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Lógica Básicca

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DR
AF
T
LO´GICA DEDUTIVA
Anderson Beraldo-de-Arau´jo
Universidade Federal do ABC (UFABC)
Centro de Cieˆncias Naturais e Humanas (CCNH)
Sa˜o Bernardo do Campo, SP, Brasil
anderson.araujo@ufabc.edu.br
Setembro de 2017
Contents
1 Argumentos 3
1.1 Lo´gica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Tipos de argumentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Forma lo´gica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.4 Sistemas lo´gicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.5 Exercı´cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2 Argumentos relacionais 23
2.1 Assinaturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.2 Estruturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.3 Expresso˜es relacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.4 Verdades relacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2.5 Consequeˆncia sinta´tica relacional . . . . . . . . . . . . . . . . 44
2.6 Consequeˆncia semaˆntica relacional . . . . . . . . . . . . . . . 50
2.7 Correc¸a˜o e completude relacional . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.8 Exercı´cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
3 Argumentos proposicionais 70
3.1 Expresso˜es proposicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
3.2 Verdades proposicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
3.3 Consequeˆncia sinta´tica proposicional . . . . . . . . . . . . . . 84
3.4 Consequeˆncia semaˆntica proposicional . . . . . . . . . . . . . 97
3.5 Correc¸a˜o e completude proposicional . . . . . . . . . . . . . 101
3.6 Exercı´cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106
4 Argumentos quantificacionais 112
4.1 Expresso˜es quantificacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
4.2 Verdades quantificacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
1
4.3 Consequeˆncia sinta´tica quantificacional . . . . . . . . . . . . 126
4.4 Consequeˆncia semaˆntica quantificacional . . . . . . . . . . . 133
4.5 Correc¸a˜o e completude quantificacional . . . . . . . . . . . . 139
4.6 Exercı´cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144
2
Chapter 1
Argumentos
1.1 Lo´gica
De acordo com Aristo´teles, o ser humano caracteriza-se por sua capacidade
de ser racional, de expressar um logos (em grego λo′γoς). A lo´gica estuda
os fundamentos do logos, ou seja, ela e´ a teoria geral da racionalidade. A
lo´gica surgiu com o nascimento da filosofia e da matema´tica grega, tendo,
destarte, mais de dois mil anos de histo´ria.
Existem pelo menos treˆs fatos nota´veis acerca da lo´gica. Primeiro,
pessoas com nenhuma pra´tica formal em lo´gica sa˜o capazes de efetuar
raciocı´nios, os quais se constituem em determinados processos fisiolo´gicos
que ocorrem no sistema nervoso humano. Segundo, a habilidade de
raciocinar varia muito de pessoa para pessoa, sendo um dos principais
paraˆmetros de selec¸a˜o social. Terceiro, as caracterı´sticas empı´ricas e ab-
stratas dos raciocı´nios sa˜o complexas e, em muitos casos, elas na˜o coin-
cidem - existem caracterı´sticas empı´ricas que na˜o correspondem a`s carac-
terı´sticas abstratas, e vice-versa.
Um argumento e´ o que resulta de um raciocı´nio. Em geral, os argu-
mentos sa˜o expressos em uma linguagem escrita ou falada e, por isso, eles
apresentam uma estruturac¸a˜o abstrata que, de certo modo, corresponde
aos raciocı´nios que geraram os argumentos. A lo´gica, enquanto disciplina
filoso´fico-matema´tica, limita-se ao estudo da racionalidade expressa nos
argumentos, i.e., ela investiga a estruturac¸a˜o abstrata da racionalidade.
Este texto e´ uma apresentac¸a˜o dos conteu´dos elementares da lo´gica
enquanto disciplina filoso´fico-matema´tica. Voceˆ na˜o aprendera´ as car-
3
acterı´sticas gerais da argumentac¸a˜o - as virtudes e os vı´cios argumenta-
tivos - da qual se ocupa a reto´rica, nem tampouco estudara´ os proces-
sos fisiolo´gicos envolvidos nos raciocı´nios, assunto de disciplinas da neu-
rocieˆncia. Voceˆ tambe´m na˜o estudara´ as te´cnicas desenvolvidas atrave´s da
lo´gica que sa˜o tema das mais variadas engenharias e cieˆncias tecnolo´gicas.
Voceˆ aprendera´ os aspectos filoso´ficos e matema´ticos da racionalidade que
fundamentam tudo isso. Ao final do curso, o estudante devera´ ser capaz
de perceber a relevaˆncia teo´rica per se da lo´gica, bem como suas inu´meras
aplicac¸o˜es e consequeˆncias pra´ticas.
1.2 Tipos de argumentos
Em princı´pio, argumentos surgem em contextos comunicativos. No mo-
mento em que precisamos justificar algo, apresentamos argumentos. Esse
aˆmbito das pra´ticas argumentativas humanas e´ chamado pragma´tica argu-
mentativa. A fim de desenvolvermos uma teoria para pragma´ticas argu-
mentativas, usamos designadores.
Definic¸a˜o 1.2.1. Um designador e´ uma letra usada para representar, de forma
gene´rica, certos tipos de expresso˜es, ou conjuntos de expresso˜es, de uma linguagem.
As expresso˜es formadas com designadores sa˜o chamadas esquemas.
Neste texto, as letras gregas minu´sculas e maiu´sculas sera˜o usadas
como designadores.
Exemplo 1.2.1. Suponha que usamos σ como designador de palavras usadas como
sujeitos de enunciados da lı´ngua portuguesa e δ como designador de expresso˜es
relacionais. Considere os seguintes enunciados:
1. Ada˜o foi criado do barro.
2. Eva foi criada de uma costela.
Esses enunciados, apesar de serem diferentes, tem o mesmo esquema, a saber:
“σ foi δ”. De fato, o sujeito do enunciado “Ada˜o foi criado do barro” e´ Ada˜o, ao
passo que o sujeito do enunciado “Eva foi criada de uma costela” e´ Eva, mas, como
σ representa sujeitos em geral, inferimos que esses enunciados tem os esquemas
“σ foi criado do barro” e “σ foi criada de uma costela”. As expresso˜es “criado do
barro” e “criada de uma costela” sa˜o, por sua vez, relacionais, ou seja, elas dizem
4
algo sobre o sujeito. Portanto, em virtude de estarmos usando δ como designador
de expresso˜es relacionais, concluı´mos que os esquemas “σ foi criado do barro” e
“σ foi criada de uma costela” tem, em realidade, um esquema comum “σ foi δ”.
Isso mostra que os enunciados “Ada˜o foi criado do barro” e “Eva foi criada de uma
costela” tem o mesmo esquema: “σ foi δ”.
No exemplo acima poderı´amos ter usado a letra φ como designador
de enunciados. Nesse caso, φ representaria tanto o enunciado “Ada˜o foi
criado do barro” quanto o enunciado “Eva foi criada de uma costela”.
Esse seria um dispositivo pouco informativo, mas relevante para repre-
sentarmos genericamente argumentos de uma pragma´tica argumentativa.
Usaremos designadores desse tipo com frequeˆncia.
Definic¸a˜o 1.2.2. Um argumento em uma pragma´tica argumentativa e´ uma
sequeˆncia de enunciados
φ1, φ2, . . . , φn
formulados nessa pragma´tica de tal modo que a partir dos enunciados iniciais
φ1, φ2, . . . , φm,
chamados premissas, obtem-se os enunciados
φm+1, φm+2, . . . , φn,
chamados consequeˆncias, que justificam racionalmente o u´ltimo enunciado
φn,
chamado conclusa˜o.
No que se segue, pressuporemos que a pragma´tica argumentativa e´
a cotidiana, comum a todos os seres humanos. Desse modo, em nossos
exemplos, na˜o mencionaremos a pragma´tica argumentativa, a menos que
desejemos indicar que ela tem alguma caracterı´stica especı´fica que deve
ser levada em conta. Comecemos com um exemplo de argumento simples.
Exemplo 1.2.2. Considere o seguinte argumento:
Se o mundo acabar, os seres humanos sera˜o extintos. Ora, os seres
humanos na˜o foram extintos. Logo, o mundo na˜o acabou.
