na 
utilização de textos de terceiros) e intratextualidade (na retomada de seus próprios 
textos e percursos), o que nos rememora a concepção de inacabamento da criação, 
proposta por Cecília Almeida Salles. 
 Para fins de análise de conteúdos diversos, Romanno de Sant’Anna lança 
mão de algumas propostas metodológicas apresentadas no mesmo livro. Esses 
conceitos servem como suporte para tentarmos compreender os diálogos existentes 
entre objeto tradutor e objeto traduzido partindo, para isso, da noção básica de 
“desvio” como o fio condutor da instauração dessas quatro categorias em 
determinado repertório. A concepção de desvio nos aparece como uma medida da 
maneira como a tradução se distancia ou se aproxima do conteúdo traduzido, como 
reforça, reconstrói ou desconstrói este elemento poético. 
 Para melhor compreensão desses modelos é importante entendermos que
Tynianov e Bakhtin desenvolveram uma oposição entre paródia e estilização, em 
que a primeira existe numa discordância com o “original”, enquanto a estilização 
implica uma concordância de estruturas. 
 Por discordar deste dualismo Romanno de Sant’Anna propõe em seu primeiro 
modelo que pensemos a estilização como uma técnica geral de “desvio”, ou 
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deslocamento conceitual de determinado conteúdo, tornando a paródia e agora a 
paráfrase efeitos particulares. Nesse sentido, a paródia configura-se como uma 
espécie de estilização negativa, que transgride o conteúdo traduzido, enquanto a 
paráfrase seria como uma estilização positiva, que segue e dialoga em consonância 
com a estrutura traduzida. 
 Em um segundo modelo o autor apropria-se da concepção de desvio em nível 
mais restrito. Assim, em relação ao conteúdo objeto de tradução, a paráfrase 
aparece como um desvio mínimo da estrutura do conteúdo, a estilização como um 
desvio tolerável e a paródia no sentido de desvio total. Um terceiro modelo inclui 
uma categoria ainda não discutida, a apropriação, que se configura como a 
“radicalização da paródia (...), uma técnica que se opõe à paráfrase e diverge da 
estilização” (SANT’ANNA, 1988, p. 46). Este último modelo opera a partir das 
seguintes características: paráfrase e estilização como um conjunto de similaridades 
em que a paráfrase apresenta um desvio mínimo e a estilização um desvio tolerável. 
Já paródia e apropriação atuam no âmbito do conjunto das diferenças. Paródia como 
desvirtuadora do conteúdo e apropriação como uma radicalização da paródia. 
 Para efeito de análise do nosso objeto de estudo optamos pela utilização do 
segundo modelo proposto por Romanno de Sant’Anna por dialogar com as 
características e níveis de tradução instituídos por Júlio Plaza. Vislumbramos nessa 
relação a paráfrase como tradução icônica, estilização como tradução indicial e a 
paródia como tradução simbólica. 
No que se refere aos processos de tradução, identificamos nas ações do 
grupo Caixa de Pandora a transposição do Mito de Pandora, um conteúdo literário, 
para obras visuais como fotografias e vídeos. Nesse sentido, os integrantes do 
grupo criam suas interpretações do Mito a partir de particularidades que lhe tocam 
invocadas pelas questões que a própria metáfora do mito discute, como memória, 
tempo, esquecimento, desaparecimento, inclusive nomeando o grupo. Pandora foi 
mitologicamente a responsável pela abertura da Caixa que continha todos os males 
do mundo, tais como as pragas, o despeito, a inveja e a vingança. 
 A partir desta figura vimos surgir as Pandoras de Lata e Pandoras de Água 
(Flavya Mutran), Pandora de Vidro e Pandora de espelhos (Cláudia Leão), Pandora 
The Electronic Box (Mariano Klautau Filho) e a Pandora de Sangue (Orlando 
Maneschy). 
 
