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Autonomia Humana na História e na Cultura

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O Ser Humano em Sua 
Autonomia 
(Antropologia 
Descendente) 7
1. OBJETIVOS
• Compreender a "autonomia" da pessoa humana situada 
na história.
• Analisar a cultura, dom de Deus e vida do ser humano.
• Interpretar o trabalho como fonte de dignidade humana.
• Refletir sobre a ecologia humana.
2. CONTEÚDOS
• Ser humano em sua autonomia.
• História e historicidade do ser humano.
• Cultura, dom de Deus e vida do ser humano.
• Trabalho, fonte de dignidade humana.
• Ecologia humana.
© Antropologia Teológica200
3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
1) Para um aprofundamento bíblico sobre o lugar e o papel 
do ser humano na criação, sugerimos as seguintes leitu-
ras: Sl 104; Ex 33,11; Lv 25,2-7. Além disso, há o próprio 
ensino de Jesus (Mt 6,25s).
2) Sugerimos que você aprofunde a questão antropológica 
da ecologia ou da ecologia humana. Para isso, há muitas 
obras, especialmente os estudos de Leonardo Boff, tais 
como:
3) BOFF, L. Ecologia, grito da terra, grito dos pobres. São 
Paulo: Ática, 1995.
4) ______. Ecologia, mundialização, espiritualidade. Emer-
gência de um novo paradigma. São Paulo: Ática, 1993.
5) ______. Ethos mundial. Um consenso mínimo entre os 
seres humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
6) ______. Saber cuidar. Ética do humano – compaixão 
pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Nesta última unidade, você terá a oportunidade de adquirir 
diversos subsídios para poder refletir, de modo teológico, sobre o 
ser humano. 
Sem dúvida, você deve reconhecer a ampliação de seu modo 
de perceber e de analisar a pessoa humana, bem como sentir o 
amor de Deus por ela e valorizá-la para além de toda aparência, 
pois, assim, se passa a ter olhos de Deus, que vê a pessoa como 
sua criatura muito amada, a ponto de ele elevá-la à condição de 
filha e herdeira de Jesus.
No entanto, agora, convidamos você a se debruçar sobre al-
guns outros temas igualmente instigantes. Em outras palavras: é 
preciso fazer outro exercício intelectual, partindo da fé, para re-
fletir sobre questões bem concretas do ser humano: a sua justa 
autonomia, o seu estar na história e o fato de ele ser portador de 
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© U7 - O Ser Humano em Sua Autonomia (Antropologia Descendente)
uma cultura, de buscar sua dignificação por meio do trabalho e 
de corresponsabilizar-se pelas questões do meio ambiente e, de 
modo especial, pela ecologia humana.
Ao final desta unidade, você encontrará nosso curso resu-
mido em 16 afirmações. Será importante você mesmo conferi-las 
criticamente, pois já se deve sentir capaz de julgar o caminho feito. 
Aproveite bem esta unidade final, porque ela pode ser-lhe 
muito iluminadora. 
5. O SER HUMANO EM SUA AUTONOMIA
Vamos enfocar os temas desta unidade de modo holístico 
para permitir que você treine seus "voos teológicos pessoais". Em 
outras palavras, depois deste estudo, você terá uma preciosa "cha-
ve teológica" para abordar outras questões do ponto de vista da 
Antropologia Teológica. 
Seria interessante que, outra vez, você comparasse as diferenças 
e as aproximações da Antropologia Teológica com a Antropologia 
Filosófica. 
Depois que a Igreja, no Ocidente, foi constituída como reli-
gião oficial, passou a divulgar suas ideias ao lado do evangelho até 
criar uma consciência própria de cristandade. Nesse contexto his-
tórico, o ser humano passou a ser sempre mais a criatura de Deus, 
a sempre referida de Deus. 
A modernidade criou outros critérios, que vão, progressiva-
mente, tirando o ser humano da tutela de Deus. Emancipados da 
Igreja e de suas análises, muitos intelectuais passaram a interpre-
tar o ser humano como suficiente por si mesmo, como um ser sem 
a necessária dependência, sobretudo, de alguém acima dele. O ser 
humano emancipou-se, tornou-se "adulto".
© Antropologia Teológica202
O Concílio Vaticano II, na GS, compreendeu esse discurso e 
aceitou a autonomia do ser humano e das realidades terrestres, 
inclusive das sociedades. O universo – e, nele, o ser humano e as 
sociedades –, tem leis e valores próprios que devem ser admitidos 
e respeitados. Aliás, ao advogar o respeito pelas pesquisas e pelos 
seus métodos, a Igreja reconhece que essas realidades, no fundo, 
se originam de Deus mesmo.
Mais ainda: 
Aquele que tenta perscrutar, com humildade e perseverança, os se-
gredos das coisas, ainda que desta não tome consciência, é como 
que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todas as coisas, 
fazendo que elas sejam o que são. Portanto, seja nos permitido la-
mentar algumas atitudes que não faltam às vezes entre os próprios 
cristãos, por não reconhecerem claramente a legítima autonomia 
das ciências (GS. 36). 
Sem dúvida, a autonomia dos homens e das coisas não pode sair 
da alçada de Deus para uma escravização dos detentores huma-
nos dos fatores políticos, econômicos, sociais etc. 
A Antropologia Teológica procura estabelecer, de modo des-
cendente, o significado e o valor do ser humano, referindo-se a 
Deus. Em contrapartida, com base em uma Antropologia Teológica 
ascendente, é reconhecido o direito da autonomia e da liberdade 
humanas; mas a Antropologia, ao proceder assim, recorda que, 
ao se esquecer de Deus, a vida horizontal do ser humano torna-se 
obscura e descentrada, capaz de levar tantos ao desespero e ao 
absurdo.
Fundada na razão, a modernidade respeitou menos o ser 
humano ao promover a corrida armamentista e a instalação de 
determinados regimes econômicos e políticos. Além disso, ao in-
tensificar a sede do lucro e a ânsia do poder, especialmente nos 
últimos séculos, muitas pessoas quiseram construir uma socieda-
de sem levar em conta o ser humano. Um progresso embasado 
numa Antropologia apenas horizontal, infraterrena. Não que tal 
Antropologia seja, necessariamente, incorreta, mas pode ser in-
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suficiente. Em contrapartida, uma proposta antropológica vertical 
(embasada em Deus) pode tornar-se ingênua e/ou dogmatista e 
opressora – e isso não está distante, inclusive, de Igrejas e de reli-
giões atuais.
Mesmo rápida, deve-se dar, aqui, uma palavra sobre a Antropolo-
gia (horizontal) dos ateus. Eles não estão, necessariamente, erra-
dos. Podem, isso sim, ter perspectivas incompletas por ignorarem 
a compreensão do ser humano de modo mais profundo. Alguns 
ateus e/ou indiferentes podem viver e pensar assim (de modo hori-
zontal), como afirma a Igreja, muitas vezes, por culpa dos próprios 
cristãos.
