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Gerência de Ensino Coordenadoria do Curso Técnico de Ferrovias INFRA-ESTRUTURA DE FERROVIAS VOLUME I Vitória - Fevereiro - 2007 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo Sumário 1Introdução....................................................................................................................3 2Conceitos de Hidrologia..............................................................................................5 2.1Introdução............................................................................................................5 2.2Ciclo hidrológico...................................................................................................7 2.3Bacia hidrográfica..............................................................................................10 2.3.1Delimitação da bacia..................................................................................10 2.3.2Forma da bacia...........................................................................................11 2.3.3Relevo.........................................................................................................13 2.3.4Padrões de drenagem................................................................................13 2.3.5Densidade de Drenagem............................................................................13 2.3.6Cobertura vegetal da bacia.........................................................................14 2.3.7Características Geológicas.........................................................................14 2.3.8Transporte de Sedimentos.........................................................................14 2.3.9Características Térmicas............................................................................14 2.3.10Ocupação e Uso do Solo..........................................................................15 2.3.11Tempo de Recorrência.............................................................................16 3Conceitos de Mecânica dos Solos............................................................................19 3.1Introdução..........................................................................................................19 3.2As partículas constituintes dos solos.................................................................19 3.2.1A origem dos solos.....................................................................................19 3.2.2Classificação dos solos pela sua origem....................................................20 3.2.3Tamanho das partículas.............................................................................22 3.2.4Constituição mineralógica...........................................................................22 3.2.5Estrutura.....................................................................................................23 3.2.6O estado do solo.........................................................................................24 3.2.7Classificação de solos por meio de ensaios.............................................. 28 3.3Compressibilidade..............................................................................................36 3.3.1Introdução...................................................................................................36 3.3.1Analogia da Mecânica de Terzaghi............................................................36 Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 1 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3.3.2Compressibilidade dos Terrenos Pouco Permeáveis (Argila)....................38 3.3.3Compressibilidade dos Terrenos Permeáveis (Areia e Pedregulho)......... 38 3.4Classificação dos solos......................................................................................38 3.4.1A importância da classificação dos solos...................................................38 3.4.1Classificação Unificada...............................................................................39 3.4.1Sistema Rodoviário de Classificação.........................................................44 3.5Questionário.......................................................................................................46 Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 2 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 1 1 INTRODUÇÃO Uma ferrovia começa a partir da necessidade de ligar dois pontos. Entretanto, geralmente isso não é simplesmente o caso de colocar uma estrada de ferro em linha reta e as composições circulando sobre ela. Existe diversos fatores que devem ser levados em consideração para a elaboração de um projeto, tais como características de relevo, geologia, hidrologia, ecologia e sociologia, inclusive, das regiões que serão afetadas, tanto direta quanto indiretamente. Figura 1.1 Estrada de ferro australiana (WIKIPEDIA, 2006) Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 3 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 1 Devido a essa diversidade, o estudo da via férrea é usualmente dividida em duas partes; infraestrutura e superestrutura. A infraestrutura compreende todos os elementos que são utilizados para possibilitar a construção e operação da estrada de ferro propriamente dita. Compreende os estudos de traçado, definição do projeto, serviços de terraplenagem, drenagem e obras de arte (pontes, viadutos, túneis, etc). A superestrutura é composta pelo conjunto sub-lastro, lastro, dormentes, trilhos e acessórios de via (máquinas de mudança de via, moegas, “car-dumpers”, etc). Espera-se que ao final deste trabalho os alunos tenham uma visão de que a via férrea em si é um sistema, e que cada uma de suas partes deve estar em consonância com as demais para que todo o sistema funcione de acordo com o esperado. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 4 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 2 CONCEITOS DE HIDROLOGIA 2.1 INTRODUÇÃO Hidrologia é uma ciência multidisciplinar que lida com a ocorrência, circulação e distribuição das águas na Terra (Figura 2.1), suas propriedades físicas e químicas, e sua interação com o meio ambiente. Devido à natureza complexa do ciclo hidrológico e da sua relação com o clima, tipos de solo, topografia e geologia, a hidrologia se confunde com outras ciências que fazem parte da geografia física, tais como: meteorologia, geologia e oceanografia. Figura 2.1 Representação de algumas formas da presença da água na natureza Desde tempos imemoriais e até épocas bem recentes, a origem da água das nascentes e dos rios se constituiu em problema bastante controvertido. Alguns filósofos devotaram muito tempo no estabelecimento de hipóteses para explicar a origem da água das nascentes e dos rios, dentre eles, destacam-se Thales (+ 650 AC), Platão (427-347 AC) e Aristóteles (384-322 AC). Entretanto, a teoria hoje prevalecente, ou seja, que a água subterrânea deriva, na sua maior parte, da infiltração da água da chuva, teve seus primórdios ainda na época de Cristo, através do trabalho de Vitruvius, um arquiteto romano que escreveu um tratado de arquitetura em 10 livros. Pela importância que os romanos atribuiam ao problema do abastecimento de água potável, Vitrivius dedicou um de seus 10 livros aos métodos de localização ou descoberta de água subterrânea. Depois desse período de especulações, que se prolongou até por volta de 1400, o desenvolvimento histórico da hidrologia envolveu os seguintes períodos (CHOW, 1964): a) Período de observação (1400-1600): dos conceitos filosóficos puros, a hidrologia tendia para uma ciência de observações que ainda a caracteriza. É deste período a Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 5 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 participação de Leonardo da Vinci, gênioversátil e observador, pintor, escultor, músico, matemático, físico, cientista e engenheiro. Tinha o conceito correto do ciclo hidrológico. b) Período de Medições (1600-1700): o século XVII é reconhecido como o berço da ciência. Também a ciência hidrologia teve início neste período, com as primeiras medições dos processos do ciclo hidrológico. c) Período de experimentação (1700-1800): durante o Século XVIII iniciaram-se os estudos experimentais da hidrologia. d) Período de modernização (1800-1900): fundamentos da ciência hidrologia. e) Período de empiricismo (1900-1930): não obstante o grande avanço do período anterior, o estudo da hidrologia quantitativa estava ainda em seus primórdios, e a hidrologia era basicamente uma ciência empírica, pois se desconhecia ainda as bases físicas de muitas das determinações hidrológicas. Inúmeras fórmulas empíricas foram desenvolvidas durante este período. Como tais, elas não se satisfaziam em todas as situações, e houve um esforço muito grande no sentido de se incrementar as investigações hidrológicas. Muitas organizações nacionais e internacionais foram fundadas com esse propósito. f) Período de racionalização (1930-1950): grandes hidrologistas desenvolveram e utilizaram análises racionais, ao invés de empíricas, para a solução de problemas hidrológicos. g) Período de teorização (1950- ): aplicação de modelos matemáticos no estudo dos processos hidrológicos. Os estudos hidrológicos são utilizados para avaliar o efeito destas ações antrópicas (devidas ao homem) sobre os recursos hídricos, realizar previsões sobre o que pode ocorrer no futuro, e que medidas podem ser adotadas para evitar ou reduzir as conseqüências negativas para o bem estar da humanidade. A Hidrologia Aplicada tenta superar estes problemas através da previsão de eventos extremos e da disponibilidade dos recursos hídricos. Como ainda não é possível prever com segurança e com antecedência os eventos hidrológicos, por serem aleatórios, a estatística, com base em registros passados, é uma ferramenta de suporte à hidrologia e cada tipo de estudo ou projeto terá uma fase do ciclo hidrológico e a escala de interesse. Basicamente, existem dois grupos de estudo: (1) a estimativa de disponibilidade e demandas e (2) a previsão de eventos extremos. O primeiro grupo se aplica a: planos diretores de bacias1; estudos de impacto ambiental; projetos de abastecimento; projetos de irrigação; projetos de geração de energia. O segundo grupo se aplica a: projetos de proteção contra enchentes; projetos de grandes obras: barragens, pontes, estradas; projetos de drenagem. 