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Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas – prof. Ourides 1 Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas e a teoria de Debye-Hückel Notas de aula de Fisquim II – prof. Ourides 1. A atividade e as propriedades coligativas Aprendemos, no último texto, que é possível utilizar, para soluções não ideais, as equações estabelecidas para soluções ideais, se adotarmos uma “concentração efetiva” ou atividade dos compostos presentes, em particular do solvente. Isso se aplica às propriedades coligativas das soluções. Vamos supor, de início, que tenhamos uma solução não ideal, por enquanto ainda de soluto não eletrólito. Basicamente, substituímos o valor da fração molar ideal (xi), que é um valor nominal, pela atividade da espécie (ai) considerada. Sendo assim, podemos escrever: 1.1. Para o abaixamento da pressão de vapor: 𝑝𝑖 = 𝑎𝑖𝑝𝑖 ∗ 1.2. Para o abaixamento crioscópico: 𝑙𝑛𝑎𝑖 = −Δ𝑓𝐻 𝑅 ( 1 𝑇𝑓 − 1 𝑇𝑓 ∗) 1.3. Para o aumento ebulioscópico: 𝑙𝑛𝑎𝑖 = −Δ𝑣𝐻 𝑅 ( 1 𝑇𝑒 − 1 𝑇𝑒∗ ) 1.4. Pressão osmótica: 𝜋�̅� = −𝑅𝑇𝑙𝑛𝑎𝑖 No caso de soluções ideais, tínhamos as mesmas equações acima, nas quais aparece a fração molar (xi) real (ou nominal) do solvente. De posse das equações acima, podemos preparar soluções a partir da fração molar nominal (xi), determinar os valores previstos das variáveis de suas propriedades coligativas (pi, Tf, Te ou 𝜋), ir para o laboratório, medir esses valores experimentalmente (valores efetivos) e, a partir daí, determinar a atividade ai do solvente. A razão entre as duas concentrações (atividade/fração molar nominal) permite estabelecer o coeficiente de atividade da solução e inferir alguma coisa sobre suas propriedades. Vejamos um exemplo disso. Exercício: Uma solução contém 1% de glicose em massa. Determine a temperatura de fusão dessa solução, considerando-a como ideal. Medidas feitas em laboratório mostram que a temperatura real de fusão é de 𝑡𝑓 = −0,52℃. Determine a atividade e o coeficiente de Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas – prof. Ourides 2 atividade da solução. Como podemos explicar o resultado? Dados: 𝛥𝑓𝐻 = 1,4363 𝑘𝑐𝑎𝑙/𝑚𝑜𝑙, 𝑡𝑓 ∗ = 0℃ e R=8,314 J/K.mol, Mgli=180,15 g/mol. Supor a solução com densidade 𝜌 = 1,00 𝑔/𝑐𝑚3. 2. Soluções de eletrólitos Até o momento, investigamos apenas soluções contendo solutos cujas moléculas permanecem íntegras quando dissolvidas, são os não-eletrólitos. No entanto, grande número de substâncias, incluindo ácidos, bases, sais, proteínas, compostos orgânicos e diversas outras, fundamentais em processos químicos e bioquímicos, se dissolvem, particularmente tendo a água como solvente, e geram soluções com propriedades coligativas tão pronunciadas que sugerem que o número de partículas em solução é muito maior do que o previsto a partir de sua concentração teórica, nominal. Tais soluções se distinguem por sua elevada capacidade de condução de corrente elétrica (algo que não ocorria até agora). A conclusão a que chegamos é que, ao se dissolverem essas substâncias, são geradas cargas elétricas em solução. Substâncias com este comportamento são denominadas eletrólitos, e seu comportamento se explica pela teoria da dissociação iônica, cujas bases foram estabelecidas pelos estudos de Svante Arrhenius (1859-1927) acerca das