Sobre a Antropologia Teológica subjacente no massacre dos 
tutsis e dos palestinos, no holocausto nazista e no extermínio de 
povos do Camboja. Partindo de que Antropologia se pode enten-
der a questão da realidade da inquisição e das guerras, inclusive as 
que ocorreram entre cristãos? O mesmo se pode perguntar diante 
de certas questões da biotecnologia (clonagens etc.) e dos salários 
mínimos. 
A bênção de Deus, no mito etiológico da criação (cf. Gn 1,28 
ss), é o caminho de Deus para a responsabilidade e para a liber-
dade (igual a autonomia humana). Se o definitivo jardim de Deus 
será "o novo céu e a nova terra" (Ap 21), o jardim do homem é o 
espaço em que ele mora, atua, cria e inventa. Atuar livre e res-
ponsavelmente é o sinal da autonomia humana. Essa bênção do 
Senhor torna-se, na verdade, um mandato para a autonomia do 
homem. O ser humano assume seu jardim, e transforma-o à sua 
imagem. Enquanto o ser humano é "imago Dei", o mundo é "ima-
go homini". 
Todo ser humano vive com um olho em Deus e com o outro 
no mundo. Reconhece o significado de Deus para sua vida, mas 
sabe de sua responsabilidade na construção do seu jardim.
Você perceberá no desenvolvimento das próximas ideias 
que a primeira questão é a da história, enquanto a primeira
ação 
© Antropologia Teológica204
humana é a questão da cultura. Depois, advirão outras questões, 
umas mais fundamentais que outras, como o trabalho, a constru-
ção da história, o cuidado pela natureza, a inter-relação com os 
outros como construção da sociedade, as questões do amor, da 
festa, da pesquisa, enfim, do significado do ser humano no seu 
espaço de vida. 
Vamos abordar apenas alguns significados. Você mesmo po-
derá e deverá desenvolver as outras, sejam elas citadas ou não, 
porque temos a certeza de que você já adquiriu instrumental e 
fontes para isso.
6. HISTÓRIA E HISTORICIDADE DO SER HUMANO 
Nossa perspectiva é, sem dúvida, a da Antropologia Teológi-
ca. Não se trata, portanto, de uma simples leitura da vida. 
Nesse sentido, vejamos o conceito de história e historicidade:
1) História: é o contexto significativo e operativo em que se 
impõe a salvação revelada por Deus e crida pelos seres 
humanos.
2) Historicidade: é o modo humano de agir no presente, 
aberto para o futuro e condicionado pelo passado, den-
tro da tensão e dos condicionamentos, bem como do 
sentido e da liberdade. Dentro da história da salvação, 
sabemos tanto de nossa origem coletiva e pessoal quan-
to do nosso presente e futuro no plano de Deus.
Convém, aqui, que você recorde algumas ideias anteriormente 
citadas: processualidade, perfectibilidade, destinação, esperança, 
liberdade e outras. 
Daí é um passo para se afirmar que: o sentido radical e últi-
mo da história está no fim, na glória de Deus. A vida é construída 
de etapas, que mudam de acordo com as circunstâncias. A história 
é, então, o campo em que a pessoa humana atua na passagem do 
tempo para a eternidade. 
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O cristão transforma a sua vida em um tempo de peregrina-
ção marcado por três ideias determinantes, a saber:
• o tempo está assinalado pelas ações de Deus (cf. Sl 104; 
27; Ecl 3,1-8);
• é um tempo de salvação (cf. Dt 26,5-10; Js 24,2-13); 
• adquire uma dimensão escatológica.
Deus, que tudo criou, mantém a sua obra e leva-a para a 
plenitude. Ademais, atua na história, agraciando e salvando o ser 
humano e o cosmo. Assim agindo, Deus não tira a autonomia da 
história cósmica e humana, pois, só na história, o ser humano: 
1) pode ser livre; 
2) encontra o sentido da própria vida; 
3) entra em comunhão com Deus e com os irmãos; 
4) encontra Deus encarnado; 
5) estabelece comunhão concreta com a comunidade hu-
mana;
6) pode aperfeiçoar-se.
A história é o tempo salvífico no qual a humanidade e as pes-
soas se humanizam, vivem a liberdade e tornam-se cocriadoras 
com Deus. O ser humano, o que faz a história e quem ele é feito 
por ela 
Diferenciamos, aqui, as palavras "história" e "historicidade" para 
indicar não a ciência histórica ou a historiografia. Nosso interesse 
deve voltar-se para a vida real do ser humano, situada espaço-
-temporalmente, e para seu sentido. Lembre-se de, que como 
pessoa humana, você é um ser em construção e um construtor 
de sentidos. 
Em contrapartida, há uma história desde a hominização até 
a humanização do homo sapiens, a qual tem milhares de anos, 
quando se pensa na coletividade humana (o que você já estudou 
na Unidade 3). Contudo, a historicidade dos indivíduos é, também, 
comunitária. Possui um significado pessoal e social. Cada pessoa 
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sintetiza em si o cosmo e a humanidade sem se fechar em si mes-
ma, pois são suas relações que a confirmam exatamente como 
pessoa. 
A história de cada um tem um horizonte não apenas remoto, mas 
também próximo. Aí, incluem-se pais/avós, irmãos/filhos, paren-
tes e coabitantes da localidade/cidade. Além disso, nessa história, 
incluem-se as situações socioeconômicas e culturais, as religiosas 
e educacionais, as laboriais e políticas etc. A historicidade de cada 
pessoa está marcada pelo presente, condicionada pelo passado e 
aberta para o futuro.
 A historicidade do ser humano 
Todo ser humano se sente situado no tempo entre o que 
passou e o que virá. É assim que percebe sua vida como dom de 
Deus. Ela não é propriedade autônoma sua; é um dom que se tor-
na tarefa no espaço e no tempo. Perceber-se no tempo, para o 
cristão, é viver na alegria de ser criado e amado por Deus e de ser 
destinado à salvação no coração do próprio Deus. A experiência 
cristã orienta a vida presente para um futuro absoluto, nutrido por 
promessas divinas passadas.
A vida é vivida na história num crescendo. O nosso futuro já 
vai existindo a modo de peregrinação ascendente, experimentado 
nas tensões históricas. Deus encarnado participou de nossa vida 
no tempo: encarnou e viveu fazendo o bem; crucificado, morreu 
por nós e foi ressuscitado. Tornou-se Senhor da História porque 
abriu o significado dela para além de todo projeto humano – sem 
Deus, só pode ser de uma vida horizontal.
