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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO INSTITUTO QUALITTAS DE PÓS-GRADUAÇÃO CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS HIPOTIROIDISMO PRIMÁRIO CANINO Juliana Lang Valéria Endler Florianópolis, out. 2008. JULIANA LANG VALÉRIA ENDLER Alunas do Curso de Pós-Graduação de Clínica Médica de Pequenos Animais HIPOTIROIDISMO PRIMÁRIO CANINO Trabalho monográfico de conclusão do Curso de Pós-Graduação em Clínica Médica de Pequenos Animais, apresentado à UCB como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais, sob orientação da Profa Aline Vieira. Florianópolis, out. 2008. RESUMO O hipotiroidismo canino é a doença endócrina mais comum em cães e ocorre mais freqüentemente em animais de meia-idade e de raças puras. Suas principais causas são tiroidite linfocítica e degeneração idiopática da tireóide, ambas ocorrendo em igual proporção. Os principais sintomas clínicos resultam da diminuição do metabolismo celular, seus efeitos sobre a atividade e o estado mental do cão, e alterações dermatológicas. Os principais métodos diagnósticos são os testes de função da glândula tireóide que incluem: concentração sérica de tiroxina total e livre, concentração sérica de triiodotironina total, diálise direta, concentração sérica de tireotropina, testes auto-imunes da tireóide (anticorpos antitiroglobulina, anticorpos antitriiodotironina e antitiroxina) e teste de estimulação de tireotropina. No diagnóstico por imagem a ultra-sonografia é o método mais indicado. Outra forma importante de diagnóstico é o diagnóstico terapêutico. O tratamento do hipotiroidismo é feito com a levotiroxina e manejo dietético dos pacientes obesos. SUMÁRIO Página 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 1 2. HIPOTIROIDISMO PRIMÁRIO CANINO........................................................ 3 2.1 ETIOLOGIA...................................................................................................... 3 2.1.1 Tireoidite linfocítica.............................................................................. 3 2.1.2 Degeneração idiopática da tireóide....................................................... 3 2.2 EPIDEMIOLOGIA.......................................................................................... .4 2.3 SINTOMAS CLÍNICOS...................................................................................4 2.3.1 Diminuição do metabolismo.................................................................. 5 2.3.2 Sintomas dermatológicos....................................................................... 6 2.3.3 Anormalidades reprodutivas................................................................ 7 2.3.4 Anormalidades neurológicas................................................................. 8 2.3.5 Anormalidades cardiovasculares......................................................... 9 2.3.6 Anormalidades oftálmicas.................................................................... 9 2.4 DIAGNÓSTICO............................................................................................... 10 2.4.1 Hemograma........................................................................................... 10 2.4.2 Perfil bioquímico................................................................................... 10 2.4.3 Teste de função da glândula tireóide.................................................. 10 2.4.3.1 Concentração sérica de tiroxina total............................................... 11 2.4.3.2 Concentração sérica de triiodotironina total..................................... 11 2.4.3.3 Concentração sérica de tiroxina livre................................................ 12 2.4.3.4 Diálise direta...................................................................................... 12 2.4.3.5 Concentração sérica de tirotropina.................................................... 12 2.4.3.6 Testes autoimunes da tireóide........................................................... 