1 Planos de gerenciamento das atividades e recursos de uma bacia hidrográfica Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 6 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 Desta forma, para projetos de ferrovias, pode-se resumir os principais objetos de interesse nos seguintes itens: 1. Vazões máximas esperadas em galerias de drenagem ou bueiros; 2. Efeito de barragens sobre o controle de enchentes em bacias hidrográficas; 3. Efeito do desenvolvimento urbano sobre o sistema de drenagem e o escoamento de enchentes; 4. Delimitação de níveis prováveis de enchentes para garantir a proteção de áreas urbanizadas contra alagamentos, ou para realizar o zoneamento da bacia em relação ao risco de enchentes. A diversidade de interesses e a consequente diversidade de estudos tornam a Hidrologia Aplicada uma ciência complexa, impondo especialistas em diversas áreas. 2.2 CICLO HIDROLÓGICO Os processos físicos que controlam a distribuição e o movimento de água são melhor compreendidos se descritos como ciclo hidrológico. Uma representação esquemática do ciclo hidrológico no meio ambiente natural é mostrada na Figura 2.2. O ciclo hidrológico pode ser dividido em etapas para melhor compreensão: precipitação; interceptação; infiltração; escoamento superficial; escoamento subterrâneo; transpiração e evaporação. Figura 2.2 Ciclo hidrológico na natureza Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 7 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 A precipitação, escolhida como ponto inicial, é etapa do ciclo hidrológico, cuja forma mais frequente é a chuva, que ocorre quando o vapor d’água presente na atmosfera se aglutina formando microgotículas, que se agrupam até terem tamanho e peso suficiente para precipitar sob a forma de chuva, neve ou granizo. A precipitação pode ocorrer diretamente sobre um corpo d’água, ou deslocar-se sobre o solo, a partir do ponto de impacto, até um curso d’água, ou infiltrar. Na etapa seguinte, parte da precipitação sofre interceptação antes de tocar o solo, ficando retida na vegetação até ser evaporada ou alcançar o solo, quando a precipitação exceder a capacidade de retenção da vegetação, ou pela ação dos ventos. A água retida em depressões do solo tende a infiltrar. A infiltração ocorre enquanto a intensidade da precipitação não exceder a capacidade de infiltração do solo, ou seja, enquanto a superfície do solo não estiver saturada. A partir do momento em que foi excedida a capacidade de retenção da vegetação e do solo e a superfície do solo já estiver saturada, passa a haver escoamento superficial. A água, impulsionada pela gravidade para cotas mais baixas, forma pequenos filetes que tendem a se unir e formar cursos d’água, que continuam fluindo até encontrar riachos que formarão rios, de porte cada vez maior, até atingir um oceano ou um lago. O escoamento subterrâneo acontece quando a porção de precipitação infiltrada percola até os aqüíferos subterrâneos (zona de saturação), escoando de forma bastante lenta. Quando o escoamento da água infiltrada ocorre na zona de aeração do solo (camada insaturada) até aparecer como escoamento superficial é chamado de escoamento de base. Este escoamento mantém a vazão de base dos rios em períodos de estiagem. Parte da água armazenada no solo será consumida pela vegetação voltando, em seguida, à atmosfera pelas folhas das plantas, em um processo chamado transpiração. O fenômeno de evaporação se inicia antes mesmo da chuva tocar o solo, após a formação da precipitação. A evaporação ainda ocorre diretamente do solo desprovido de vegetação. Nos lagos, mares e oceanos, rios e outros corpos d’água a evaporação devolve a água à atmosfera, completando o ciclo hidrológico, estando, outra vez disponível para ser precipitada. O ciclo hidrológico em uma bacia pode ser representado, em unidades de altura (mm ou polegadas) pela equação do balanço hídrico (Equação 2.1) S=P – RGET Equação 2.1 Onde: Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 8 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 S = armazenamento P = precipitação; R = escoamento superficial; G = escoamento subterrâneo ou de base; E = evaporação; e T = transpiração. Esta representação do ciclo hidrológico pode ser aplicada a qualquer tamanho de bacia, como base para o desenvolvimento de um modelo matemático que represente o escoamento em uma bacia. A principal dificuldade neste tipo de modelação é que alguns dos termos da equação podem ser desconhecidos. A derrubada da vegetação natural para o desenvolvimento da agricultura aumenta a superfície de solo exposto, com óbvia diminuição da proteção natural da vegetação. Esta perda de proteção diminui o potencial de infiltração do solo, aumenta o escoamento superficial e resulta em grandes perdas de solo. Nos últimos dois séculos, o crescimento das cidades tem modificado drasticamente a paisagem nos arredores destes centros urbanos. A urbanização tem interferido significativamente nos processos envolvidosno ciclo hidrológico. Superfícies impermeáveis, tais como telhados e ruas pavimentadas, reduzem o potencial de infiltração e consequentemente a recarga dos aqüíferos subterrâneos, e aumentam o volume do escoamento superficial. Estas superfícies ainda apresentam uma rugosidade menor, aumentando a velocidade do escoamento superficial e a erosão. Estas alterações do ciclo hidrológico têm agravado as enchentes e aumentado a sua freqüência, trazendo transtornos e prejuízos às populações urbanas. Uma representação esquemática do ciclo hidrológico no meio ambiente urbanizado é mostrada na Figura 2.3 Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 9 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 Figura 2.3 Ciclo hidrológico com interferência urbana 2.3 BACIA HIDROGRÁFICA A bacia hidrográfica pode ser entendida como uma área onde a precipitação é coletada e conduzida para seu sistema de drenagem natural isto é, uma área composta de um sistema de drenagem natural onde o movimento de água superficial inclui todos os usos da água e do solo existentes na localidade (Magalhães, 1989). As bacias hidrográficas caracterizam-se pelas suas características fisiográficas, clima, tipo de solo, geologia, geomorfologia, cobertura vegetal, tipo de ocupação, regime pluviométrico e fluviométrico, e disponibilidade hídrica. As características fisiográficas de uma bacia são obtidas dos dados que podem ser extraídos de mapas, fotografias aéreas e imagens de satélite. São: área, comprimento, declividade e cobertura do solo, que podem ser expressos diretamente ou, por índices que relacionam os dados obtidos. 2.3.1 DELIMITAÇÃO DA BACIA A delimitação de cada bacia hidrográfica é feita numa carta topográfica, seguindo as linhas das cristas das elevações circundantes da seção do curso d’água em estudo. Cada bacia é assim, sob o ponto de vista topográfico, separada das restantes bacias vizinhas. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 10 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 No entanto, as águas que atingem a seção do curso d’água em estudo poderão provir não só do escoamento superficial como também do escoamento subterrâneo, que poderá ter origem em bacias vizinhas. E, inversamente, parte do escoamento superficial poderá concentrar-se em lagos ou lençóis subterrâneos que não tem comunicação com o curso de água em estudo, não contribuindo para a sua vazão. 2.3.2 FORMA DA BACIA A forma da bacia hidrográfica supostamente reflete o seu comportamento hidrológico. Em uma bacia circular (Figura 2.4), toda a água escoada tende a alcançar a saída da bacia ao mesmo tempo, enquanto uma bacia elíptica (Figura 2.5), tendo a saída da bacia na ponta do maior eixo e, sendo a área igual a da bacia circular, o escoamento será mais distribuído no tempo, produzindo portanto uma enchente menor. Figura 2.4 Bacia hidrográfica “circular” Figura 2.5 Bacia hidrográfica “elíptica” As bacias ainda podem ser classificadas como do tipo radial ou ramificada, que são aquelas formadas por conjuntos de sub-bacias alongadas que convergem para um mesmo curso principal. Neste caso, uma chuva uniforme em toda a bacia, origina cheias nas sub-bacias, que vão se somar, mas não simultaneamente, no curso principal. Portanto, a cheia crescerá, estacionará, ou diminuirá a medida em que forem se fazendo sentir as contribuições das diferentes sub-bacias. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 11 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 Figura 2.6 Bacia hidrográfica ramificada Para efeito de caracterização são determinados dois valores, o fator de forma e o coeficiente de compacidade. O fator de forma (Kf - Equação 2.2) é um índice indicativo da tendência para enchentes de uma bacia. Uma bacia com um fator de forma baixo é menos sujeita a enchentes que outra de mesmo tamanho porém com maior fator de forma. Kf=B L e B= A L Kf= A L2 Equação 2.2 O coeficiente de compacidade (Kc - Equação 2.3) é um número adimensional que varia com a forma da bacia, independentemente do seu tamanho; quanto mais irregular for a bacia, tanto maior será o coeficiente de compacidade. Um coeficiente mínimo igual à unidade, corresponderia a uma bacia circular. Se os outros fatores forem iguais, a tendência para maiores enchentes é tanto mais acentuada quanto mais próximo da unidade for o valor desse coeficiente. A=R2 R A Kc= P 2⋅R Kc= P 2⋅ A Kc= 1 2 ⋅ P A Kc= 2 ⋅ P A Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 12 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 Kc=0,28 P A Equação 2.3 2.3.3 RELEVO O relevo de uma bacia hidrográfica tem grande influência sobre os fatores meteorológicos e hidrológicos, pois a velocidade do escoamento superficial é determinado pela declividade do terreno, enquanto que a temperatura, a precipitação, a evaporação, etc, são funções da altitude da bacia. Para refletir as variações do relevo em uma bacia foram adotados diversos parâmetros, sendo os mais comuns: (a) declividade da bacia: A declividade dos terrenos de uma bacia controla em boa parte a velocidade com que se dá escoamento superficial, afetando portanto o tempo que leva a água da chuva para concentra-se nos leitos fluviais que constituem a rede drenagem das bacias. (b) curva hipsométrica: É a representação gráfica do relevo médio de uma bacia. Representa o estuda da variação da elevação dos vários terrenos da bacia com referência ao nível média do mar. Essa variação pode ser indicada por meio de um gráfico que mostra a percentagem da área de drenagem que existe acima ou abaixo das várias elevações. (c) declividade de álveo: a água de precipitação, concentra-se nos leitos dos rios, depois de se escoar superficial e subterraneamente pelos terrenos da bacia. Tendo os leitos como caminho, as águas são conduzidas em direção à desembocadura, e a velocidade de escoamento depende da declividade dos canais fluviais. Assim quanto maior a declividade, maior será a velocidade de escoamento. 2.3.4 PADRÕES DE DRENAGEM A velocidade do escoamento em canal é usualmente maior que a velocidade de escoamento superficial. Portanto, o tempo de deslocamento do escoamento em uma bacia na qual o comprimento de escoamento superficial é pequeno em relação ao comprimento do canal seria menor do que em uma bacia com trechos longos de escoamento superficial. O tempo de deslocamento do escoamento em uma bacia é um dado de extreme importância para diversos estudos hidrológicos, como será mostrado a seguir. O padrão de drenagem é um indicador das características do escoamento de uma precipitação. Alguns parâmetros foram desenvolvidos para representar os padrões de drenagem. 2.3.5 DENSIDADE DE DRENAGEM A densidade de drenagem (D) é a razão entre o comprimento total dos cursos d’água em uma bacia e a área desta bacia hidrográfica. Um valor alto para D indicaria uma densidade de drenagem relativamente alta e uma resposta rápida da Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 13 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 bacia a uma precipitação, índices em torno de 0,5km/km2 indicaria uma drenagem pobre, índices maiores que 3,5km/km2 indicariam bacias excepcionalmente bem drenadas. 2.3.6 COBERTURA VEGETAL DA BACIA A cobertura vegetal, e em particular as florestas e as culturas da bacia hidrográfica, vêm juntar a sua influência à de natureza geológica dos terrenos, condicionando a maior ou menor rapidez do escoamento superficial. Para além disso, a sua influência exerce-se, também, na taxade evaporação da bacia, com uma ação regularizadora de caudais, sobretudo nos climas secos. No caso de grandes cheias com elevados caudais a sua ação é, no entanto, praticamente nula. Além da influência que exerce na velocidade dos escoamentos e na taxa de evaporação, a cobertura vegetal desempenha papel importante e eficaz na luta contra a erosão dos solos. 2.3.7 CARACTERÍSTICAS GEOLÓGICAS O estudo geológico dos solos e subsolos tem por objetivo principal a sua classificação segundo a maior ou menor permeabilidade, dada a influência que tal característica tem na rapidez de crescimento das cheias. A existência de terrenos quase, ou totalmente, impermeáveis, impede a infiltração facilitando o escoamento superficial e originando cheias de crescimento repentino. Já os permeáveis ocasionam o retardamento do escoamento devido à infiltração, amortecendo as cheias. Na Figura 8 abaixo, ilustra-se o que se acabou de falar: Bacia Impermeável - ao receber uma certa precipitação, dá origem a um escoamento superficial com elevada ponta; Bacia Permeável - dá origem a um escoamento superficial de forma achatada e cuja ponta máxima é bastante retardada em relação ao início da precipitação. 2.3.8 TRANSPORTE DE SEDIMENTOS A existência de maior ou menor transporte de sedimento, depende da natureza geológica dos terrenos. O seu conhecimento é fundamental, visto que a erosão e sedimentação das partículas altera a topografia do leito do rio, podendo essa transformação chegar ao ponto de aniquilar a obra projetada pela diminuição do potencial hídrico do curso de água e assoreamento da barragem, por vezes apenas recuperável, mediante o dispêndio de somas incomportáveis. 2.3.9 CARACTERÍSTICAS TÉRMICAS O estudo hidrológico de uma bacia deverá pois, comportar a análise das suas características térmicas, análise esta em que deverá intervir observações de trocas de calor entre solo e atmosfera, superfície da água e atmosfera, etc. A localização geográfica da bacia hidrográfica é determinante das suas características térmicas. Assim, a variação da temperatura faz-se sentir com: Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 14 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 • latitude - a amplitude térmica anual está também relacionada com a latitude, - é máxima nos pólos e mínima no equador; • proximidade do mar - as maiores amplitudes térmicas verificam-se nas zonas continentais, áridas, enquanto que em regiões submetidas à influência marítima apresentam uma certa uniformidade térmica; • altitude - a temperatura diminui com a altitude. De uma forma geral, poderemos dizer que as regiões mais elevadas apresentam temperaturas mais baixas; • vegetação - por ação da menor fração de energia solar que atinge o solo e do calor absorvido pela evapotranspiração das plantas, a temperatura média anual de uma região arborizada pode ser inferior em 10ºC ou 20ºC à uma região desarborizada; • tempo - a temperatura começa a elevar-se ao nascer do sol e atinge o máximo 1 a 3 horas depois do sol ter atingido a altitude máxima. A variação da temperatura faz- se sentir também durante o ano segundo as estações, sendo maior ou menor conforme a localização geográfica, como atrás foi referido. 2.3.10OCUPAÇÃO E USO DO SOLO Quando ocorre uma chuva rápida, as pessoas freqüentemente procuram abrigo sob alguma árvore que esteja próxima. Admite-se que a árvore será uma proteção temporária, já que ela intercepta a chuva na fase inicial do evento. Poderia-se concluir que uma bacia coberta por uma floresta produziria menos escoamento superficial do que uma bacia sem árvores. O escoamento em telhados é outro exemplo do efeito do tipo de cobertura da bacia sobre o escoamento (Figura 2.3). Durante uma precipitação, o escoamento em calhas de telhados começa logo depois de iniciada a chuva. Telhados são superfícies impermeáveis, inclinados e planos portanto, com pouca resistência ao escoamento. O escoamento em uma vertente gramada com as mesmas dimensões do telhado terá início bem depois do escoamento similar no telhado. A vertente gramada libera água em taxas e volumes menores porque parte da água será infiltrada no solo e devido a maior rugosidade da superfície gramada, o escoamento será mais lento conclui-se então que o escoamento em superfícies impermeáveis resulta em maiores volumes e tempos de deslocamento menores do que o escoamento em superfícies permeáveis com as mesmas dimensões e declividades. Estes dois exemplos conceituais servem para ilustrar como o tipo de ocupação do solo afeta as características do escoamento em uma bacia. Quando as outras características da bacia são mantidas constantes as características do escoamento tais como volume, tempo e taxas de vazões máximas podem ser bastante alteradas. Portanto, o tipo de ocupação da bacia e uso do solo devem ser definidos para a análise e projeto em hidrologia. O tipo de cobertura e uso do solo é especialmente importante para a hidrologia. Muitas questões problemáticas em projetos hidrológicos resultam da expansão urbana. A percentagem do solo impermeabilizado é comumente usada como indicador do grau de desenvolvimento Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 15 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 urbano. Áreas residenciais com alta densidade de ocupação têm taxas de