É na história que o ser humano vai definindo sua progressivi-
dade "em idade, sabedoria e graça", como Jesus (Lc 2,52). Nela, vai 
descobrindo e decifrando (mais ou menos) os "sinais dos tempos" 
que Deus coloca. 
A história é o espaço da revelação de Deus e do homem. A 
revelação de Deus quer ser salvadora do ser humano. Enquanto 
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tempo do ser humano, ela é a concreta possibilidade de cada um 
e de todos, conjuntamente, afirmarem a singularidade, a subjeti-
vidade e a reciprocidade humanas. Nela, o ser humano manifesta 
quem é e quem pode ser, sobretudo, ao situar, concretamente, 
toda a história humana – iluminada pela presença do Reino de 
Deus, suplicado como ensinou Jesus na oração do Pai-Nosso.
É construindo-se no cotidiano da história que o ser humano 
se faz, por meio do trabalho, da família, da cultura, do lazer etc. É 
nela também que se busca fazer a vontade de Deus, como é feita 
no céu. Nela, busca-se santificar o nome de Deus nas realidades 
terrenas e humanas. Mas, nela, também o ser humano, o cuidador 
do jardim terrestre de Deu, pode agir transcendendo a temporali-
dade da natureza e construindo a "temporalidade" que antecipa 
realidades futuras. Entre o trabalho e a livre decisão, o ser humano 
intervém no tempo e na história, como tarefa e como responsabili-
dade, no lugar de Deus. Afinal, ele não é imagem de Deus? 
A historicidade constituiu uma dimensão específica dos seres 
humanos. O universo cósmico e os animais não têm a consciência 
dela. Só os seres humanos são capazes de perceber e de descrever 
sua dinâmica. Enquanto histórico, o ser humano vive essa aventu-
ra, comum a todos, ao longo das gerações e participa de sua cons-
trução rumo ao definitivo – que só se encontra em Deus.
Se a transformação cósmica é um processo do dever físico-
-químico, a história é feita pelos homens. Nessa história dos ho-
mens, Deus faz incidir sua história de nossa salvação. Isso quer di-
zer que a história é feita pelos homens e por Deus, que atua se não 
por ações indiretas, pois colocou nela suas sementes de fertilidade 
contínua sem a sua necessária intervenção constante e imediata.
O resultado do dever histórico é a transformação da natureza pelo 
trabalho do ser humano, que chamamos natureza segunda. Eleva-
da pelo homem como expressão de sua inteligência e liberdade, de 
sua criatividade do novo. O dever histórico [...] consiste na própria 
ação do homem, que retoma, reinterpreta e relança os resultados 
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objetivos de sua ação, para o futuro, aberto sempre ao novo [...]. 
Assim, o devir histórico tem lugar na tensão dialética de continui-
dade e a descontinuidade, entre o passado, o presente e o futuro 
(ALFARO, 1988, p. 257-258).
Mais decisivo, porém, que o trabalho, é o próprio ser huma-
no. Ele é o único capaz
de unir o passado, o presente e o futuro, 
evitando um mero suceder-se do tempo e possibilitando, ainda, a 
antecipação do futuro.
Na história, entretanto, a ação humana é constituída como 
uma rede de acontecimentos positivos e negativos. Em suma: en-
tre ambiguidades. É grande o desenvolvimento humano no campo 
das ciências e da tecnologia, nos meios de comunicação e da cria-
ção artística e na luta pelos direitos humanos. Ao lado do positivo 
desenvolvimento, não se pode esquecer a expansão bíblica capaz 
de destruir tudo e todos, a mecanização industrial (nova forma de 
escravidão), a fome, a favelização, a criminalidade etc.
Na antecipação do futuro, é pelas atuais ações humanas que 
o ser humano transforma a natureza e a si mesmo. Se o ser huma-
no, num passado remoto, foi um "gigante" capaz de vencer as in-
tempéries da natureza e as adversidades das doenças, da fome, do 
frio e dos animais, a história deve ser continuada com a superação 
de tantas restrições econômicas, políticas, sociais e até humanas 
a que tantos homens e mulheres, por toda parte, ainda estão sub-
metidos. Aí, a construção do futuro pertence à humanização de 
todos: o crescente fazer-se humano em suas diversas dimensões, 
a saber: orgânica, psíquica, moral, consciência e liberdade.
Há, ainda, algumas variantes fundamentais que a Antropo-
logia Teológica detecta. São elas: a esperança-esperante (ver para 
frente: o ser humano como ser de esperança), a questão escatoló-
gica (caderno deste curso em semestres subsequentes) e a realiza-
ção humana definitiva.
O ser humano não constrói sozinho a história. A Antropo-
logia Teológica não cessa afirmar a constante presença salvífica 
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de Deus. Por vezes, pode parecer que a história dos homens tem 
só uma dimensão horizontal, que não tem princípio nem fim. Ela 
pode ser entendida como um caos, um absurdo sem diretividade 
nenhuma. No entanto, para os que creem, Deus é o Senhor da His-
tória. Ele acompanha o cosmo todo e, de modo especial, o ser hu-
mano. Deus ama especialmente essa criatura, pois a revelou como 
a única criada à sua imagem e feita para ser seu "lugar-tenente", 
seu representante no universo cósmico. 
O amor divino revelou-se mais ainda quando enviou seu pró-
prio Filho para que, sendo um de nós, fosse Deus – Deus conosco 
(Emanuel).
Assim, a história e a historicidade dos homens são pervadi-
das pela história salvífica de Deus. Tal história, revelada na Bíblia 
Sagrada, é um processo extensivo a todos os homens e mulheres 
da história, de todos os tempos e lugares. Afinal, todos somos fi-
lhos e filhas de Deus, aos quais ele quer salvar sem exceção.
Como histórico, o ser humano pode localizar-se em tempos e 
em espaços diversos. Todavia, esteja onde estiver, ele é alguém que 
ama e é amado, que sofre e participa de sofrimentos. Está vinculado 
a grupos sociais diversos. É aí que Deus o alcança e confirma sua 
filiação divina, bem como sua destinação eterna. É aí que Deus o 
agracia para que ele possa crescer e evoluir. É na história que ele se 
manifesta como um ser livre, aceitando ou rejeitando Deus.
 
O tema "ser humano como ser de esperança" será abordado 
adiante, nesta mesma unidade.
O seu dia a dia é um processo de libertação em pequenas e 
em grandes atitudes. Ao concretizar sua história, ele se torna (ou 
não) construtor de um mundo fraterno, que está comprometido 
com Deus e com a autonomia das realidades terrestres.
O ser humano é um peregrino e um construtor do mundo. 
Seu empenho histórico está em colaborar no crescimento cósmico 
© Antropologia Teológica210
e humano de modo autônomo, sem se esquecer de que a sua con-
tribuição é sempre algo que se soma ao plano de salvação.