13 2.4.3.6.1 Anticorpos antitiroglobulinas................................................ 13 2.4.3.6.2 Anticorpos antitriiodotironina e antitiroxina......................... 13 2.4.3.7 Teste de estimulação de tirotropina................................................... 14 2.4.4 Imagem................................................................................................... 14 2.4.5 Diagnóstico terapêutico......................................................................... 15 2.5 TRATAMENTO............................................................................................... 15 2.6 PROGNÓSTICO............................................................................................... 16 3. CONCLUSÃO................................................................................................... 17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 18 3. INTRODUÇÃO Na maioria dos mamíferos, a glândula tireóide está localizada caudalmente à traquéia ao nível do primeiro ou segundo anel traqueal; é composta de dois lobos situados cada um em um lado da traquéia e conectados por uma estreita porção do tecido denominada istmo (CUNNINGHAM, 2004). As glândulas não podem ser palpadas em cães saudáveis (DUNN, 2001). A tireóide é considerada a glândula endócrina mais importante para a regulação metabólica. A ingestão adequada de iodo é o pré-requisito para a síntese dos hormônios tireoidianos por parte da glândula tireóide. O iodo entra no organismo e, no intestino, é transformado em iodeto. O iodeto é capturado pelas células foliculares que o envia para dentro da tireóide por transporte ativo. O iodeto une-se, unitariamente ou duplamente, a tirosina quando passa através da parede apical da célula, formando as monoiodotirosinas e diiodotirosinas. A união de duas moléculas de diiodotirosina dá origem a tetraiodotironina (T4) e a união de uma molécula de monoiodotirosina com uma de diiodotirosina, dá origem a triiodotironina (T3), que são os principais hormônios tireoidianos. A síntese e a secreção de T3 e T4 são controladas pelo hormônio estimulante da tireóide (TSH), uma glicoproteína secretada pelas células tireotróficas da hipófise anterior. A secreção de TSH é estimulada pelo hormônio liberador de tireotrofinas (TRH), um tri peptídeo hipotalâmico. Um sistema clássico de retroalimentação negativa atua na manutenção das concentrações plasmáticas de T3 e T4, dentro de limites próximos (DUNN, 2001; CUNNINGHAM, 2004). Os hormônios tireoidianos afetam muitos processos metabólicos, influenciando a concentração e atividade de numerosas enzimas; o metabolismo de substratos, vitaminas e minerais; a secreção e degradação de outros hormônios e a resposta dos seus tecidos a eles. Os hormônios tireoidianos são fundamentais no desenvolvimento fetal, particularmente nos sistemas nervoso e esquelético. Esses hormônios estimulam a calorigênese, síntese de proteínas e enzimas, e também todos os aspectos do metabolismo de carboidratos e lipídeos, incluindo síntese, mobilização e degradação. Também possuem influência nos efeitos cronotrópicos e inotrópicos do coração; estimulam a eritropoiese; estimulam a renovação óssea, aumentando a formação e reabsorção do osso. Resumindo, nenhum tecido ou sistema orgânico escapa de efeitos adversos do excesso ou insuficiência desses hormônios (FELDMAN & NELSON,2004). 2. HIPOTIROIDISMO PRIMÁRIO CANINO 2.1 ETIOLOGIA Quase todas as causas naturais de ocorrência do hipotireoidismo em cães adultos são atribuídas à destruição irreversível da glândula tireóide. Histologicamente, o hipotireoidismo primário é dividido em duas principais categorias: tireoidite linfocítica e degeneração idiopática da tireóide (atrofia folicular idiopática). A proporção de ocorrência entre essas duas doenças é de aproximadamente 1:1 (GRAHAM, REFSAL, & NACHREINER, 2007). 