propriedades coligativas e da condução de corrente por estas soluções. Os fundamentos da teoria da dissociação iônica são dados abaixo: • Quando uma molécula de eletrólito se dissolve na água, ela se dissocia em um número fixo de partículas carregadas eletricamente, denominadas de íons. O número de unidades de carga que cada íon carrega se denomina valência. • A passagem de uma corrente elétrica contínua pela solução de um eletrólito consiste no movimento de seus íons positivos (cátions) até o eletrodo negativo (catodo) e negativos (ânions) até o eletrodo positivo (anodo). • Cada íon atua como uma “partícula de soluto”, contribuindo para as propriedades coligativas da solução de modo similar à uma partícula sem carga elétrica. Se cada molécula de eletrodo se dissociasse completamente em solução aquosa, gerando um íon positivo e um íon negativo, as propriedades coligativas desta solução deveriam ter, idealmente, o dobro do valor previsto para a concentração nominal do soluto. Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas – prof. Ourides 3 • A atração mútua de íons de carga oposta numa solução redunda em comportamento não ideal de todas as soluções de eletrólitos, à exceção das soluções extremamente diluídas. Há dois tipos de eletrólitos, os eletrovalentes e os covalentes. Os primeiros já apresentam íons (cátions e ânions) em seu retículo cristalino, associados por forças eletrostáticas, de modo que eles apenas sofrem dissociação ao serem colocados em água. A “unidade molecular” de tais compostos (NaCl, Ba2SO4, Al2(SO4)3, ...) se constitui de um número característico de cátions e ânions. A dissolução de compostos eletrovalentes em água implica no rompimento das fortes ligações eletrostáticas e a formação de ligações entre a água e os íons (hidratação dos cátions e ânions). Por outro lado, os eletrólitos covalentes somente produzem íons ao serem dissolvidos e reagirem quimicamente com as moléculas de água, num processo conhecido como ionização. Desse modo, podemos distinguir os dois tipos de eletrólito pela origem de seus íons. Como vimos, a ionização, formação de íons em solução aquosa, pressupõe uma reação química com a água. Como toda reação, ela alcança um equilíbrio. A extensão da reação, dada pelo valor de sua constante de equilíbrio, estabelece o grau de ionização do eletrólito na água. Às substâncias que se apresentam completamente (ou quase completamente) na forma de íons em solução aquosa denominamos eletrólitos fortes (ex.: NaCl, HCl, NaOH, etc.), enquanto que aquelas que não estão totalmente ionizadas constituem os eletrólitos fracos (BaSO4, ácido acético, PbS, etanol, etc.). 2.1. As propriedades coligativas dos eletrólitos fortes Sais eletrovalentes, ácidos fortes e bases fortes são todos eletrólitos fortes e, idealmente, estão completamente ionizados em água. Suas soluções alteram as propriedades do solvente puro, o que remete às propriedades coligativas da solução. A magnitude das diferenças da temperatura de fusão (Tf), temperatura de ebulição (Te), pressão de vapor do solvente (págua) e pressão osmótica () com relação à água pura deveria indicar o número de partículas formadas na dissolução, por cada uma de suas “𝑢𝑛𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒𝑠 moleculares” ou moléculas. Sendo assim, o valor da