A história pessoal e da humanidade toda deve ser lida à luz 
da história da salvação, na qual Cristo é o centro. 
7. CULTURA, DOM DE DEUS E VIDA DO SER HUMANO 
A historicidade humana concretiza-se na cultura. Deus cha-
ma o ser humano para participar de sua obra criacional, e a pessoa 
"cultiva" o mundo à sua imagem. O mundo é o jardim do ser hu-
mano, onde emprega suas forças para cultivá-lo. Cultivo e cultura 
têm a mesma raiz semântica. É exatamente nelas que Deus mos-
tra, pela ação humana, a riqueza de seus dons. Assim, as culturas, 
que são obras humana, são, também, obras e dons de Deus.
Você já pensou no que identifica a cultura humana? É o modo 
de viver, de agir, de pensar e de trabalhar que identifica a cultura 
humana por toda parte, a ponto de se dever falar de "culturas lo-
cais". Ela é fruto da humanização e da espiritualização da natureza 
no processo da evolução. É uma das características básicas do des-
pertar da consciência na natureza biológica. Ela se foi construindo 
no domínio da fabricação de pedras polidas e de instrumentos de 
caça, no culto aos mortos, nas pinturas rupestres, na domestica-
ção de animais, no controle da fala, na drenagem dos pântanos, 
na construção de aquedutos e de pirâmides etc. Isso manifesta a 
vitória do humano sobre a animalidade. A salvação de Deus per-
meia a cultura, e a ação humana não deixa de pertencer à história 
de sua salvação. 
Todo o comportamento humano está enquadrado nas cul-
turas. Com base na crescente expansão do cérebro, na elaboração 
do pensamento abstrato e no incentivo à memória e à criativida-
de, o ser humano atingiu os maiores patamares da evolução das 
espécies. Ele produziu culturas que, hoje, exprimem a essência dos 
povos. O inesperado passo evolutivo criou para a espécie huma-
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na a possibilidade de interpretar (dar) o sentido do cosmo e de si 
mesma de modo crescente, até chegar à tecnologia de ponta na 
bioética, na nanotecnologia etc. 
A tecnologia, que é filha do processo cultural, distancia-se da 
cultura. Na primeira, expande-se o processo inteligente para fora do 
ser humano. Na segunda, busca-se a interiorização pelos valores. As 
grandes culturas são fundadas em valores fundamentais, nos quais 
vale o ser humano, primeiro dador de sentido ao cosmo. As culturas 
estão grávidas dos bens e dos dons divinos, como um prenúncio da 
vida "nos novos céus e nova terra" (Ap 21,1). É nas culturas que nas-
cem as religiões, desde as primitivas até as reveladas.
Os inúmeros vínculos das pessoas entre si e com o cosmo, 
as ciências e as tecnologias constituem-se em culturas que, nova-
mente, incentivam a interdependência e abrem novos desafios. A 
cultura é a humanização do universo real e organizado pela cole-
tividade humana. O ser humano torna-se um ser cultural a partir 
de sua integração comunitária, na qual recebe e oferece sua con-
tribuição ao bem comum. Assim, a cultura (que não se confunde 
nem com a intelectualização nem com o estudo) é algo pessoal e 
universal. Tanto num nível quanto no outro, torna-se um instru-
mento de libertação e crescimento humanos. 
A cultura não está isenta de ambiguidades. A sua inauten-
ticidade está nos sinais de morte, quando se torna uma fonte de 
dominação e exploração. Podem estar em risco pessoas, grupos e 
até comunidades quando os valores culturais de uma ou de várias 
comunidades são desviados do bem comum, o que pode ser resul-
tado de opressões econômicas, políticas, religiosas etc. O caráter 
escravizante de uma cultura aparece quando está em risco a pró-
pria dignidade humana – de uma ou de várias pessoas. 
No sentido positivo, a cultura expressa-se em formas concre-
tas no modo de organizar a sociedade e a família; de construir a 
ciência e o trabalho; de oportunizar a tranquilidade, o lazer e o lú-
dico; de gerir conflitos; e de satisfazer anseios. No fundo, a cultura, 
© Antropologia Teológica212
que humaniza a pessoa e as comunidades, leva-as
ao encontro dos 
bens e dos dons de Deus, colocados na história e orientados para a 
perfeição definitiva do ser humano.
Pela cultura, o ser humano humaniza-se e constrói, com a 
graça de Deus, seu processo de aperfeiçoamento, que culmina em 
Deus. Normalmente, percebe-se a cultura apenas em sua dimen-
são humana. Você poderia fazer um exercício teológico e perceber 
a presença ativa de Deus nas culturas. Para facilitar e iniciar esse 
exercício comece imaginando os elementos que trazem sinais de 
vida e de morte ao seu contexto familiar e de lazer. 
Há dons de Deus que não são percebidos como tais. A cul-
tura é um deles. Convém lembrar-se de que é apenas em meio ao 
modo de ser e relacionar-se, de alegrar-se e brincar, de comer e 
beber, de valorizar e encantar-se, de trabalhar e produzir, de co-
municar-se e criar que vive o ser humano. Todas essas atitudes 
são, por um lado, básicas na vida, mas, por outro lado, são vividas 
de modos diversos.
Você tem, como princípio teológico, que tudo quanto existe 
e vive é dom de Deus. Tais dons originam-se e desenvolvem-se na 
história pela ação do homem, que os modifica e se sente modifi-
cado por eles. Todo ser humano faz parte da grande e única famí-
lia de Deus. Contudo, o fato de se viver neste ou naquele tempo 
e neste ou naquele lugar cria uma rica diversidade nos próprios 
modos de viver: no vestir, no comer, no festar, no rezar, no amar 
etc. ou, ainda, no modo de produzir, de inventar, de trabalhar, de 
educar, de plantar, de colher etc. 
A unidade da grande família dos povos – filhos e filhas de 
Deus – é perpassada pela grande variedade das culturas. Esses 
modos de viver, que são dons de Deus circunstanciados, são, tam-
bém, produtos humanos. O ser humano é o cultivador de todas 
essas realidades; por isso, é imagem e semelhança de Deus. Ele 
interfere nelas, mas é igualmente passível de sua influência.
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Desse modo, você deve perceber que a cultura não só molda 
os seres humanos, mas eles também são moldados por ela. A cul-
tura torna-se, portanto, a glória dos homens de cada tempo e de cada região 
na diversidade dos dons distribuídos por Deus por meio de situa-
ções diversas. 
Você deve se lembrar de que, ao início desse tema, afirmou-se 
que a cultura e o culto têm a mesma origem etimológica. Pois bem, 
sem deixar de ser a glória do homem, a cultura transforma-se, em 
última instância, em culto de glorificação a Deus. 