2.1.1 Tireoidite linfocítica A tireoidite linfocítica, também referida como tireoidite auto-imune, é caracterizada por uma infiltração de linfócitos na glândula tireóide com progressiva destruição dos folículos tireoidianos e fibrose secundária. A destruição progressiva da glândula leva três a quatro anos para se tornar completa. Acredita-se que os sinais clínicos do hipotireoidismo são notados quando mais de 75% da glândula é destruída, demonstrando que a maior parte do período de destruição não está associada a nenhum sinal clínico (FELDMAN & NELSON, 2004). 2.1.2 Degeneração idiopática da tireóide A degeneração idiopática da tireóide é caracterizada pela perda de parênquima tireoidiano, o qual é substituído por tecido adiposo ou fibroso. Sua causa ainda não está bem definida e é provável que esta categoria represente uma coleção de condições patológicas primárias, mas existem evidências que pelo menos uma parte desses casos represente uma forma de estágio final da tireoidite linfocítica (GRAHAM, NACHREINER, & REFASAL, 2001). 2.2 EPIDEMIOLOGIA A prevalência do hipotireoidismo canino relatada nos mais recentes estudos é de 0,2% a 0,8% (DIXON, REID, & MOONEY, 1999; PANCIERA, 1994). O hipotireoidismo canino ocorre tipicamente em animais de meia-idade e de raça pura (PANCIEIRA & CARR, 2007). A idade média para diagnóstico são sete anos, com variação de 0,5 a 15 anos. Machos e fêmeas castrados são descritos como animais de maior risco de desenvolver a doença segundo um estudo (PANCIERA, 1994), entretanto, em um mais recente estudo no Reino Unido, não existe relação com raça, sexo ou esterilização. Golden Retrievers, Doberman Pinschers e cães de raças misturadas têm maior risco segundo um estudo dos Estados Unidos. No estudo do Reino Unido não foi identificada predisposição racial quando animais doentes são comparados a população geral do hospital (DIXON, REID, & MOONEY, 1999). 2.3 SINTOMAS CLÍNICOS Os sintomas clínicos são bem variáveis, em parte dependendo da idade do cão. Em adultos, os sintomas mais consistentes resultam de diminuição do metabolismo celular, seus efeitos sobre a atividade e o estado mental do cão e alterações dermatológicas (NELSON & COUTO, 2001; SCOTT-MONCRIEFF, 2007). A maioria dos cães apresenta demência, letargia, intolerância e relutância a exercícios e propensão a ganho de peso sem aumento do apetite ou consumo de alimento. Esses sintomas normalmente se instalam de forma gradual e sutil, não sendo observados pelo proprietário até que seja instituída a suplementação do hormônio (NELSON & COUTO, 2001). Menos comum, mas tão bem documentadas estão as manifestações de anormalidades neurológicas, efeitos no sistema cardiovascular e efeitos no sistema reprodutivo de fêmeas. Manifestações clínicas atribuídas ao hipotireoidismo incluem: mudanças de comportamento, infertilidade dos machos, distúrbios oculares, coagulopatias e disfunção gastrointestinal (SCOTT-MONCRIEFF, 2007). 2.3.1 Diminuição do metabolismo Os hormônios tireóideos aumentam o metabolismo e o consumo de oxigênio da maioria dos tecidos, portanto, a deficiência desses hormônios resulta em sinais de diminuição do metabolismo (GRECO et al, 1998). Esses sinais incluem alguns graus de debilidade mental, letargia, intolerância e/ou resistência ao exercício, maior propensão a ganho de peso sem aumento do apetite ou da ingestão de alimento e intolerância ao frio (DIXON, REID, & MOONEY, 1999; PANCIERA, 1994). Os sintomas metabólicos são talvez os mais difíceis de identificar pelo proprietário, em parte porque são graduais e sutis. A severidade desses sintomas também está diretamente relacionada com a duração do hipotireoidismo, podendo não estar evidentes na história e serem difíceis de reconhecer durante o exame físico, especialmente se esses animais estão sendo examinados pela primeira vez (FELDMAN & NELSON, 2004). A maioria dos hipotireoideos tem aumento da atividade e tornam-se mais interativos com os membros da família depois de 7 a 10 dias de suplementação hormonal (FELDMAN & NELSON, 2004). 