propriedade coligativa dessas soluções será maior do que Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas – prof. Ourides 4 seu valor previsto com base na concentração nominal (fração molar, molaridade, molalidade,...). A razão entre o valor medido (efetivo) e o valor nominal ou real de espécies químicas na solução (calculado com base na concentração nominal) da propriedade, se conhece como fator de van’t Hoff da solução, e se representa por i. Assim, como exemplo, para a diferença do ponto de fusão (∆𝑇𝑓) de uma solução, podemos escrever 𝒊 = ∆𝑇𝑓 𝑚𝑒𝑑𝑖𝑑𝑜 𝑛𝑜 𝑙𝑎𝑏𝑜𝑟𝑎𝑡ó𝑟𝑖𝑜 ∆𝑇𝑓 𝑒𝑠𝑡𝑖𝑚𝑎𝑑𝑜 𝑝𝑒𝑙𝑎 𝑐𝑜𝑛𝑐𝑒𝑛𝑡𝑟𝑎çã𝑜 𝑛𝑜𝑚𝑖𝑛𝑎𝑙 Observe que, para a dissolução de um não-eletrólito ideal em água, o fator de van’t Hoff é igual a 1 (i=1), enquanto que para a dissolução de um eletrólito forte em solução diluída (cujas “unidades moleculares” se dissociam completamente em água) o fator de van’t Hoff é um múltiplo inteiro e pequeno de 1. Assimcomo exemplo temos: • Não-eletrólitos ideais: 𝐶6𝐻12𝑂6(𝑠) → 𝐶6𝐻12𝑂6(𝑎𝑞) fator de van’t Hoff i=1 𝐶3𝐻6𝑂(𝑙) → 𝐶3𝐻6𝑂(𝑎𝑞) fator de van’t Hoff i=1 • Eletrólito forte em solução muito diluída: 𝑁𝑎𝐶𝑙(𝑠) → 𝑁𝑎(𝑎𝑞) + + 𝐶𝑙(𝑎𝑞) − fator de van’t Hoff i=2 𝐴𝑙2(𝑆𝑂4)3(𝑠) → 2𝐴𝑙(𝑎𝑞) +3 + 3𝑆𝑂4 −2 fator de van’t Hoff i=5 Perceba que, nos exemplos acima, o número de partículas presentes de fato na solução é um múltiplo inteiro da partícula inicial (ou da concentração inicial de partículas) utilizada na preparação da amostra. Conduto, os valores inteiros (a exemplo dos valores acima), somente são observados em regime de extrema diluição de eletrólitos fortes. Por exemplo, para soluções de NaCl, obtém-se i=2 somente em concentrações nominais menores do que 10-3 mol/L. Para soluções de BaCl2 só se obtém i=3 para concentrações inferiores a 10-5 mol/L. Em concentrações mais elevadas, estes (e outros) eletrólitos fortes deixam de se comportar de maneira ideal devido a efeitos interiônicos, de modo que o valor do fator de van´t Hoff é menor do que o valor limite para soluções extremamente diluídas. Tal comportamento não ideal de soluções concentradas aponta que os íons em solução se comportam como se estivessem presentes em concentrações efetivas (atividades) Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas – prof. Ourides 5 diferentes de suas concentrações reais na solução. Mais uma vez, a magnitude do afastamento da idealidade pode ser expressa como o coeficiente de atividade dos íons, 𝛾í𝑜𝑛 = 𝑎𝑡𝑖𝑣𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑜 í𝑜𝑛 𝑐𝑜𝑛𝑐𝑒𝑛𝑡𝑟𝑎çã𝑜 𝑟𝑒𝑎𝑙 𝑑𝑜 í𝑜𝑛 (𝑚𝑜𝑙/𝐿) Não é possível determinar experimentalmente o coeficiente de atividade de cátions e de ânions separadamente. É possível obter apenas um coeficiente de atividade iônica média (𝛾±) de um eletrólito, conforme veremos abaixo. Se um eletrólito se dissocia para dar 𝜈+ cátions e 𝜈− ânions em solução, para cada “unidade molecular”, então, o coeficiente de atividade iônica média é definido pela equação 𝛾± = (𝛾+ 𝜈+ . 𝛾− 𝜈−) 1 (𝜈++𝜈−) ⁄ (1) A equação acima vale para a dissociação de um eletrólito geral, conforme abaixo 𝑀𝜈+𝑋𝜈−(𝑠) ⟶ 𝜈+𝑀(𝑎𝑞) +𝜈− + 𝜈−𝑋(𝑎𝑞) −𝜈+ Na expressão da atividade iônica média, 𝛾+ e 𝛾− correspondem aos coeficientes de atividade do cátion e coeficiente de atividade do ânion, respectivamente (estes valores não podem ser obtidos experimentalmente). Por exemplo, o coeficiente de atividade iônica média do sulfato de sódio (Na2SO4) é 𝛾±(𝑁𝑎2𝑆𝑂4) = (𝛾𝑁𝑎+ 2 . 