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 Compreendemos as ações do Caixa de Pandora em dois principais 
processos, o da estilização e da paródia. Podemos entender, por exemplo, as 
Pandoras de Lata de Flavya Mutran perpassando pelo processo de estilização, na 
medida em que mantém uma similaridade com seu original, no que se refere, por 
exemplo, à representação da figura feminina e a utilização de objetos, caixas, que 
guardam estas imagens, fazendo clara alusão à caixa presente no mito. O objetivo 
de Flavya mutran, bem como de todos os outros integrantes do Caixa de Pandora, 
não é, no entanto tanto, primar por uma linearidade e regularidade de discurso no 
que se refere à narrativa do Mito de Pandora, mas buscar estabelecer um diálogo 
com os seus pontos chaves de modo a fazer emergir discussões de cunho onírico e 
de uma pessoalidade poética de interpretação do signo em personagens fictícios 
que não são a própria Pandora, mas sua reminiscência na consciência de cada 
artista. 
 
 
Figura 04: Pandoras de Lata (1993) 
Artista: Flavya Mutran 
Fonte: Acervo da artista 
 
 Ao apresentar suas Pandoras Mutran lança mão do universo feminino e 
instaura um discurso de gênero, da potencialidade poética desta mulher que toma 
um rumo de descoberta em sua relação com o espaço, o olhar como metáfora do 
cuidado, a que guarda um segredo e o torna sua maior arma de manipulação de 
uma realidade. Os pontos entre fotografia e mito aqui se interconectam justamente 
nessas questões, como a vontade de guardar, o cuidado de si, o elemento que 
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metaforicamente abriga a mulher, abriga a possibilidade de vida, a caixa que 
conforma e tem a possibilidade de deformar no momento em que escapa de si 
própria. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 05: Pandoras de Lata (1994) 
Artista: Flavya Mutran 
 Fonte: Acervo da artista 
 
Em outra direção, Orlando Maneschy ao apresentar sua Pandora de Sangue 
em 1995 acrescenta um dado de inquietação à interpretação do Mito, pois institui 
sua Pandora como uma figura masculina, caminhando para algo que 
compreendemos como localizado entre a estilização e a paródia, ou seja, um desvio 
abrupto que, no entanto, é tolerável às especificidades do original, e que embora 
traga novos dados, não chega a romper completamente. Como um dado de 
inquietação ao Mito, Maneschy propõe a existência de uma Pandora masculina em 
seu retrato coberto de sangue humano. Diferente de Flavya Mutran, o artista quer 
imbuir Pandora de uma aura mais que simplesmente feminina. Maneschy converte 
esta especificidade em uma generalização de gênero, opondo-se a Mutran. A 
imagem dessa figura masculina prensada em vidro e suja de sangue dialoga com 
um espaço de medo, em que velas acesas no chão vão ao longo da exposição 
derretendo e trazendo escuridão à imagem, uma metáfora do tempo como norteador 
de percursos. O espaço adquire um teor de ritual, de sacralização da imagem, uma 
Pandora que existe nas conexões entre fotografia e ambiente, no teor de discussão 
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da efemeridade da matéria, no sangue, na vela. Vislumbramos, portanto, conexões 
entre imagem e mito a partir de relações de concordância e discordância, na 
presença da figura masculina e na relação ritualística que envolve esta figura. 
 
 
 Figura 06: Pandora de Sangue (1995) 
 Artista: Orlando Maneschy 
 Fonte: Acervo do artista 
 
 
 
Figura 07: Pandora de Sangue–Detalhe (1995) 
Artista: Orlando Maneschy 
Fonte: Acervo do artista 
 
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Maneschy também desdobra a personagem Pandora, ao apropriar-se de um 
auto-retrato de Cláudia Leão nessa mesma edição do projeto (1995), constituindo 
uma Pandora que parece anunciar o que viria a acontecer em seu espaço 
expositivo. Esta mesma obra apareceria na instalação Faustine, ou a cidade e os 
olhos (1996) como se possuísse uma identidade movente, fluida. 
Além do Mito de Pandora, os autores trabalham com outras relações de 
tradução do conteúdo literário e também de outras linguagens. Cláudia Leão insere 
uma imagem da personagem Maria, do clássico longa-metragem Metrópolis de Fritz 
Lang em sua Pandora de Vidro, como numa tentativa de aprisionar aquela realidade 
cinematográfica em sua base de produção, a fotografia, que a partir de manipulação 
incorpora uma estética do “sujo”, do excesso, uma grande lâmina de vidro que 
coberta por vários vidros côncavos e poeira dourada representa a própria ação do 
tempo em um trabalho direto de referência, o que poderíamos compreender como 
uma paráfrase. Em 1995, Mariano Klautau Filho apresenta o trabalho Pandora The 
Electronic Box, um desdobramento de Pandora The Eletronic Box de 1993, e traz a 
tonas referências estéticas à montagem e sequências cinematográficas e à 
linguagem dos quadrinhos, a partir da construção de personagens que atuavam na 
imagem fotográfica e eram
também transfigurados para o trabalho em vídeo, além 
de inserir em meio às imagens fragmentos do poema “O Homem e sua Hora”, de 
Mário Faustino. 
 