2.3.2 Sintomas dermatológicos Os hormônios da tireóide são extremamente importantes para a manutenção das funções normais da pele, e as anormalidades dermatológicas são relatadas em 60 a 80% dos cães hipotireoideos (DIXON, REID, & MOONEY, 1999; PANCIERA, 1994). Sinais de diminuição do metabolismo em conjunto com anormalidades dermatológicas devem aumentar a suspeita de hipotireoidismo. Os hormônios da tireóide são necessários para o início da fase anágena do crescimento de pêlos; portanto, cães com hipotiroidismo podem apresentar alopecia e falha na repilação após arrancamento (DIXON, REID, & MOONEY, 1999). A lesão cutânea clássica inclui alopecia com simetria bilateral, não pruriginosa, ocorrendo normalmente na região lateral do tronco, ventral do tórax e cauda. O pêlo pode estar quebradiço e ser retirado com facilidade, sua cor pode estar desbotada e com perda de subpêlos, ou ainda, parecido com pelagem de filhotes (FELDMAN & NELSON, 2004; CREDILLE et al, 2001). Outros achados comuns incluem pele seca, seborréia (seca ou oleosa) e piodermite superficial. Hiperqueratose, hiperpigmentação, formação de comedões, otite ceruminosa, dificuldade de cicatrização de ferimentos e aumento de contusões também são relatados. Essas mudanças podem estar relacionadas com a diminuição da síntese protéica, atividade mitótica e oxigenação da pele, que resulta na atrofia epidermal e das glândulas sebáceas e anormalidades de queratinização (CAMPBELL & DAVIS, 1990). O mixedema é uma manifestação dermatológica rara caracterizada por aumento na espessura da pele especialmente nas pálpebras, bochechas e testa. É causada por uma deposição de ácido hialurônico na derme que acontece devido à deficiência de hormônio que leva a uma diminuição do catabolismo de glicosaminoglicanos (DOLIGER et al, 1995). O ácido hialurônico é higroscópico e por isso torna a derme edematosa (MILLER & BUERGER, 1990). Mixedema coma é raro e severo no hipotireoideo crônico. Em humanos, é associado com uma mortalidade de 15 a 50%. É caracterizado por letargia, progressivo estupor e coma, falha respiratória e hipotermia. Pode ser precipitado por terapia medicamentosa incluindo diuréticos, prolongada exposição ao frio e infecção. Os cães afetados apresentam bradicardia, hipoventilação, depressão mental, espessamento da pele e hipotermia severa sem calafrio (GAVIN, 1991; WARTOFSKY, 2000). 2.3.3 Anormalidades reprodutivas Raramente anormalidades reprodutivas se apresentam como manifestações clínicas iniciais ou únicas da disfunção tireóidea. Os hormônios tireóideos são necessários para secreção de FSH e LH (FELDMAN & NELSON, 2004). As alterações atribuídas às fêmeas com hipotireoidismo incluem intervalo prolongado de estro, cio silencioso, falha no ciclo, aborto espontâneo, ninhada pequena ou com baixo peso, inércia urinária e filhotes fracos ou natimortos. Galactorréia inadequada foi relatada em cadelas hipotireóideas sexualmente intactas (DIXON, REID, &MOONEY, 1999; PANCIERA, 1994). Segundo o estudo realizado por PANCIERA et al, o hipotireoidismo de curta duração não interfere no intervalo de estro, na concepção, no tamanho da ninhada ou na duração da gestação em cadelas. Entretanto, o parto é prolongado, os filhotes são menores e frágeis ao nascimento. Os problemas reprodutivos em machos incluem baixa libido, atrofia testicular, hipospermia e azoospermia; entretanto, um estudo prospectivo com seis beagles machos com hipotireoidismo induzido não mostrou diminuição da libido ou qualidade de espermatozóides num período de dois anos (JOHNSON et al, 1999). Diminuição testicular, subfertilidade ou esterilidade foram relatadas em uma colônia de beagles com tireoidite e orquite (FRITZ et al, 1976). 2.3.4 Anormalidades neurológicas A manifestação neurológica mais comum apresenta-se no sistema nervoso periférico, mas o sistema nervoso central também pode ser afetado. A causa da disfunção neurológica no hipotireoidismo ainda não é bem conhecida. A deficiência de ATP dificulta a atividade da bomba sódio/potássio causando atraso no transporte axonal e disfunção do nervo periférico. Os sinais de sistema nervoso central podem ocorrer devido à arteriosclerose vascular, mudanças no metabolismo neuronal, e anormalidades na excitabilidade neuronal atribuída a neurotransmissão. Também pode existir uma falha local no transporte do hormônio tireóideo no cérebro (HIGGINS, ROSSMEISL, & PANCIERA, 2006) A neuropatia periférica é a manifestação mais bem documentada no hipotireoidismo (INDRIERI et al, 1987; JAGGY et al, 1994). Cães idosos de raças grandes e gigantes são mais comumente afetados apresentando intolerância ao exercício, fraqueza generalizada, ataxia e tetraparesia ou paralisia. Anorexia e angústia respiratória também são relatadas em cães e os sinais dermatológicos e metabólicos mais clássicos podem estar ausentes. A duração dos sintomas clínicos é de 2 a 8 semanas com progressão lenta que vai de leve déficit na deambulação a paraparesia ou tetraparesia observada na maioria dos cães. Menos comumente, o início dos sintomas pode ocorrer mais rápido. O exame neurológico tipicamente revela depressão, fraqueza generalizada, déficit de propriocepção em membros pélvicos (100%) e torácicos (63%), diminuição de reflexos de membros pélvicos (90%) e torácicos (45%) (JAGGY et al, 1994). 2.3.5 Anormalidades cardiovasculares Sinais clínicos relacionados com alterações no sistema cardiovascular não são comuns. Anormalidades identificadas no exame físico podem incluir bradicardia, batimentos fracos e, raramente, arritmias associadas com cardiomiopatias (FELDMAN & NELSON, 2004). As anormalidades no eletrocardiograma incluem bradicardia sinusal, baixa voltagem QRS e inversão de ondas T (PANCIERA, 2001). 2.3.6 Anormalidades oftálmicas Alterações oculares reportadas em cães com hipotireoidismo incluem lipidose corneal, ulceração corneal, uveíte, efusão lipídica no humor aquoso, glaucoma secundário, lipemia retiniana e destacamento retiniano (KERN & RIIS, 1980; CRISPIN & BARNETT, 1978). Essas alterações acontecem devido à hiperlipidemia e parecem ser raras em cães hipotireóideos (MILLER & PANCIERA, 1994). Ceratoconjuntivite seca tem sido relatada associada ao hipotireoidismo, porém, atualmente não existem evidências que sustentem essa associação (PANCIERA, 2001). 2.4 DIAGNÓSTICO 2.4.1 Hemograma A alteração mais comum é uma anemia não-regenerativa normocítica, normocrômica. A contagem total de glóbulos vermelhos e hemoglobina encontra-se diminuída (FELDMAN & NELSON, 2004). 2.4.2 Perfil bioquímico Uma ligeira hipercolesterolemia ocorre em 75% dos casos, enquanto a hipertrigliceridemia ocorre em 88% (DIXON, REID, & MOONEY, 1999; PANCIERA, 1994). As anormalidades menos comuns incluem um leve aumento na fosfatase alcalina, alanino aminotransferase e na creatina quinase (REUSCH, GERBER, & BORETTI, 2002). 2.4.3 Teste de função da glândula tireóide Toda concentração sérica de T4, tanto ligada à proteína quanto livre, é formada na glândula tireóide. Portanto, T4 é o melhor hormônio para avaliar a função da glândula. Em contrapartida, a maioria de T3 e T3 reverso (rT3) é formado pela deiodinação de T4 em sítios extra tireóideos, mais notadamente no fígado, rins e músculos. A concentração de T3 é um pobre indicador da função tireóidea em cães porque, sua quantidade secretada pela glândula tiróide é menor em comparação com T4 (FELDMAN & NELSON, 2004). Infelizmente, a concentração basal desses hormônios é afetada por vários outros fatores, alterando a acurácia das mensurações no diagnóstico (FELDMAN & NELSON, 2004). 2.4.3.1 Concentração sérica de tiroxina total A determinação da concentração de T4 total no soro por radioimunoensaio descarta o hipotiroidismo se o valor estiver normal ou elevado (LURYE, BEHREND, & KEMPPAINEN, 2002). Os valores normais de T4 variam de acordo com o laboratório devido aos diferentes kits comerciais utilizados. Para a maioria dos laboratórios a concentração de T4 sérica em cães saudáveis fica entre 1,5 a 3,5 µg/dl (FELDMAN & NELSON, 2004). Algumas drogas (sulfonamidas, fenobarbital, glicocorticóides) e doenças não tireóideas diminuirão os valores séricos de T4 (PANCIEIRA & CARR, 2007). 2.4.3.2 Concentração sérica de triiodotironina total O T3 é o mais potente hormônio tireóideo produzido a nível celular, entretanto, em cães, uma grande proporção (40 a 50%) não é produzida diretamente pela glândula tireóide além de não ser o hormônio tireóideo predominante na circulação (PETERSON, MELIAN, & NICHOLS, 1997; DIXON & MOONEY, 1999). A sensibilidade e acurácia da mensuração de T3 total são baixas. Desta forma os imunoensaios solicitados para medir T3 livre têm pouco valor diagnóstico (HILL et al, 2001). 