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Ecologia e Ética nas Religiões

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EA
D
Ecologia e Ética: 
Horizontes para o Encontro 
das Religiões
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1. OBJETIVOS
•	 Compreender	o	significado	do	ecumenismo	e	do	diálogo	
inter-religioso	a	partir	dos	referenciais	de	cada	tradição.
•	 Entender	a	conexão	entre	a	sabedoria	de	cada	tradição	e	
a	perspectiva	ecológica	contemporânea.
•	 Conhecer	delineamentos	da	sabedoria	de	algumas	tradi-
ções	na	compreensão	do	ser	humano	e	da	ética.
2. CONTEÚDOS
•	 Natureza	e	religiões.
•	 Parâmetros	para	o	bem	comum	da	humanidade	e	de	toda	
a	criação.
•	 Contribuição	das	religiões.
•	 Reencantamento	da	criação	nas	tradições	religiosas.
•	 Dignidade	humana	e	ética	nas	religiões.	
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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE
Antes	de	 iniciar	o	estudo	desta	unidade,	é	 importante	que	
você	leia	as	orientações	a	seguir:
1)	 Antes	de	começar	a	Unidade	5,	faça	uma	revisão	das	uni-
dades	anteriores.	Tenha	em	mente	o	caminho	percorri-
do,	desde	as	concepções	de	diálogo	e	fundamentalismo,	
até	chegar	ao	diálogo	ad-intra	do	cristianismo	e	ao	di-
álogo	inter-religioso,	com	suas	inúmeras	possibilidades.
2)	 Lembre-se	que	o	processo	de	diálogo	entre	as	religiões	
possui	um	passado	e,	ao	mesmo	tempo,	uma	emergên-
cia	e	intensidade	nas	últimas	décadas.
3)	 Leve	 também	 em	 consideração	 que	 os	 estudos	 nesta	
área	estão	em	curso	e	que	se	desenvolvem	enquanto	a	
humanidade	vive	o	desafio	de	uma	mutação	sem	prece-
dentes.
4)	 Tome,	pois,	os	melhores	instrumentos	bibliográficos	e	a	
melhor	disposição	para	um	saber	conectado,	para	uma	
compreensão	mais	holística,	para	uma	sabedoria	despi-
da	de	preconceitos	e	aberta	à	contribuição	de	todas	as	
tradições	religiosas.
5)	 Consulte	alguns	livros	da	bibliografia	indicada,	a	fim	de	
ampliar	 seus	horizontes	 teóricos.	Compare	outras	pro-
duções	 com	este	material	 didático	 e	 debata	 com	 seus	
colegas	e	tutor	os	temas	estudados.	
4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Como	pudemos	ver	nas	unidades	anteriores,	há	esforços	por	
unir	as	religiões	ao	redor	de	acontecimentos	importantes,	a	partir	
dos	quais	são	produzidos	documentos	relevantes	sobre	uma	diver-
sidade	de	temas	significativos	para	a	humanidade.
Aos	poucos,	vai	se	delineando	uma	viva	consciência	de	que	
Deus	se	manifesta	na	diversidade	das	tradições	religiosas.	Desse	
modo,	a	pretensão	de	exclusividade	sobre	a	revelação	divina	vai	
se	enfraquecendo.	Abandona-se	aos	poucos	a	arrogância	de	que-
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rer	controlar	a	dinâmica	de	gratuidade	generosa	de	Deus,	que	é	
sempre	maior,	infinitude	inabarcável,	sempre	mistério.	A	Federa-
ção	das	Conferências	Episcopais	da	Ásia	(FABC),	desde	sua	primei-
ra	 Assembleia	 em	 Taiwan,	 em	 1974,	 reconheceu	 que	 os	muitos	
caminhos	 impenetráveis	 das	 tradições	 religiosas	 não	 devem	 ser	
combatidos,	mas	acolhidos,	pois	não	são	simples	obra	da	dinâmica	
humana,	mas	respostas	ao	encontro	com	o	mistério	de	Deus	ou	a	
realidade	última.	(Cf.	SEDOC	33,	2000,	p.45)
São	muitos	os	documentos	históricos	que	temos	em	mãos	
a	favor	do	diálogo	inter-religioso.	Podemos,	pois,	retesar	o	arco	e	
lançar	as	flechas	do	futuro.	Os	textos	são	sinalizadores,	mas	eles	
não	se	bastam.	Os	encontros	nas	conjunturas	históricas	apontam	
para	uma	busca	sempre	inacabada.	Trata-se	de	desentranhar,	das	
profundezas	dos	povos,	a	imensa	sabedoria	que	traz	a	água	pura,	a	
água	da	vida	capaz	de	regenerar	a	humanidade	superando	todas	as	
pretensões	de	supremacia	e	afirmando,	na	humildade,	as	sintonias	
e	a	complementariedade	em	direção	ao	mistério	dos	mistérios.
Podemos	procurar	expressões	dessa	busca	de	encontro	em	
Francisco	de	Assis,	Ibn'Arabi,	Tereza	de	Calcutá,	Albert	Schweitzer,	
Thomas	Merton,	 Dalai	 Lama,	 Ernesto	 Cardenal,	 Charles	 de	 Fou-
cauld,	Mahatma	Gandhi,	Louis	Massignon,	Henri	Le	Saux,	Raimond	
Panikkar	e	tantos	outros.	Na	profundidade,	perde	o	sentido	a	defe-
sa	de	um	único	itinerário	para	emergir	a	graça	de	Deus	que	trans-
borda	em	muitos	caminhos.
É	o	que	vemos	em	expressões	como	a	de	Ibn'Arabi:	"As mais 
diversas crenças em Deus têm as pessoas. Mas eu as professo to-
das: creio em todas as crenças".	(IBN´ARABI,	2004,	p.	24).	Ou	como	
a	de	Guimarães	Rosa:
Muita	religião,	seu	moço!	Eu	cá	não	perco	ocasião	de	religião.	Apro-
veito	de	todas.	Bebo	água	de	todo	rio		Uma	só,	para	mim	é	pouca,	
talvez	não	me	chegue.	[...]	Tudo	me	quieta,	me	suspende.	Qualquer	
sombrinha	me	refresca.	Estremeço.	Mas	é	só	muito	provisório.	Eu	
queria	rezar	–	o	tempo	todo	(ROSA,	1986,	p.8-9).
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De	um	lado,	sabemos	que	não	podemos	seguir	todos	os	ca-
minhos	e,	de	outro,	aprendemos	que	não	podemos	condenar	os	
caminhos	que	não	conhecemos.	Se	conhecemos	muitas	histórias	
de	atravessamentos	desastrosos,	 com	a	destruição	de	 caminhos	
dos	outros,	vivemos	também	travessias	atentas	e	ternas	que	nos	
contam	sobre	a	beleza	de	encontros	profundos,	por	vezes	 inefá-
veis.	
Em	direção	à	profundidade,	as	visões	vão	se	clareando.	Na	
superfície,	os	embates:	no	Deus	que	me	pertence,	encontro	 ca-
minhos	 abertos	 para	 a	 intolerância	 no	 excesso	 de	 afirmação	 de	
minha	identidade	contra	a	dos	outros.	Na	profundidade,	o	encon-
tro:	no	Deus	que	nos	lança	para	o	outro,	abrem-se	caminhos	em	
direção	ao	infinito	da	alteridade.
5. A CRIAÇÃO ESTÁ EM PERIGO
O	 mundo	 está	 super-habitado	 pelos	 seres	 humanos.	 Isto	
pode	ser	benéfico	para	o	cuidado	com	todas	as	outras	formas	de	
existir,	como	também	pode	ser	um	desastre.
Cada	ser	que	habita	a	Terra	lhe	traz	riscos	e	possibilidades.	
O	equilíbrio	do	planeta,	 inclusive	na	questão	climática,	está	 liga-
do	à	biodiversidade	relacional	que	cria	o	aconchego	necessário	a	
todas	as	vidas.	Todas	as	interconexões	entre	a	atmosfera,	o	sol,	as	
geleiras,	os	mares,	os	rios,	as	florestas,	os	animais,	as	bactérias,	os	
astros,	criaram	uma	temperatura	média	acolhedora,	por	volta	de	
14,5ºC,	e	as	condições	propícias	para	uma	infinidade	de	vidas.
Nos	últimos	 anos,	 as	 pesquisas	 internacionais	 indicam	um	
aumento	 da	 temperatura	 que	 começa	 a	 causar	 alarme.	 Confor-
me	o	4º	Relatório	 do	 IPCC	 (Intergovernmental Panel on Climate 
Change),	de	2007,	elaborado	pelo	PNUMA	(Programa	das	Nações	
Unidas	para	o	Meio	Ambiente),	da	ONU,	estamos	1ºC	acima	do	
equilíbrio	de	milênios	e,	no	ritmo	atual,	chegaremos	a	2,4ºC	nos	
próximos	40	anos:
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A	concentração	de	dióxido	de	carbono,	de	gás	metano	e	de	óxido	
nitroso	na	atmosfera	global	tem	aumentado	marcadamente	como	
resultado	de	atividades	humanas	desde	de	1750,	e	agora	já	ultra-
passou	em	muito	os	valores	da	pré-industrialização	determinados	
através	de	núcleos	de	gelo	que	estendem	por	centenas	de	anos.	
O	aumento	global	da	concentração	de	dióxido	de	carbono	ocorre	
principalmente	devido	ao	uso	de	combustível	 fóssil	e	a	mudança	
no	uso	do	solo,	enquanto	o	aumento	da	concentração	de	gás	me-
tano	e	de	óxido	nitroso	ocorre	principalmente	devido	à	agricultura	
(IPCC/ONU,	2007).
Uma	pesquisa	da	NASA	mostra	que,	entre	2003	e	2008,	2	
bilhões	de	toneladas	de	gelo	do	Ártico,	Groenlândia	e	Alasca,	der-
reteram.	Chile	e	Peru	assistem	ao	degelo	da	Cordilheira	dos	Andes.	
O	mesmo	acontece	nas	montanhas	do	Kênia	e	Tanzânia.	(GUERRA,	
2010,	p.9-11).
As	matrizes	energéticas,	o	desmatamento,	as	 intervenções	
nos	 rios,	 o	 luxo	delirante,	 a	 sociedade	do	espetáculo,	 o	 fascínio	
da	urbanização	ultramoderna,	a	expansão	agrícola	com	as	mono-
culturas	do	agronegócio,	são	faces	de	um	mesmo	processo	de	de-
senvolvimento	suicida	cheio	de	mentiras	e	autoenganos,	como	diz	
Dominique	Voynet:
[...]	vivemos	uma	ficção:	sabemos,	mas	não	acreditamos	que	sa-
bemos.	A	negação	da	realidade	é	parte	e	parcela	doprodutivismo:	
para	continuar	esbanjando	os	recursos	do	mundo,	precisamos	de	
um	mecanismo	de	negação	e	ignorância	intencional	[...]	Esse	me-
canismo	não	é	totalmente	efetivo	 individual	ou	globalmente:	ele	
gera	ansiedade	e	agressividade	ou,	pelo	contrário,	a	necessidade	
de	reafirmação	mais	ou	menos	cega,	como	a	oferecida	pelo	pro-
gresso	tecnológico	ou	pelo	crescimento,	com	todos	os	paradoxos	aí	
envolvidos	(CNBB,	2010,	p.38).
A	 injustiça	humana	 se	 torna	uma	 injúria	 contra	a	Terra	 e	 a	
exploração	devastadora	do	planeta	se	torna	injustiça	para	a	comu-
nidade	humana.	 Participam	da	perversa	 ficção	 tanto	 as	 grandes	
empresas	econômico-financeiras,	que	priorizam	os	 interesses	de	
seus	 investimentos	 e	 consideram	muito	 dispendiosa	 a	 sustenta-
bilidade	do	planeta,	como	os	governos	que	se	corrompem	ou	são	
fragilizados	pelo	poder	econômico,	assim	como	os	próprios	traba-
lhadores	cuja	condição	de	 insegurança	não	 lhes	permite	pôr	em	
risco	os	postos	de	trabalho	(Cf.	CNBB,	2010,	p.38).
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A	Carta	da	Terra,	documento	elaborado	com	muitas	contri-
buições	do	mundo	inteiro	e	apresentado	na	Eco	92,	expõe	o	alerta	
necessário	para	os	impactos	do	atual	modelo	de	desenvolvimento	
econômico	 na	 sustentabilidade	 planetária	 e	 da	 comunidade	 hu-
mana:	
Os	padrões	dominantes	de	produção	e	consumo	estão	causando	
devastação	ambiental,	redução	dos	recursos	e	uma	massiva	extin-
ção	de	espécies.	Comunidades	estão	sendo	arruinadas.	Os	benefí-
cios	do	desenvolvimento	não	estão	sendo	divididos	eqüitativamen-
te	e	o	fosso	entre	ricos	e	pobres	está	aumentando.	A	injustiça,	a	
pobreza,	a	ignorância	e	os	conflitos	violentos	têm	aumentado	e	são	
causa	de	grande	sofrimento	(BOFF,	2002,	p.148).