5
Esse argumento tem duas premissas: “se o mundo acabar, os seres humanos
sera˜o extintos” e “os seres humanos na˜o foram extintos”. A conclusa˜o do argu-
mento e´ “o mundo na˜o acabou”. Portanto, esse argumento pode ser representado
pela sequeˆncia
φ1, φ2,φ3
na qual φ1 e φ2 sa˜o designadores de premissas e φ3 e´ um designador de
conclusa˜o.
Observe que no exemplo acima - e tambe´m no exemplo anterior - esta-
mos ignorando alguns sinais de pontuac¸a˜o, algumas expresso˜es e tempos
verbais. Em geral, quando apresentarmos o esquema de enunciados e ar-
gumentos, faremos esse tipo de simplificac¸a˜o, pois estamos interessados
em compreender apenas a racionalidade dos argumentos. Certos detal-
hes de pontuac¸a˜o, palavras reto´ricas ou estilo litera´rio de escrita na˜o sa˜o
importantes.
Exemplo 1.2.3. Considere o seguinte argumento:
Ningue´m aqui da Terra de Ca´ conhece a Terra de La´. A raza˜o e´ simples.
Tutus na˜o sa˜o grandes, mas sa˜o estranhos. Dizem que por la´ o que
na˜o e´ grande e´ pequeno. Tambe´m ouvimos dizer que os tetes vivem na
Terra de La´. Se algue´m for ate´ la´, se defrontara´ com eles. Ademais,
todo tete e´ um tutu. Ora, e´ claro que qualquer pessoa que se defrontar
com algo pequeno e estranho, ficara´ apavorada. Jamais algue´m aqui
da Terra de Ca´ ficou apavorado. Por isso, sabemos que ningue´m foi
a` Terra de La´. Mas, para algue´m conheceˆ-la, precisa ir ate´ la´. Eis a
raza˜o pela qual ningue´m conhece a Terra de La´.
Esse argumento comec¸a indicando sua conclusa˜o “Ningue´m aqui da Terra de
Ca´ conhece a Terra de La´”. Esse e´ um exemplo de estilo litera´rio de escrita que
desconsideraremos. Em nossa representac¸a˜o dos argumentos, a conclusa˜o sempre
aparecera´ no final. Em seguida, esse argumento apresenta o enunciado “A raza˜o e´
simples”, o que e´ um exemplo de expressa˜o reto´rica que tambe´m sera´ desconsiderada
em nossa representac¸a˜o dos argumentos. Depois, vem a primeira premissa “Tutus
na˜o sa˜o grandes, mas sa˜o estranhos” e a segunda premissa “Dizem que por la´, o
que na˜o e´ grande e´ pequeno”. Note que esta segunda premissa esta´ se referindo a`
Terra de La´. Em nossa compreensa˜o da racionalidade do argumento, precisamos
6
explicitar esses recursos linguı´sticos. Depois, temos a terceira premissa “Tambe´m
ouvimos dizer que os tetes vivem na Terra de La´”, a quarta “Se algue´m for ate´ la´, se
defrontara´ com eles”, a quinta “todo tete e´ um tutu” e a sexta “E´ claro que qualquer
pessoa que se defrontar com algo pequeno e estranho, ficara´ apavorada” e a se´tima
premissa “Jamais algue´m aqui da Terra de Ca´ ficou apavorado”. Na sequeˆncia,
o argumento tem o enunciado “Sabemos que ningue´m foi a` Terra de La´”. Esse
enunciado na˜o e´ uma premissa. Ele e´ uma consequeˆncia de duas consequeˆncias
que na˜o aparecem explicitamente no argumento, quais sejam: “Tetes sa˜o pequenos
e estranhos” e “ningue´m da Terra de Ca´ defrontou-se com tetes”. Depois, o
argumento apresenta sua oitava premissa “Para algue´m conheceˆ-la, precisa ir ate´
la´” e, por fim, sua conclusa˜o “ningue´m conhece a Terra de La´”. Portanto, temos
ao todo 12 enunciados, e o esquema do argumento e´ o seguinte:
φ1, φ2, . . . , φ12
na qual φ1, φ2, . . . , φ8 sa˜o designadores das premissas, φ9, φ10, φ11, φ12 sa˜o
designadores de consequeˆncias, sendo, em particular, φ12 um designador da con-
clusa˜o.
E´ importante observar que a escrita do argumento no exemplo acima
1.2.3 na˜o condiz com seu esquema. Concretamente, verificamos que esse
argumento tem 10 enunciados, mas, abstratamente, ele foi representado
por 12 enunciados. Esse exemplo ilustra o fato de que as caracterı´sticas
empı´ricas de um argumento podem na˜o coincidir com sua formulac¸a˜o
abstrata. Como dito na introduc¸a˜o, neste curso nos concentraremos na
dimensa˜o abstrata dos argumentos.
Uma outra caracterı´stica intrigante do exemplo 1.2.3 e´ que podemos
na˜o saber o que sa˜o os tutus ou os tetes mencionados. Ainda assim,
parece que se aceitarmos suas premissas, teremos razo˜es para aceitar sua
conclusa˜o. Por isso, o exemplo 1.2.3 parece ser racional. Existem, todavia,
argumentos cuja aceitac¸a˜o da conclusa˜o na˜o decorre apenas das premissas,
embora tambe´m apresentem alguma racionalidade.
Exemplo 1.2.4. Veja, fiz esse bolo com muito carinho. Ale´m disso, se voceˆ na˜o
comeˆ-lo, vou joga´-lo na sua cara. Logo, coma esse bolo imediatamente!
Parece claro que ha´ uma raza˜o que vincula a conclusa˜o de 1.2.4 com suas
premissas. No entanto, o argumento 1.2.4 envolve desejos e sua conclusa˜o
e´ uma ordem. Neste curso de lo´gica, nos restringiremos a argumentos
cujos enunciados expressam proposic¸o˜es.
7
Definic¸a˜o 1.2.3. Uma proposic¸a˜o e´ o significado de um enunciado descritivo, ou
seja, ela e´ algo que pode ser ou verdadeiro ou falso.
Portanto, em nosso curso trataremos apenas de argumentos que ex-
pressam proposic¸o˜es. Na˜o sera˜o estudados argumentos com ordens, per-
guntas, desejos, etc. Existem estudos sobre a racionalidade de argumentos
que na˜o sa˜o compostos por proposic¸o˜es, mas, historicamente, a lo´gica
concentrou-se sobre a racionalidade descritiva, aquela que expressa como
as coisas sa˜o ou na˜o.
O tipo de ana´lise da racionalidade dos argumentos que estudaremos
neste curso e´ algo que se inicia, historicamente, com os trabalhos de
Aristo´teles, na Gre´cia Antiga (384 AC-322AC). Uma parte substancial do
trabalho de Aristo´teles, comumente chamada teoria do silogismo, esta´
incorporada no que estudaremos sob o nome de argumentos quantifica-
cionais, os quais foram sistematizados por Gottlob Frege (1848-1925).
Definic¸a˜o 1.2.4. Um silogismo e´ um tipo de argumento cuja racionalidade
baseia-se exclusivamente na estrutura de treˆs enunciados catego´ricos - enunciados
com as palavras “todo”, “algum”, “nenhum” e “algum na˜o” ou palavras que
sa˜o consideradas equivalentes a essas em uma dada pragma´tica argumentativa.
Entre os treˆs enunciados catego´ricos que compo˜em um silogismo, dois enunciados
catego´ricos sa˜o as premissas e um e´ a conclusa˜o.
Exemplo 1.2.5. Nenhuma pessoa insensata e´ racional. Todas as pessoas in-
teligentes sa˜o racionais. Logo, algumas pessoas inteligentes na˜o sa˜o insensatas.
Conforme nossa definic¸a˜o de silogismo, o exemplo 1.2.5 e´ um silo-
gismo. No entanto, na teoria original do silogismo de Aristo´teles, esse
exemplo na˜o e´ um silogismo apropriado. Neste curso, ao estudarmos uma
versa˜o contemporaˆnea do trabalho de Frege sobre argumentos quantifica-
dos, constataremos que em certas circunstaˆncias o argumento 1.2.5 na˜o e´
racionalmente aceita´vel, em outras sim.