2.4.3.3 Concentração sérica de tiroxina livre A concentração sérica de T4 livre mede o T4 metabolicamente ativo e não deve ser influenciado pelos efeitos da conjugação sérica. No entanto, a medição de T4 sérico livre pela maioria dos ensaios ainda não provou ser mais confiável que a concentração de T4 total no diagnóstico do hipotireoidismo (DUNN, 2001). 2.4.3.4 Diálise de Equilíbrio A diálise de equilíbrio é o melhor procedimento para medir T4 livre (FERGUSON, 1995). Esse teste é mais lento e é mais caro para aquisição e uso, que imunoensaios análogos para T4 livre. Apesar da ampla variedade de condições médicas, incluindo a presença de drogas e a presença de anticorpos anti-T4, o teste da diálise direta mostrou uma acurácia diagnóstica de 95%, com especificidade de 93%, representando os mais altos valores associados com qualquer teste de função da tireóide isolado (DIXON & MOONEY, 1999; PETERSON, MELIAN, & NICHOLS, 1997). 2.4.3.5 Concentração sérica de tirotropina Vários estudos têm levantado questões sobre a sensibilidade da mensuração de TSH porque aproximadamente um quarto dos cães hipotireoideos tem valores normais do mesmo. O imunoensaio de quimioluscência mostra a melhor precisão e certamente a melhor sensibilidade (PETERSON, MELIAN, & NICHOLS, 1997; DIXON & MOONEY, 1999; RAMSEY & EVANS, 1997; REESE, 2005). O uso da concentração de TSH sozinho não é interessante nos cães com hipotireoidismo primário como é para pacientes humanos (PETERSON, MELIAN, & NICHOLS, 1997; DIXON & MOONEY, 1999; HOENIG & FERGUSON, 1997). 2.4.3.6 Testes autoimunes da tireóide 2.4.3.6.1 Anticorpos antitireoglobulinas Recentemente, anticorpos contra outra proteína (peroxidase tireoideana) também têm sido identificada em cães com tireoidite linfocítica (SKOPEK, PATZL, & NACHREINER,2006). Apesar da associação com a tiroidite linfocítica, cães com apenas tireoglobulina autoanticorpo positiva e T4, T4 livre e TSH normais devem ser monitorados com mais freqüência (uma vez a cada seis meses) ao invés de serem considerados candidatos ao tratamento (SKOPEK, PATZL, & NACHREINER, 2006). 2.4.3.6.2 Anticorpos antitriiodotironina e antitiroxina Auto-anticorpos direcionados ao hormônio tireóideo ocorrem ocasionalmente em cães com tireoidite linfocítica. A importância do auto-anticorpo do hormônio tireóideo reside na habilidade de interferir com a mensuração da T4 e/ou T3 sérico dependendo do método de dosagem utilizado. Normalmente uma falsa elevação do T4 e T3 é encontrada quando este é dosado pelo método de Radioimunoensaio. O T4 livre por diálise deve ser utilizado para avaliar a função tireóidea na presença de auto-anticorpos de T4. Tais auto-anticorpos também atuam como marcadores de tireoidite auto-imune (PANCIEIRA & CARR, 2007). 2.4.3.7 Teste de estimulação pela tireotropina Este teste dinâmico tem a vantagem de diferenciar melhor cães com hipotiroidismo de cães que estão recebendo certas medicações ou sofrendo de uma doença sistêmica não tiroideana. Este teste era realizado antigamente com TSH bovino (bTSH). Em animais com função normal da tireóide é verificada uma elevação na concentração de T4 total após injeção intravenosa de bTSH. Entretanto, o bTSH não está mais comercialmente disponível. Reações alérgicas a droga, formação de anticorpos neutralizantes depois de repetidas administrações e a emergente encefalopatia espongiforme limitaram seu uso na medicina humana (DAMINET, 2007). A estimulação de TSH usando TSH humano (rhTSH) é segura porém apresenta custo elevado (DAMINET, 2007; PANCIEIRA & CARR, 2007). A estimulação com rhTSH em cães é interessante em casos de suspeita de hipotiroidismo onde os testes convencionais não são elucidativos (DAMINET, 2007) 2.4.4 Imagem A radiografia cervical não é eficiente para determinar o status da glândula tireóide. Se o hipotireoidismo evoluir para destruição