A	 inquietude	 diante	 da	 devastação	 do	 planeta	 nos	 coloca	
diante	da	percepção	de	ruptura	que	a	sociedade	moderna	fez	com	
a	natureza.	Nós,	modernos	(demasiadamente	modernos),	nos	sen-
timos	separados	do	'resto'	da	criação.	Desde	René	Descartes,	o	ser	
pensante	que	somos	se	separa	metodicamente	de	toda	a	realida-
de	para	examiná-la	de	fora	e	tirar	dela	toda	sua	aura	sagrada.	
Assim,	 a	modernidade	 criou	 um	 pensamento	 que,	 no	 seu	
substrato,	traz	o	mito	do	progresso	ilimitado	que	autoriza	toda	a	
exploração,	junto	com	uma	reificação	utilitarista	e	um	antropocen-
trismo	arrogante.	No	desenrolar	da	história,	 com	 toda	a	 ciência	
e	tecnologia	despidas	do	encantamento	reverencial,	o	mundo	da	
natureza	vai	se	tornando	uma	coisa	à	disposição	do	ser	humano.	
Nos	tempos	mais	recentes,	à	medida	que	nossas	percepções	ficam	
mais	claras,	a	crise	desse	modelo	se	faz	sentir	com	o	esgotamento	
de	fontes	naturais	de	vida,	com	a	poluição	do	ar,	dos	rios,	dos	ma-
res,	das	terras,	com	o	lixo	industrial	e	tóxico,	com	a	destruição	da	
biodiversidade,	com	a	contaminação	da	natureza.	Neste	contexto	
o	coração	da	humanidade	se	inquieta,	pois:	
Somos	originários	do	cosmos,	da	natureza,	da	vida;	mas	devido	à	
própria	humanidade,	à	nossa	cultura,	à	nossa	mente,	à	nossa	cons-
ciência,	 tornamo-nos	 estranhos	 a	 estes	 cosmos,	 que	 nos	 parece	
secretamente	 íntimo.	Nosso	pensamento	e	nossa	consciência	 fa-
zem-nos	conhecer	o	mundo	físico	e	distanciam-nos	dele.	O	próprio	
fato	de	considerar	racional	e	cientificamente	o	universo,	nos	sepa-
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ra	dele.	Desenvolvemo-nos	além	do	mundo	físico	e	vivo.	É	neste	
'além'	que	tem	 lugar	a	plenitude	da	humanidade	 (MORIN,	2002,	
p.51).
A	inauguração	de	um	tempo	histórico	novo,	de	novos	cami-
nhos,	está	nas	mãos	de	todos	os	seres	humanos	e	fundamental-
mente	no	coração,	nos	ritos,	na	ética,	nos	gestos	das	religiões.
Convocação ao cuidado com o planeta
Diz	a	Carta	da	Terra:	
As	bases	da	segurança	global	estão	ameaçadas.	Essas	tendências	
são	perigosas,	mas	não	inevitáveis.	A	escolha	é	nossa:	formar	uma	
aliança	global	para	cuidar	da	Terra	e	uns	dos	outros,	ou	arriscar	a	
nossa	destruição	e	a	da	diversidade	da	vida.	São	necessárias	mu-
danças	fundamentais	dos	nossos	valores,	instituições	e	modos	de	
vida.	[...]	Nossos	desafios	ambientais,	econômicos,	políticos,	sociais	
e	espirituais	estão	 interligados,	e	 juntos	podemos	forjar	soluções	
includentes.	Para	realizar	estas	aspirações,	devemos	decidir	viver	
com	um	sentido	de	responsabilidade	universal	 [...].	O	espírito	de	
solidariedade	humana	e	de	parentesco	com	toda	a	vida	é	fortaleci-
do	quando	vivemos	com	reverência	o	mistério	da	existência,	com	
gratidão	pelo	dom	da	vida,	e	com	humildade	o	lugar	que	ocupa	o	
ser	humano	na	natureza	(In:	BOFF,	2002,	p.149).
Para	forjar	soluções	não	bastam	a	ciência	e	a	tecnologia.	Um	
novo	espírito	solidário	com	toda	a	criação	pode	despertar	a	cria-
tividade	e	desencadear	as	energias	escondidas	na	humanidade	a	
serviço	da	comunidade	de	vida	no	planeta.	É	aqui	que	a	ecologia	
pode	 ser	um	ponto	de	encontro	das	 religiões,	 pois	 há	um	novo	
paradigma	que	conclama	a	diversidade	das	contribuições	capazes	
de	enfrentar	a	gravidade	da	situação	planetária.	A	necessidade	de	
produzir	 novos	modos	 de	 viver	 e	 conviver	 no	mundo	passa	 por	
reservas	 de	 sentido	 que	 estão	 guardadas	 na	 ancestralidade	 dos	
povos,	nos	segredos	dos	inúmeros	caminhos	espirituais	da	huma-
nidade.
Há	uma	responsabilidade	global	de	defesa	do	ser	humano	e	
da	Terra	que	pode	desencadear	o	melhor	de	cada	tradição	religio-
sa	para,	no	compartilhamento,	transformar	em	vida	os	tormentos	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso170
da	fome,	da	exclusão,	da	miséria,	da	devastação,	do	abuso	de	po-
der	contra	as	fragilidades	da	criação.	
Uma	causa	comum,	uma	casa	comum,	o	cuidado	com	a	co-
munidade	de	vida	no	planeta:	tudo	isso	pode	convocar	as	religiões	
a	deixar	seus	redutos	defensivos	e	assumir	a	defesa	da	criação.	Há	
que	buscar	nas	ancestralidades,	por	vezes	esquecidas,	as	inspira-
ções	para	uma	nova	atitude	comunitária	face	à	natureza.	Podemos	
lembrar	aqui	a	afirmação	do	cacique	Seattle,	da	tribo	Suquamish,	
em	1855:	
Seja	o	que	for	que	aconteça	aos	animais	e	plantas,	acontecerá	tam-
bém	ao	homem.	Todas	as	coisas	estão	ligadas.	O	que	suceder	à	ter-
ra	sucederá	também	com	os	filhos	da	terra	[...]	Se	te	vendermos	a	
nossa	terra,	ama-a	como	nós	a	amávamos.	Protege-a	como	nós	a	
protegíamos.	Nunca	esqueças	de	como	era	esta	terra	quando	dela	
tomaste	posse.	E	com	toda	a	tua	força,	o	teu	poder	e	todo	teu	co-
ração,	conserva-a	para	teus	filhos	e	ama-a	como	Deus	nos	ama	a	
todos.	De	uma	coisa	sabemos:	o	nosso	Deus	é	o	mesmo	Deus,	e	
esta	terra	é	por	ele	amada.	Nem	mesmo	o	homem	branco	pode	
evitar	o	nosso	destino	comum	(UFPA,	2012).
De	 todas	 as	 partes	 do	mundo	 surge	 um	 clamor	 para	 esta	
nova	 atitude	de	 reverência	 e	brota	 a	 expectativa	de	novas	 rela-
ções,	novos	pactos	e	novas	atitudes	que	sejam	redentoras	dos	es-
tragos	feitos	até	o	momento.	Dor	e	esperança	estão	na	carta	de	
Paulo	aos	Romanos:	
A	criação	foi	submetida	à	vaidade	–	não	por	seu	querer,	mas	por	
vontade	daquele	que	a	submeteu	–	na	esperança	de	ela	também	
ser	liberta	da	escravidão	da	corrupção	para	entrar	na	liberdade	da	
glória	dos	filhos	de	Deus.	Pois	sabemos	que	a	criação	inteira	geme	
e	sofre	as	dores	de	parto	até	o	presente.	E	não	somente	ela.	Mas	
também	nós	que	temos	as	primícias	do	Espírito,	gememos	interior-
mente,	suspirando	pela	redenção	do	nosso	corpo	(Rm	8,	20-23).
No	 caminho	 para	 a	 inauguração	 de	 um	novo	 tempo	 (ape-
sar	dos	perigos),	está	a	Declaração	Universal	do	Bem	Comum	da	
Terra	e	da	Humanidade,	cujos	relatores	são	Leonardo	Boff	(Brasil)	
e	Miguel	d'Escoto	(Nicarágua).	Este	documento	dialoga	com	a	De-
claração	Universal	dos	Direitos	Humanos	e	acolhe	os	anseios	mais	
profundos	da	comunidade	humana	neste	novo	século.
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––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Leia a seguir algumas informações sobre os redatores da Declaração Universal 
do Bem Comum da Terra.
Leonardo Boff, formado na tradição franciscana, teólogo, criador, juntamente 
com Gustavo Gutiérrez e outros, da Teologia da Libertação, dedica-se a uma 
espiritualidade de mudança para o paradigma ecológico, razão pela qual recebeu 
o Nobel alternativo em 2001. Integra a Comissão da “Carta da Terra”. Juntamente 
com Sergio Torres, é um dos inspiradores do Fórum Mundial de Teologia e 
Libertação.
Miguel d’Escoto Brockmann, nicaraguense nascido em Los Angeles, membro da 
Congregação de Maryknoll, engajou-se na revolução sandinista da Nicarágua, 
tornando-se diplomata e ministro de governo. Foi eleito presidente da Assembleia 
das Nações Unidas para o período de setembro 2008 a setembro 2009.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Alguns	parágrafos	da	Declaração	se	 referem	direta	ou	 tan-
gencialmente	às	religiões:	
Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da 
Humanidade ––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Considerando que todos os seres humanos, com suas culturas, línguas, tradições, 
religiões, artes e visões de mundo, constituem a única família de irmãos e irmãs 
com dignidade igual e direitos iguais e que a Mãe-Terra providenciou tudo de 
que necessitamos para viver e que a vida natural e humana depende de uma 
biosfera saudável, com todos os ecossistemas sustentáveis, com água, matas, 
animais e incontáveis micro-organismos preservados, e, além disso, que o 
crescente aquecimento global pode colocar em risco a vitalidade e integridade 
do sistema Terra e que podem ocorrer graves devastações, afetando milhões 
e milhões de pessoas, e eventualmente inviabilizar a sobrevivência de toda a 
espécie humana. [...]
Considerando, finalmente, que a consciência da gravidade da situação crítica 
da Terra e da Humanidade torna imprescindíveis mudanças nas mentes e nos 
corações, como o sublinha com ênfase a Carta da Terra, e que se forje uma coalizão 
de forças em torno de valores comuns e princípios inspiradores que sirvam de 
fundamento ético e estímulo para práticas que busquem um modo sustentável 
de viver. As pessoas, as instituições, a iniciativa da Carta da Terra, os líderes 
políticos, as ONGs, as religiões e igrejas que subscrevem esta Declaração veem 
a urgência de que se proclame a presente Declaração Universal do Bem Comum 
da Terra e da Humanidade, cujos ideais e critérios devem orientar os povos, as 
nações e todos os cidadãos em suas práticas coletivas, comunitárias e pessoais 
e nos processos educacionais para que o Bem Comum seja progressivamente 
reconhecido, respeitado, observado, assumido e promovido universalmente com 
vistas ao bem viver de cada um e de todos os habitantes deste pequeno planeta 
azul-branco, nosso Lar Comum. [...]
Artigo 10 – O grande Bem Comum da Terra e da Humanidade são os seres 
humanos, homens e mulheres, portadores de dignidade, consciência, inteligência, 
amor, solidariedade e responsabilidade.
I. É preciso afirmar a dignidade inerente a todos os seres humanos e seu potencial 
intelectual, artístico, ético e espiritual.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso172
II. A missão dos seres humanos é cuidar e proteger a Terra e a Humanidade 
como heranças recebidas do universo.
III. As comunidades em todos os níveis têm a obrigação de garantir a realização 
dos direitos e das liberdades fundamentais, criando as condições para que cada 
pessoa realizar seu pleno potencial e contribuir para o Bem Comum da Mãe Terra 
e da Humanidade. (...)
Artigo 14 – Pertencem ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe Terra a 
multiplicidade das culturas e línguas, os diferentes povos, os monumentos, as 
artes, a música, as ciências, as técnicas, as filosofias, a sabedoria popular, as 
tradições éticas, os caminhos espirituais e as religiões. (...)
Artigo 19 – Pertence ao Bem Comum da Humanidade a comensalidade que 
expressa o sonho ancestral de todos os povos de sentar-se juntos, como irmãos 
e irmãs da mesma família, ao redor da mesa, comendo e bebendo alegremente 
dos frutos da generosidade da Mãe Terra.
Artigo 20 – Pertence ao Bem Comum da Humanidade a compaixão com todos os 
que sofrem na natureza e na sociedade, aliviando seus sofrimentos e impedindo 
todo tipo de crueldade contra os animais.
Artigo 21– Pertencem ao Bem Comum da Humanidade os princípios éticos de 
respeito por todo ser, do cuidado da natureza e da responsabilidade universal 
pela preservação da biodiversidade e pela continuidade do projeto planetário 
humano e os princípios de cooperação e solidariedade de todos com todos 
partindo dos mais necessitados, para que todos sejam incluídos na mesma Casa 
Comum.
Artigo 22 – Pertence ao Bem Comum da Mãe-Terra e da Humanidade a busca 
permanente da paz que resulta da relação correta consigo mesmo, de todos com 
todos, com a natureza, com a vida, com a sociedade nacional e internacional e 
com o grande Todo do qual fazemos parte.
Artigo 23 – Pertence ao Bem Comum da Humanidade e da Mãe-Terra a convicção 
de que uma Energia amorosa subjaz a todo o universo, sustenta cada um dos 
seres e pode ser invocada, acolhida e venerada.