impermeabilização variando entre 40 e 70%. Áreas comerciais e industriais são caracterizadas por taxas de impermeabilização de 70 a 90%. A impermeabilização de bacias urbanas não está restrita à superfície: os canais de drenagem são normalmente revestidos com concreto, de modo a aumentar a capacidade de escoamento da seção transversal do canal e remover rapidamente as águas pluviais. O revestimento de canais é muito criticado, já que este tipo de obra transfere os problemas de enchentes de áreas à montante do canal para áreas à jusante. Tabela 2.1 Coeficientes de permeabilidade de acordo com o tipo de revestimento Tipos de cobertura Mínimo Máximo Pavimentos 0,75 0,95 0,65 0,80 0,40 0,60 Solo com ou sem cobertura vegetal 0,15 0,30 0,15 0,30 0,20 0,40 Cascalho, mata ou vegetação densa 0,15 0,35 0,35 0,75 Solo argiloso, mata ou vegetação densa 0,25 0,60 Canteiro central e valetas gramadas 0,20 0,35 0,50 0,70 Coeficientes C (de permeabilidade do terreno) Revestimento de concreto de cimento ou concreto betuminoso Revestimento de macadame betuminoso ou tratamento superficial Revestimento primário (cascalho, macadame) Solo arenoso, vegetação cultivada ou leve Solo arenoso, mata ou vegetação rasteira, rasteria densa Cascalho desprovido de vegetação ou vegetação rala Solo argiloso, desprovido de vegetação ou vegetação rala Taludes enleivados, com declividade de 1:12 2.3.11TEMPO DE RECORRÊNCIA Tempo de recorrência, período de recorrência, ou período de retorno (Tr) é definido como sendo a frequência de ocorrência de uma chuva de certa magnitude. Por exemplo, uma chuva com tempo de recorrência Tr = 10 anos corresponde a uma chuva que pelas leis da probabilidade tem possibilidade de ocorrer (ou ser excedida) pelo menos uma vez a cada dez anos, em termos médios. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 16 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 A probabilidade de ocorrencia (P) de uma dada chuva durante o período de um ano é dada por: P= 1 Tr Equação 2.4 Exemplo: para um tempo de recorrência de 10 anos (Tr=10) P= 1 10 P=0,1=10% A probabilidade de não ocorrência do evento (q) é dado, então, por: q=1−P Equação 2.5Para termos a probabilidade de não ocorrência de um evento em função do tempo de recorrência basta substituir a Equação 2.4 na Equação 2.5: q=1− 1Tr q= Tr Tr− 1 Tr q=Tr−1 Tr Equação 2.6 Se se quizer determinar qual a probabilidade de ocorrência de uma dada chuva, de período de recorrência Tr, durante um período n de anos, tem-se: P1=1−q P2=1−q⋅q P3=1−q⋅q⋅q ou seja: Pn=1−q n Equação 2.7 Exemplo: uma barragem vai ser construída com capacidade para conter uma chuva de Tr = 100 anos. Qual a probabilidade de que tal chuva ocorra nos primeiros 25 anos de vida útil da barragem? P25=1−q 25 P25=1−[ 100−1 100 ] 25 P25=22% Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 17 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 2 A determinação do tempo de recorrência é importante para o dimensionamento de obras de engenharia, tal como estradas de ferro. Tal dimensionamento deve levar em consideração as cargas possíveis dentro de o seu período de vida útil previsto, e no âmbito da hidrologia, as cargas provenientes de uma chuva de grande magnitude (enchente). Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 18 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 3 CONCEITOS DE MECÂNICA DOS SOLOS 3.1 INTRODUÇÃO Pode-se afirmar que praticamente todas as obras de Engenharia Civil se assentam sobre o chão (solo). Portanto é necessário que o comportamento do solo seja devidamente considerado. A Mecânica dos Solos estuda o comportamento dos solos quando tensões são aplicadas, como nas fundações, ou aliviadas, no caso de escavações, ou perante o escoamento de água nos vazios, e na qual o engenheiro civil se baseia para desenvolver seus projetos. Este ramo da engenharia, chamado de engenharia Geotécnica ou engenharia de Solos, costuma empolgar os seus praticantes pela diversidade de suas atividades, pelas peculiaridades que o material apresenta em cada local e pela engenhosidade freqüentemente requerida para a solução de problemas reais. O conhecimento do comportamento dos solos, dispostos pela natureza em depósitos heterogêneos e apresentando comportamentos demasiadamente complicados para tratamentos teóricos rigorosos, deveu-se em grande parte aos trabalhos de Karl Terzaghi, engenheiro civil de larga experiência, sólido preparo científico e acurado espírito de investigação – internacionalmente conhecido como o fundador da Mecânica dos Solos. Seus trabalhos, identificando o papel das pressões da água no estudo nas tenções nos solos e a apresentação da solução matemática para a evolução dos recalques das argilas com o tempo após o carregamento, são conhecidos como o marco inicial desta nova ciência de engenharia. Assim como a Hidrologia, a Mecânica dos Solos é uma ciência multidisciplinar. A ela se juntam a Química e a Física Coloidal, importantes para justificar aspectos do comportamento dos solos, enquanto que o conhecimento da Geologia é fundamental para o tratamento correto dos problemas de fundações. 3.2 AS PARTÍCULAS CONSTITUINTES DOS SOLOS 3.2.1 A ORIGEM DOS SOLOS Todos os solos são produtos da decomposição de rochas que presentes na crosta terrestre. Os processos que levam à decomposição das rochas são chamada de intemperísmo, e é decorrente de agentes físicos e químicos. Estes agentes podem atuar isoladamente ou de forma combinada, como por exemplo: variações de temperatura provocam trincas, nas quais penetra a água, atacando quimicamente os minerais. O congelamento da água nas trincas, entre outros fatores, exerce elevadas tensões, do que decorre maior fragmentação dos blocos. A presença da fauna e flora promove o ataque químico, através de hidratação, hidrólise, oxidação, lixiviação, troca de cátions, carbonatação, etc. O conjunto destes processos, que são Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 19 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 muito mais atuantes em climas quentes do que em climas frios, leva à formação dos solos que, em conseqüência, são misturas de partículas pequenas que se diferenciam pelo tamanho e pela composição química. A maior ou menor concentração de cada tipo de partícula num solo depende da composição química da rocha que lhe deu origem. 3.2.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SOLOS PELA SUA ORIGEM A classificação dos solos pela sua origem é um complemento importante para o conhecimento das ocorrências e para a transmissão de conhecimentos acumulados. Algumas vezes, a indicação da origem do solo é tão ou mais útil do que a classificação sob o ponto de vista da constituição física. Os solos podem ser classificados em dois grandes grupos: solos residuais e solos transportados. Solos residuais são aqueles resultantes da decomposição das rochas que se encontram no próprio local em que formaram. Para que eles ocorram, é necessário que a velocidade de decomposição da rocha seja maior do que a velocidade de decomposição por agentes externos. A velocidade de decomposição depende de vários fatores, entre os quais a temperatura, o regime de chuva e a vegetação. As condições existentes nas regiões tropicais são favoráveis a degradações mais rápidas da rocha, razão pela qual as maiores ocorrências de solos residuais ocorrem nestas regiões, entre elas o Brasil. Os solos residuais se apresentam em horizontes com grau de intemperização decrescente. Vargas (1981) identifica as seguintes camadas, cujas transições são gradativas, conforme mostra a Figura 3.1. Solo residual maduro: superficial ou sotoposto a um horizonte “poroso” ou “húmico”, e que perdeu toda a estrutura original da rocha-mãe e tornou-se relativamente homogêneo. Figura 3.1 Perfil de solo residual de decomposição de gnaisse (Vargas, 1981) Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 20 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Saprolitro ou solo saprolítico: solo que mantém a estrutura original da rocha-mater, mas perdeu a consistência da rocha. Visualmente pode confundir-se com uma rocha alterada, mas apresenta pequena resistência ao manuseio. É também chamado de solo residual jovem ou solo de alteração de rocha. Rocha alterada: horizonte em que a alteração progrediu ao longo de fraturas ou zonas de menor resistência, deixando intactos grandes blocos da rocha original. Em se tratando de solos residuais, é de grande interesse a indicação da rocha-mãe, pois ela condiciona, entre outras coisas, a própria composição física. Solos residuais de basalto são predominantemente argilosos, os de gnaisse são siltosos e os granitos apresentam teores aproximadamente iguais de areia média, silte e argila, etc. Solos transportados são aqueles que foram levados ao seu local atual por alguns agentes de transporte. As características dos solos são função do agente transportador. Solos formados por ação da gravidade dão origem a solos coluvionares. Entre eles estão os escorregamentos das escarpas da Serra do Mar, formando os tálus nos pés do talude, massas de materiais muito diversos e sujeitos a movimentações de rastejo. Têm sido também classificados como coluviões, solos superficiais do planalto brasileiro depositados sobre solos residuais. Solos resultantes do carregamento pela água são os aluviões, ou solos aluvionares. Sua composição depende da velocidade das águas no momento de