Definic¸a˜o 1.2.5. Os argumentos quantificacionais sa˜o os argumentos cuja
racionalidade reside sobre palavras chamadas quantificadores lo´gicos que ex-
pressam quantidades gerais, a saber, “todo” e “algum”, ou palavras que sa˜o
consideradas equivalentes a esses quantificadores lo´gicos em uma dada pragma´tica
argumentativa.
Exemplo 1.2.6. Os vilo˜es sa˜o seduzidos pelo lado negro da forc¸a. Nem todos os
vilo˜es sa˜o nota´veis, mas aqueles que sa˜o nota´veis sa˜o exo´ticos. Ora, o Coringa
8
certamente e´ um vila˜o nota´vel. Logo, ele e´ exo´tico e seduzido pelo lado negro da
forc¸a.
Antes de estudarmos os argumentos quantificacionais, estudaremos
neste curso uma teoria lo´gica que tambe´m se iniciou na Gre´cia antiga, mas
pelos mega´ricos e, sobretudo, pelos esto´icos, tais como Diodoro Cronos
(entorno de 284 AC) e Crisipo de Solis (279 AC-206 AC). Essa teoria e´ a
base do que comumente chama-se lo´gica proposicional. Em realidade,
estudaremos uma versa˜o contemporaˆnea do trabalho de George Boole
(1815-1864), que apresentou uma teoria lo´gica que expande a teoria dos
esto´icos para um nu´mero infinito de formas racionais de argumentos, os
quais chamaremos de argumentos proposicionais.
Definic¸a˜o 1.2.6. Argumentos proposicionais sa˜o argumentos cuja racionalidade
fundamenta-se na conexa˜o entre enunciados usando palavras chamadas conectivos
lo´gicos, quais sejam, “na˜o”, “e”, “ou” e “se enta˜o”, ou palavras que sa˜o consid-
eradas equivalentes a esses conectivos lo´gicos ou combinac¸o˜es deles em uma dadapragma´tica argumentativa.
Exemplo 1.2.7. Se chove na cidade, as ruas ficam alagadas ou a chuva escoa pelos
bueiros. Ora, as ruas na˜o esta˜o alagadas, nem tampouco a chuva escoou pelos
bueiros. Logo, na˜o e´ verdade que choveu na cidade.
Antes ainda dos argumentos proposicionais, estudaremos o que se pode
considerar como sendo a forma mais simples possı´vel de argumentos,
notadamente, os argumentos relacionais.
Definic¸a˜o 1.2.7. Os argumentos relacionais sa˜o aqueles cuja racionalidade
baseia-se na relac¸a˜o entre sujeitos das proposic¸o˜es.
Exemplo 1.2.8. O Batman e´ o hero´i de Gotham City. Ora, Bruce Wayne e´ o
Batman. Logo, Bruce Wayne e´ o hero´i de Gotham City.
O estudo dos argumentos relacionais aparece nos trabalhos de muitos
lo´gicos, mas podemos afirmar que o que faremos aqui remonta-se, explici-
tamente, a Gottfried Leibniz (1646 -1716) e, mais precisamente, ao trabalho
de Alfred Tarski (1901-1983).
O que ha´ de comum entre os argumentos relacionais, proposicionais e
quantificacionais e´ o fato de que eles se baseiam em um aspecto especı´fico
da racionalidade humana: a capacidade de fazer deduc¸o˜es. Os tipos de
argumentos que estudaremos neste curso sa˜o deduc¸o˜es.
9
Definic¸a˜o 1.2.8. Uma deduc¸a˜o e´ um argumento tal que a aceitac¸a˜o da conclusa˜o
decorre apenas da aceitac¸a˜o das premissas do argumento, ou seja, nada mais ale´m de
suas pro´prias premissas sa˜o necessa´rias para que a conclusa˜o esteja racionalmente
justificada.
Os exemplos de argumentos relacionais, proposicionais e quantifica-
cionais que analisamos acima sa˜o todos exemplos de deduc¸o˜es. Outras
formas usuais de argumentos que na˜o sera˜o estudadas neste curso sa˜o as
induc¸o˜es e abduc¸o˜es.
Definic¸a˜o 1.2.9. Induc¸o˜es sa˜o argumentos nos quais a conclusa˜o e´ uma con-
sequeˆncia aceita´vel das premissas, mas na˜o necessa´ria, porque a conclusa˜o expressa
certa proporc¸a˜o calcula´vel a partir das premissas.
Exemplo 1.2.9. Perguntamos para 700 estudantes da universidade se eles acredi-
tam que uma boa iniciativa contra os alagamentos seria ela adquirir botes. Desses,
630 responderam que sim, 50 disseram que na˜o e apenas 20 na˜o souberam opinar.
Como a universidade tem cerca de 7000 estudantes, atrave´s de uma ana´lise es-
tatı´stica, concluı´mos que 90% dos estudantes da universidade acreditam que ela
deveria adquirir botes.
Definic¸a˜o 1.2.10. Abduc¸o˜es sa˜o argumentos nos quais, ao se adicionar um ou
mais enunciados a`s premissas, a conclusa˜o passa a ser uma consequeˆncia das
premissas mais esses enunciados adicionais, apesar de em princı´pio ela na˜o ser
uma consequeˆncia das premissas.
Exemplo 1.2.10. Existem pegadas de um sapato feminino na rua. Logo, alguma
mulher esteve aqui.
Doravante, quando falarmos em argumento estaremos sempre nos
referindo a deduc¸o˜es.
1.3 Forma lo´gica
A lo´gica baseia-se em pragma´ticas argumentativas, i.e., em contextos co-
municativos nos quais as pessoas apresentam argumentos. A lo´gica,
enquanto disciplina cientı´fica, procura fazer idealizac¸o˜es sobre essas
pragma´ticas argumentativas a fim de explicitar os fundamentos de sua
racionalidade. Compare o argumento 1.2.7 analisado acima com o
seguinte.
10
Exemplo 1.3.1. Se quero ser aprovado nesta disciplina, terei que estudar muito
ou tirar as du´vidas com algue´m. Ora, na˜o e´ verdade que tenho estudado muito,
nem tampouco e´ verdade que tenho tirado as du´vidas com algue´m. Logo, na˜o e´
verdade que quero ser aprovado nesta disciplina.
A despeito do assunto de cada um dos argumentos 1.2.7 e 1.3.1 ser
diferente, eles em realidade tem a mesma forma. A fim de estudar a forma
dos argumentos, comec¸amos o processo de formalizac¸a˜o das pragma´ticas
argumentativas.
Definic¸a˜o 1.3.1. Dizemos que um enunciado φn proferido em uma pragma´tica
argumentativa e´ uma consequeˆncia lo´gica dos enunciados φ1, . . . , φm proferidos
nessa pragma´tica quando existe um argumento
φ1, . . . , φm, φm+1, . . . , φn
tal que suas premissas sa˜o os enunciados φ1, . . . , φm. Escrevemos
φ1, . . . , φm ` φn,
para indicar que φn uma consequeˆncia lo´gica de φ1, . . . , φm. O sı´mbolo `
representa a relac¸a˜o de consequeˆncia lo´gica da pragma´tica argumentativa, ou
seja, ` expressa o que e´ ou na˜o racional obter como conclusa˜o.
Nosso objetivo e´ compreender a racionalidade dos argumentos. Para
isso, precisamos, primeiramente, desenvolver dispositivos que nos permi-
tam separar a forma dos argumentos de seus respectivos conteu´dos.
Definic¸a˜o 1.3.2. Dado um argumento φ1, . . . , φn elaborado numa pragma´tica
argumentativa, uma formalizac¸a˜o e´ uma regra “ ” que associa a cada expressa˜o
ω de um enunciado φi desse argumento um u´nico sı´mbolo ξ que representa
univocamenteω. O resultado da formalizac¸a˜o de um argumento e´ o que chamamos
de sua forma.