Artigo 24 – Todos estes ideais e critérios do Bem Comum da Mãe-Terra e da 
Humanidade prolongam e reforçam os princípios e valores da Carta da Terra e 
os direitos humanos contidos na Declaração dos Direitos do Homem proclamada 
em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia da ONU, gerando a esperança 
de uma biocivilização em harmonia consigo mesma, cheia de cuidado para com 
a Mãe Terra, fundamentada no espírito de cooperação, irmandade universal e 
amor incondicional [...] (apud SUSIN, 2010, p. 31ss).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
Por	que	chamar	as	tradições	religiosas	para	conversar	sobre	
o	futuro	do	planeta?	Não	bastam	as	ciências	para	ajustar	o	cami-
nho	da	humanidade	e	da	Terra?	Com	os	cientistas,	mas	contra	sua	
pretensão	de	autossuficiência,	Boff	afirma:
Os	cientistas	nos	dizem	que	todo	universo	é	suportado	por	quatro	
energias,	quatro	forças:	a	gravitacional	(que	atrai	todos	os	seres),	a	
eletromagnética	(que	faz	as	combinações	químicas),	a	nuclear	fraca	
(que	mantém	o	átomo	com	seus	elétrons)	e	a	nuclear	forte	(que	
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Claretiano - Centro Universitário
© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
faz	a	 irradiação,	 a	 luminosidade	do	 inteiro	universo).	Nós	 somos	
unidos	por	essas	energias.	O	ser	humano	pergunta:	O	que	havia	
antes	do	big-bang?	Não	era	o	nada	porque	do	nada	não	vem	nada.	
O	que	havia	antes	era	o	mistério,	o	inefável.	Era	aquele	transfundo	
de	energia	que	os	cientistas	chamam	de	vácuo	quântico,	mas	não	
tem	nada	de	vácuo.	Ele	é	pleno	de	energia	donde	tudo	sai	e	para	
onde	tudo	volta.	Essa	energia	está	atrás	de	cada	ser	e	nos	faz	viver,	
respirar,	amar.	Essa	energia	tem	as	características	que	as	religiões	
atribuem	à	fonte	originária	de	todo	ser,	que	é	Deus.	A	palavra	en-
tusiasmo	na	sua	filologia	significa	ter	um	Deus	dentro.	A	vocação	
humana	é	brilhar,	irradiar	porque	esse	é	o	desígnio	do	universo	e	o	
propósito	do	Criador.	(BOFF,	2011).
Assim,	na	imensa	sabedoria	dos	povos,	expressa	imemorial-
mente	em	rituais,	mitos,	e	referenciais	éticos,	podemos	encontrar	
nova	oxigenação	espiritual	para	uma	humanidade	que	desliza	em	
direção	ao	abismo.
Contribuição das religiões
O	que	há	de	sintonia	entre	a	atual	sensibilidade	ecológica	e	
as	tradições	religiosas	ancestrais	é	o	fato	de	captarem	a	realidade	
na	sua	interconexão	mais	fundamental.
A	ecologia	é	uma	forma	de	captar	a	natureza	em	seus	pontos	
de	encontro	e	não	em	suas	separações,	é	um	modo	de	conceber	a	
vida	humana	na	sua	rede	de	interações	mútuas,	na	conexão	com	
o	cosmos,	com	a	matéria,	com	os	influxos	do	ar,	da	água,	do	calor,	
das	montanhas,	do	beija-flor,	da	semente,	e	da	infinidadede	expe-
riências	relacionais.	E,	além	disso,	compreende	que	nenhum	dos	
processos	relacionais	tem	sentido	separadamente,	pois	há	sempre	
interconexões,	 interpenetrações,	 interdependências	 na	 maioria	
das	vezes	imperceptíveis.
Tudo	o	que	existe	coexiste.	Tudo	o	que	coexiste	preexiste.	E	tudo	o	
que	coexiste	e	preexiste	subsiste	através	de	uma	teia	infindável	de	
relações	inclusivas.	Tudo	se	acha	em	relação.	Fora	da	relação	nada	
existe	(BOFF.	1996,	p.19).
A	religião,	na	sua	gênese	mais	profunda,	é	a	expressão	pri-
meira	dessa	busca	de	conexão.	O	ser	humano	é	a	criatura	que	mais	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso174
se	esqueceu	de	 sua	 fundamental	 ligação	com	o	cosmo.	Por	 isso	
foi	criando	símbolos	da	lembrança,	sinais,	ritos	e	narrativas	para	
retomar	as	ligações	perdidas.
[...]	a	re-ligião	nos	permite	identificar	o	elo	perdido.	Re-ligar	todas	
as	coisas	e	todas	as	experiências.	Re-ligar	todos	os	eventos	cósmi-
cos	para	constituir	uma	cadeia	coerente.	Re-ligar	todas	as	etapas	
da	cosmogênese	e	da	antropogênese	para	dar	unidade	ao	processo	
evolucionário.	Re-ligar	o	mundo	ao	eu,	o	eu	empírico	ao	eu	pro-
fundo,	à	sociedade,	à	história,	ao	universo	e,	por	fim,	re-ligar	tudo,	
tudo	à	sua	origem	secreta,	Deus.	Deus	empapa	tudo,	penetra	tudo,	
anima	tudo,	re-liga	tudo.	Tudo	está	em	Deus	e	Deus	está	em	tudo	
(panenteísmo,	diferente	de	panteísmo	que	diz	erroneamente:	tudo	
é	Deus,	Deus	é	tudo)	(BOFF,	2001,	p.157).	
Na	grande	aventura	histórica,	com	todos	seus	percalços,	cada	
tradição	religiosa	guardou	uma	semente	de	que	precisamos	para	o	
replantio	dos	sonhos,	para	restaurar	a	criação,	para	rejuntar	o	que	
está	quebrado,	para	as	ações	benfazejas	necessárias	no	planeta.	
Sem	a	pretensão	de	completude,	sinalizamos	aqui	alguns	traços	de	
tradições	religiosas	que	são	indicadores	dos	muitos	caminhos	para	
a	tessitura	de	novas	possibilidades	ecoteológicas.	
Em	grande	marcha	global	pela	salvação	do	mundo,	podemos	
apontar	 algumas	 contribuições	 dos	 inúmeros	 povos	 e	 tradições	
existentes:
1)	 Os	 Guarani	 trazem	 a	 Terra	 Sem	Males	 (Yvý	Marane'y)	
como	 horizonte	 de	 toda	 sua	 relação	 com	 a	 natureza,	
com	a	humanidade	e	com	o	Mistério	Divino,	consideran-
do	cada	ser	humano	uma	palavra	divina.	
2)	 Os	Zapoteca	trazem	a	perspectiva	de	fazer	de	toda	a	ter-
ra	 (Guidxilayú)	 uma	 casa	 digna	 da	 humanidade	 inteira	
em	plena	harmonia.
3)	 Os	Quéchua	trazem	a	profunda	relação	com	a	Mãe-Terra	
(Pachamama)	como	manifestação	fecunda	da	dádiva	de	
Deus	e	a	ligação	com	os	antepassados	na	compreensão	
do	mistério	da	vida.
4)	 Os	Aimara	trazem	o	universo	cheio	de	vida,	as	relações	
com	montanhas,	planaltos	e	 vales	 intermináveis,	o	 ca-
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
rinho	com	todos	os	seres	e,	especialmente,	com	o	mo-
mento	do	nascimento.
5)	 Os	Maias	trazem	uma	dimensão	cósmica	da	vida,	aten-
tos	 à	 respiração	 dos	 astros	 e	 construção	 da	 felicidade	
sustentável	aqui	na	 terra,	buscando	harmonia	pessoal,	
na	família,	na	comunidade	e	no	cosmo.
6)	 Os	Raramuri	trazem	a	consciência	da	fragilidade	e	a	de-
cidida	 recusa	à	 contaminação	pela	 violência	de	defesa	
preventiva,	enquanto	fazem	da	festa	o	bem	mais	precio-
so.
7)	 O	Hinduísmo	traz	o	princípio	da	não	violência	–	que	Gan-
dhi	levou	às	últimas	consequências	–,	o	respeito	profun-
do	por	todas	as	formas	de	vida	e	o	conhecimento	aberto	
ao	infinito.
8)	 O	Budismo	traz	o	princípio	da	compaixão,	a	prática	das	
ações	virtuosas,	a	busca	do	estado	de	plena	iluminação	
na	simplicidade	da	vida	e	a	afirmação	da	paz.
9)	 O	 Islã	 traz	a	prática	da	misericórdia,	o	esforço	de	vida	
regrada,	a	irmandade	dos	humanos	com	a	natureza	co-
mum,	o	reconhecimento	das	dádivas	do	Criador.
10)	O	Judaísmo	traz	a	experiência	nômade	do	deserto	com	
a	busca	da	terra	prometida,	a	afirmação	do	direito	e	da	
justiça	direcionados	ao	órfão,	à	viúva	e	ao	estrangeiro,	e	
o	descanso	da	terra,	com	o	perdão	das	dívidas.
11)	O	Cristianismo	traz	o	amor	ao	inimigo,	a	ética	das	bem-
-aventuranças,	a	gratuidade	das	aves	e	dos	lírios	do	cam-
po,	a	atenção	à	criança	e	a	todo	fragilizado,	a	promoção	
da	justiça	e	da	paz.
12)	O	Candomblé	 traz	a	 reverência	a	cada	planta	e	a	cada	
criatura,	a	retidão	dos	caminhos,	a	sabedoria	comparti-
lhada	e	o	respeito	pelo	outro,	especialmente	pelos	mais	
velhos.
13)	O	Espiritismo	traz	um	convite	à	coerência	entre	fé	e	vida,	
uma	caridade	amorosa	e	gratuita	e	a	insistência	no	de-
senvolvimento	moral	da	pessoa	e	da	sociedade,	além	de	
um	respeito	grande	às	religiões.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso176
O	caminho	da	compaixão,	a	ligação	criatural	entre	os	huma-
nos	e	todas	as	formas	de	vida,	o	reconhecimento	do	dom	divino,	a	
sabedoria	ancestral,	a	gratuidade,	a	veneração,	a	ética,	são	rique-
zas	que	poderão	tecer	fraternura	e	sororidade,	amplas	e	profun-
das,	com	toda	a	criação.
Os	traços	aqui	anotados	apontam	para	os	caminhos	dos	po-
vos	que	poderão	se	unir,	sem	se	anular,	em	um	abraço	simbólico	e	
fecundante	de	sentido	para	o	futuro	do	planeta.	
Desenvolveremos,	 ao	 longo	 desta	 unidade,	 alguns	 dos	 as-
pectos	aqui	sinalizados.	Se	você	conhece	alguém	de	alguma	destas	
tradições	citadas,	ou	de	outra	aqui	não	anotada,	amplie	estas	in-
dicações.
As	 riquezas	guardadas	no	 coração	das	 tradições	 religiosas,	
porém,	não	emergem	automaticamente.	Há	que	fazer	um	discer-
nimento	e	assumir	tarefas	no	contexto	histórico	em	que	a	huma-
nidade	vive.	Conforme	propõe	Marcial	Maçaneiro	(2011,	p.	151-
152),	 existem	muitas	 possibilidades	 para	 que	 a	 contribuição	 de	
cada	 tradição	 seja	 desencadeadora	 de	 vivências	 cuidadoras	 do	
planeta.	Anotamos	algumas	aqui:
1)	 Fazer	uma	leitura	ecológica	de	suas	próprias	fontes:	nar-
rativas	ancestrais,	textos	sacros,	símbolos,	ritos,	teologia	
e	mística.
2)	 Explicitar	sua	mitologia/teologia	da	criação,	discernindo	
o	lugar	e	o	papel	do	ser	humano	na	Terra.
3)	 Propor	virtudes	ecológicas	para	a	 conduta	 individual	e	
coletiva.
4)	 Oferecer	elementos	hermenêuticos,	pedagógicos	e	mo-
tivacionais	para	o	saber	e	a	prática	ecológicos.
5)	 Favorecer	espaços	de	discussão	e	busca	comum	de	so-
luções	para	problemas	ecológicos	locais:	fóruns,	painéis,	
assembleias,	simpósios,	grupos	de	debate	etc.
6)	 Contribuir	para	a	consolidação	da	justiça	ambiental,	es-
pecialmente	em	relação	aos	pobres	e	excluídos.	
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
7)	 Promover	a	educação	ambiental	em	todos	os	níveis	de	
sua	organização:	meios	 de	 comunicação,	 escolas,	 igre-
jas,	mesquitas,	templos,	sinagogas,	mosteiros,	hospitais,	
centros	culturais,	universidades	etc.
8)	 Participar	 do	 diálogo	 inter-religioso	 em	 vista	 de	 uma	
agenda	ecológica	conjunta.	
Temas eco-religiosos 
Aqui,	vamos	acompanhar	a	indicações	de	alguns	povos	em	
cada	temática	que	abordaremos.	Vamos	caminhar	pelas	veredas	
da	admiração	com	a	criação	e	da	afirmação	da	dignidade	humana.	
Vamos	seguir,	de	mãos	dadas,	as	comunidades	indígenas,	as	gran-
des	religiões	e	as	tradições	africanas.