Gloriar-se de estar no mundo e de viver é um impulso que 
decorre de todo ser humano que projeta, que assume e que cons-
trói a si mesmo e aos outros. Os inúmeros grupos históricos da 
humanidade intuíram isso e, com monumentos e símbolos, cânti-
cos e danças, poesias e festas, glorificaram seus feitos (culturais). 
Passar disso à glória de Deus em forma de culto é algo imediato. 
Sem dúvida, você lembra que o culto religioso é, também, uma 
expressão cultural.
Em síntese: a unidade dos povos nas diversidades culturais 
constitui a glória dos homens; frequentemente, é levada, em for-
ma de culto, à glorificação de Deus
A cultura somente se mantém porque está estabelecida com 
base em valores. Há valores básicos em todos os povos, os quais, 
ao viverem, querem evitar o mal e buscar o bem. Tais valores sur-
gem no inconsciente dos povos e das pessoas; por isso, mantém-
-se a coesão dos grupos. Na base das culturas, isto é, desse modo 
de viver, de pensar e de agir, há valores, os quais são sempre cir-
cunstanciados, que vão dar significado à vida do grupo. 
Há muitas tentativas contemporâneas de se estabelecerem 
os valores humanos básicos universais para toda família humana. 
Há, porém, dificuldades de consenso exatamente pela riqueza que 
é a diversidade humana. A diferença deles e/ou sua ênfase signifi-
cam que os modos de conceber a vida e de cultivá-la têm possibi-
lidades diversas. 
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Fundamentos teológicos da cultura
Fundamentando-se na Antropologia Teológica, pode-se es-
tabelecer, com base nessas ideias, um primeiro fundamento da 
cultura. Deus, desde o início, em todos os tempos e em todos os 
lugares, espalhou as chamadas "sementes do Verbo". A propósito, 
você sabe qual é o significado dessa expressão e quem é que a 
cunhou? Para saber mais, leia atentamente a dica a seguir. 
Essa expressão teológica, cunhada por São Justino (+165), quer 
expressar o amor de Deus, que dotou a família humana de valores 
críticos capazes de preparar os povos para a grande salvação, 
mesmo que eles não venham a conhecer, de modo explícito, a 
manifestação encarnada do Verbo, a qual conhecemos como Je-
sus Cristo.
Estabelecido o primeiro fundamento da cultura, que possui 
caráter teo-lógico, passemos ao segundo, de caráter cristo-lógico. 
Jesus fez-se um de nós e um conosco. Ele é Emanuel, quer dizer, é 
Deus conosco. Ao se encarnar, assumiu um corpo e uma realidade 
histórica concreta, tornando-se judeu na história e na cultura ju-
daica. Dela, aprendeu seus valores, sua religiosidade, sua ética, seus 
costumes e suas tradições. Ademais, moldou sua vida centrada em 
Deus, a quem seu povo cultuava como "Deus único" e acompanha-
va na história desde Abrão até o "pequeno resto de Israel".
A expressão "pequeno resto de Israel" indica que não todo 
o povo, mas apenas alguns hebreus sempre foram fiéis à convoca-
tória de Javé Deus, seja no tempo da liberdade cívica, sejam nos 
períodos de escravidão. Tende-se a aplicar a expressão mais apro-
priadamente àqueles que, ao tempo de Jesus, esperavam a reali-
zação das promessas divinas. Eram fiéis a Deus mesmo com recri-
minações dos outros, e fiéis mantinham-se na observância da Lei. 
Desse grupo, destacam-se: Zacarias, Isabel e João Batista; Joaquim 
e Ana; Simeão e Ana; José e Maria; além de outros que esperavam 
a salvação.
215
Claretiano - Centro Universitário
© U7 - O Ser Humano em Sua Autonomia (Antropologia Descendente)
Jesus assumiu os valores culturais de sua gente nas festas 
(como nas bodas de Caná), nos costumes de pôr-se à mesa como 
companheiro, na partilha do pão e, ainda, no acatamento aos ex-
cluídos, aos doentes, aos estrangeiros, aos pobres, às viúvas e às 
crianças. Além disso, submeteu-se às leis do templo e foi teologi-
camente contemplativo dos fatos e da natureza que o rodeavam. 
Foi profundamente religioso, mesmo sem ser funcionário ou com-
prometido no templo. Sobretudo, penetrou a fundo no espírito da 
religiosidade de seu povo – mais que nas tradições que afastavam 
de Deus. Não aboliu a Lei e nem espiritualizou-a, sublimando-a; ao 
contrário, viveu dando-lhe pleno cumprimento. 
O princípio cristo-lógico decorrente pode ser anunciado as-
sim: Jesus assume a cultura humana vivida concretamente por um 
povo para evidenciar as riquezas que a nutrem em sua profundi-
dade maior. A cultura torna-se fonte, inclusive, de culto e de glória 
dos homens e de Deus.
A fé cristã crê na ação do Espírito do Pai e do Filho entre nós. 
É papel principal do Espírito divino acompanhar o assemelhamen-
to a Deus de cada pessoa e de todas as comunidades. Todavia, a 
ação do Espírito ao distribuir seus dons e seus carismas de modo 
algum supõe o abandono das realidades terrenas, salvo o mal e o 
pecado.
É a partir da cotidianidade das pessoas no contexto cultural 
em que vivem que o Espírito as vai iluminando no caminho rumo 
a Deus. É importante lembrar-se, aqui, do que diz São João em sua 
primeira carta: "quem diz que ama a Deus e não ama seu irmão é 
mentiroso" (1 Jo 4,20). 
No processo de santificação, o Espírito não propõe, para a 
grande maioria dos fiéis, uma "fuga" do mundo. Antes, é com base 
nas realidades culturais (no povo) em que os fiéis estão inseridos 
que o Espírito move os corações. O mundo é o campo da atuação 
do Espírito. É partindo daí que
ele ajuda os fiéis a buscarem a Deus 
e aos irmãos. É, também, fundamentado nesse mundo cultural 
© Antropologia Teológica216
que o Espírito atua para a renovação dos corações e do mundo. In-
-habitando no coração dos homens e do mundo (cf. Rm 8,19-23), 
o Espírito ajuda a construir o Reino de Deus, tão solicitado pelos 
crentes quando estes rezam o Pai-nosso. 
O princípio pneumatológico decorrente da ação do Espírito 
pode ser anunciado da seguinte maneira: o Espírito trabalha o co-
ração do homem e do mundo desde dentro, a fim de confirmar os 
dons de Deus na história e de encaminhar ambos para a definitiva 
cultura comunional da Trindade Santa. Ao mesmo tempo, ajuda os 
homens e as mulheres não apenas a transformarem a cultura em 
sua glória, mas, sobretudo, a transformá-la em culto de adoração 
e de louvor a Deus.