No pro´ximo exemplo formalizamos os argumentos proposicionais 1.2.7
e 1.3.1, deixando os seus conectivos lo´gicos em evideˆncia.
Exemplo 1.3.2. Considere a seguinte formalizac¸a˜o dos argumentos 1.2.7 e 1.3.1:
1. “chove na cidade” = p1
2. “quero ser aprovado nesta disciplina” = p2
11
3. “as ruas ficam alagadas” = q1
4. “terei que estudar muito” = q2
5. “a chuva escoa pelos bueiros” = r1
6. “tenho que tirar as du´vidas com algue´m” = r2
A partir dessa formalizac¸a˜o, podemos verificar que a forma dos argumentos
1.2.7 e 1.3.1, para i = 1, 2, e´ a seguinte:
1. Se pi, enta˜o qi ou ri.
2. Ora, na˜o e´ verdade que qi, nem tampouco e´ verdade que ri.
3. Logo, na˜o e´ verdade que pi.
Portanto, os argumentos 1.2.7 e 1.3.1 tem a mesma forma, apesar de
terem significados diferentes - o que indicamos pelos ı´ndices i diferentes.
Ademais, na˜o importa quais sejam os enunciados que ocorram em um
argumento que tenha essa forma, ele sempre sera´ um argumento racional,
pois sua conclusa˜o “na˜o e´ verdade que pi” esta´ racionalmente justificada
pelas premissas “se pi, enta˜o qi ou ri” e “na˜o e´ verdade que qi, nem tampouco
e´ verdade que ri”. Independentemente do significado de pi, qi e ri. Esse tipo
de argumento satisfaz uma condic¸a˜o ba´sica de racionalidade: a validade.
Definic¸a˜o 1.3.3. Um argumento e´ va´lido se, e somente se, a hipo´tese de que
suas premissas sa˜o verdadeiras implica que sua conclusa˜o tambe´m e´ verdadeira.
Caso contra´rio, ou seja, se as premissas forem verdadeiras mas a conclusa˜o falsa,
dizemos que o argumento e´ inva´lido. A forma de um argumento va´lido e´ chamada
de forma lo´gica.
Com base nessa definic¸a˜o, podemos afirmar, por um lado, que o que
torna va´lido os argumentos dedutivos e´ sua forma lo´gica e, por outro, que
a forma lo´gica de um argumento esta´ associada a relac¸a˜o de consequeˆncia
lo´gica que existe entre a verdade das premissas e a verdade da conclusa˜o.
A fim de perceber esse ponto, considere o seguinte exemplo de argumento
inva´lido.
Exemplo 1.3.3. Se chove na cidade, as ruas ficam alagadas ou a chuva escoa
pelos bueiros. Ora, se as ruas na˜o esta˜o alagadas, na˜o preciso de um bote para
atravessa´-las. Veja, hoje na˜o choveu na cidade e, assim, a chuva na˜o escoou pelos
bueiros. Logo, hoje na˜o preciso de um bote para atravessar as ruas.
12
Imagine que voceˆ mora numa cidade que fica ao lado de uma represa,
essa represa se rompeu e alagou a cidade de tal modo que voceˆ precisa
usar um bote para atravessar as ruas. Nesse caso, todas as premissas do
argumento 1.3 podem ser verdadeiras, mas sua conclusa˜o e´ falsa. Essa
situac¸a˜o imagina´ria e´ um contra-exemplo a` validade do argumento e, por
isso, ele e´ inva´lido, i.e., na˜o tem uma forma lo´gica.
Definic¸a˜o 1.3.4. Um contra-exemplo a` validade de um argumento
φ1, . . . , φm, φm+1, . . . , φn e´ uma situac¸a˜o na qual as premissas φ1, . . . , φm desse
argumento sa˜o verdadeiras, mas sua conclusa˜o φn falsa.
Para mostrarmos que um argumento e´ va´lido, basta mostrarmos que
eletem uma forma lo´gica. Para mostrarmos que um argumento e´ inva´lido,
precisamos apresentar um contra-exemplo a sua validade. A validade
de um argumento esta´ definida em termos da hipo´tese da verdade das
premissas. Existe, portanto, a possibilidade de um argumento ser va´lido
nos casos em que suas premissas e a conclusa˜o sejam falsas ou ainda que
as premissas sejam falsas e a conclusa˜o verdadeira. Essa e´ a raza˜o pela
qual podemos avaliar a racionalidade de um argumento sem conhecer o
significado de suas proposic¸o˜es - lembre-se do exemplo 1.2.3 no qual fala-
se sobre entidades que voceˆ na˜o conhece. Essa tambe´m e´ a raza˜o pela
qual o argumento 1.2.7 apesar de ser va´lido, na˜o parece ser um argumento
significativo, ele na˜o satisfaz outro crite´rio importante de racionalidade: a
adequac¸a˜o.
Definic¸a˜o 1.3.5. Um argumento e´ significativo se, e somente se, ele e´ va´lido e
suas premissas sa˜o verdadeiras.
Agora sim podemos entender a diferenc¸a entre o argumento 1.2.7 e 1.3.1:
o primeiro e´ va´lido mas na˜o e´ significativo, o segundo e´ significativo.
1.4 Sistemas lo´gicos
A fim de estudar a forma dos argumentos presentes em pragma´ticas ar-
gumentativas, a lo´gica desenvolve modelagens chamadas sistemas lo´gicos.
Uma modelagem de uma pragma´tica argumentativa e´ uma simplificac¸a˜o
dos argumentos obtida atrave´s de uma formalizac¸a˜o com o objetivo de
explicitar a forma desses argumentos. Um sistema lo´gico modela uma
13
pragma´tica atrave´s de um processo que envolve duas partes: uma sinta´tica
e outra semaˆntica. Na parte sinta´tica estabelecemos os sı´mbolos usados na
modelagem dos argumentos da pragma´tica. Na parte semaˆntica definimos
o significado dos sı´mbolos estabelecidos na parte sinta´tica, modelando, as-
sim, a noc¸a˜o de validade dos argumentos.
Definic¸a˜o 1.4.1. Um sistema lo´gico para uma pragma´tica argumentativa com
uma relac¸a˜o lo´gica ` e´ composto por duas partes, quais sejam:
1. A parte sinta´tica que conte´m uma linguagemLS definida sobre um alfabeto
B no qual define-se um conjunto de fo´rmulas FS e, desse modo, uma
relac¸a˜o de consequeˆncia sinta´tica 
 entre fo´rmulas de FS;
2. A parte semaˆntica que conte´m estruturasA que interpretam os sı´mbolos
do alfabeto B e permitem estabelecer quais fo´rmulas em FS sa˜o ver-
dadeiras bem como definir uma relac¸a˜o de consequeˆncia semaˆntica �
entre fo´rmulas de FS.
Noutras palavras, um sistema lo´gico desmembra a relac¸a˜o de con-
sequeˆncia lo´gica ` de uma pragma´tica argumentativa em duas partes: a
relac¸a˜o de consequeˆncia sinta´tica 
, por um lado, e a relac¸a˜o de con-
sequeˆncia semaˆntica �, por outro. A tarefa da lo´gica consiste em formular
e avaliar a relac¸a˜o entre `, 
 e �. A relac¸a˜o de consequeˆncia lo´gica ` de
uma pragma´tica argumentativa e´, geralmente, tomada como conhecida.
A relac¸a˜o de consequeˆncia sinta´tica expressa que a racionalidade dos
argumentos esta´ relacionada a configurac¸a˜o dos sı´mbolos que usamos nos
enunciados. Ela e´ uma idealizac¸a˜o do fato de que, quando lemos textos
que apresentam deduc¸o˜es em uma pragma´tica argumentativa, podemos
muitas vezes deduzir enunciados apenas usando regras de manipulac¸a˜o
de expresso˜es linguı´sticas.
Exemplo 1.4.1. Suponha que uma pessoa na˜o entende alema˜o, mas sabe que
“und” tem o mesmo papel da palavra “e” do portuqueˆs, sabe que “sie” tem um
som semelhante ao som de “zi”, “ei” ao de “ai” e “v” o mesmo som de “f”. Ao
olhar um jornal, essa pessoa leˆ em voz alta a frase “Sie ist eine religion und sie
ist das Opium des Volkes”, na sequeˆncia ela repete a frase “Sie ist das Opium des
Volkes”. Um alema˜o que estava passando por perto, ouve a pessoa falando essas
frases e faz um sinal indicando que ele concorda com o que ela disse.