Buscaremos	aqui	 indicações	que	 se	 afiguram	como	contri-
buição	relevante	para	o	diálogo	e	para	a	ecologia.	Trata-se	de	um	
primeiro	acesso	a	uma	Ecoteologia	 inter-religiosa,	dimensão	 im-
portante	do	diálogo	inter-religioso.	Alguns	fragmentos	dos	textos	
e	dos	referenciais	simbólicos	das	religiões	serão	disponibilizados,	
apenas	como	pontos	de	partida	para	sinalizar	os	horizontes	irredu-
tíveis	de	tradições	milenares.	
Partilhamos	da	convicção	de	que	as	religiões	podem	revisitar	
sua	tradição	para	oferecer	à	comunidade	humana	as	melhores	ri-
quezas	que	possui.	É	o	que	Giuseppe	Barbaglio	afirma:	
Nessa	operação,	alguns	dados	serão	modificados,	outros	enrique-
cidos	 com	 as	 contribuiçõesde	 culturas	 diferentes,	 outros	 ainda	
serão	oferecidos	em	sua	integridade	às	outras	religiões.	Nenhuma	
religião	pode	 renunciar	a	essa	 tarefa	universal	 [...].	 Elas	poderão	
exercer	a	sua	missão	somente	com	a	condição	de	que	saibam	viver	
uma	 fidelidade	nova.	 Isto	é,	 com	a	 condição	de	que	acolham	os	
estímulos	da	própria	tradição,	mas	ao	mesmo	tempo	exige	que	ela	
seja	superada	na	modalidade	com	que	foi	acolhida	e	compreendia	
até	este	momento.	(in	CANTONE,	1995,	p.544)
Vejamos	agora	alguns	temas	comuns	a	muitas	tradições	re-
ligiosas,	com	suas	características	diferenciadas	e	possibilidades	de	
interfluxo	seminal.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso178
6. REENCANTAMENTO DA CRIAÇÃO 
As	tradições	religiosas	lidaram	sempre	com	experiências	ori-
ginárias,	guardadas	na	memória,	no	corpo	e	na	cultura,	das	múl-
tiplas	expressões	do	cosmos:	o	voo	do	beijaflor	e	o	raio	do	sol,	a	
imensidão	do	mar	e	a	simplicidade	da	gota	d’água,	a	magnitude	da	
montanha	e	o	pequeno	igarapé,	o	fugidio	do	fogo	e	a	permanência	
da	rocha.	E	os	povos	se	encantaram	com	o	arco-íris,	com	a	lua,	com	
as	chuvas,	a	neve,	o	granizo	e	os	ventos,	com	os	pássaros	e	gafa-
nhotos,	com	os	peixes	pequenos	e	grandes,	com	a	água,	as	flores-
tas	e	as	areias	do	deserto	(Cf.	Eclo.	43).	Em	tudo,	há	vivências	sim-
bólicas	inoculadas	nos	povos.	Um	novo	modo	de	habitar	o	mundo	
com	olhar	poético,	estético,	 com	escuta	atenta,	com	o	pacto	de	
aliança	com	o	Todo,	será,	como	diz	Faustino	Teixeira,	"uma	nova	
forma	de	instalação	no	mundo,	marcada	pela	'delicadeza	espiritu-
al',	pela	simpatia,	cortesia	e	retomada	do	senso	da	maravilha" (In	
OLIVEIRA,	2009,	p.212).
O	maravilhamento	e	o	 reencantamento	do	mundo	brotam	
de	experiências	do	cotidiano,	mas	ganham	nas	religiões	densidade	
simbólica,	conforme	afirma	Maçaneiro:
Infinitude,	 devir,	 renovação,	 potência,	 encanto	 e	 transcendência	
serão	impressos	na	psique	profunda,	desenhando	arquétipos	uni-
versais.	Os	objetos	e	lugares	em	que	tais	experiências	foram	vivi-
das	são	demarcados	como	“espaço	sagrado”	(locus sacer).	Fontes,	
rochedos,	 montanhas,	 arco-íris,	 constelações	 e	 subterrâneos	 se	
transformam	em	acesso	para	o	Divino,	trazendo	a	eternidade	para	
dentro	do	tempo	e	o	infinito	para	dentro	do	finito.	São	janelas	de	
transcendência	que	se	abrem,	nos	céus	e	na	terra.	Esses	lugares	ir-
radiam	poder	e	inspiram	reverência,	porque	são	"casa	da	divindade	
e	portal	celeste"	(Gn28,17)	(MAÇANEIRO,	2011,	p.128).	
No	 âmbito	 das	 tradições	 religiosas,	 a	 natureza	 não	 é	 vista	
apenas	na	sua	utilidade	mercantil	que	hoje	ganha	ares	de	supre-
macia.	A	visão	religiosa	também	não	despreza	a	natureza	para,	as-
sim,	se	aproximar	do	Absoluto.	É	na	criação	que	se	reconhece	a	
manifestação	do	Sagrado.	Isso	acontece,	por	exemplo,	na	tradição	
de	muitos	povos	indígenas:	o	encontro	com	Deus	inclui	necessa-
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
riamente	a	relação	com	toda	a	criação,	como	captou	Dom	Pedro	
Casaldáliga	na	Missa	da	Terra	sem	Males:
Eu	adorava	Deus,	
Maíra	em	toda	coisa	[...]
A	vida	era	meu	culto,
a	dança	era	meu	culto,
a	terra	era	meu	culto,
a	morte	era	meu	culto,
eu	era	um	culto	vivo!
Eu	tinha	uma	cultura	de	milênios
antiga	como	o	sol,
como	os	montes	e	rios
da	grande	Llakta	Mama.
Eu	plantava	os	filhos	e	as	palavras.
Eu	plantava	o	milho	e	a	mandioca.
Eu	cantava	com	a	língua	das	flautas.
Eu	dançava,	vestido	de	luar,
enfeitado	de	pássaros	e	palmas.
Eu	era	a	cultura	em	harmonia
com	a	Mãe	Natureza.
Eu	era	a	Paz	comigo	e	com	a	Terra.
Eu	conhecia	o	ouro,	o	diamante,	a	prata,
a	nobre	madeira	das	matas,
mas	eram	para	mim	os	enfeites	sagrados
do	corpo	da	Terra	Mãe.
Eu	respeitava	a	Natureza
como	se	respeita	a	própria	esposa	(CASALDALIGA,	2000,	p.19-21).
Na tradição judaica
Os	salmos	são	um	documento	bastante	extenso	da	expres-
são	 de	 encanto	 diante	 das	maravilhas	 da	 criação.	 Grande	 parte	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso180
dessa	poesia	religiosa	traz	o	cosmos	todo	em	sintonia	com	a	histó-
ria	humana	na	presença	de	Deus.	A	atitude	de	admiração	está	bem	
expressa	no	salmo	8:
Iahweh,	Senhor	nosso,	
quão	poderoso	é	teu	nome	em	toda	a	terra!	
Ele	divulga	tua	majestade	sobre	o	céu.	
Pela	boca	das	crianças	e	bebês.	[...]
Quando	vejo	o	céu,	obra	dos	teus	dedos,	
a	lua	e	as	estrelas	que	fixaste,	[...]
ovelhas	e	bois,	todos	eles,	e	as	feras	do	campo	também;	
a	ave	do	céu	e	os	peixes	do	oceano	
que	percorrem	as	sendas	dos	mares.
Iahweh,	Senhor	nosso,
quão	poderoso	é	teu	nome	em	toda	a	terra	(Sl	8).
Junto	com	a	admiração,	a	oração	judaica	dos	salmos	traz	o	
louvor,	como	nos	hinos	do	final	do	saltério:
Louvai	a	Iahweh	no	céu,
Louvai-o	nas	alturas	[...]
Louvai-o,	sol	e	lua,
Louvai-o,	astros	todos	de	luz,
Louvai-o,	céus	dos	céus
e	águas	acima	dos	céus!
Louvem	o	nome	de	Iahweh
pois	ele	mandou	e	foram	criados;
fixou-os	eternamente,	para	sempre,
deu-lhes	uma	lei	que	jamais	passará.
Louvai	a	Iahweh	na	terra,
monstros	marinhos	e	abismos	todos
raio	e	granizo,	neve	e	bruma,
e	furacão	cumpridor	de	sua	palavra;
montes	e	todas	as	colinas,
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
árvore	frutífera	e	todos	os	cedros,
fera	selvagem	e	o	gado	todo,
réptil	e	pássaro	que	voa	[...]	(Sl	148).
No	Salmo	19	reflete-se	sobre	o	reconhecimento	encantado	
com	a	criação,	que,	plena	de	beleza,	prescinde	da	palavra	humana	
para	revelar	a	incomensuravel	grandeza	de	Deus.	
Os	céus	narram	a	glória	de	Deus	
e	o	firmamento	proclama	a	obra	de	suas	mãos.
O	dia	entrega	a	mensagem	ao	outro	dia,
e	a	noite	a	faz	conhecer	a	outra	noite.
Não	há	termos,	não	há	palavras,
Nenhuma	voz	que	deles	se	ouça;
E	por	toda	a	terra	a	sua	linha	aparece
E	até	aos	confins	do	mundo	a	sua	linguagem	(Sl	19,2-5).
Na tradição cristã
Há	um	encantamento	diante	da	beleza	criativa	de	Deus,	que	
tudo	sustenta	(Cf.	Cl	1,17),	tudo	realiza:	“Tudo	foi	feito	por	meio	
dele	e	sem	ele	nada	foi	feito”	(Jo	1,3),	e	tudo	transforma,	fazendo	
novas	todas	as	coisas,	criando	novos	céus	e	nova	terra	(Cf.	Ap	21,3-
5).	
Nos	ensinamentos	de	Jesus,	o	ambiente	metafórico	é	todo	
permeado	 da	 natureza.	 As	 parábolas	 refletem	 uma	 intimidade	
com	a	natureza	habitada	pelo	encontro	encantando	do	ser	huma-
no	com	a	criação:
Olhai	as	aves	do	céu:	não	semeiam,	nem	colhem,	nem	ajuntam	em	
celeiros.	
E,	no	entanto,	vosso	Pai	celeste	as	alimenta.	[...]	
Aprendei	dos	lírios	do	campo,	como	crescem,	e	não	trabalham	nem	
fiam.	
E,	no	entanto,	eu	vos	asseguro	que	nem	Salomão,	em	todo	o	seu	
esplendor,	se	vestiu	como	um	deles.	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso182
Ora,	se	Deus	veste	assim	a	erva	do	campo,	que	existe	hoje	e	ama-
nhã	será	lançada	ao	forno,	não	fará	ele	muito	mais	por	vós,	homens	
fracos	na	fé?	[...]	(Mt	6,	25-34).
A	teologia	de	Paulo	dá	uma	dimensão	cósmica	à	sensibilida-
de	criatural	e	relacional	manifesta	nos	Evangelhos.	Jesus,	o	Cristo,	
Verbo	de	Deus,	aparece,	no	Novo	Testamento,	reunindo	em	si	toda	
a	criação,	dando	sentido	divino	a	todos	os	seres:	
Ele	é	a	Imagem	do	Deus	invisível,	Primogênito	de	toda	a	criatura,
porque	nele	foram	criadas	todas	as	coisas,
no	céus	e	na	terra,	as	visíveis	e	as	invisíveis:
Tronos,	Soberanias,	Principados,	Autoridades,
tudo	foi	criado	por	ele	e	para	ele.
Ele	é	antes	de	tudo	e	tudo	nele	subsiste.
Ele	é	a	Cabeça	da	igreja,	que	é	o	seu	Corpo.
Ele	é	o	Princípio,	o	Primogênito	dos	mortos,
(tendo	em	tudo	a	primazia),	
pois	nele	aprove	a	Deus	fazer	habitar	toda	Plenitude
e	reconciliar	por	ele	e	para	ele	todos	os	seres,
os	da	terra	e	os	dos	céus.	(Cl	1,15-20).
A	Carta	aos	Romanos	traz	o	anseio	de	toda	a	criação	pela	re-
tomadado	valor	divino	que	lhe	foi	subtraído	pelas	relações	de	vo-
racidade	e	dominação	que	desvirtuam	a	obra	de	Deus.	Esta	visão	
ganha	tons	escatológicos	e	apocalípticos	anunciando	"novos	céus	
e	nova	terra,	onde	habitará	a	justiça"	(2Pd	3,10-13).
Existe	aqui	uma	sintonia	radical	e	uma	responsabilidade	en-
cantada	com	a	natureza	que	se	unem	a	um	anseio	de	reconciliação	
universal,	 a	uma	 sacramentalidade	 fundamental	que,	no	Cristia-
nismo,	será	vivida	de	modo	radical	por	Francisco	de	Assis.	No	seu	
Cântico	das	Criaturas,	ele	expressa	como	se	configurou	em	seu	co-
ração	o	desejo	de	Jesus	de	Nazaré	e	a	teologia	de	Paulo:	todo	o	
universo	reconciliado.	
Fez-se	dia	em	sua	noite	escura.	Sentiu-se	no	Reino	de	Deus	que	é	
o	símbolo	da	total	reconciliação,	da	superação	de	todas	as	contra-
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Claretiano - Centro Universitário
© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
dições	e	a	máxima	realização	do	ser	humano	com	o	cosmos	e	com	
Deus.	Levantou-se.	Pôs-se	a	meditar	um	pouco	e	entoou	o	hino	a	
todas	as	criaturas:	Altissimu,	omnipotente,	bom	Signore	[...]	Chama	
os	irmãos	e	com	eles	canta	o	hino	recém-composto.	Este	cântico	
de	 luz	 surgiu	no	meio	de	uma	noite	escura	do	corpo	e	da	alma.	