8. TRABALHO, FONTE DE DIGNIDADE HUMANA
O trabalho e o trabalhador
O trabalho é filho da cultura, da necessidade e do prazer 
(realização pessoal). Ele é a forma mais básica e radical, nos tem-
pos presentes, de identificação social de uma pessoa. Pelo traba-
lho, o ser humano apresenta-se socialmente em tudo quanto ele 
é. No trabalho, transparece sua identidade como ser de relações, 
como criador de sentido, como ser de esperança e livre e, ainda, 
como portador das graças de Deus – das quais a ênfase funda-
mental está em ser chamado à vida como imagem e filho de Deus, 
destinado à glória divina. 
A existência humana realiza-se mediante o trabalho, que de-
pende da cultura e que é, ao mesmo tempo, sua base. Ele é, simul-
taneamente, a raiz da satisfação básica das necessidades humanas 
e a fonte da integração psicossocial. 
O trabalho, seja ele manual ou intelectual, torna-se a fonte 
mediadora na construção de uma sociedade fraterna, de justiça e 
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© U7 - O Ser Humano em Sua Autonomia (Antropologia Descendente)
de dignificação. É isso porque é capaz de investir espiritualmente 
na natureza e na sociedade. Ao mesmo tempo, ele é o instrumento 
de espiritualização da natureza e da sociedade, em que o ser hu-
mano evidencia seu ser semelhante a Deus.
O próprio espírito se desenvolve por meio deste investimento, 
porquanto descobre cada vez mais ampla e conscientemente sua 
capacidade de conhecer, querer, planejar e realizar. Também a ma-
téria se desenvolve pelo investimento do espírito não só porque 
sua utilidade em relação ao homem se torna mais qualificada. Mas 
também por que ela mesma se espiritualiza, cada vez mais por este 
investimento, se humaniza, desenvolve racionalmente suas poten-
cialidades, é inserida ao domínio humano e com isto mais se asse-
melha ao espírito (DAVID, 1980, p. 213).
A sociedade torna-se mais justa e fraterna pelo trabalho, 
cujo resultado se transforma em um bem comum, como a autos-
sustentação, a subsidiariedade e o aperfeiçoamento coletivo. O 
espírito laborial mesmo desenvolve-se porque exige a interação, 
obriga a união e a colaboração, incentiva a sociabilidade e produz 
um patrimônio comum.
Trabalhar para si, para os outros e com os outros é desen-
volver-se, é aperfeiçoar a si mesmo e, também, a coletividade 
humana. Por ele, conquista-se a autonomia e a independência da 
natureza. Ao mesmo tempo, dá-se historicidade ao plano divino. 
Ele comporta um sentido escatológico, pois, como diz o Apocalipse 
(14,13): "suas obras o seguem". "O trabalho santifica tanto ao que 
trabalha como a quem recebe seus frutos. Ele nos faz participar da 
obra do Filho, que trabalha também como Pai" (cf. Jo 8,17). 
Por fim, é preciso lembrar que o trabalho é, em muitas situa-
ções, a ocasião do pecado, da escravidão e da morte. A exploração 
do trabalhador, o subemprego, os baixos salários, o desenvolvi-
mento predatório da natureza e o seu desperdício são a "dia-boli-
zação" dele. Tanto o dano à natureza quanto a exploração humana 
são ações anti-humanas que destroem e negam o significado últi-
mo do trabalho. A coisificação do trabalhador e as injustiças a que 
ele é submetido indicam o grau de desumanização do dador de 
© Antropologia Teológica218
trabalho, que, por sua vez, é fruidor do trabalho dos outros. Fun-
damentados em tudo o que foi dito até aqui, é importante fazer 
uma observação. Acompanhe-a e aprofunde seus conhecimentos. 
O trabalho exige solidariedade e compromisso com a cons-
trução da sociedade humana no presente e no futuro. É graças à 
espiritualização da matéria e à humanização pelo trabalho que a 
pessoa humana se torna mais semelhante a Deus. Assim, ela pode-
rá participar de sua glória em Cristo Jesus – aquele que trabalhou 
com mãos humanas. 
 O Vaticano II, na GS nº. 34-35.37-39, apresenta o valor teoló-
gico da atividade humana. Aqui, você tem um resumo disso. Veja-o 
a seguir:
1) Corresponde ao plano de Deus desde a criação. Ao ser 
humano, compete o trabalho de cuidar da Terra e do que 
ela contém, governando o mundo na justiça e na santi-
dade. Tudo quanto é obtido pelo trabalho serve para a 
glória de Deus. 
2) Jesus – aquele que trabalhou com mãos humanas (cf. GS 
22a) –, pela sua cruz e pela sua ressurreição, é a fonte 
da superação da atividade humana corrompida pelo pe-
cado. 
3) Com o trabalho, contribui-se na construção da família, 
no sustento da vida cotidiana, no desenvolvimento dos 
interesses sociais e na execução do plano divino na his-
tória.
4) O trabalho está em função do ser humano e de seu pró-
prio aperfeiçoamento. 
5) É a possibilidade de se alcançar maior justiça, mais am-
pla fraternidade e uma organização mais humana nas 
relações sociais para além do valor do progresso técnico. 
6) Com esse ministério, prepara-se a matéria para o reino 
celeste ou prepara-se "o novo céu e a nova terra" (1Pd 
3,13).
7) Dado que o nosso mundo, nem sempre, é lugar da fra-
ternidade justa e verdadeira, o trabalho que prioriza in-
teresses próprios ou o lucro em vez do bem de todos 
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Claretiano - Centro Universitário
© U7 - O Ser Humano em Sua Autonomia (Antropologia Descendente)
pode transformar-se em fonte de exploração do irmão, 
em soberba e em amor desordenado de si. 
8) O desemprego e a falta de trabalho humilham o ser hu-
mano, sobretudo, por fazê-lo perder sua identidade so-
cial. Ao mesmo tempo, o não querer trabalhar é negar a 
própria realização e destruir a solidariedade da família 
humana. São Paulo já prevenia as suas comunidades: 
"quem não quiser trabalhar, também não coma" (às ex-
pensas da comunidade) (2Ts 3,10).
9. ECOLOGIA HUMANA
A Antropologia Teológica tem uma palavra a dizer sobre a 
responsabilidade humana diante do mundo e da questão ambien-
tal. Ela é uma criação e um dom de Deus. Não só em São Francisco 
de Assis, mas também no livro de Daniel (3,36ss), encontramos 
um belíssimo louvor das criaturas todas ao Senhor que denota o 
compromisso humano com a criação/natureza. 
O cosmo todo, em sua longa história e evolução, é um pre-
sente que as gerações têm em suas mãos. Moralmente, devem 
entregá-lo melhor e mais espiritualizado às gerações vindouras. O 
cuidado pelo meio ambiente e pela Terra toda exige o empenho 
antropológico e ético.