14
No exemplo 1.4.1, temos uma situac¸a˜o em que efetuamos deduc¸o˜es
sem sabermos ao certo o significado dos enunciados. Esse exemplo mostra
que basta conhecer como os conectivos lo´gicos funcionam. A forma de um
argumento em grande medida trata-se de uma configurac¸a˜o de sı´mbolos
que desconsidera o significado dos enunciados, concentrando-se apenas
nas regras lo´gicas de uma pragma´tica argumentativa. Por isso, a parte
sinta´tica de um sistema lo´gico comec¸a com a definic¸a˜o de um vocabula´rio,
pois queremos definir uma linguagem LS. Ela e´ necessa´ria para represen-
tarmos a forma dos argumentos, os quais sa˜o compostos de enunciados.
Os enunciados sa˜o representados, por sua vez, pelas fo´rmulas FV do vo-
cabula´rioV da linguagem LS. Assim podemos definir regras lo´gicas que
delimitam a relac¸a˜o de consequeˆncia sinta´tica 
.
Definic¸a˜o 1.4.2. Uma regra lo´gica pode ser ou uma regra de introduc¸a˜o I∗ ou
uma regra de eliminac¸a˜o E∗ de um sı´mbolo lo´gico ∗:
1. Uma regra de introduc¸a˜o I∗ permite deduzir uma fo´rmula φ na qual o
sı´mbolo ∗ ocorre, considerando os sı´mbolos que ocorrem num conjunto de
fo´rmulas ∆;
2. Uma regra de eliminac¸a˜o E∗ permite deduzir uma fo´rmulaφ, considerando
que o sı´mbolo ∗ ocorre num conjunto de fo´rmulas ∆.
O conjunto de fo´rmulas ∆ e´ chamado de contexto da regra lo´gica e a fo´rmula
φ e´ chamada de sua consequeˆncia.
As regras lo´gicas que estudaremos neste curso sa˜o em grande medida
fruto do trabalho de Gerhard Gentzen (1909 - 1945), que as elaborou com o
intuito de responder a certos problemas suscitados pelos famosos teoremas
da incompletude de Kurt Go¨del (1906 - 1978). Um exemplo nota´vel de regra
lo´gica encontra-se naqueles argumentos cuja forma lo´gica esta´ associada
ao conectivo lo´gico “e”, chamado conjunc¸a˜o.
Exemplo 1.4.2 (Introduc¸a˜o da conjunc¸a˜o). Ontem de manha˜, Joa˜o disse que
era pedreiro. Ontem de noite, Joa˜o tambe´m afirmou que era pintor. Logo, Joa˜o e´
um pedreiro e pintor.
Exemplo 1.4.3 (Eliminac¸a˜o da conjunc¸a˜o). Maria e´ uma artista, mas tambe´m
e´ uma cientista. Logo, Maria e´ uma cientista.
15
Note que nos exemplos acima na˜o precisamos saber quem sa˜o os su-
jeitos em questa˜o, a fim de obtermos uma conclusa˜o. Para isso, basta
sabermos as regras lo´gicas da conjunc¸a˜o. Tendo em vista esses exemplos,
podemos finalmente definir a relac¸a˜o de consequeˆncia sinta´tica.
Definic¸a˜o 1.4.3. Uma deduc¸a˜o de uma fo´rmula φ a partir de um conjunto de
fo´rmulas Γ de uma linguagem LS e´ uma sequeˆncia finita
φ1, φ2, . . . , φm, φm+1, . . . , φn
de fo´rmulas em LS tal que as primeiras fo´rmulas
φ1, . . . , φm
desta sequeˆncia sa˜o exatamente as fo´rmulas em Γ, a u´ltima fo´rmula φn e´ φ e cada
φi com m ≤ i ≤ n e´ uma fo´rmula do contexto de uma regra lo´gica ou e´ uma
consequeˆncia de uma regra lo´gica. Desse modo, definimos que Γ 
 φ se, se e
somente se, existe uma deduc¸a˜o de φ a partir de Γ. Se na˜o for o caso que Γ 
 φ,
escrevemos Γ 1 φ.
Escreveremos φ1, . . . , φm 
 φ ao inve´s de Γ 
 φ quando for apropriado.
Em alguns casos, tambe´m podemos escrever Γ,∆ 
 φ para indicarmos que
a distinc¸a˜o entre os sı´mbolos das fo´rmulas de Γ e ∆ e´ importante para a
deduc¸a˜o formal. Alternativamente, quando na˜o houver risco de confusa˜o,
tambe´m podemos escrever φ1, . . . , φm,∆ 
 φ ou Γ, ψ1, . . . , ψk 
 φ ou ainda
φ1, . . . , φm, ψ1, . . . , ψk 
 φ.
Exemplo 1.4.4. Considere a seguinte formalizac¸a˜o do argumento no exemplo
1.4.2:
1. “Ontem de manha˜, Joa˜o disse que era pedreiro” = p;
2. “Ontem de noite, Joa˜o tambe´m afirmou que era pintor” = q.
Tendo as premissas “p” e “q” podemos deduzir a conclusa˜o “p e q” atrave´s da
regra de introduc¸a˜o da conjunc¸a˜o. Desse modo, podemos afirmar que
p, q 
 p e q
16
Quando definimos a noc¸a˜o de validade de um argumento men-
cionamos o conceito de verdade, que e´ um conceito semaˆntico, no sentido
de que relaciona expresso˜es linguı´sticas com entidades extra-linguı´sticas.
Neste livro, estudaremos sistemas lo´gicos que esta˜o baseados em treˆs
princı´pios lo´gicos sobre o conceitode verdade.
Definic¸a˜o 1.4.4. Os princı´pios lo´gicos cla´ssicos sa˜o as seguintes proposic¸o˜es:
• Princı´pio de bivaleˆncia: Existem dois valores veritativos: a verdade e a
falsidade, os quais sa˜o representados respectivamente pelos sı´mbolos > e
⊥.
• Princı´pio de na˜o-contradic¸a˜o: Proposic¸o˜es na˜o sa˜o verdadeiras e falsas. Ou
seja, na˜o existe sobreposic¸a˜o de valores veritativos.
• Princı´pio do terceiro excluı´do: Proposic¸o˜es sa˜o verdadeiras ou falsas. Ou
seja, na˜o existe indeterminac¸a˜o de valores veritativos.
Desse modo, uma fo´rmula φ de linguagem LS e´ verdadeira numa estrutura
A que interpreta a linguagemLS seA(φ) = >, masφ e´ falsa emA seA(φ) = ⊥.
A relac¸a˜o de consequeˆncia semaˆntica � e´ uma idealizac¸a˜o da noc¸a˜o de
validade dos argumentos, ou seja, ela representa o aspecto semaˆntico da
noc¸a˜o de consequeˆncia lo´gica. Dada a definic¸a˜o do conceito de verdade,
podemos definir �.
Definic¸a˜o 1.4.5. Dado um conjunto Γ de fo´rmulas de uma linguagem LS e φ
uma fo´rmula de LS, definimos que Γ � φ se, se e somente se, para toda estrutura
A que interpreta S e toda fo´rmula ψ em Γ, seA(ψ) = > enta˜oA(φ) = >. Se na˜o
for o caso que Γ � φ, escrevemos Γ 2 φ.
A noc¸a˜o de estrutura mencionada na definic¸a˜o de � e´ uma maneira de
representar os aspectos extra-linguı´sticos, a saber: a verdade relaciona algo
que e´ dito com algo que ocorre no mundo. Uma estrutura e´ uma especie de
mundo definido de forma rigorosa, o qual nos permitira´ definir o conceito
de verdade. Usaremos as mesmas convenc¸o˜es para a relac¸a˜o Γ � φ tal qual
o fizemos para Γ 
 φ.