Emergiu	das	profundezas	de	uma	existência	que	foi	se	erguendo,	
sofrida	e	atribulada,	como	um	botão	que	busca,	insaciável,	no	meio	
da	mata	escura,	luz	do	sol	(BOFF,	1982,	p.	58).
Francisco	de	Assis	 chama	 todas	as	 criaturas	para,	em	uma	
grande	irmandade,	louvar	o	Criador.	Há	aqui	delicada	sensibilida-
de	 de	 comunhão	 e	 apreço	 pela	 criação,	 que	 traz	 novidade	 com	
relação	aos	salmos	da	tradição	judaica,	pois	as	criaturas	não	só	se	
somam	aos	humanos,	cada	uma	louvando	ao	Criador,	mas	se	en-
trelaçam	e	glorificam	a	Deus	no	ato	de	comunhão	mútua.	Tem-se	
aqui	um	encantamento	sem	precedentes:
Altíssimo,	onipotente,	bom	Senhor,	
teus	são	o	louvor,	a	glória	e	a	honra	e	toda	bênção.	
A	ti	somente,	Altíssimo,	são	devidos	
e	homem	algum	é	digno	de	te	mencionar.	
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	com	todas	as	tuas	criaturas,	
especialmente	meu	senhor	o	irmão	sol	
que,	com	luz,	ilumina	o	dia	e	a	nós.	
E	ele	é	belo	e	radiante	com	grande	esplendor:	
de	ti,	Altíssimo,	carrega	significação.	
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	pela	irmã	luz	e	as	estrelas,	
no	céu	as	formaste	claras	e	preciosas	e	belas.	
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	pelo	irmão	vento	
e	pelo	ar	e	nublado	e	sereno	e	todo	o	tempo	
pelo	qual	dás	sustento	às	tuas	criaturas.	
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	pela	irmã	água	
que	é	muito	útil	e	humilde	e	preciosa	e	casta.	
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	pelo	irmão	fogo	
pelo	qual	iluminas	a	noite	
e	ele	é	belo	e	jucundo	e	robusto	e	forte.	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso184
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	pela	irmã	nossa	mãe	terra	
que	nos	sustenta	e	governa	e	produz	diversos	frutos	
com	coloridas	flores	e	ervas.	
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	por	aqueles	
que	perdoam	por	teu	amor	
e	suportam	enfermidades	e	tribulações.	
Bem-aventurados	aqueles	que	sustentam	a	paz	
porque	por	ti,	Altíssimo,	serão	coroados.	
Louvado	sejas,	meu	Senhor,	pela	irmã	nossa	morte	corporal	
da	qual	nenhum	homem	vivente	pode	escapar.	
Infelizes	aqueles	que	morrem	em	pecado	mortal;	
bem-aventurados	aqueles	
que	se	encontram	em	tua	santíssima	vontade	
porque	a	morte	segunda	não	lhes	fará	mal.	
Louvai	e	bendizei	a	meu	Senhor	
e	agradecei	e	servi-o	com	grande	humildade	(CÂNTICO	DO	IRMÃO	
SOL,	s/d).
O	mundo	 interior	 de	 Francisco	 de	Assis	 se	 une	 ao	mundo	
exterior	 das	 criaturas	 em	 um	 encantamento	 orante.	 O	mistério	
do	brilho	divino	interior	e	o	contato	com	os	mistérios	da	criação	
são	um	só	movimento.	Francisco	de	Assis	pede	permissão	a	Deus,	
reconhecendo	a	pequenez	de	quem	não	é	digno	nem	de	mencionar	
tão	sublime	nome,	e	aí	abraça	amorosamente	toda	a	comunidade	
de	vida:	transfigurou-se	e	nele	se	reconciliaram	o	céu	e	a	terra.
Na tradição do Islã
Um	sinal	para	eles	é	a	terra	árida	que	vivificamos	
e	da	qual	fazermos	surgir	os	grãos	que	nos	alimentam.
Nela	produzimos	jardins	de	tamareiras	e	videiras;
E	dela	fazemos	brotar	fontes,	para	que	possais	comer	dos	seus	fru-
tos;
E	do	quanto	vossas	mãos	produzem.	Acaso	reconhecem?
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
Glória	Àquele	que	criou	os	pares	tudo	o	que	a	terra	produz.	(Sura,	
36,33-36)
Na tradição das religiões dos orixás
Vida	 é	 bem	mais	 do	 que	 vida	 exterior	 com	movimento.	 A	
reverência	a	 cada	detalhe	da	natureza	vai	em	direção	ao	princí-
pio	universal	da	vida,	à	raiz	última	do	axé,	como	diz	Edson	Santos	
(2007,	p.	32-33):
Vivemos	em	um	universo	vivo,	onde	a	vida	pulsa	incessantemente.
Este	universo	foi	criado	por	Olodumaré,	o	Espírito	único	que	rege	
a	criação.
A	vida	latente	nas	rochas,	a	vida	que	flui	nas	plantas,	
a	vida	que	pulsa	no	ser	humano	e	nos	outros	seres	vivos,
toda	forma	de	vida,	provém	de	uma	única	fonte;
portanto,	tudo	e	todos	são,	fundamentalmente,	uma	só	Vida	em	
Olodumaré,
que	ordenou	aos	orixás	concretizarem	a	criação	
que	Nele	–	Olodumaré	–	já	existia	[...].
Nele	reside	a	força	vital	de	tudo	
que	no	mundo	visível	e	invisível	existe.	
Na tradição Guarani
Os	 Guarani	 estão	 diante	 da	 natureza	 sempre	 encantados.	
Cada	ser	é	visto,	ouvido	e	tocado	com	o	respeito	de	quem	sente	ali	
algo	de	divino.	E	desde	a	mais	tenra	idade,	as	crianças	aprendem	
de	forma	mística	na	Casa	de	Reza	(Opy),	na	aldeia	e	na	mata.	Sem	
o	canto	e	a	dança	na	Casa	de	Reza	a	criança	se	perderia,	seria	como	
uma	abandonada	sem	rumo.	Por	isso,	as	mães	estão	na	Opy	dan-
çando	 com	 seus	 recém-nascidos	 no	 colo,	 embalados	 pelos	 sons	
dos	cantos	sagrados.	É	deste	ambiente	místico	que	nasce	a	admi-
ração	constante	com	a	grandeza,	com	a	delicadeza,	com	as	cores,	
com	as	vozes,	com	o	brilho	de	tudo.	Bartolomeu	Meliá	diz	que	o	
guarani	tem	uma	percepção	auditiva,	visual,	plástica	da	natureza:
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso186
Como	é	belo	ver	e	escutar	a	terra	com	suas	múltiplas	cores	e	suas	
inúmeras	vozes!	O	monte	é	alto:	ka'á	yvaté;	é	grande:	ka'á	guassú;	
é	lindo:	ka'á	porã;	é	áureo	e	perfeito:	ka'á	ju;	é	semelhante	a	uma	
chama	resplandecente:	ka'á	rendi;	é	coisa	brilhante:	mba'é	verá.	Os	
rios	são	claros:	y	satí;	brancos:	y	morotí;	negros:	y	hu;	vermelhos:	y	
pytã;	ou	como	uma	corrente	de	água	coroada	de	plumas:	paraguá	
y.	O	mar	é,	enfim,	a	cor	e	todas	as	cores:	pará.	[...]	Um	povo	que	du-
rante	séculos	viveu	num	ambiente	como	este	só	podia	pensar	sua	
verdadeira	terra	em	termo	de	luz	e	de	voz;	falam	não	só	as	aves,	os	
insetos	e	as	águas,	mas	também	as	árvores,	como	o	cedro	do	qual	
'flui	a	palavra:	yvyrá	ñe'erý'	(apud	MARZAL,	1989,	p.337-338).
O	encantamento	com	a	natureza	repercute	nos	nomes	das	
pessoas.	O	nome	é	expressão	de	uma	tarefa	divina,	uma	missão	
para	a	comunidade	e	para	toda	a	criação.	Assim	serão	muitos	os	
nomes	das	palavras-alma	recebidos	no	batismo	guarani:	Flor	Bela	
(Poty	Porã),	Homem	Flor	(Avapoty),	Senhor	da	Luz	Verdadeira	(Ka-
raí	Katu),	Pequeno	Dono	(Karaí	Mirim).	Os	Karaí,	por	exemplo,	são	
vistos	 como	os	 cuidadores	 da	 saúde	 e	 do	 espírito	 na	 aldeia	 (na	
Tekoá),	 pois	 sua	origem	divina	os	 coloca	dispostos	 a	 construir	 a	
liderança	espiritual	mergulhando	na	profundidade	da	natureza	e	
do	mistério	das	pessoas	em	contato	com	Ñanderu:
Da	sabedoria	contida	em	seu	ser	celeste,
em	virtude	de	seu	saber	que	se	abre	em	flor,
Nosso	Pai	fez	que	se	abrisse	a	palavra	fundamental
e	que	se	fizesse	como	ele,	divinamente	celeste.
Quando	não	existia	a	terra,
no	meio	da	escuridão	antiga,
quando	nada	se	conhecia,
fez	que	se	abrisse	a	palavra	fundamental,	
que	com	Ele	se	tomara	divinamente	celeste;
isto	fez	Ñamandú,	o	Pai	verdadeiro,	o	primeiro	(apud	MARZAL,1989,	
p.306-308).Aqui	 o	 encantamento	 vai	 em	direção	ao	mistério	de	onde	
brota	a	Palavra-Fundamento	de	 todas	as	 coisas.	O	momento	do	
nascimento	e	do	batismo	é	sagrado	porque	ali	se	realiza	a	chegada	
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
de	mais	uma	palavra-alma,	ansiosamente	esperada.	Por	isso,	não	
se	lhe	dá	um	nome	qualquer.	Ela	traz	um	recado	divino.	Ela	própria	
é	o	recado	divino.	Assim,	para	descobrir	o	nome	que	possa	revelar	
sua	origem,	há	todo	o	ritual	que	vai	desde	o	relato	dos	pais	que	
entraram	em	contato,	em	sonho,	com	a	alma	do	filho,	até	o	discer-
nimento	do	pajé	que,	em	contato	com	Ñanderu	(“Nosso	Pai	Último	
Primeiro”),	em	meio	ao	canto	e	à	oração,	vê	com	clareza	quem	é	
esta	palavra-alma	que	chegou	à	vida	da	aldeia.
Encantamento e mística planetária
O	encantamento	 com	a	 criação	e	um	 re-encantamento	da	
percepção	e	ação	da	humanidade	estão	esboçados	nos	textos	da	
sabedoria	dos	povos.	A	experiência	mística,	 que	 colhe	e	medita	
os	textos	e	a	vida	com	generosidade	espiritual,	tem	sido	capaz	de	
superar	 tendência	 a	 confrontos	 superficiais	 entre	 as	 religiões	 e	
conclamar	todos	para	a	espiritualidade	do	encontro	com	o	outro,	
com	o	cosmos	e	com	Deus,	sem	fronteiras.	É	o	que	afirma	Faustino	
Teixeira:
Nada	mais	urgente	no	tempo	atual	que	a	afirmação	de	uma	nova	
aliança	em	favor	do	resgate	da	Terra	e	da	salvaguarda	da	criação.	
[...]	Esse	cuidado	planetário	essencial	tem	viva	fundamentação	na	
mística	inter-religiosa.	O	respeito	à	natureza	é	um	desdobramento	
evidente	de	toda	perspectiva	mística,	pois	ela	mesma,	em	sua	bele-
za,	reflete	os	rastros	de	Deus,	ou	do	Mistério	maior,	sem	nome.	Os	
místicos	falam	do	mistério	inacessível	de	Deus,	da	impossibilidade	
de	sua	compreensão	no	tempo.	Apontam,	porém,	a	possibilidade	
de	captar	sua	fragrância	nesse	espaço	da	contingência.	Toda	místi-
ca	autêntica	busca	revelar	um	novo	olhar	sobre	o	mundo,	ou	me-
lhor	ainda,	captar	o	outro	mundo	que	habita	esse	mundo.	Abre-se	
com	ela	a	possibilidade	de	ver	o	mundo	transfigurado,	de	ver	"a	
chama	das	coisas",	e	resgatar	o	"corpo	energético	da	terra".	Daí	a	
importância	fundamental	de	reafirmar	o	sentido	místico	da	consci-
ência	planetária	(OLIVEIRA,	2009,	p.221).
O	que	poderia	ser	lido	apenas	na	chave	da	atenção	à	nature-
za,	na	verdade	capta	a	integridade	da	criação.	Assim,	podemos	e	
devemos	nos	debruçar	sobre	os	referenciais	religiosos	que,	com	o	
mesmo	encantamento,	inspiram	as	relações	sociais,	políticas,	eco-
nômicas	e	culturais.