 A criação é uma obra de Deus que também aguarda sua 
redenção (cf. Rm 8,20-21) e sua renovação (cf. 1Pd 3,13; Ap 21,1). 
Nela, o ser humano, além de filho e irmão, não pode exercer seu 
senhorio senão como servo da criação – que inclui os animais, as 
águas e os ares.
Em 1991, vários organismos internacionais projetaram nove 
princípios para a sustentabilidade do planeta que merecem a con-
sideração e o apreço da Antropologia Ecológica. São eles:
1) construir uma sociedade sustentável;
2) respeitar e cuidar das comunidades dos seres vivos;
© Antropologia Teológica220
3) melhorar a qualidade de vida humana; 
4) conservar a vitalidade e a diversidade do planeta terra; 
5) permanecer nos limites
da capacidade de suporte do 
planeta terra; 
6) modificar atitudes e práticas pessoais; 
7) permitir que as comunidades cuidem de seu próprio 
meio-ambiente; 
8) gerar uma estrutura nacional para integrar desenvolvi-
mento e conservação; 
9) constituir uma aliança global ( cf. BOFF, 1988, p. 134).
 Quatro temas bíblicos embasam a reflexão antropológica so-
bre a ecologia, a saber:
1) Ao ser humano, é confiada a natureza toda para que ele 
cuide (domine) dela no lugar de Deus.
2) O ser humano é, também, membro da comunidade da 
criação. Não está à parte. Partilha da mesma origem e 
natureza da obra criacional, mesmo que seja o único 
portador da "ruah" divina. A criação é uma realidade 
téo-cêntrica. Ela existe para Deus. O Salmo 148 e o Ap 
5,13 indicam corretamente que o dom de Deus dado 
ao ser humano é devolvido a ele em forma de louvor e 
adoração. d) A esperança da salvação estende-se a toda 
a criação, não apenas ao ser humano. Ela também será 
salva (cf. Rm 8,20-21; 1Pd 3,13; Ap 21,1).
A Teologia do Catecismo da Igreja Católica ainda acrescenta 
o seguinte:
1) A criação é o começo e o fundamento de todas as obras 
de Deus (198).
2) A criação, feita do nada, não é uma emanação da subs-
tância divina (296).
3) Ela se origina e participa da bondade de Deus, que viu 
que tudo quanto fizera era bom e, até, muito bom (296).
4) Deus transcende a criação e, ao mesmo tempo, está pre-
sente nela. Ele a mantém e a sustenta (300/1). 
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Claretiano - Centro Universitário
© U7 - O Ser Humano em Sua Autonomia (Antropologia Descendente)
Santo Agostinho comenta: "Sim, tu amas tudo o que criaste não 
te aborreces com nada do que fizeste, se alguma coisa tivesses 
odiado, não a terias feito. E como poderia subsistir alguma coisa, 
se não a tivesses querido? Como conservaria sua existência se 
não a tivesse chamado? Mas, a todos perdoas, porque são teus: 
Senhor, amigos da vida" (AGOSTINHO, 1997 apud CATECISMO 
DA IGREJA CATOLICA, 301). 
Apresentemos mais algumas ideias teológicas contemporâ-
neas:
1) Deus quis fazer que as criaturas participassem de sua sa-
bedoria e de sua obra.
2) Destinou a Terra e tudo quanto ela contém ao cuidado 
do ser humano, porque ele é sua imagem e será o res-
ponsável por ela.
3) Compreender a criação ajuda-nos a compreender nossa 
vocação e nosso valor. 
4) Contemplá-la é um estímulo a reconhecer o amor do 
Criador. 
5) A natureza não está pronta, acabada, nem é perfeita. 
A mão de Deus dirige-a, mas, ao ser humano, compete 
fazê-la crescer e progredir. Nisso, também está a aliança 
de Deus com o homem e com o próprio cosmo. Daí, po-
de-se afirmar que: o homem é "imago Dei" e o universo 
é "imago homini". 
6) O ser humano é, também, filho e irmão da natureza;
7) Além disso, "finalmente, nós acreditamos que Deus 
criou todas as coisas com sabedoria e amor. Fez o ser 
humano à sua imagem e semelhança e lhe confiou o uni-
verso, a fim de que servindo seu Criador, como um in-
tendente fiel, ele reine sobre a criação [...]. Aos homens 
e às mulheres é confiada a harmonia da criação visível, 
o justo relacionamento dos indivíduos entre si, entre os 
indivíduos e a sociedade, entre a sociedade e o desen-
volvimento integral da natureza criada. [...] O significado 
verdadeiro e último da ação criadora é, pois, a harmonia 
entre os seres animados e inanimados; harmonia confia-
© Antropologia Teológica222
da à responsabilidade do ser humano para a maior gló-
ria de Deus" (PONTIFÍCIO CONSELHO DE JUSTIÇA E PAZ 
apud FILIPPI, 1990, p. 202 e 204). 
O ser humano só tem uma casa: seu planeta. Ele próprio é 
um ser cósmico; é "poeira do universo". É o responsável histórico 
por sua casa e, portanto, tem o compromisso de entregá-la mais 
aperfeiçoada às gerações vindouras. O dever de empenho pela 
vida do planeta encontra-se dentro si mesmo. O ser humano deve 
levar em conta, também, a ternura, o cuidado, a compaixão e a 
responsabilidade pelo ecossistema.
Neste último tópico, você se debruçou sobre três questões: a his-
tória, a cultura e o trabalho. Nossa intenção foi situar o ser huma-
no com base nesses elementos globalizantes, nos quais ele pode 
colocar toda a sua capacidade e corresponsabilidade na história 
em que vive. Nela, ele descobre e produz, pela(s) cultura(s), o 
modo de viver e de agir para humanizar-se crescentemente. Pelo 
trabalho, que é filho da cultura e da necessidade, é capaz de apro-
fundar seu ser humano, de espiritualizar a matéria ao modificá-la 
em prol da coletividade e de colaborar, escatologicamente, com o 
progresso da criação rumo à perfeição final. Um tema particular 
chama a atenção nesses tempos: o respeito e o cuidado pelo meio 
ambiente – donde, inclusive, somos filhos. 
10. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, na sequência, as questões propostas para verificar 
seu desempenho no estudo desta unidade:
1) O ser humano normalmente fala sobre (e exige sua) liberdade. O domínio de 
Deus sobre o ser humano seria a teonomia. Como justificar a "autonomia".
2) Justifique a seguinte afirmação: "É na história que o ser humano vai definin-
do sua progressividade "em idade, sabedoria e graça", como Jesus (Lc 2,52). 
Nela, vai descobrindo e decifrando (mais ou menos) os "sinais dos tempos" 
que Deus coloca".