deposição. Existem aluviões essencialmente arenosos, bem como aluviões muito argilosos, comuns nas várzeas quaternárias dos córregos e rios. Registra-se também a ocorrência de camadas sobrepostas de granulometrias distintas, devidas a diversas épocas e regimes de deposição. O transporte pelo vento dáorigem aos depósitos eólicos. O transporte eólico provoca o arredondamento das partículas, em virtude do seu atrito constante. As areias constituintes dos arenitos brasileiros são arredondadas, por ser esta uma rocha sedimentar com partículas previamente transportadas pelo vento. O transporte por geleiras dá origem aos drifts, muito freqüentes na Europa e nos Estados Unidos, mas com pequena ocorrência no Brasil. Quando por algum mecanismo de deposição ocorre o acumulo de uma quantidade apreciável de matéria orgânica (decorrente de decomposição de origem vegetal ou animal, em vários estágios de decomposição) em um solo, este é chamado de solo orgânico. Geralmente argilas ou areias finas, os solos orgânicos são de fácil identificação, pela cor escura e pelo odor característico. Solos orgânicos geralmente são problemáticos por serem muito compressíveis. Eles são encontrados no Brasil principalmente nos depósitos litorâneos, em espessura de dezenas de metros, e nas várzeas dos rios e córregos, em camadas de 3 a 10 m de espessura. O teor de matéria orgânica em peso tem variado de 4 a 20%. Em algumas formações, ocorre uma importante concentração de folhas e caules em processo incipiente de decomposição, formando as turfas. São materiais extremamente deformáveis, mas muito permeáveis, permitindo que os recalques, devidos a carregamentos externos, ocorram rapidamente. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 21 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 3.2.3 TAMANHO DAS PARTÍCULAS A primeira característica que diferencia os solos é o tamanho das partículas que os compõem. Numa primeira aproximação, pode-se identificar que alguns solos possuem grãos perceptíveis a olho nu, como os grãos de pedregulho ou a areia do mar, e que outros têm os grãos tão finos que, quando molhado, se transformam numa pasta (barro), não podendo se visualizar as partículas individualmente. A diversidade do tamanho dos grãos é enorme. Não se percebe isto num primeiro contato com o material, simplesmente porque parecem todos muito pequenos perante os materiais com os quais se está acostumado a lidar. Mas alguns são consideravelmente menores do que outros. Existem grãos de areia com dimensões de 1 a 2mm, e existem partículas de argila com espessuras da origem de 10 Å (0,000001 mm). Isto significa que, se uma partícula de argila fosse ampliada de forma a ficar com o tamanho de uma folha de papel, o grão de areia citado ficaria com diâmetros da ordem de 100 a 200 metros, um quarteirão. Num solo, geralmente convivem partículas de tamanhos diversos. Não é fácil identificar o tamanho das partículas pelo simples manuseio do solo, porque grãos de areia, por exemplo, podem estar envoltos por uma grande quantidade de partículas argilosas, finíssimas, ficando com o mesmo aspecto de uma aglomeração formada exclusivamente por uma grande quantidade destas partículas. Quando secas, as duas formações são muito semelhantes. Quando úmidas, entretanto, a aglomeração de partículas argilosas se transforma em uma pasta fina, enquanto a partícula arenosa revestida é facilmente reconhecida pelo tato. Denominações específicas são empregadas para as diversas faixas de tamanhos de grãos; seus limites, entretanto, variam conforme os sistemas de classificação. Os valores adotados pela ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas – são os indicados na Tabela 1.1. Tabela 3.1 Limites das frações de solo pelo tamanho dos grãos Norma Pedregulho Areia Silte Argila Grossa Média Fina ABNT NBR 6502 76 a 4,8 [mm] 4,76 a 0,84 [mm] 0,84 a 0,25 [mm] 0,25 a 0,05 [mm] 0,05 a 0,005 [mm] menor que 0,005 [mm] ASTM D 2487 76 a 4,76 [mm] 4,76 a 2,00 [mm] 2,00 a 0,42 [mm] 0,42 a 0,074 [mm] 0,074 a 0,005 [mm] menor que 0,005 [mm] O conjunto de silte e argila é denominado como a fração de finos do solo, enquanto o conjunto areia e pedregulho é denominado fração grossa do solo. 3.2.4 CONSTITUIÇÃO MINERALÓGICA Tanto as rochas quanto os solos, oriundos da desagregação de rochas são compostos de minerais. A composição mineralógica dos solos vai depender do seu mecanismo de formação. A composição mineralógica de solos residuais vão estar Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 22 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 diretamente à rocha mãe (de origem), enquanto solos sedimetares terão grande influência dos processos de formação (transporte e deposição). Algumas partículas maiores, dentre os pedregulhos, usualmente sofreram pouco intemperísmo, mantendo ainda grande parte das características mineralógicas da rocha mãe. As areias, os siltes e as argilas são o resultado final do intemperismo. O quartzo, que é um dos minerais mais resistentes ao intemperísmo, é encontrado em abundância na composição de siltes e areias. Já os feldspatos, que são os minerais mais atacados pelos processos de intemperísmo, dão origem aos argilo-minerais (minerais que compõe a argila), que constituem a fração mais fina dos solos, geralmente com dimensão inferior a 2 mm. Não só o reduzido tamanho mas, principalmente, a constituição mineralógica faz com que estas partículas tenham um comportamento extremamente diferenciado em relação ao dos grãos de silte e areia. 3.2.5 ESTRUTURA A estrutura de um solo está ligada a sua composição mineralógica e aos processos que levaram a sua formação. Quando duas partículas de argila, na água, estão muito próximas, ocorrem forças de atração e de repulsão entre elas. Da combinação das forças de atração e de repulsão entre as partículas resulta a estrutura dos solos, que se refere à disposição das partículas na massa de solo e às forças entre elas. Lambe (1953) identificou dois tipos básicos de estruturas: estrutura floculada, quando os contatos se fazem entre faces e arestas, ainda que através da água adsorvida; e estrutura dispersa, quando as partículas se posicionam paralelamente, face a face. As argilas sedimentares apresentam estruturas que dependem da salinidade da água em que se formaram. Em águas salgadas, a estrutura é bastante aberta, embora haja um relativo paralelismo entre as partículas. Estruturas floculadas em água não salgada resultam da atração das cargas positivas das bordas com as cargas negativas das faces das partículas. A Figura 3.2 ilustra esquematicamente estes tipos de estrutura. O conhecimento das estruturas permite o entendimento de diversos fenômenos notados no comportamento dos solos, como, por exemplo, a sensitividade das argilas. Figura 3.2 Exemplo de estruturas de solos sedimentares; (a) floculada em água salgada, (b) floculada em água não salgada, (c) dispersa (Mitchel, 1976) Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 23 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Por outro lado, observa-se que em solos evoluídos pedologicamente2, principalmente em climas quentes e úmidos (comportamento laterítico3), aglomerações de partículas minerais se apresentam envoltas por deposições de sais de ferro e de alumínio (agentes cimentantes), sendo este aspecto determinante para seu comportamento. 3.2.6 O ESTADO DO SOLO ➢ ÍNDICES FÍSICOS O solo é constituido por uma mistura de partículas sólidas, líquidos (geralmente água) e gases, e o seu comportamento dependerá da quantidade relativa de cada uma das três fases (sólido, água e ar). Diversas relações são empregadas para expressar as proporções entre elas. Na Figura 3.3 (a), estão representadas, simplificadamente, as três fases que normalmente ocorrem nos solos. Na Figura 3.3 (b), representa as três fases separadas Osvolumes de cada fase são apresentados à esquerda e os pesos à direita. Figura 3.3 As fases do solo; (a) no estado natural, (b) separadas em volumes, (c) em função do peso das fases Vt=VsVaVar ; Vv=VaVar Vt=VsVv Pt=PsPaPar ; Par≈0 Pt=PsPa 2 Pedologia: ciência do solo que aborda sua morfologia (cor, textura, estrutura, consistência, etc) e é básica para um se estabelecer um sistema de classificação. 3 Solo laterítico: rico em óxidos de ferro, pobre em matéria orgânica que endurece irreversivelmente em contato com o ar. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 24 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Para identificar o estado do solo, empregam-se índices que correlacionam os pesos e os volumes das três fases. Estes índices são os seguintes (vide esquema da Figura 3.3): Umidade (h)– Relação entre o peso da água e o peso dos sólidos. Para sua determinação, pesa-se o solo no seu estado natural, seca-se em estufa a 105°C até constância e peso e pesa-se novamente. Os teores de umidade dependem do tipo de solo e situam-se geralmente entre 10 e 40%, podendo ocorrer valores muito baixos (solos secos) ou muito altos (150% ou mais). h=Pa Ps x100[%] Índice de vazios (e) – Relação entre o volume de vazios e o volume das partículas sólidas. É expresso pela letra e. Não pode ser determinado diretamente, mas é calculado a partir dos outros índices. Costuma se situar entre 0,5 e 1,5, mas argilas orgânicas podem ocorrer com índices de vazios superiores a 3 (volume de vazios, no caso com água, superior a 3 vezes o volume de partículas sólidas). e=Vv Vs Porosidade (n) – Relação entre o volume de vazios e o total. Indica a mesma coisa que o índice de vazios. É expresso pela letra n. Valores geralmente entre 30 e 70%. n=Vv Vt x 100[%] Grau de saturação (S) – Relação entre o volume de água e o volume de vazios. Expresso pela letra S. Não é determinado diretamente, mas calculado. Varia de zero (solo seco) a 100% (solo saturado). S=Va Vv x100[%] Peso (ou massa) específico aparente do solo (γt) – expressa a relação entre o peso total de uma amostra de solo e o seu volume total. Yt= Pt Vt [g/cm3 ou t/m3 ] Peso específico aparente seco (γd) - expressa a relação entre o peso seco de uma amostra de solo e o seu volume total. Yd= Ps Vt [g/cm3 ou t/m3 ] Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 25 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Peso (ou massa) específico dos sólidos (γs) – Constitui a relação entre o peso das partículas sólidas do solo e o seu volume. Também é chamado de peso específico dos grãos. Ys= Ps Vs [g/cm3 ou t/m3 ] Peso específico da água (γa) – Embora varie com a temperatura, para fins de cálculos simplificados, adota-se sempre como igual a 10kN/m³, a não ser em certos procedimentos de laboratório. Densidade (G) – expressa a relação entre o peso específico dos sólidos de um solo e o peso específico da água a temperatura de 4°C. A densidade de um solo é um valor adimensional (sem unidade). Como a relação entre o peso específico de um material e o peso específico da água a 4°C é igual à relação das massas específicas, é comum se estender o conceito de densidade relativa à relação dos pesos e se adotar como peso específico a densidade relativa do material multiplicada pelo peso específico da água. A determinação do valor do peso específico dos sólidos de um solo se faz em laboratório como mostrado na Figura 3.4, que tem como base o princípio de Arquimedes de “empuxo”. Coloca-se um peso seco conhecido do solo (Ps) num picnômetro e completa-se com água, determinando o peso total (Pp+Ps+Pa’). O peso do picnômetro completado só com água (Pp+Pa), mais o peso do solo, menos o peso do picnômetro com solo e água, é o peso da água que foi substituído pelo solo. Figura 3.4 Esquema de determinação do volume do peso específico dos grãos Deste peso, calcula-se o volume de água que foi substituído pelo solo e que será o volume do solo. Vs=[PpPaPs−PpPsPa' ] Ya [cm3 ou m3 ] Com o peso e o volume, tem-se o peso específico. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 26 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 γs= Ya [PpPaPs−PpPsPa'] ⋅Ps [g/cm3 ou t/m3 ] O peso específico dos grãos dos solos varia pouco de solo para solo e, por si, não permite identificar o solo em questão, mas é necessário para cálculos de outros índices. No laboratório, determina-se massas e as normas existentes indicam como se obter massas específicas. Entretanto, na prática da engenharia, é mais conveniente trabalhar com pesos específicos, razão pela qual se optou por apresentar os índices físicos nestes termos. Deve ser notado, por outro lado, que no Sistema Técnico de unidades, que vem sendo paulatinamente substituído pelo Sistema Internacional, as unidades de peso tem denominação semelhante às das unidades de massa no Sistema Internacional. Por exemplo, um decímetro cúbico de água tem uma massa de um quilograma (1kg) e um peso de dez Newtons (10N) no Sistema Internacional e um peso de um quilograma força no Sistema Técnico (1kgf). ➢CÁLCULO DOS ÍNDICES DE ESTADO Dos índices vistos anteriormente, só três são determinados diretamente em laboratório: a umidade (h), o peso específico dos grãos (γs) e o peso específico aparente total (γt). Um é adotado, o peso específico da água. Os outros são calculados a partir dos determinados. Algumas correlações resultam diretamente da definição dos índices: n= e 1e n= Vv Vs 1Vv Vs n= Vv Vs [ VsVv Vs ] n= Vv Vs Vt Vs n=Vv Vs ⋅Vs Vt n=Vv Vt Yt= Ys⋅1h 1e Yt= [Ps Vs ⋅1Pa Ps ] 1 Vv Vs Yt= {Ps Vs ⋅[ PsPa Ps ]} [ VsVv Vs ] Y t= [ PsPa Vs ] [ VsVv Vs ] Yt=[ PsPa Vs ]⋅[ Vs VsVv ] Yt= PsPa VsVv Y t= Pt Vt Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 27 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Yd= Ys 1e Yd= Ps Vs [1 Vv Vs ] Yd= Ps Vs [ VsVv Vs ] Yd= Ps Vs ⋅[ Vs VsVv ] Yd= Ps VsVv Yd= Ps Vt Outras resultam de fáceis deduções. A seqüência natural dos cálculos, a partir de valores determinados em laboratório, ou estimado, é a seguinte: Yd= Yt 1h Yd= Pt Vt 1Pa Ps Yd= Pt Vt [ PsPa Ps ] Yd= Pt Vt ⋅[ Ps PsPa ] Yd= Pt Vt ⋅Ps Pt Yd= Ps Vt e= Ys Yd −1 e=[ Ps Vs Ps Vt ]−1 e=[Ps Vs ⋅ Vt Ps ]−1 e= Vt Vs −1 e=Vt−Vs Vs e=Vv Vs S= Ys⋅h e⋅Ya S= [ Ps Vs ⋅ Pa Ps ] [ Vv⋅Ya Vs ] S= Pa Vs [ Vv⋅Ya Vs ] S=Pa Vs ⋅[ Vs Vv⋅Ya ] S=Pa Ya ⋅ 1 Vv S=Va Vv 3.2.7 CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS POR MEIO DE ENSAIOS Para identificação dos solos a partir das partículas que os constituem, são empregados correntemente dois tipos de ensaios, a análise granulométrica e os índices de consistência. ➢ANALISE GRANULOMÉTRICA Num solo, geralmente convivem partículas de tamanhos diversos. Nem sempre é fácil identificar as partículas porque grãos de areia, por exemplo, podem estar envoltos por uma grande quantidade de partículas argilosas, finíssimas, Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 28 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 apresentando o mesmo aspecto de uma aglomeração formada exclusivamente porestas partículas argilosas. Quando secas, as duas formações são dificilmente diferenciáveis. Quando úmidas, entretanto, a aglomeração de partículas argilosas se transforma em uma pasta fina, enquanto que a partícula arenosa revestida é facilmente reconhecida pelo tato. Portanto, numa tentativa de identificação tátil- visual dos grãos de um solo, é fundamental que ele se encontre bastante úmido. Para o reconhecimento do tamanho dos grãos de um solo, realiza-se a análise granulométrica, que consiste, em geral, de duas fases: peneiramento e sedimentação. O peso do material que passa em cada peneira, referido ao peso seco da amostra, é considerado como a “porcentagem que passa”, e representado graficamente em função da abertura da peneira, esta em escala logarítmica, como se mostra na Figura 3.5. A abertura nominal da peneira é considerada como o “diâmetro” das partículas. Trata-se, evidentemente, de um “diâmetro equivalente”, pois as partículas não são esféricas. 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100% 0,01 0,1 1 10 100 Diâm etro em m ilím etros Po rc en ta ge m q ue p as sa Figura 3.5 Exemplo de curva de distribuição granulométrica do solo A análise por peneiramento tem como limitação a abertura da malha das peneiras, que não pode ser tão pequena quanto o diâmetro de interesse. A menor peneira costumeiramente empregada é a de nº 200, cuja abertura é de 0,075 mm. Existem peneiras mais finas para estudos especiais, mais são pouco resistentes e por isso não são usadas rotineiramente. Mesmo estas, por sinal, têm aberturas muito maiores do que as dimensões das partículas mais finas do solo. Quando há interesse no conhecimento da distribuição granulométrica da porção mais fina dos solos, emprega-se a técnica da sedimentação, que se baseia na Lei de Stokes: a velocidade de queda de partículas esféricas num fluído atinge um valor Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 29 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 limite que depende do peso específico do material da esfera, do peso específico do fluído, da viscosidade do fluído, e do diâmetro da esfera. Conhecida a distribuição granulométrica do solo, como na Figura 3.5, pode-se determinar a porcentagem correspondente a cada uma das frações acima especificadas. A Figura 3.6 apresenta exemplos de curvas granulométricas de alguns solos brasileiros. Figura 3.6 Curvas granulométricas de alguns solos brasileiros Deve-se notar que as mesmas designações usadas para expressar as frações granulométricas de um solo são empregadas para denominar os próprios solos. Diz- se, por exemplo, que um solo é uma argila quando o seu comportamento é o de um solo argiloso, ainda que contenha partículas com diâmetros correspondentes às frações silte e areia. Da mesma forma, uma areia é um solo cujo comportamento é ditado pelos grãos arenosos que ele possui, embora partículas de outras frações possam estar presentes. No caso de argilas, um terceiro sentido pode estar sendo empregado: os “minerais- argila”. Estes minerais se apresentam geralmente em formato de placas e em tamanhos reduzidos, predominantemente, mas não exclusivamente correspondentes à fração argila. São estes minerais que conferem a plasticidade característica aos solos argilosos. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 30 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 ➢ ÍNDICES DE CONSISTÊNCIA (LIMITES DE ATTERBERG) Só a distribuição granulométrica não caracteriza bem o comportamento dos solos sob o ponto de vista da engenharia. A fração fina dos solos tem uma importância muito grande neste comportamento. Quanto menores as partículas, maior a superfície específica (superfície das partículas dividida por seu peso ou por seu volume). Um cubo com 1 cm de aresta tem 6 cm² de área e volume de 1 cm³. Um conjunto de cubos com 0,05 mm (siltes) apresentam 125 cm² por cm³ de volume. Já certos tipos de argilas chegam a apresentar 300 m² de área por cm³ (1 cm³ é suficiente para cobrir uma sala de aula!). O comportamento de partículas com superfícies específicas tão distintas perante a água é muito diferenciado. Por outro lado, as partículas de minerais-argila diferem acentuadamente pela sua estrutura mineralógica. Desta forma, para a mesma porcentagem de fração argila, o solo pode ter comportamento muito diferente, dependendo das características dos minerais presentes. Todos estes fatores interferem no comportamento do solo, mas o estudo dos minerais-argila é muito complexo. À procura de uma forma mais prática de identificar a influência das partículas argilosas, a engenharia a substituiu por uma análise indireta, baseada no comportamento do solo na presença de água. Generalizou-se, para isto, o emprego de ensaios e índices propostos pelo engenheiro químico Attemberg, pesquisador do comportamento dos solos sob o aspecto agronômico, adaptados e padronizados pelo professor de Mecânica dos Solos, Arthur Casagrande. Os limites se baseiam na constatação de que um solo argiloso ocorre com aspectos bem distintos conforme o seu teor de umidade. Quando muito úmido, ele se comporta como um líquido; quando perde parte de sua água, fica plástico; e quando mais seco, torna-se quebradiço. Este fato é bem ilustrado pelo comportamento do mineral transportado e depositado por rio ou córrego que transborda invadindo as ruas da cidade. Logo que o rio retorna ao seu leito, o barro resultante se comporta como um líquido: quando um automóvel passa, o barro é espirrado lateralmente. No dia seguinte, tendo evaporado parte da água, os veículos deixam moldado o desenho de seus pneus no material plástico em que se transformou o barro. Secando um pouco mais, os pneus dos veículos já não penetram no solo depositado, mas sua passagem provoca o desprendimento de pó. Os teores de umidade correspondentes às mudanças de estado, como se mostra na Figura 3.4, são definidos como: Limite de Liquidez (LL) e limite de Plasticidade (LP) dos solos. A diferença entre estes dois limites, que indica a faixa de valores em que o solo se apresenta plástico, é definida como o índice de Plasticidade (IP) do solo. Em condições normais, só são apresentados os valores do LL e do IP como índices de consistência dos solos. O LP só é empregado para a determinação do IP. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 31 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Figura 3.7 Limites de Atterberg dos solos O Limite de Liquidez é definido como o teor de umidade do solo com o qual uma ranhura nele feita requer 25 golpes para se fechar numa concha, como ilustrado na Figura 3.5. Figura 3.8 Esquema do aparelho de Casagrande para determinação do LL Diversas tentativas são realizadas, com o solo em diferentes umidades, anotando-se o número de golpes para fechar a ranhura, obtendo-se o limite pela interpolação dos resultados. O procedimento de ensaio é padronizado no Brasil pela ABNT (Método NBR 6459). O Limite de Plasticidade é definido como o menor teor de umidade com o qual se consegue moldar um cilindro com 3 mm de diâmetro, rolando-se o solo com a palma da mão. O procedimento é padronizado no Brasil pelo Método NBR 7180. Deve ser notado que a passagem de um estado para outro ocorre de forma gradual, com a variação da umidade. A definição dos limites acima descrita é arbitrária. Isto não diminui seu valor, pois os resultados são índices comparativos. A padronização Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 32 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 dos ensaios é que é importante,sendo, de fato, praticamente universal. Na Tabela 3.1, são apresentados resultados típicos de alguns solos brasileiros. Tabela 3.2 Índices de Atterberg de alguns solos brasileiros Solos LL [%] IP [%] Residuais de arenito (arenosos finos) 29 - 44 nov/20 Residual de gnaise 45 - 55 20 - 25 Residual de basalto 45 - 70 20 - 30 Residual de granito 45 - 55 14 - 18 Argilas orgânicas de várzeas quaternárias 70 30 Argilas orgânicas de baixadas litorâneas 120 80 Argila porosa vermelha de São Paulo 65 a 85 25 a 40 Argilas variegadas de São Paulo 40 a 80 15 a 45 Areias argilosas variegadas de São Paulo 20 a 40 5 a 15 Argila duras, cinzas, de São Paulo 64 42 ➢ ÍNDICE DE CONSISTÊNCIA Quando uma argila se encontra remoldada, o seu estado pode ser expresso por seu índice de vazios. Entretanto, como é muito comum que as argilas se encontrem saturadas, e neste caso o índice de vazios depende diretamente da umidade, o estado em que a argila se encontra costuma ser expresso pelo teor de umidade. Até porque a umidade da argila é determinada diretamente e o seu índice de vazios é calculado a partir desta, variando linearmente com ela. Da mesma maneira como o índice de vazios, por si só, não indica a compacidade das areias, o teor de umidade, por si só, não indica o estado das argilas. É necessário analisa-lo em relação aos teores de umidade correspondentes a comportamentos semelhantes. Estes teores são os limites de consistência. Da mesma forma, quando argilas diferentes se apresentam com umidade correspondente aos seus limites de plasticidade (h=30% para a argila A e h=20% para a argila B), elas apresentam comportamentos semelhantes, ainda que suas umidades sejam diferentes. Quando se manuseia uma argila e se avalia sua umidade, o que se percebe não é propriamente o teor de umidade, mas a umidade relativa. No caso do exemplo da Figura 3.9, quando “sentimos” que a argila A está tão úmida quanto a argila B, é possível que a argila A esteja com 60% de umidade e a argila B com 40%. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 33 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Figura 3.9 Comparação de consistências de duas argilas Para indicar a posição relativa da umidade aos limites de mudança de estado, Terzaghi propôs o índice de consistência, com a seguinte expressão: IC= LL−h LL−LP Quando o teor de umidade é igual ao LL, IC=0. À medida que o teor de umidade diminui, o IC aumenta, ficando maior do que 1 quando a umidade fica menor do que o LP. O índice de consistência é especialmente representativo do comportamento de solos sedimentares. Quando estes solos se formam, o teor de umidade é muito elevado e a resistência é muito reduzida. À medida que novas camadas se depositam sobre as primeiras, o peso deste material provoca a expulsão da água dos vazios do solo, com a conseqüente redução do índice de vazios e o ganho de resistência. Da mesma forma, quando uma amostra de argila é seca lentamente, nota-se que ela ganha resistência progressivamente. Tem sido proposto que a consistência das argilas seja estimada por meio do índice de consistência, conforme a Tabela 5.3. Esta tabela apresenta valores aproximados e é aplicável a solos remoldados e saturados. Seu valor é primordialmente didático, no sentido de realçar a dependência da resistência ao teor de umidade e, conseqüentemente, ao adensamento que a argila sofre pela sobrecarga que ela suporta. Tabela 3.3 Estimativa da consistência pelo índice de consistência Consistência Índice de consistência Mole < 0,5 Média 0,5 a 0,75 Rija 0,75 a 1,0 Dura > 1,0 Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 34 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 O índice de consistência não tem significado quando aplicado a solos não saturados, pois eles podem estar com elevado índice de vazios e baixa resistência e sua umidade ser baixa, o que indicaria um índice de consistência alto. ➢ IDENTIFICAÇÃO TÁTIL-VISUAL DOS SOLOS Foi visto como os solos são classificados em função das partículas que os constituem. Em geral, importa conhecer o estado em que o solo se encontra. À classificação inicial, se acrescenta a informação correspondente à compacidade (das areias) ou à consistência (das argilas). Com muita freqüência, seja porque o projeto não justifica economicamente a realização de ensaio de laboratório, seja porque se está em fase preliminar de estudo, em que ensaios de laboratório não são disponíveis, é necessário descrever um solo sem dispor de resultados de ensaios. O tipo de solo e o seu estado têm de ser estimado. Isto é feito por meio de uma identificação tátil-visual, manuseando-se o solo e sentindo sua reação ao manuseio. Cada profissional deve desenvolver sua própria habilidade para identificar os solos. Só a experiência pessoal e o confronto com resultados de laboratório permitirá o desenvolvimento desta habilidade. Algumas indicações, como as que se seguem, podem ajudar. O primeiro aspecto a considerar é a provável quantidade de grossos (areia e pedregulho) existente no solo. Grãos de pedregulho são bem distintos, mas grãos de areia, ainda que visíveis individualmente a olho nu, pois têm diâmetros superiores a cerca de um decímetro de milímetro, podem se encontrar envoltos por partículas mais finas. Neste caso, podem ser confundidos com agregações de partículas argilo- siltosas. Para que se possa sentir nos dedos a existência de grãos de areia, é necessário que o solo seja umedecido, de forma que os torrões de argila se desmanchem. Os grãos de areia, mesmo os menores, podem ser sentidos pelo tato no manuseio. Se a amostra de solo estiver seca, a proporção de finos e grossos pode ser estimada esfregando-se uma pequena porção do solo sobre uma folha de papel. As partículas finas (siltes e argilas) se impregnam no papel, ficando isolada as partículas arenosas. Definido se o solo é uma areia ou um solo fino, resta estimar se os finos apresentam características de siltes ou de argilas. Alguns procedimentos para esta estimativa são descritos a seguir. a) Resistência ao seco – Umedecendo-se uma argila, moldando-se uma pequena pelota ficará muito dura e, quando quebrada, dividir-se-á em pedaços bem distintos. Ao contrario, pelotas semelhantes de siltes são menos resistentes e se pulverizam quando quebradas. Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 35 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 b) “Shaking Test” – Formando-se uma pasta única (saturada) de silte na palma da mão, quando se bate esta mão contra a outra, nota-se o surgimento de água na superfície. Apertando-se o torrão com os dedos polegar e indicador da outra mão, a água reflui para o interior da pasta (é semelhante à aparente secagem da areia da praia, no entorno do pé, quando nela se pisa no trecho saturado bem junto ao mar). No caso de argilas, o impacto das mãos não provoca o aparecimento de água. c) Ductilidade – Tentando moldar um solo com umidade em torno do limite de plasticidade nas próprias mãos, nota-se que as argilas apresentam-se mais resistentes quando nesta umidade do que os siltes. d) Velocidade de secagem – A umidade que se sente de um solo é uma indicação relativa ao LL e LP do solo. Secar um solo na mão do LL até o LP, por exemplo, é tanto mais rápido quanto menor o intervalo entre os dois limites, ou seja, o IP do solo. À informação relativa ao tipo de solo deve-se acrescentar a estimativa de seu estado. A consistência de argilas é mais fácil de ser avaliada pela resistência que uma porção do solo apresenta ao manuseio. A compacidade das areias é de mais difícil avaliação, pois as amostras mudam de compacidade com o manuseio.É necessário que se desenvolva uma maneira indireta de estimar a resistência da areia no seu estado natural. Estes parâmetros geralmente são determinados pela resistência que o solo apresenta ao ser amostrado pelo procedimento padronizado as sondagens. 3.3 COMPRESSIBILIDADE 3.3.1 INTRODUÇÃO Uma das principais causas de recalques é a compressibilidade do solo, ou seja, a redução do seu volume sob a ação das cargas aplicadas; em particular, um caso de grande importância prática é aquele que se refere à compressibilidade de uma camada de solo, saturada e confinada lateralmente. Tal situação condiciona os chamados recalques por adensamento. 3.3.1 ANALOGIA DA MECÂNICA DE TERZAGHI Compreende-se facilmente esse mecanismo de transferência de pressões, utilizando-se a analogia da mecânica de Terzaghi – Figura 3.10, onde as molas representam as partículas sólidas do solo, e os furos capilares nos êmbolos, os seus vazios. É claro que a pressão nas molas (ou seja, nas partículas sólidas) aumenta à medida que a água escapa pelos furos (através dos vazios do solo). Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 36 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 Figura 3.10 Analogia mecânica para o processo de adensamento, segundo Terzaghi Com a expulsão da água intersticial da camada compressível considerada, o volume dos seus vazios vai diminuindo e, conseqüentemente, o seu volume total. Como a camada está confinada lateralmente, a redução do volume se dará pela redução de altura. Esta redução de altura é o que se denomina recalque por adensamento. O objeto de estudo é aquele em que uma camada de argila se encontra limitada, em uma ou duas faces (Figura 3.11 (a) e (b), respectivamente), por uma camada drenante. Nesse caso, que é o comum, e por isso de interesse prático, podemos considerar o processo como essencialmente unidirecional. Figura 3.11 Camada de argila limitada em uma (a) e duas faces (b) por camada drenante Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 37 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 3.3.2 COMPRESSIBILIDADE DOS TERRENOS POUCO PERMEÁVEIS (ARGILA) No caso de camada de argila, e de acordo com o mecanismo anteriormente descrito, a sua variação de altura, que se denominada compressão primária ou adensamento propriamente dito, representa apenas uma fase particular de compressão. Além desta, considera-se ainda a compressão inicial ou imediata – a qual se atribui a uma deformação da estruturada argila ante a aplicação brusca da carga e à compressão instantânea da fase gasosa quando esta existir – e a compressão ou adensamento secundário, o qual se explica como uma compressão das partículas sólidas do solo. Desses três tipos de compressão, apenas o primeiro tem importância especial, dados os seus efeitos sobre as construções. Tanto os efeitos à compressão inicial como os ocasionados pelo adensamento secundário, são em geral negligenciados na prática; os primeiros, em virtude de seu pequeno valor; os outros, por serem muito atenuados pela extrema lentidão com que as deformações ocorrem , muito embora o adensamento secundário seja, às vezes, responsável por uma apreciável fração do recalque total. 3.3.3 COMPRESSIBILIDADE DOS TERRENOS PERMEÁVEIS (AREIA E PEDREGULHO) Em se tratando de terrenos muito permeáveis, com as areias e os pedregulhos, o processo de adensamento não se apresenta como acabamos de expor, pois a pressão efetiva é praticamente igual a pressão aplicada e, conseqüentemente, as deformações se produzem de maneira muito rápida. Tais deformações explicam-se simplesmente como devidas a um reajuste de posição das partículas do solo; daí serem, em muito maior grau que nas argilas, irreversíveis as deformações nos terrenos permeáveis. 3.4 CLASSIFICAÇÃO DOS SOLOS 3.4.1 A IMPORTÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO DOS SOLOS A diversidade e a enorme diferença de comportamento apresentada pelos diversos solos perante as solicitações de interesse da engenharia levou ao seu natural agrupamento em conjuntos distintos, aos quais podem ser atribuídas algumas propriedades. Desta tendência racional de organização da experiência acumulada, surgiram os sistemas de classificação dos solos. Os objetivos da classificação dos solos, sob o ponto de vista de engenharia, é o de poder estimar o provável comportamento do solo ou, pelo menos, o de orientar o programa de investigação necessário para permitir a adequada análise de um problema. É muito discutida a validade dos sistemas de classificação. De um lado, qualquer sistema cria grupos definidos por limites numéricos descontínuos, enquanto solos naturais apresentam características progressivamente variáveis. Pode ocorrer que solos com índices próximos aos limites se classifiquem em grupos distintos, embora Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo 38 Via Permanente (VP) Volume I Capítulo 3 possam ter comportamentos mais semelhantes do que de um mesmo grupo de classificação. A esta objeção, pode-se acrescentar que a classificação de um solo, baseada em parâmetros físicos por ele apresentados, jamais poderá ser uma informação mais completa do que os próprios parâmetros que o levam a ser classificados. Entretanto, a classificação é necessária para a transmissão de conhecimento. Mesmo aqueles que criticam os sistemas de classificação não têm outra maneira sucinta de relatar sua experiência, senão afirmado que, tendo aplicado um tipo de solução, obteve certo resultado, num determinado tipo de solo. Quando um tipo de solo é citado, é necessário que a designação seja entendida por todos, ou seja, é necessário que exista um sistema de classificação. Conforme apontado por Terzaghi, “um sistema de classificação sem índices numéricos para identificar os grupos é totalmente inútil”. Se, por exemplo, a expressão areia bem graduada compacta for empregada para descrever um solo, é importante que o significado de cada termo desta expressão possa ser entendida da mesma maneira por todos e, se possível, ter limites bem definidos. Outra crítica aos sistemas de classificação advém do perigo de que técnicos menos experientes supervalorizem a informação,vindo a adotar parâmetros inadequados para os solos. Este perigo realmente existe e é preciso sempre enfatizar que os sistemas de classificação constituem-se num primeiro passo para a previsão do comportamento dos solos. São tantas as peculiaridades dos diversos solos que um sistema de classificação que permitisse um nível de conhecimento adequado para qualquer projeto teria de levar em conta uma grande quantidade de índices, deixando totalmente de ser aplicação prática. Entretanto, eles ajudam a organizar as idéias e a orientar os estudos e o planejamento das investigações para obtenção dos parâmetros mais importantes para cada projeto. Existem diversas formas de classificar os solos, como pela sua origem, pela sua evolução, pela presença ou não de matéria orgânica, pela estrutura, pelo preenchimento dos vazios. Os sistemas baseados no tipo e no comportamento das partículas que constituem os solos são os mais conhecidos na engenharia de solos. Os sistemas de classificação que se baseiam nas características dos grãos que constituem os solos têm como objetivo a definição de grupos que apresentam comportamentos semelhantes sob os aspectos de interesse da engenharia civil. Nestes sistemas, os índices empregados são geralmente a composição granulométrica e os índices de Attemberg. Estudaremos os dois sistemas mais empregados universalmente, para depois discutir suas vantagens e suas limitações. 3.4.1 CLASSIFICAÇÃO UNIFICADA
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