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso188
7. CUIDADO, ÉTICA E DIGNIDADE HUMANA 
Novos	desafios,	como	o	que	acabamos	de	estudar,	desenca-
deiam	a	busca	pelas	inspirações	mais	consistentes	dos	primórdios	
das	religiões,	dos	momentos	de	sua	fundação.	O	atual	momento	
da	história,	com	a	urgência	do	despertar	da	responsabilidade	pla-
netária,	incita	energias	fundamentais	que	pareciam	adormecidas,	
na	defesa	da	comunidade	de	vida	e	da	comunidade	humana:	
Por	mais	díspares	que	se	apresentem	as	religiões,	nesses	dois	pon-
tos	 encontram	 seu	 denominador	 comum.	 Elas	 valorizam	 a	 vida;	
defendem-na,	 promovem-na,	 prometem-lhe	 a	 eternidade.	 Em	
seguida,	todas	as	religiões	desenvolvem	com-paixão	para	com	as	
vidas	 vulneradas,	 dos	 deficientes	 físicos	 e	mentais,	 dos	 doentes,	
dos	pobres	e	dos	injustiçados.	Toda	a	sociedade	se	organiza	para	
compensar	o	que	a	natureza	lhes	negou.	Portanto,	as	religiões	de-
fendem	a	vida	a	partir	daquelas	 vidas	mais	ameaçadas	e	 feridas	
(BOFF,	2000,	p.	75).
No	desenrolar	das	relações	entres	as	tradições	cristãs	(ecu-
menismo)	e	entre	a	diversidade	das	religiões	(diálogo	inter-religio-
so)	vão	se	afinando	as	cordas	para	a	sinfonia	comum	da	vida	em	
dimensão	espiritual.	As	cordas	que	tocam	a	visão	de	ser	humano	
em	cada	povo,	em	cada	experiência	religiosa,	têm	suas	diferenças,	
mas	também	seu	ponto	de	encontro	nos	acordes	e	nas	harmonias.
Quem	é	o	 ser	humano?	Para	 respondermos	essa	questão,	
há	que	escutar	atentamente	a	humanidade	que	está	sendo	vivida	
neste	tempo	histórico	e	perscrutar	seu	sentido	mais	profundo.	A	
pessoa	humana,	 imagem	do	mistério	divino,	apresenta-se	 inaca-
bada,	criatura	aberta,	ser	desejante,	infinitamente	insaciável,	que	
caminha	entre	a	necessidade	de	plenitude	e	a	busca	de	sentido	e	
habita	uma	multiplicidade	de	símbolos,	transformando	o	mundo	
com	práxis	 criativa,	 transcendendo	o	presente	em	direção	a	um	
futuro	aberto.
Assim,	quem	olha	mais	atenta	e	ternamente	o	ser	humano	
faz	o	mesmo	com	o	Mistério	Divino	presente	nas	tradições	religio-
sas.	O	ser	humano	é	Mistério.	
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
Toda	vida	humana	guarda	uma	marca	da	divindade.	É	 imagem	e	
semelhança	de	Deus.	Mais	ainda,	cada	pessoa	humana,	saída	de	
Deus,	é	entendida	como	filho	e	filha	de	Deus.	Por	mais	singela	que	
seja	a	sua	origem	e	por	mais	contraditória	a	expressão,	cada	pessoa	
jamais	deixa	de	ter	suas	raízes	no	coração	de	Deus,	Pai	e	Mãe	de	
bondade	(BOFF,	2000,	p.	76).
Quem	quer	dar	uma	definição	do	ser	humano	quer	transfor-
má-lo	em	um	objeto,	fechar	o	campo	do	sentido.	A	pessoa	não	se	
esgota	nas	explicações,	teorias	ou	fórmulas.	Ela	é	indefinível,	ina-
prisionável,	 inapreensível,	 inexplicável.	Feliz	ou	infelizmente,	nós	
não	podemos	nos	explicar.	Para	nos	compreendermos,	precisamos	
engajar	nosso	ser	no	encontro	com	o	outro	e	envolver	nossa	vida	
naquilo	que	somos	e	fazemos.
Quem	busca	definir	a	essência	do	ser	humano,	ou	a	essên-
cia	do	divino,	talvez	esteja	procurando	aprisionar	um	objeto.	Nem	
Deus,	nem	o	humano	são	objetos.	Cada	pessoa	se	torna	mais	hu-
mana	e	mais	divina	quanto	mais	o	outro	e	o	totalmente	Outro	se	
tornam	significativos	para	ela.	
Aqui	se	fundamenta	a	ética	do	ponto	de	vista	das	religiões.
Os	 povos	 originários	 dos	 cinco	 continentes,	 com	 todas	 as	
suas	mestiçagens,	trazem	sua	contribuição	para	um	novo	momen-
to	fecundo	da	humanidade	divinamente	conectada	com	o	cosmos,	
como	afirma	Diego	Irarrazaval:
A	Ásia	acentua	a	bondade	do	Tao	que,	como	a	água,	beneficia	a	
todos	 e	 flui	 por	 lugares	 baixos.	Os	 povos	 com	herança	 sânscrita	
acentuam	bhakti	(interação	amorosa),	dharma	(ordem	no	mundo),	
moksa	(libertação).	Outro	fundamento	asiático	é	a	energia	sagrada:	
shakti	(força	no	universo	e	em	divindades	hindus),	Gi	e	Ch’i	(ener-
gia	vital,	em	coreano	e	chinês),	e	a	atitude	hindu	e	budista	de	não	
prejudicar	entidades	vivas,	de	compaixão,	de	harmonia	cósmica	e	
ética.	Em	numerosas	culturas	africanas	se	reconhecem	espíritos	e	
poderes	na	natureza	que	 condicionam	a	existência	humana;	nas	
regiões	dos	bantos	 são	 invocadas	divindades	e	antepassados;	há	
clara	consciência	dos	vínculos	entre	o	divino,	a	natureza,	o	humano,	
entre	as	quais	há	força	vital,	vital	participação.	Na	América	Latina,	
existe	o	axé	afro-americano	(dinamismo	que	sustenta	tudo),	sumaj	
kawsay	e	suma	jakana	(vida	boa	quéchua/aimará)	e	outras	filoso-
fias	de	vida	plena	em	sentido	corporal,	cósmico,	espiritual,	humano	
(apud	SUSIN,	2011,	p.305).
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso190
As	milenares	sabedorias	asiáticas,	africanas,	ameríndias,	eu-
ropeias	e	da	Oceania	participam	da	busca	contemporânea	de	um	
novo	paradigma	centrado	na	vida.	É	uma	mudança	de	perspectiva	
que	pode	superar	a	arrogância	humana	presente	na	hegemônica	
visão	antropocêntrica	que	devasta	o	planeta	e	oprime	os	seres	hu-
manos.
Adonai	Deus	modelou	o	ser	humano	com	a	argila	do	solo,	insuflou	
em	suas	narinas	um	hálito	de	vida,	e	o	ser	humano	se	tornou	um	
ser	vivente	(Gn	2,7)
O	universo	é	como	um	homem	gigante:	podemos	falar	de	seu	olho,	
que	é	o	sol;	de	seu	alento,	que	é	o	vento;	de	seus	membros	de	seu	
coração,	de	seu	pensamento.	Do	mesmo	modo	o	homem	é	um	uni-
verso	em	medida	menor:	podemos	falar	de	seu	sol,que	é	o	olho;	e	
de	seu	vento,	que	é	a	respiração	(Brihadaranyaka	Upanishad	V,	1).
No	nosso	universo	nada	se	acaba,	tudo	se	transforma.	O	que	foi	ser	
humano	passa	a	ser	ancestral	 (baba	egum).	Oya	é	a	 responsável	
por	esta	passagem	do	aye	(terra)	para	o	orun	(eternidade).	O	nosso	
ancestral	é	o	nosso	orientador	aqui	no	aye	(Mãe	Stella	de	Oxossi).	
Embora	inesgotável	o	tema,	acenamos	aqui	alguns	horizon-
tes	para	os	quais	podemos	direcionar	os	olhares	e	os	estudos	que	
compõem	a	compreensão	dos	itinerários	do	diálogo	ecumênico	e	
inter-religioso.
Nas religiões dos orixás
Para	as	várias	tradições	religiosas	de	origem	africana,	a	sabe-
doria	que	sustenta	toda	a	realidade	não	se	esgota	na	argumenta-
ção,	no	campo	das	ideias.	O	axé	é	o	dinamismo	criador,	o	fogo	vital	
divino	que	sustenta,	ativa	e	direciona	as	forças	de	todo	o	cosmos,	
de	toda	a	natureza,	de	toda	a	ação	humana	em	sintonia	com	a	di-
mensão	sagrada	da	vida.
A	ligação	entre	a	ética	e	a	visão	cósmica	é	fundamental.	O	
mesmo	axé	que	preside	a	natureza	também	está	presente	nos	va-
lores	e	nas	práticas	humanas.
O	povo	 Igbó,	da	Nigéria,	 tem	uma	concepção	da	ética	que	
integra	a	harmonia	cósmica	com	a	justiça,	em	um	dinamismo	que	
reclama	pela	ação.	
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
A	paz	não	é	algo	que	acontece,	mas	sim	uma	situação	quando	a	jus-
tiça	acontece.	É	um	estado	feliz	das	coisas	que	acontecem	quando	
o	estado	das	coisas	é	justo	[…]	é	o	resultado	da	ordem	e	do	alinha-
mento	[…]	E	não	somente	a	paz	está	baseada	na	justiça,	e	sim:	A	
paz	é	justiça	e	a	justiça	é	paz.	
Sem	a	justiça,	a	paz	perde	a	consistência	e	torna-se	palavra	
vazia.
Entre	as	pessoas	de	origem	 Igbó,	podemos	citar	o	Cardeal	
Francis	Arinze,	da	Igreja	Católica,	nigeriano,	líder	da	Igreja	na	Áfri-
ca	que	foi	amigo	próximo	do	papa	João	Paulo	II.
Já	as	comunidades	de	candomblé	nos	trazem	algumas	virtu-
des,	apontadas	por	Marcial	Maçaneiro:	
1)	 Respeitar	as	vidas	mineral,	animal	e	vegetal,	nas	quais	
circulam	o	axé	(energia	universal);
2)	 Seguir	a	sabedoria	dos	ancestrais:	"Se	não	houver	folha,	
não	há	vida";
3)	 Agir	com	arbítrio	de	virtude:	bondade,	respeito,	equida-
de,	gratidão;
4)	 Educar	para	o	uso	sustentável	dos	recursos	da	natureza.
A	 perspectiva	 ética	 passa	 pelo	 refinamento	 das	 relações.	
Formar	comunidade	é	prática	fundamental	para	produzir	relações	
justas.	A	inserção	respeitosa	no	terreiro	põe	em	jogo	um	dinamis-
mo	de	produção	de	harmonia	e	paz.	
A	comunidade	é	absolutamente	fundamental	para	os	seres	huma-
nos,	e	conflitos	na	comunidade	são	causados	por	falhas	humanas	
ou	poderes	malignos.	Conflitos	não	são	parte	integrante	da	socie-
dade	e	análises	de	conflitos	não	estão	revelando	os	fundamentos	
básicos	para	uma	sociedade	no	pensamento	africano	(HOVLAND,	
1993,	p.216).
Os	 contos,	as	danças,	as	experiências	da	vida	é	que	darão	
conta	de	direcionar	a	sociedade	para	a	justiça	e	paz.
Oxossi,	 por	exemplo,	 caçador,	dono	dos	mistérios	e	 segre-
dos,	é	a	ancestralidade	da	busca	de	si	mesmo,	do	seu	projeto,	do	
lançar	harmonizado	do	arco	da	autoridade	espiritual	e	da	flecha	
que	penetra	os	mistérios	para	conquistar	uma	vida	de	comunhão	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso192
fraterna	e	produzir	gestos	de	solidariedade	nas	lutas	da	vida.	Isto	
também	está	presente	em	Milton	Nascimento	–	“eu,	caçador	de	
mim”.	(Cf.	BOTAS,	1996,	p.	66-69).
O	mito	de	Xangô	provoca	muitos	olhares.	Este	casal	é	venta-
nia	(Oya)	e	raio	(Xangô).	Os	dois	produzem	o	fogo,	mas	ninguém	é	
dono	dele.	O	fogo	aponta	para	o	vir-a-ser	contínuo	(aquilo	que	for	
gasto	será	consumido),	que	renova	e	purifica.	Nada	fica	impune	ao	
amor	e	à	justiça.	Aqui	há	que	tomar	posição	diante	das	mentiras	e	
violações.
São	os	medíocres	que	deixam	os	fatos	decidirem	a	sua	história	e	
vida.	Nem	Xangô	nem	Oya	suportam	a	vida	medíocre	dos	seus	fi-
lhos	e	filhas	e	por	isso	fazem	justiça	e	os	repreendem	com	amor.	
Por	isso	são	temidos,	porque,	como	o	fogo,	trazem	à	luz	a	medio-
cridade	das	pessoas	e	seus	interesses	míopes	e	individuais	que	aca-
bam	negando	a	generosidade	da	vida	–	a	da	vida	em	comunidade	e	
comunhão	com	os	poderes	cósmicos	e	a	natureza.	[...]	Xangô	e	Oya	
são	os	poetas	da	vida,	porque	são	os	que	produzem	o	fogo	na	sua	
relação	amorosa	e	na	exigência	de	justiça.	O	fogo	não	é	proprieda-
de	de	ninguém	e,	como	a	vida,	ninguém	possui	o	seu	segredo	nem	
resolve	o	seu	enigma	a	não	ser	pela	busca	incessante	do	desvela-
mento	do	seu	próprio	segredo	e	do	seu	próprio	enigma.	A	vida	é	
uma	construção	permanente	dos	nossos	sonhos,	desejos	e	utopias	
que	transcendem	as	mesquinharias,	miopias	e	misérias	pessoas	im-
postas	a	cada	momento	histórico	(Idem,	p.	79	e	83).