Exemplo 1.4.5. Considerando a formalizac¸a˜o definida no exemplo 1.3.2, con-
cluı´mos que
17
Se p enta˜o q ou r,Na˜o q nem r � Na˜o p
A raza˜o e´ que esse argumento e´ va´lido, ou seja, ele tem uma forma lo´gica.
Existe uma grande diferenc¸a entre � e 
. A primeira expressa algo sobre
a verdade das fo´rmulas que esta˜o em questa˜o, ao passo que a segunda trata
dos sı´mbolos que ocorrem nessas fo´rmulas. Dada uma definic¸a˜o de � e
uma definic¸a˜o de 
, o problema ba´sico de um lo´gico e´ saber qual a relac¸a˜o
entre � e 
. Em geral, a resposta a esse problema tem duas partes: a
correc¸a˜o e a completude.
A correc¸a˜o expressa que todas as deduc¸o˜es formais correspondem a
argumentos va´lidos na pragma´tica argumentativa.
Definic¸a˜o 1.4.6 (Correc¸a˜o lo´gica). Se Γ 
 φ, enta˜o Γ � φ.
A completude expressa que todos os argumentos va´lidos sa˜o represen-
tados por deduc¸o˜es formais.
Definic¸a˜o 1.4.7 (Completude lo´gica). Se Γ � φ, enta˜o Γ 
 φ.
A correc¸a˜o de um sistema lo´gico e´ condic¸a˜o sine qua non para que ele
seja aceita´vel, pois, caso contra´rio, as regras lo´gicas estabelecidas na˜o cor-
responderiam a argumentos va´lidos. Como a validade de um argumento
esta´ estritamente vinculada a` racionalidade da pragma´tica argumentativa,
o fato de um sistema lo´gico na˜o ser correto implicaria que ele permite
deduc¸o˜es formais que em realidade na˜o sa˜o deduc¸o˜es na pragma´tica. Em
contrapartida, a completude de um sistema lo´gico e´ uma propriedade
nota´vel. Isso porque ela expressa que os argumentos va´lidos podem ser
tratados de um ponto de vista estritamente simbo´lico. Se conseguimos
criar um sistema lo´gico completo, enta˜o mostramos que a validade dos
argumentos, a qual esta´ vinculada ao conceito de verdade, pode ser vista
como uma questa˜o de manipulac¸a˜o de sı´mbolos via regras lo´gicas.
Como veremos neste curso, apresentaremos sistemas lo´gicos que
conte´m quantidades infinitas de argumentos va´lidos, mas quantidades
finitas de regras lo´gicas. Em cada caso, mostraremos que esses sistemas
sa˜o na˜o apenas corretos, mas tambe´m completos, ou seja, mostraremos
que apesar da infinitude das racionalidades estudadas, ha´ uma maneira
finita de representa´-las.
18
1.5 Exercı´cios
Em cada um dos exercı´cios desta lista, apresente uma justificativa racional
para sua resposta.
(1) Na Terra do Nunca, se cair na rede, e´ peixe. Todos sabiam que os
tutus ou eram peixes ou eram drago˜es. O grande cac¸ador, Thor, descobriu
que os tutus na˜o eram drago˜es. Assim, no auge de sua “sabedoria”, Thor
concluiu: tutus caem na rede. Sera´ que ele efetuou um raciocı´nio va´lido?
(2) Apenas uma das premissas abaixo e´ verdadeira acerca de uma ro-
dada em uma partida de cartas:
1. Em sua ma˜o, existe um rei ou existe um a´s.
2. Em sua ma˜o, existe uma rainha ou existe um a´s.
3. Em sua ma˜o, existe um prı´ncipe ou existe um dez.
E´ possı´vel que exista um a´s em suas ma˜os?
(3) Na Terra do Meio, todos os Balcans do pequeno lago sa˜o guerreiros.
Por incrı´vel que parec¸a, alguns guerreiros do pequeno lago tambe´m sa˜o
artistas. O que voceˆ conclui, racionalmente, a partir dessas informac¸o˜es
acerca da Terra do Meio?
(4) Imagine que uma pessoa esta´ jogando cartas, e pensa da seguinte
forma: Todas as cartas em minhas ma˜os pertencem ao jogo. Para ganhar,
eu preciso de um dez de ouro, mas nenhuma carta de ouro esta´ em minhas
ma˜os. Logo, as cartas de ouro esta˜o nas ma˜os dos outros. Essa pessoa
raciocinou de forma va´lida?
(5) Cada macaco no seu galho. Na˜o ha´ galhos. Logo, na˜o ha´ macacos.
Esse argumento e´ va´lido?
(6) Dado que a Terra translada entorno do Sol e o Sol esta´ fixo, podemos
concluir que existe algo que translada entorno de algo fixo?
(7) O seguinte argumento e´ significativo? Sabemos que 2 + 2 = 4. Ora,
os nu´meros 2 e 4 na˜o sa˜o ı´mpares. Todo nu´mero natural que na˜o e´ ı´mpar,
e´ par. Logo, como 8 = 4 + 4 = 2 + 2 + 4, concluı´mos que 8 e´ par.
(8) Formalize o seguinte argumento proposicional: Se e´ verdade que
os carros poluem, usaremos menos carros. Se usarmos menos carros,
precisaremos de outras formas de transporte. Se precisarmos de outras
formas de transporte, teremos que ter dinheiro em caixa. Ora, na˜o temos
19
dinheiro em caixa. Logo, na˜o e´ verdade que os carros poluem. Esse
argumento e´ va´lido?
(9) Na Terra de Ca´, ou as pessoas sa˜o corajosas ou sa˜o covardes. O
grande mago Gandalf na˜o e´ uma pessoa, mas e´ muito corajoso. Por isso,
as pessoas da Terra de Ca´ acreditam que ele na˜o e´ covarde. Essa crenc¸a
esta´ racionalmente justificada com base nessas informac¸o˜es?
(10) Se nem tudo o que reluz e´ ouro, mas todo ouro reluz, podemos
concluir que algumas coisas que reluzem sa˜o ouro?
[11] Na Terra do Meio, existe uma tribo chamada Curucacas que tem a
mesma pragma´tica argumentativa que a nossa do planeta Terra, exceto por
uma intrigante diferenc¸a: os curucacas falam um enunciado uma quanti-
dade ı´mpar de vezes quando querem afirma´-lo, mas falam uma quantidade
par quando querem nega´-lo. La´ o argumento abaixo e´ va´lido?
Se Tutancuca e´ um tanta˜, enta˜o terere´ e´ um lele´. Ora, terere´ e´
um lele´. De fato, terere´ e´ um lele´. Pore´m, Tutancuca e´ um tanta˜.
Logo, Tutancuca e´ um tanta˜.
[12] Formalize o seguinte argumento proposicional:
Se eu furar a fila, chego na frente. Se eu chegar na frente, como
primeiro. Quem come primeiro sai primeiro. Logo, eu saio
primeiro.
Esse argumento e´ va´lido? Ele e´ signitificativo?
[13] Formalize o seguinte argumento proposicional: Se na Terra de La´
faz sol, enta˜o chove. Por outro lado, se na Terra de La´ na˜o faz sol, enta˜o
tambe´m chove. Ora, na˜o choveu. Logo, na Terra de La´ fez sol e na˜o fez
sol. Esse argumento e´ va´lido? Voceˆ pode determinar se ele e´ significativo?
[14] Formalize o argumento abaixo e determine se ele e´ va´lido ou na˜o:
Se nego o que neguei, estou afirmando o que na˜o afirmei. Ora, sou do
tipo que ou afirmo ou nego algo. Pois agora eu lhe digo que estou negando
o que afirmei. Portanto, na˜o afirmo o que afirmei, ou seja, nego o que na˜o
neguei.
[15] Certo dia na Terra do Sempre, movido pela indignac¸a˜o com os
creturenses, Cretos afirmou que todos os creturenses sa˜o mentirosos. Ora,
Cretos e´ umcreturense. Portanto, essa afirmac¸a˜o de Cretos e´ verdadeira ou
e´ falsa? Considerando que uma pessoa plenamente sincera e´ aquela que
20
sempre diz a verdade, voceˆ pode concluir que Cretos na˜o e´ uma pessoa
plenamente sincera?