 
Figura 08: Pandora de Vidro (1993) 
Artista: Cláudia Leão 
Fonte: Acervo do artista 
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Nesta obra, Mariano Klautau Filho parece também aglutinar a concepção de 
paráfrase, por incluir diretamente a obra de Mário Faustino ao seu trabalho, bem 
como uma estilização ao propor uma narrativa viva, orgânica que viesse a 
apresentar e não representar o texto traduzido em imagens fotográficas de uma 
mulher que a partir de um processo de edição tornam-se vídeo, intercaladas por 
trechos do citado poema. No vídeo esta série de imagens apresenta um ensaio 
sobre a cidade, e a presença de uma mulher que percorre espaços com ar de 
nostalgia e busca de memórias. 
 
 
 
Figura 09: Pandora The Eletronic Box (1993) 
Artista: Mariano Klautau Filho 
Fonte: Acervo da artista 
 
Ainda nessa vertente de tradução, Orlando Maneschy na exposição “Faustine 
ou a Cidade e os Olhos” (1996) parte do livro “A invenção de Morel” de Adolf Bioy 
Casares para a materialização em fotografia da personagem principal do romance, 
Faustine, a qual Maneschy insere em uma perspectiva local de discussão de 
patrimônio, identidade, espaço, em que a imagem de Cláudia Leão assume o papel 
da mítica personagem. Segundo o próprio artista: 
 
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“Tempo e memória foram pontos de partida para este projeto fotográfico, 
onde os personagens que habitam meus sonhos e lembranças trilharam os 
caminhos de minha cidade imaginária, numa busca interior, onde o caminho 
possível para o encontro é a imagem” (MANESCHY, 1995)
5
 
 
O livro de Bioy Casares traz consigo um potencial discursivo acerca da 
imagem como linguagem, uma realidade existente na ilha onde a personagem 
Faustine é o resultado em imagem de uma máquina que capta os cinco sentidos do 
homem, perdurando-o imageticamente para a eternidade. Uma metáfora da ideia de 
que “não há seres humanos, mas imagens humanas. A vida é feita da matéria das 
imagens”, segundo Fernando Gerheim (2008). 
 
 
Figura 10: “Faustine ou a Cidade e os Olhos” (1996) 
Artista: Orlando Maneschy 
Fonte: Acervo do artista 
 
5
 Texto retirado do folder de divulgação da exposição. 
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Figura 11: Fotografia da exposição “Faustine ou a Cidade e os Olhos” (1996) 
Artista: Orlando Maneschy 
Fonte: Acervo do artista 
 
 
 
 Cláudia Leão também apresenta tais discussões na exposição “O Jardim dos 
Caminhos que se Bifurcam” (2000), em que faz alusão ao conto homônimo de Jorge 
Luis Borges e discute principalmente a fragilidade da matéria, a conservação do 
patrimônio e a questão do duplo, de forte presença na literatura de Borges e tão 
intrinsecamente relacionado à fotografia. Em um de seus documentos de processo, 
o dossiê da devida exposição, Cláudia Leão incorpora a própria fala de Borges em 
um jogo claro de intertextualidade: 
 
“... imaginar as estrelas, ao amanhecer, caem lentamente, como caem as 
folhas das árvores; isso, se fosse certo, mostraria que a imagem é frívola. A 
imagem que em um único homem pode formar é a que não toca ninguém. 
Infinitas coisas existem na terra; qualquer uma pode comparar-se a 
qualquer outra. Comparar estrelas com folhas não é compensação, 
ninguém nunca sentiu que o destino é forte e é rude, que é inocente e é 
também inumano. Para essa convicção, que pode ser passageira ou 
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contínua, mas que ninguém evita (...) o tempo, que despoja as fortalezas, 
enriquece os versos (...)” Jorge Luís Borges. 
6
 