Aqui	não	há	espaço	para	pactos	com	a	corrupção,	a	mentira	
e	a	injustiça.	Trata-se	da	paz	comunitária,	da	harmonia	cósmica	e	
da	luta	pela	justiça.	Ao	contrário,	os	que	são	capazes	de	fidelidade	
e	generosidade	se	unem	para	defender	as	causas	 fundamentais,	
para	fazer	a	justiça	e	o	amor	vitoriosos.
Na tradição guarani
Este	canto	dos	guarani	M’bya,	recolhido	por	Cadogan,	dá	a	
dimensão	desta	consciência	cósmica	original	e	da	origem	de	todo	
o	compromisso	social.
O	verdadeiro	Pai	Ñamandú,	o	primeiro,	[...]
Tendo	já	feito	abrir-se	em	flor	para	si	o	fundamento	da	palavra	fu-
tura,	
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tendo	já	feito	abrir-se	em	flor	para	si	uma	parte	do	amor,	
tendo	já	feito	abrir-se	em	flor	para	si	um	esforçado	canto,	conside-
rou	detidamente	
a	quem	fazer	participar	do	fundamento	da	palavra,	
a	quem	fazer	participar	desse	único	amor,	
a	quem	fazer	participar	da	série	de	palavras	que	compunham	o	can-
to.	[...]	
Tendo-o	já	considerado	profundamente,	
fez	que	despontassem	os	que	seriam	companheiros	de	seu	celeste	
divino	ser	[...]	
fez	que	despontassem	os	Ñamandú	de	coração	grande.	
Fê-los	despontar	com	o	reflexo	de	sua	sabedoria,	
quando	a	terra	não	existia	no	meio	da	escuridão	antiga	[...]	(apud	
MARZAL,1989,	p.306-308).
Aqui	está	o	fundamento	das	relações	na	comunidade,	pois	
os	guarani	 se	sentem	direcionados	ao	aperfeiçoamento	da	pala-
vra-alma.	É	desse	modo	que	buscarão	as	virtudes	desejadas:
O	bom	ser:	 tekó	porã;	a	 justiça:	 tekó	 jojá;	as	boas	palavras:	ñe'e	
porá;	as	palavras	justas:	ñe'e	jojá;	o	amor	recíproco:	joayhú;	a	dili-
gência	e	a	disponibilidade:	kyre'y;	a	paz	entranhável:	py'a	guapy;	a	
serenidade:	tekó	ñemboro'y;	um	interior	líquido	e	sem	duplicida-
des:	py'a	potí	(MELIÁ,	1976,	p.188).
Ao	lado	dessa	positividade	ética,	há	uma	consciência	do	mal	
da	terra	que	precisa	ser	contestada	com	a	esperança	de	alcançar	
a	Terra	sem	Males.	Cataclismas	cósmicos,	destruições	ambientais,	
enfermidades,	 fome,	 mal-estar	 social	 e	 injustiças	 são	 desgraças	
que	motivam	muitos	momentos	de	rituais	na	Casa	de	Reza.
Junto	com	a	oração,	a	resistência	guarani	aponta	para	a	luta	
que	visa	assegurar	as	terras	que	ainda	não	foram	comercializadas	
ou	exploradas.	A	justiça	e	a	paz	são	sentidas	quando	a	terra	ainda	
não	foi	violada,	quando	o	mba'é	menguá	(mal	radical)	ainda	não	
tomou	conta	de	tudo.
Com	força	espiritual,	os	guarani	conectam	a	ecologia	e	a	eco-
nomia,	a	pessoa	e	a	sociedade,	a	política	e	a	profecia,	a	palavra	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso194
divina	e	a	palavra	humana,	o	arco	da	resistência,	a	corda	do	amor	
e	a	flecha	do	futuro	de	Justiça	e	Paz.
Na tradição hindu
Os	Vedas	são	os	primeiros	textos	sagrados	da	tradição	hindu	
e	datam	dos	 séculos	12	a	8º	a.C.	 Trazem	as	 referências	 fundan-
tes	de	deuses	guerreiros	como	Indra	e	Varuna.	Posteriormente	os	
Upanixades,	dos	séculos	7º	a	3º	a.C.,	trazem	a	violência	sacrificial	
dos	brâmanes	e	a	impessoalidade	da	mística	intelectual.	
Entre	o	século	3º	e	2º	a.C.surge	uma	espiritualidade	terna	e	
cordial	que	se	condensa	na	Bhagavad	Gita	(Canção	do	Bem	Aven-
turado)	e	que	 foi	 incluída	na	Mahabharata	no	 século	2º	a.C.	Há	
uma	perspectiva	de	superação	da	violência	através	da	luta.	(Cf.	PI-
KAZA,	2008,132-146)
A	Canção	do	Bem	Aventurado	(Gita)	parte	da	ordem	imposta	
das	castas:	brâmanes	 (religiosos),	ksatriyas	 (nobres	guerreiros)	e	
vaisyas	(comerciantes	e	agricultores).	Na	exterioridade	destas	cas-
tas	estão	os	intocáveis.
Vamos	examinar	alguns	aspectos	da	classe	dos	ksatriyas.
A luta dos ksatriyas (Arjuna, o herói guerreiro).
A	perspectiva	hindu	não	sacraliza	a	guerra,	a	luta.	O	guerreio	
não	 luta	a	serviço	da	religião,	ou	seja,	não	há	nenhum	mandato	
divino	em	jogo.	O	guerreiro	cumpre	seu	dharma,	sua	missão,	seu	
dever,	porque	está	ali	para	isso.	E	ao	guerreiro	cabe	lutar.	Mas,	que	
luta	é	essa?
De	um	lado,	está	a	roda	da	realidade	(samsara)	com	o	mun-
do	dividido	em	grupos	em	litígio.	De	outro,	está	a	realidade	fun-
damentada	 na	 paz	 (não	 na	 guerra),	 conhecida	 como	moska	 ou	
libertação	sagrada.	Sendo	assim,	um	ksatriya	 realiza	 seu	projeto	
(dharma)	não	quando	vence	ou	quando	é	glorificado	na	sua	vitó-
ria,	mas	ao	realizar	seu	projeto.	
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
Vishnu	é	a	expressão	divina	que	assegura	o	dharma,	no	caso,	
que	faz	o	guerreiro	ser	guerreiro.	A	canção	(Gita)	do	Bem	Aventu-
rado	traz	Vishnu,	sob	a	forma	(avatar)	de	Krishna	que	abre	o	cami-
nho	do	guerreiro	para	a	experiência	profunda	e	relacional	com	o	
mistério	durante	a	luta,	no	ato	de	exercer	sua	missão.	
Assim,	o	guerreiro	não	se	contamina	com	a	guerra	e	seu	re-
sultado,	mas	com	o	valor	da	grande	batalha	da	vida.	O	que	vale	é	a	
ordem	sagrada	(moksa),	o	sentido	da	luta.
Arjuna,	o	guerreiro	que	está	prestes	a	desanimar	da	luta:
Fraquejam	meus	membros,	seca-me	a	boca	e	um	calafrio	percorre	
meu	corpo.	Meu	arco	cai-me	das	mãos,	arde	minha	pele	[...].	Não	
posso	me	sustentar,	minha	mente	delira	[...].	Não	desejo,	Krishna,	
a	vitória	nem	o	reino	nem	os	prazeres	[...]	Mestres,	pais,	filhos	[...],	
tios,	sogros,	netos,	cunhados,	parentes:	não	desejo	matá-los,	em-
bora	eu	tenha	que	morrer	[...].	Como	poderíamos	ser	felizes	matan-
do	nosso	povo?	(Gita	1,29-39).
Arjuna	vive	o	encontro	com	Krishna/Vishnu	que	aponta	para	
sua	identidade	guerreira:
De	onde	nasceu	este	abatimento,	impróprio	de	um	nobre,	que	não	
agrada	ao	céu	e	afasta	a	glória?	Não	caias	na	covardia,	filho	de	Par-
tha	[...].	Levanta-te,	lançando	para	longe	a	vil	fraqueza	do	coração	
(Gita	2,2-3).
Aqui	não	se	trata	de	encontrar	forças	para	matar	ou	de	dei-
xar	a	luta	por	algum	motivo	aparentemente	pacífico.	No	meio	do	
conflito,	dos	riscos,	dos	perigos,	Arjuna	se	dispõe	a	receber	o	en-
sinamento	divino	não	para	ganhar	a	guerra	em	nome	da	divinda-
de,	mas	para	cumprir	sua	missão	(seu	dharma).	Se	vencer	a	nobre	
batalha,	continuará	sua	jornada	neste	mundo	de	lutas;	se	morrer,	
alcançará	o	céu.	A	guerra	aí	está,	mas	não	é	decisiva,	pois	o	sen-
tido	profundo	da	 realidade	está	mais	além	e	a	guerra	não	pode	
prejudicar	a	verdade	da	vida	inteira.	Assim,	em	meio	à	batalha,	o	
guerreiro	se	dá	conta	de	que	a	realidade	divina	mais	decisiva	está	
acima	dela,	mas	não	fora	da	luta	da	qual	não	se	pode	escapar.
Deves	perseguir	a	ação,	mas	só	ela,	não	seus	frutos;	que	estes	não	
sejam	teu	incentivo;	mas	tampouco	te	apegues	à	inação.	Quanto	
tiveres	alcançado	a	ioga,	realizarás	tuas	ações	sem	interesse,	intré-
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso196
pido	diante	do	fracasso	ou	do	êxito,	pois	esta	tranqüilidade	é	o	que	
a	ioga	produz	(Gita	2,47-48).
A	quebra	da	violência	interior	produz	no	eu	profundo	uma	
transformação	a	 serviço	da	paz.	De	 fato,	o	mal	está	aí	e	há	que	
enfrentá-lo.	É	possível,	porém,	encarar	o	mal	sem	se	contaminar	
com	ele.
Nessa	perspectiva	do	guerreio	transparece	toda	a	realidade	
com	suas	“unidades	duais”:	desejo	e	consciência,	atividade	e	re-
pouso,	saber	e	não	saber,	masculino	e	feminino,	exterior	e	interior,	
criação	e	destruição.
Das	letras	sou	a	primeira.	Das	palavras	compostas,	sou	o	composto	
dual.	Sou	também	o	tempo	inexaurível.	E	dos	criadores,	sou	Brah-
ma	(Bhagavad-Gita	10,33).
Foi	desta	tradição,	em	sua	vertente	ética,	que	Mahatma	Gan-
dhi	tirou	as	bases	de	sua	ação	transformadora	na	Índia	da	primeira	
metade	do	século	20.	
Conforme	 Maçaneiro,	 a	 doutrina	 do	 amor	 devocional	
(bhakti)	prescreve:	
Praticar	a	não	violência;
Não	prejudicar	nenhum	ser	vivo,	racional	ou	irracional;
Não	roubar;
Não	cometer	adultério;
Não	mentir	ou	proferir	palavras	inúteis;
Não	difamar	nem	caluniar	ninguém;
Cultivar	o	autodomínio;
Cultivar	a	sinceridade;
Observar	os	deveres	rituais;
Irmanar-se	com	as	pessoas	moralmente	boas;
Praticar	boas	ações,	com	sabedoria	e	desapego	[...]
Esta	doutrina	se	chama	"via	da	ação"	(karma	yoga)	e	afirma	o	devo-
to	como	sujeito	proativo	no	bem,	irmanado	com	todas	as	criaturas	
racionais	e	irracionais.	[...]	Tal	ensinamento	favorece	iniciativas	res-
ponsáveis	pela	justiça,	paz	e	harmonia	em	relação	ao	próximo	e	em	
relação	à	natureza	(MAÇANEIRO,	2011,	p.	26-27).
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© U5 - Ecologia e Ética: Horizontes para o Encontro das Religiões
Na tradição budista
Na	Índia,	entre	o	século	3º	e	2º	a.C.,	surge	uma	espiritualida-
de	terna	e	cordial	que	se	condensa	na	Bhagavad	Gita	(Canção	do	
Bem	Aventurado)	e	que	foi	incluída	na	Mahabbarata	no	século	2º	
a.C.	Há	nela	indicações	para	a	superação	da	violência	(Cf.	PIKAZA,	
2008,132-146).
Como	no	hinduísmo,	também	o	budismo	compreende	a	rea-
lidade	e	suas	múltiplas	expressões:	a	fatalidade	(samsara),	a	con-
dição	encarnada	(karma),	o	projeto/missão	de	cada	um	(dharma)	
e	a	iluminação	(maksa	ou	nirvana).	
Gautama	Sakyamuni,	também	um	nobre	guerreiro	como	Ar-
juna	(protagonista	da	Gita),	toma	rumo	diferente	e	inicia	o	que	se	
tornou	o	Budismo.	
Buda,	o	Iluminado,	vai	às	raízes	da	violência	e	da	infelicidade	
humanas	no	próprio	coração	da	vida.	Ele	supera	toda	a	violência,	
seja	 esta	 externa	 seja	 interna.	 Além	 da	 autoconsciência	 do	 seu	
projeto,	da	pacificação	interior	em	meio	à	guerra,	o	Iluminado	re-
nasce	superando	o	sistema	de	castas.