da glândula por um tumor invasivo, entretanto, uma radiografia torácica deve ser feita para avaliar possíveis metástases (FELDMAN & NELSON, 2004). A ultra-sonografia é válida na avaliação das glândulas tireóide e paratireóide nos pacientes caninos. A localização superficial da tireóide permite que equipamentos modernos e de alta freqüência dêem imagens de alta resolução. Segundo estudo de Taeymans (2007), os lobos da tireóide dos cães doentes ficam ultrassonograficamente menores, hipoecóicos, heterogêneos, disforme ou mal-delineado, em 94% dos cães. Uma melhora nas características ultra-sonográficas é percebida após o tratamento. O diagnóstico ultra-sonográfico é relativamente fácil de executar, geralmente não necessita de sedação do paciente, dá um resultado mais rápido quando comparado aos testes bioquímicos de sangue, e tem demonstrado ser um teste sensível no diagnóstico do hipotireoidismo canino. A ultrassonografia pode ser utilizada, portanto, como um teste adicional efetivo para o diagnóstico desta doença (TAEYMANS et al, 2007). 2.4.5 Diagnóstico terapêutico Em alguns casos, os testes diagnósticos são equivocados, e pode-se proceder com uma prova terapêutica com levotiroxina (L-T4). A prova terapêutica deve ser considerada somente quando existem sinais clínicos. A evidência mais forte da doença é obtida pela observação da resposta ao tratamento com L-T4 e recaída quando o mesmo é retirado (FERGUSON et al, 2003). 2.5 TRATAMENTO Na maioria dos casos, o tratamento deve ser feito com a levotiroxina (0,02 mg/kg administrada oralmente duas vezes ao dia como dose inicial e, 0,02 a 0,04 mg/kg uma vez ao dia ou, se necessário, duas vezes ao dia, para manutenção). Deve-se avaliar o sucesso terapêutico primeiramente a nível clínico e, se necessário, mensurar T4 depois de alcançar uma concentração estável (geralmente após uma semana de tratamento) (FERGUSON & HOENIG, 1997). Recomenda-se que o manejo dietético seja limitado a restrição calórica para aqueles cães acima do peso (MASKELL & GRAHAM, 1994). O hipotireoidismo iatrogênico é raro em cães exceto em cães de raças grandes nos quais a dosagem é baseada no peso corporal. O protocolo de dose de 0,5mg/m2 de superfície corporal geralmente permite uma dose maior para cães menores e dose menor para cães maiores (FERGUSON & HOENIG, 1997). 2.6 PROGNÓSTICO O prognóstico para cães hipotireoideos depende da causa subjacente. A expectativa de vida de um cão adulto com hipotireoidismo primário que está recebendo tratamento adequado deve ser normal. A maioria dos sintomas, se não todos, vai desaparecer com a suplementação hormonal (NELSON & COUTO, 2001). 4. CONCLUSÃO O hipotireoidismo é uma doença muito comum em cães, caracterizada pela diminuição do metabolismo causando, portanto letargia, intolerância ao exercício, demência, propensão a ganho de peso e outras manifestações menos comuns. Existem vários métodos diagnósticos, na rotina, os mais utilizados são concentração sérica de tiroxina total, tiroxina livre por método de diálise de equilíbrio e concentração sérica de tireotropina. O teste de estimulação pela tireotropina é seguro, porém de custo elevado podendo ser utilizado onde os testes convencionais não foram elucidativos. A ultra-sonografia anteriormente era somente utilizada em cães com suspeita de massas neoplásicas na tireóide e principalmente para guiar biópsias. Hoje, com a modernização dos transdutores e pela localização superficial da tireóide, a ultra-sonografia passou a ser um método importante no diagnóstico do hipotiroidismo por ser um método fácil de executar e, na maioria dos casos, não necessitar de sedação. O tratamento de eleição para o hipotiroidismo é a levotiroxina sódica, que deve ser utilizada por toda vida do animal. Os cães tratados adequadamente terão uma expectativa de vida normal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATKINSON, K.; AUBERT, I. Myxedema coma leading to respiratory depression in a dog. Can Vet J , v. 45, p. 318-320, abr. 2004. CAMPBELL, K. L.; DAVIS, C. A. 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