 
Borges traz à tona as relações com o próprio sentido de signo, metáforas 
introduzem o leitor em uma perspectiva de escolhas constantes realizadas pelo 
personagem para conduzir a narrativa, e destas relações parte Cláudia Leão para a 
construção de seu próprio labirinto de imagens e a discussão de um duplo que 
contempla o conteúdo literário e a produção imagética a partir da fotografia e da 
utilização do espelho e suas metáforas de duplicação como suporte artístico. Leão 
ainda em seu dossiê declara que: 
 
“Os personagens que construo e que formam está série, compõem um 
projeto de ambientação/instalação utilizando obras montadas em espelhos 
oxidados, vidros de janelas e projeções de slides. Criando uma atmosfera 
de sonhos sobrepostos interferidos por quem atravessa as imagens que 
refletem em espelhos e se soltam dos vidros fazendo caminhos de luz, 
tendo como resultado diálogos sobre um estranho território para a felicidade 
de alguns desejos que são inatingíveis, porque me parece que o passado 
resta nos olhos.” (LEÃO, 2000).
7
 
 
 
 Orlando Maneschy chegou a se dedicar a análise dos trabalhos de Cláudia 
Leão e institui a saudade como uma palavra fundamental para compreender os 
percursos discursivos da artista. Para Maneschy tempo e saudade se articulam nas 
fotografias de Leão que atua como uma “semeadora de memórias possíveis” pondo 
em cheque situações de nostalgia, do tempo de uma cidade não vivida, mas refletida 
a partir de seus prédios, praças e personagens, um desejo do passado, a busca e a 
perda. 
 
 
 
 
 
 
6
 Texto retirado do memorial descritivo da exposição “O jardim dos caminhos que se bifurcam”. 
7
 Texto retirado do memorial descritivo da exposição “O jardim dos caminhos que se bifurcam” 
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Figura 12: Instalação “O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam” (2000) 
Artista: Cláudia Leão 
Fonte: Acervo da artista 
 
 
 
 
Figura 13: Fotografia integrante da instalação “O Jardim dos caminhos que se bifurcam” (2000) 
Artista: Cláudia Leão 
Fonte: Acervo da artista 
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 No memorial descritivo deste projeto encontramos um dado interessante e 
que muito pode nos servir à compreensão de como as materialidades escolhidas por 
Cláudia Leão interferiram ou sofrem interferência dos mecanismos de tradução. A 
artista apresenta os dados necessários para a materialização da obra segundo o 
descrito abaixo: 
 
“No Laboratório Fotográfico trabalho um tempo para as minhas imagens, 
através da manipulação do filme – baixando a densidade sugerindo uma luz 
tênue; e suave deixada nas sombras – papel fungado. O resultado é que na 
cópia a imagem parece se perder junto com a memória. (...) Os 
personagens que construo e que formam esta série, compõem um projeto 
de ambientação/instalação utilizando obras montadas em espelhos 
oxidados, vidros de janelas e projeções de slides. Criando uma atmosfera 
de sonhos sobrepostos interferidos por quem atravessa entre as imagens 
que refletem em espelhos e se soltam dos vidros fazendo caminhos de luz, 
tendo como resultado diálogos sobre um estranho território para a 
felicidade, porque me parece que o passado resta nos olhos” (LEÃO, 2000). 
 
 Ao trabalhar com a apropriação de imagens de família e subverter seus 
caracteres tradicionais de tempo, Cláudia Leão embute nestas um passado que elas 
não possuem. O labirinto proposto por Cláudia Leão, tal como Jorge Luís Borges 
em seu conto, se faz pela intermitência entre pequenos detalhes de narrativas que 
poderão nos levar a percursos diferenciados no que poderíamos classificar como 
uma estilização das discussões majoritárias que também se entremeiam a obra de 
Borges. 
 Os casos aqui relatados consideram a tradução do conteúdo literário como o 
princípio mais imediato do processo de criação do Grupo Caixa de Pandora, o que 
nos leva a corroborar a existência deste mecanismo como essencial para as 
discussões que seguirão

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