𝛾𝑆𝑂4 1 ) 1 3⁄ O valor de 𝛾± para um eletrólito em solução aquosa a uma dada temperatura e concentração pode ser obtido de medidas de propriedades coligativas da solução. 2.2. A força iônica e seus efeitos sobre o coeficiente de atividade iônica média O comportamento de qualquer íon em solução é influenciado pela quantidade e pela carga de todos os demais íons nas suas vizinhanças. A intensidade e o alcance da interação Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas – prof. Ourides 6 coulombiana entre os íons presentes em uma solução de eletrólito são os principais componentes que provocam desvios da idealidade de soluções iônicas. Peter Debye (1884- 1966) e Erich Hückel (1896-1980) elaboraram uma teoria para explicar essas influências, a partir de algumas aproximações: • O soluto está presente na solução na forma de íons individuais, de modo que não há formação de pares iônicos; • Os íons são considerados cargas pontuais; • O solvente é tratado como um meio contínuo, não afetado pela presença dos íons. Ignora-se, assim, a natureza molecular do solvente; • Considera-se apenas as interações de natureza eletrostática; • A energia térmica da solução é muito maior do que a energia de ligação eletrostática. Caso isso não fosse verdade, o componente eletrólito estaria na fase sólida. Íons com cargas opostas se atraem, assim, é mais provável que se encontrem nas soluções, ânions na vizinhança de cátions e vice-versa. A solução iônica, como um todo, é eletricamente neutra, mas, embora o sistema seja dinâmico (muda com o tempo), na média temporal sempre haverá nas vizinhanças de um íon um excesso de íons de carga oposta (figura 1). Figura 1: atmosferas iônicas ao redor de cátions e de ânions em solução. Essa “nuvem” de carga apresenta simetria esférica em torno do íon central é denominada atmosfera iônica. A energia (e portanto o potencial químico) do íon central sofre redução em virtude da presença dessa nuvem. O modelo teórico proposto por Debye e Hückel leva à uma expressão na qual o coeficiente de atividade médio pode ser calculado em concentrações muito reduzidas, sendo dado por 𝑙𝑜𝑔𝛾± = −[0,509 (𝐿/𝑚𝑜𝑙) 1/2]|𝑧+𝑧−|𝐼 1/2 (2) Texto 17 – Propriedades das soluções eletrolíticas – prof. Ourides 7 Na expressão acima, I = força iônica da solução, definida à frente; 𝑧+,𝑧−= cargas elétricas do cátion e do ânion. A força iônica da solução é definida como 𝐼 = 1 2 ∑ 𝑐𝑖𝑧𝑖 2 𝑖 (3) A equação (2) é conhecida como lei limite de Debye-Hückel. Ela prevê que o logaritmo do coeficiente de atividade iônica médio é função linear da raiz quadrada da força iônica e o coeficiente angular dessa equação é o produto das cargas dos íons. A figura 2 mostra um gráfico que espelha o quanto a lei acompanha os sistemas reais. Figura 2: Curva do logaritmo de coeficiente de atividades iônicas médio em função da raiz quadrada da força iônica. Note a proporcionalidade entre o número de cátions e de ânions para cada eletrólito. Na figura 2, as curvas cheias mostram valores experimentais para eletrólitos de diferentes estequiometrias e as linhas pontilhadas mostram os valores previstos para o limite, conforme a equação (2), tal que 𝑙𝑜𝑔𝛾± ∝ 𝐼 1/2.
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