3) Comente a seguinte afirmação, dando ênfase ao sentido teológico: "A uni-
dade dos povos nas diversidades culturais constitui a glória dos homens; 
frequentemente, é levada, em forma de culto, à glorificação de Deus".
223
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© U7 - O Ser Humano em Sua Autonomia (Antropologia Descendente)
4) Quais os argumentos que devem constar numa teologia do trabalho? 
5) A ecologia teológica é um tema novo entre nós. Como caracterizá-la?
6) A partir do esquema conceitual a seguir, procure elaborar uma síntese da 
Unidade 7.
AUTONOMIA HUMANA 
(e as realidades terrestres) 
A construção do 
mundo 
TEONOMIA 
(Leis de Deus) 
Cultura, Dom de 
Deus e vida do 
ser humano 
História e 
historicidade do 
ser humano 
O desenvolvimento 
técnico e científico 
O retrocesso humano 
O cultivo (cuidado) do 
mundo 
Humanização 
Ciência e tecnologia 
Ecologia 
humana 
Ciência e tecnologia 
Trabalho, fonte 
de dignidade 
humana 
Co-criador com Deus 
Fonte de identificação 
Fonte de realização 
pessoal 
Fonte de construção 
da fraternidade 
humana 
Fonte de Justiça 
Possibilidade de 
escravização 
Meio ambiente + 
criação de Deus e do 
ser Humano 
9 princípios de 
sustentabilidade 
4 princípios de 
antropologia bíblica 
Princípios do 
Catecismo da Igreja 
Católica 
Princípios teológicos 
para a ecologia 
humana 
MUNDO = IMAGO HOMINIS 
11. CONSIDERAÇÕES 
Nesta unidade, você foi convidado a refletir sobre questões 
fundamentais do ser humano, tais como: a autonomia humana, a 
história e a historicidade do ser humano, a cultura, o trabalho e a 
questão ecológica.
© Antropologia Teológica224
O processo de aperfeiçoamento humano só acontece na his-
tória da salvação – que é ação de Deus –, mas a pessoa humana 
vive-o no seu modo de agir e de decidir, de esperar e de realizar 
suas obras. Ao historicizar sua vida, o ser humano cria a cultura, 
composta de bens e dons divinos, como imagem de si mesmo. A 
cultura humana revela o apreço humano por si, pelo cosmo e pelo 
próprio Deus. O trabalho, como mais básico filho da cultura, asse-
melha mais ainda o ser humano a Deus. Afinal, não é ele a imagem 
de Deus? 
Pelo trabalho, o ser humano humaniza-se, constrói a frater-
nidade e espiritualiza a matéria. Um empenho particular do tra-
balho humano está no cuidado com o meio ambiente. Essa nossa 
única casa é um bem precioso que legaremos aos nossos filhos. 
Nossa responsabilidade é cuidar dela.
12. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos
ao fim deste Caderno de Referência de Conteúdo, 
mas não ao final dos questionamentos. Por um lado, o dever está 
cumprido; por outro, fica uma ponta de insatisfação por não po-
dermos enfocar muitos outros temas, os quais não são só relevan-
tes, mas são também existenciais desde a Antropologia Teológica 
ou Cristológica. 
Esperamos que, com certos critérios aqui estabelecidos, 
você possa ter a oportunidade de continuar estudando e de fazer 
um caminho teológico próprio, inclusive de Antropologia. Por isso, 
não se esqueça dos grandes pressupostos antropológicos sugeri-
dos como essenciais a um conhecedor deste estudo. Eles podem 
ser resumidos em 16 teses. Veja:
1) A Antropologia Teológica ou Cristológica é a reflexão 
cristã bíblico-sistemática sobre o ser humano. Ela leva 
em conta a revelação (normatividade dada pela Bíblia 
Sagrada), as contribuições filosóficas, as experiências de 
vida e a perspectiva escatológica da destinação final. Ela 
225
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© U7 - O Ser Humano em Sua Autonomia (Antropologia Descendente)
tem uma palavra particular à luz da fé diante de todos os 
outros "logos".
2) O Concílio Vaticano II, sobretudo pela GS, renovou os es-
tudos da Antropologia Teológica, imprimindo neles uma 
direção cristológica.
3) Só Jesus Cristo revela verdadeiramente o ser humano ao 
próprio ser humano.
4) Todo ser humano é criado em Cristo e é, nele, feito ir-
mão e filho de Deus.
5) Todo ser humano é imagem e semelhança de Deus, a 
exemplo do Verbo encarnado.
6) Por Cristo e por ele, fomos feitos "criaturas novas".
7) Temos uma vocação transcendente: realizar-nos em 
Deus como sua glória.
8) Desde dentro da história da salvação, somos chamados 
a realizar a fraternidade comum.
9) Fomos criados livre, gratuita e pessoalmente por Deus, 
mesmo tendo consciência do grande processo de evolu-
ção contado pelas ciências naturais.
10) A dignidade ímpar do ser humano provém da própria na-
tureza humana e, especialmente, de Deus.
11) Nós nos identificamos pelos nossos corpos. É essa reali-
dade misteriosa que é caminho de Deus e do ser huma-
no. 
12) O ser humano vive porque Deus o agracia constitutiva-
mente com a vida em todas as fases de sua história.
13) Ele é um ser de esperança e livre, porque Deus o fez 
para a liberdade. Deu-lhe, inclusive, a liberdade de pôr-
-se "contra" Deus pelo pecado, o que o marca desde o 
início. 14) No mundo, o ser humano tem realidade e au-
tonomia próprias.
14) Como imagem de Deus, o ser humano é cocriador e 
"guardador" do planeta em que vive.
15) A Antropologia Teológica, por fim, faz-nos ver o apreço 
de Deus por essa criatura, amada por si mesma, a ponto 
de o Verbo ter querido fazer-se um de nós para levar-nos 
a Deus.
© Antropologia Teológica226
Finalmente, esperamos que esta reflexão sobre a Antropolo-
gia Cristológica tenha entusiasmado e ajudado você a prestar mais 
atenção (teológica) no ser humano, essa criatura tão especial e 
única que pode dizer e crer com certeza: Deus, tu me amas desde 
toda e a eternidade e sempre me amarás. 
13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BINGEMER, M. C.; FELLER, V. G. Deus-amor: a graça que habita em nós. São Paulo: 
Paulinas; Valencia (Esp): Siquém, 2003.
COMBLIN, J. Vocação para a liberdade. São Paulo: Paulus, 1998.
FRANÇA MIRANDA, M. A salvação de Jesus Cristo. A doutrina da graça. São Paulo: Loyola, 
2004.
PRETTO, H. A teologia tem algo a dizer a respeito do ser humano? São Paulo: Paulus, 
2003.
QUEIRUGA, A. T. Recuperar a salvação. Por uma interpretação libertadora da experiência 
cristã. São Paulo: Paulus, 1999.

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