[16] Na Terra do Nunca, se algue´m e´ diferente de duas outras pessoas,
enta˜o ela e´ diferente de si mesma. Na Terra do Nunca, descobriram que Tito
na˜o era realmente o Lucre´cio. Como sabiam que Lucre´cio era o Ulisses das
grandes viagens e que o Ulisses das grandes viagens na˜o era o Agamenon, o
grande guerreiro, os habitantes da Terra do Nunca concluı´ram que Tito na˜o
era Tito. Segundo a pragma´tica argumentativa da Terra do Nunca, voceˆ
pode determinar se esse argumento e´ va´lido? Podem existir exatamente
treˆs pessoas diferentes na Terra do Nunca?
[17] Na Terra do Sempre, o jogo de truco tem uma caracterı´stica interes-
sante: ou e´ verdade que se voceˆ tem uma rainha nas ma˜os enta˜o existe um
a´s de espada em suas ma˜os, o chamado espada˜o, ou e´ verdade que se voceˆ
na˜o tem uma rainha nas ma˜os enta˜o existe um espada˜o nas suas ma˜os.
O que voceˆ conclui em uma situac¸a˜o na qual voceˆ esta´ jogando truco na
Terra do Sempre e esta´ com uma rainha nas ma˜os? E se voceˆ na˜o tiver um
espada˜o nas ma˜os?
[18] Dizem as pessoas da Terra de Ca´ que la´ existe um rei que, apo´s
ter sua barda estragada por seu barbeiro, o condenanou a realizar algo
impossı´vel: barbear todas as pessoas, e somente aquelas, que na˜o barbeiam
a si mesmas. Por que ningue´m pode realizar a sentenc¸a do rei? Esse rei da
Terra de Ca´ existe?
[19] A rainha da Terra do Nunca decidiu que escolheria uma das treˆs
grandes sa´bias, Alpha, Beta e Gamma, do reino para educar seu filho.
Como ela queria escolher a mais inteligente dentre as treˆs, as chamou para
seu castelo, pegou cinco faixas de pano, treˆs brancas e duas pretas. Pediu
para que as sa´bias fechassem os olhos de tal modo que na˜o vissem nada
e, aleatoriamente, amarrou uma faixa na altura da testa de cada sa´bia.
Pediu para que a sa´bia Alpha viesse para frente, abrisse os olhos e visse
as cores das faixas das outras duas sa´bias. Enta˜o lhe perguntou: “Grande
sa´bia Alpha, diga-me em meu ouvido, de modo que as demais na˜o ouc¸am
nada, qual e´ a cor de sua faixa grande?” A Grande Sa´bia Alpha deu-lhe
sua opinia˜o, ao que ela respondeu: “E´ uma pena, mas essa na˜o e´ a cor de
sua faixa.” A sa´bia Alpha irritou-se e deixou, imediatamente, o castelo -
ela na˜o era ta˜o sa´bia! Assim, a rainha chamou a sa´bia Beta que olhando
para a faixa da outra sa´bia, deu sua opinia˜o para a rainha, sem que a
sa´bia Gamma ouvisse nada. Foi, enta˜o, que a rainha disse: “Minha grande
sa´bia Beta, infelizmente, essa na˜o e´ a cor de sua faixa.” A sa´bia Beta ficou
21
indignada e tambe´m saiu porta a fora, sem dar satisfac¸a˜o. Nisso, a sa´bia
Gamma disse em voz alta a cor de sua faixa. Espantada a rainha disse-lhe:
“Como pode, grande sa´bia Gamma, voceˆ saber qual e´ a cor de sua faixa
sem ter ouvido nada e, ale´m disso, ter sido a u´ltima a falar?” A sa´bia
lhe disse: “Simplesmente, usei minha racionalidade. Pergunte a algum
dos estudantes de Lo´gica Ba´sica da UFABC. Eles sabera˜o lhe responder.”
Explique a` rainha como a grande sa´bia Gamma encontrou a resposta.
[20] Na Terra de Ca´, existe uma comunidade secreta chamada Logoi,
cujo grande mestre e´ o sa´bio Logos. Essa comunidade caracteriza-se por
suas virtudes lo´gicas e morais. Eles fazem todas as deduc¸o˜es possı´veis,
sem errar, e seguem a risca as regras morais. Mais do que isso, o mestre
Logos e´ o suprassumo em termos lo´gicos e morais. Cada membro dos
Logoi tem uma estrela na testa que muda de cor, conforme a vontade do
Logos. Certo dia, o mestre chamou a todos, os quais formaram uma grande
circunfereˆncia entorno do mestre. Enta˜o ele disse: “No dia em que todos
aqueles que esta˜o com sua estrela em cor verde descobrirem que assim
esta˜o, devera˜o partir para a Terra de La´ a fim de cumprir a Missa˜o. Como
todos sabem, os escolhidos devera˜o descobrir que sa˜o os escolhidos com
base em sua retida˜o lo´gica e moral, fara˜o a Missa˜o e retornara˜o depois
disso. Cabe lembrar que ningue´m aqui nos Logoi deve falar sobre a cor da
estrela seja de quem for ou sequer emitir uma palavra no sentido de ajudar
algue´m a descobrir seu destino. Vejam, pois voceˆs teˆm olhos para ver.”
O mestre Logoi selecionou apenas 3 membros, os quais ficaram com suas
estrelas verdes. Passados alguns dias, exatamente todos os treˆs membros
selecionados deixaram, conjuntamente, a Terra de Ca´. Quantos dias eles
demoraram para sair? Como eles descobriram isso?
22
Chapter 2
Argumentos relacionais
Neste capı´tulo, estudaremos os argumentos relacionais. A racionalidade
desses argumentos baseia-se na relac¸a˜o entre os sujeitos dos seus enunci-
ados.
2.1 Assinaturas
Queremos construir um sistema lo´gico que nos permita compreender a
racionalidade dos argumentos relacionais. Comec¸emos com dois exemplos
simples de tais argumentos.
Exemplo 2.1.1. O Batman e´ um hero´i de Gotham City. Ora, Bruce Wayne e´ o
Batman. Logo, Bruce Wayne e´ um hero´i de Gotham City.
Exemplo 2.1.2. O Batman e´ o hero´i de Gotham City. Ora, Bruce Wayne e´ o
Batman. Logo, Bruce Wayne e´ o hero´i de Gotham City.
O que torna esses argumentos racionais? Ha´ alguma diferenc¸a rele-
vante entre esses argumentos?
Um sistema lo´gico relacional apropriado tera´ que explicar a racional-
idade desses argumentos. Iniciamos a construc¸a˜o de um sistema lo´gico
por sua parte sinta´tica, e esta pela definic¸a˜o de linguagens formais. Para
definirmos uma linguagem formal, pressupomos a noc¸a˜o de sı´mbolo. Para
os nossos propo´sitos, basta lembrar a definic¸a˜o de Peirce do que e´ um
sı´mbolo, a saber: algo que esta´ por algo. No para´grafo §5.6 do Trac-
tatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein disse que “Os limites de minha
23
linguagem denotam os limites de meu mundo.” A ma´xima da Lo´gica
pode ser expressa em termos peirce-wittgensteineanos da seguinte forma:
primeiro, escolha sı´mbolos para o que voceˆ tenciona estudar, depois de-
cida como esses sı´mbolos devem se comportar. Por essa raza˜o, o estudo
da lo´gica comec¸a pelo conceito de assinatura.
Definic¸a˜o 2.1.1. Uma assinatura S e´ composta pelo seguinte:
1. Sı´mbolos que sa˜o chamados de constantes e representados em sua totalidade
por CS;
2. Sı´mbolos que sa˜o chamados de funcionais e representados em sua totalidade
por FS;
3. Sı´mbolos que sa˜o chamados de relacionais e representados em sua totalidade
por RS;
sendo que os sı´mbolos funcionais e relacionais de S tem um nu´mero natural
n > 0 associado, chamado de ariedade. Os sı´mbolos de uma assinatura sa˜o
chamados sı´mbolos na˜o-lo´gicos.