A	vida	se	expande	para	a	paz.	Não	há	mais	lugar	para	a	con-
tinuidade	das	 castas	ou	para	o	 fatalismo	da	guerra,	 como	ainda	
aparece	no	hinduísmo. 
Buda,	no	seu	processo	de	iluminação,	se	dá	conta	de	quatro	
verdades	básicas:	tudo	é	sofrimento;	o	sofrimento	é	desejo;	o	de-
sejo	superado	faz	superar	o	sofrimento;	a	superação	das	paixões	é	
libertação	para	a	vida	plena	em	comunidade.	
Caminho óctuplo
Há	 consequências	 sociais	 e	 éticas	 dos	 caminhos	 indicados	
pelo	Buda.	O	caminho	óctuplo,	 isto	é,	as	oito	regras	de	conduta	
que	sintetizam	os	passos	do	caminho	são:	
1.	 Visão	adequada	–	reconhecer	as	quatro	verdades	essenciais:	o	
sofrimento	humano	existe;	a	origem	deste	sofrimento	se	deve	
© Missiologia e Diálogo Inter-religioso198
aos	 desejos	 egocêntricos;	 a	 eliminação	 dos	 desejos	 egocên-
tricos	faz	cessar	o	sofrimento;	é	possível	trilhar	o	caminho	de	
libertação	dos	sofrimentos,	proposto	por	Buda.
2.	 Intenção	adequada	–	manter	a	paz,	a	bondade	e	a	compaixão	
como	intenções	que	antecedem	as	ações.
3.	 Discurso	adequado	–	não	mentir	nem	agredir	verbalmente	o	
próximo.
4.	 Ação	adequada	–	agir	tendo	como	propósito	o	bem	de	todos	
os	seres.
5.	 Meios	de	subsistência	adequados	–	que	possibilitem	a	subsis-
tência	da	pessoa	sem	causar	sofrimentos	aos	outros.
6.	 Esforço	adequado	 (em	relação	ao	corpo)	–	abster-se	de	ma-
tar	e	preservar	a	vida;	abster-se	de	roubar	e	ser	benevolente;	
evitar	uma	conduta	sexual	que	provoque	o	sofrimento	alheio.
7.	 Atenção	adequada	(em	relação	à	palavra)	–	abster-se	de	mentir	
e	dizer	sempre	a	verdade;abster-se	de	maldizer	e	apaziguar	as	
discórdias;	abster-se	de	injuriar	e	falar	com	calma	e	simpatia.
8.	 Concentração	adequada	(em	relação	à	mente)	–	abster-se	de	
invejar	e	alegrar-se	 com	o	bem	dos	outros;	abster-se	de	 ser	
mal-intencionado	e	colocar	boa	vontade	nos	seus	atos;	abster-
-se	de	adotar	perspectivas	dualistas,	buscando	reconhecer	a	
unidade	na	diversidade	(MAÇANEIRO,	2011,	p.37).
O	budismo	atingiu	 uma	experiência	 altamente	 consistente	
para	superar	toda	forma	de	dominação	e	de	imposição.	O	largo	e	
paciente	caminho	da	vida	iluminada	rompe	com	toda	a	contami-
nação	da	violência.
Sociedades	pacíficas	são	comunidades	que	vinculam	os	se-
res	humanos	sem	a	violência.	Desse	modo,	um	mundo	de	imensa	
gratuidade,	justiça	e	paz	vai	se	delineando	pelos	caminhos	ascen-
dentes	propostos	pelo	budismo.
Nos	textos	do	Tripitaka	não	está	evidente	a	ligação	entre	os	
que	são	desprendidos	dos	bens	(appicchã)	e	o	compromisso	com	
os	pisoteados	da	sociedade	humana	(daliddã).	Mas	Aloisius	Pierri	
nos	explicita	tal	conexão.
O	 Buda	 observa	 que	 a	 indigência	 material	 é	 uma	 miséria	 real	
(dukkha)	para	os	que	procuram	prazer	(isto	é,	os	não	renunciado-
res)	da	sociedade.	[...]	Implícita	no	texto	está	a	insinuação	de	que	a	
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dukkha,	mencionada	pelo	Óctuplo	Caminho	Nobre	como	aquilo	de	
que	se	deve	procurar	libertação,	inclui	pobreza	material,	enquanto	
é	admitido	que	a	libertação	daquela	dukkha	(da	pobreza	material)	
não	vem	do	acúmulo	de	riquezas.	Temos	aqui	um	caminho	de	meio	
a	ser	descoberto.	[...]	A	implicação	é	que,	desde	o	ponto	de	vista	do	
Buda,	tanto	a	pobreza	em	virtudes	religiosas	(carência	do	kusala-
dhammã)	quanto	a	pobreza	em	necessidades	econômicas	básicas	
são	dilemas	indesejáveis	[...]	A	fomentação	da	pobreza	espiritual	ou	
appichatã	(isto	é,	buscar	a	liberdade	de	posses)	enquanto	prática	
soteriológica	básica	que	leva	ao	Nirvana	e	a	eliminação	da	pobreza	
material,	ou	dãliddiya	(isto	é,	buscar	a	liberdade	do	desapossamen-
to),	 enquanto	 um	 contexto	 social	 desejável	 para	 essa	 prática	 de	
falta	de	cobiça,	são,	portanto,	interconectadas.	Uma	manifestação	
visivelmente	 coletiva	 dessa	 interconexão	 seria	 uma	 prova	 que	 o	
Dhamma	criou	raízes	numa	determinada	sociedade	ou	nação	(PIE-
RIS,	2008:	91-93).
Assim,	 a	perspectiva	budista	 tem	como	horizonte	uma	 so-
ciedade	de	justiça	e	paz	que	brota	da	experiência	pessoal	e	tem	
como	horizonte	uma	sociedade	em	que	não	exista	a	produção	da	
miséria	material	(dukkha)	e	não	falte	a	generosidade	das	virtudes	
religiosas.
Na tradição cristã 
A	Bíblia	mostra	Deus	 como	doador	da	vida,	 concedendo-a	
singularmente	 ao	 ser	humano:	 “Deus criou o ser humano à sua 
imagem, à imagem de Deus o criou. Homem e mulher os criou" 
(Gn	1,27).	Há	toda	uma	história	do	povo	de	Deus	que	deixou	o	le-
gado	da	compreensão	bíblica	para	o	ser	humano.	O	salmo	8	traz	a	
pergunta	sobre	o	ser	humano	e	depois	responde:	"o fizeste só um 
pouco menor que um deus, de glória e honra o coroaste"	(Sl	8,6).
Ao	 contrário	 da	 arrogância	 de	 Salomão,	 que	 se	 quis	 fazer	
único	 filho	 de	 Deus,	 os	 profetas	 insistiram	 na	 filiação	 universal:	
todos	são	filhos	e	filhas	de	Iahweh.	Para	os	cristãos,	na	 linha	do	
profeta	Isaías,	a	chegada	sempre	desejada	do	messias	criança	se	
realiza	em	Belém	da	Judeia,	local	irrelevante	que	ganha	centralida-
de	salvífica	e	inspiradora:	ali	nasce	a	divina	humanidade.	É	assim	
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que	o	papa	Bento	XVI	apresenta	o	pequeno	grande	acontecimento	
da	encarnação	do	Verbo	de	Deus,	na	homilia	de	abertura	do	ano	
de	2009:
Eis,	portanto,	a	mensagem	oferecida	hoje:	a	pobreza	do	nascimen-
to	de	Cristo	em	Belém.	[...]	Essa	nos	ensina	que	para	combater	a	
miséria,	tanto	material	quanto	espiritual,	o	caminho	a	percorrer	é	o	
da	solidariedade,	que	levou	Jesus	a	partilhar	nossa	condição	huma-
na.	[...]	penso	que	a	Virgem	Maria	tenha	se	feito	mais	de	uma	vez	
esta	pergunta:	por	que	Jesus	quis	nascer	de	uma	menina	simples	
e	humilde	como	eu?	E	depois,	por	que	quis	vir	ao	mundo	em	um	
estábulo	e	ter	como	primeira	visita	a	dos	pastores	de	Belém?	[...]	
Deus	se	fez	pobre	por	nós,	para	enriquecer-nos	com	sua	pobreza	
cheia	de	amor,	para	nos	exortar	a	frear	a	cobiça	insaciável	que	sus-
cita	lutas	e	divisões,	para	nos	convidar	a	moderar	a	ânsia	de	possuir	
e	a	estar	assim	disponíveis	à	partilha	e	ao	acolhimento	recíproco	
(BENTO	XVI,	2009).
Na	prática	e	na	prédica	de	Jesus,	a	mensagem	das	bem-aven-
turanças,	a	proclamação	e	vivência	do	Reino	em	prol	dos	mais	frá-
geis	e	as	parábolas,	especialmente	as	do	samaritano	com	o	caído	
na	estrada	e	do	filho	pródigo,	são	revelações	da	face	de	Deus	como	
Abba	(paizinho)	amoroso.	
Aqui	 há	um	destaque	para	os	 pobres.	De	um	 lado,	 os	 po-
bres	de	espírito	que	por	opção	assumem	a	perspectiva	do	Reino	de	
Deus	e,	de	outro,	os	empobrecidos	que	assim	se	encontram	pelas	
circunstâncias.	Os	primeiros	praticam	o	desprendimento	interior,	a	
humildade,	o	seguimento	de	Jesus.	Os	segundos	estão	em	circuns-
tâncias	indesejáveis,	em	situação	social	de	opressão,	pois	se	tor-
naram	pobres	por	causa	da	injustiça,	como	afirmaram	os	profetas	
Amós,	Jeremias,	Oseias,	Isaías.	
Cada	um	dos	dois	grupos,	a	seu	modo,	é	visto	na	tradição	
cristã	como	escolhido	por	Deus	para	confundir	os	fortes	e	arrogan-
tes	que	impedem	o	Reino	de	Deus. 
Eu	te	bendigo,	Pai,	Senhor	do	céu	e	da	terra,	porque	escondeste	
estas	coisas	aos	sábios	e	entendidos	e	as	revelaste	aos	pequeninos;	
sim,	Pai,	eu	te	bendigo	porque	assim	foi	do	teu	agrado	(Mt	11,25-
26).	
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Os	 dois	 grupos	 de	 pobres	 são	 destinatários,	 anunciadores	
definitivos	do	Reino	de	amor	e	de	justiça,	herdeiros	e	portadores	
da	mensagem	de	Jesus.	A	renúncia	de	uns	a	confiar	nas	riquezas	e	
no	poder,	e	a	incapacidade	de	outros	de	agarrar-se	aos	absolutos	
frágeis	dos	bens	da	terra	tornam	os	dois	grupos	parecidos	no	Rei-
no	de	Deus.	
O	primeiro	grupo	contesta	a	existência	da	injustiça	com	sua	
opção	de	renunciar	ao	egoísmo	e	ao	pacto	com	a	riqueza	e	seus	
abusos.	O	segundo	grupo	é	vítima	da	cobiça	e	da	injustiça.	
O	primeiro	grupo	dos	discípulos	sente	como	exigência	evan-
gélica	o	desprendimento.	O	segundo	revela	que	a	vida	e	salvação	
conforme	o	Reinado	de	Deus	não	se	realizou	com	a	seriedade	devi-
da.	Uns	se	libertam	das	inclinações	pessoais	para	a	cobiça	e	os	ou-
tros	denunciam,	com	sua	vida,	a	morte	que	as	estruturas	de	cobiça	
impuseram	em	nome	de	algum	deus,	contra	Deus	e	seus	filhos	e	
filhas.	
A	morte	de	Jesus	na	cruz	também	foi	expressão	desta	teo-
logia	da	solidariedade	e	da	paz.	O	condenado	que	não	condenou	
é	expressão	de	uma	inocência	tal	que	a	própria	morte	acaba	ven-
cida.	A	morte	de	Jesus	tornou-se	morte	da	morte.	É	tão	completa	
a	inocência	da	vítima	que	é	desvendado	todo	o	sistema	vitimário.	
Não	há	mais	como	legitimar	a	morte	dos	fracos	em	nome	de	algo	
bem	maior.	Não	há	bem	maior	do	que	a	vida	dos	filhos	e	filhas	de	
Deus,	e	vida	em	abundância.
Já	não	há	judeu	nem	grego,	nem	escravo	nem	livre,	nem	homem	
nem	mulher,	pois	todos	vós	sois	um	[...]	(Colossenses	3,11).	
Não	se	perturbe	o	vosso	coração	[...]	há	muitas	moradas	na	Casa	de	
meu	Pai	(João,	14,1-3).	
[...]	cada	um	os	escutava	falar	na	sua	própria	língua	(At	2,6).	
Mas	a	hora	vem,	e	é	agora,	em	que	os	verdadeiros	adoradores	ado-
rarão	o	Pai	em	espírito	e	em	verdade.	(João	4,	23).
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A	 justificativa	da	violência	perdeu	o	sentido.	A	 teologia	da	
ressurreição	é	a	consagração	do	projeto	da	 inocência	que	vence	
as	absolutizações	das	forças	condenatórias	ancoradas	na	lei	e	na	
riqueza.	
A	ressurreição	plenifica	esta	perspectiva,

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