Para definir uma assinatura S, elencamos quais sa˜o os sı´mbolos que
esta˜o em CS, FS e RS bem como indicamos a ariedade dos sı´mbolos em
FS e RS e, quando for o caso, qual e´ a formalizac¸a˜o que temos em vista.
A ariedade de um sı´mbolo funcional ou relacional ξ, denotada por ar(ξ),
indica quantos tipos de sı´mbolos podem ser concatenados a direita de ξ.
Exemplo 2.1.3. A assinatura da aritme´tica e´ a assinatura Sa tal que:
1. CS tem apenas as constantes 0˙ e 1˙ sendo que “zero” = 0˙ e “um” = 1˙;
2. FS tem apenas os sı´mbolos funcionais ⊕ e ⊗ sendo que ar(⊕) = 2 e ar(⊗) = 2
e “mais” = ⊕ e “vezes” = ⊗, ou seja, ⊕ representa a adic¸a˜o e ⊗ representa a
multiplicac¸a˜o;
3. RS tem apenas o sı´mbolo relacional≺ sendo que ar(≺) = 2 e “e´ menor que” =
≺, isto e´, ≺ representa a relac¸a˜o de ordem.
No exemplo acima 2.1.3, 0˙ e´ a constante que representa o nome “zero”,
ja´ 1˙ e´ a constante que representa o nome “um”. Os sı´mbolos 0˙ e 1˙ na˜o
sa˜o, respectivamente, as mesmas coisas que os nu´meros 0 e 1; aqueles
24
sa˜o nomes formais para estes, assim como “zero” e “um” sa˜o os nomes
usuais dos nu´meros 0 e 1. Similarmente,⊕ na˜o e´ a adic¸a˜o + e ⊗ na˜o e´ a
multiplicac¸a˜o ×. Em realidade, ⊕ e´ algo que esta´ pela adic¸a˜o na assinatura
da aritme´tica Sa, ou seja, ⊕ e´ um sı´mbolo; o mesmo valendo para ⊗. Ao
definirmos a assinatura da aritme´tica Sa, temos como intenc¸a˜o representar
nossa linguagem sobre os nu´meros naturais e as operac¸o˜es aritme´ticas
sobre eles. Poderı´amos ter escolhido outros sı´mbolos para compor Sa. Por
exemplo, poderı´amos ter definido Sa de tal modo que CS fosse composto
pelas constantes z e u, FS fosse composto pelas sı´mbolos funcionais a e m
e RS fosse composto pelo sı´mbolo relacional M, sendo ar(a) = 2, ar(m) = 2
e ar(M) = 2, sem dizer qual traduc¸a˜o temos em vista. Isso e´ totalmente
aceita´vel. Como, pore´m, geralmente temos uma linguagem usual dada e
planejamos formaliza´-la, sempre procuraremos apresentar uma traduc¸a˜o.
Exemplo 2.1.4. A assinatura do baralho e´ a assinatura Sb tal que:
1. CS tem somente 52 constantes e1, e2, . . . , e13, o1, o2, . . . , o13, b1, b2, . . . , b13,
c1, c2, . . . , c13 sendo que “i de espadas” = ei, “i de ouros” = oi,
“i de bastos” = bi e “i de copas” = ci, isto e´, cada carta do baralho usual e´
representada por uma constante;
2. FS tem apenas o sı´mbolo funcional l sendo que ar(l) = 1 e “e´ a manilha de” =
l, o que significa que l representa a menor carta, se ela existir e for u´nica,
que ganha de uma carta dada, caso contra´rio, a pro´pria carta;
3. RS tem so´ os sı´mbolos relacionais G e P sendo que ar(G) = 2 e ar(G) = 2 bem
como “ganha de” = G e “perde para” = P, isto e´, G e´ o sı´mbolo relacional
para a relac¸a˜o de uma carta ganhar de uma carta dada e P e´ o sı´mbolo
relacional para a relac¸a˜o de uma carta perder de uma carta dada.
Ao definirmos a assinatura do baralho Sb, na˜o temos em vista um
jogo especı´fico, mas desejamos falar sobre cartas. Na pro´xima sec¸a˜o,
mostraremos como e´ possı´vel interpretar Sb. O ponto crucial e´ que, em
princı´pio, ao definirmos Sb, na˜o temos em mente uma interpretac¸a˜o inten-
cionada para os seus sı´mbolos. Noutras palavras, na˜o sabemos qual jogo
esta´ associado a assinatura Sb.
Dada uma assinatura S, convencionamos o seguinte:
1. As constantes em CS sera˜o denotadas por letras latinas minu´sculas
com eventuais indices nume´ricos, exceto em casos especiais como
25
na assinatura da aritme´tica. A letra grega σ sera´ o designador de
constantes.
2. Os sı´mbolos funcionais em FS sera˜o denotadas por letras latinas
minu´sculas, exceto em casos especiais como na assinatura da ar-
itme´tica. A letra grega ρ sera´ o designador de sı´mbolos funcionais.
3. Os sı´mbolos relacionais em RS sera˜o denotadas por letras latinas
maiu´sculas, exceto em casos especiais como na assinatura da ar-
itme´tica. A letra grega δ sera´ o designador de sı´mbolos relacionais.
2.2 Estruturas
Sempre que especificamos uma assinatura, temos uma estrutura em mente,
na qual interpretamos os sı´mbolos da assinatura. Noutras palavras, os
sı´mbolos de uma assinatura sempre sa˜o interpretados em algum mundo,
no qual os sı´mbolos passam a ter algum significado. A noc¸a˜o de estrutura
que definiremos nesta sec¸a˜o captura essa ide´ia. Fundamentalmente, uma
estrutura e´ um conjunto de objetos com propriedades, relac¸o˜es e func¸o˜es
entre eles. Assim, para definirmos precisamente o que e´ uma estrutura,
um mundo no qual interpretamos nossos sı´mbolos, precisamos entender
o que sa˜o conjuntos, propriedades, relac¸o˜es e func¸o˜es.
Para enterdermos a racionalidade dos argumentos dedutivos, e´ sufi-
ciente consideramos uma noc¸a˜o intuitiva de conjunto.
Definic¸a˜o 2.2.1. Um conjunto x e´ algo que pode ou estar em algo y, em sı´mbolos
x ∈ y, ou pode na˜o estar em y, em sı´mbolos x < y, mas esse algo y na˜o pode estar
em x. Se x ∈ y, dizemos que x esta´ em y; nesse caso tambe´m dizemos que x e´ um
elemento de y.
Noutras palavras, um conjunto e´ alguma coisa que pode ser elemento
de outra coisa, sem que esta seja tambe´m elemento daquela. Portanto, se
x ∈ y e x e´ um conjunto, enta˜o na˜o podemos ter que y ∈ x; em contra-
partida, se x < y, pode ser que y ∈ x. Para especificarmos um conjunto
x, existem dois procedimentos ba´sicos: o extensional e o intensional. No
procedimento extensional, listamos os elementos de x, separando-os por
vı´rgulas e encerrando-os entre chaves.
26
Exemplo 2.2.1. O conjunto das cartas de um baralho usual pode ser especificado,
extensionalmente, da seguinte forma:
{♠1,♠2, . . . ,♠13,♦1,♦2, . . . ,♦13,♣1,♣2, . . . ,♣13,♥1,♥2, . . . ,♥13}.
No procedimento intensional indicamos que o conjunto x a ser definido
tem elementos de um conjunto y que pressupomos como dado, chamado
universo de discurso, escrevemos dois pontos e apresentamos uma descric¸a˜o
que apenas os elementos de x satisfazem.
Exemplo 2.2.2. Suponha que Ω seja o conjunto de todos os objetos possı´veis de
serem usados em jogos - um conjunto muito grande! Nesse caso, o conjunto das
cartas de um baralho usual pode ser especificado da seguinte forma:
{x ∈ Ω : x e´ uma carta do baralho usual}.
Como o que importa em um conjunto sa˜o os elementos que o compo˜em,
os conjuntos distinguem-se um dos outros pelos seus elementos.
Definic¸a˜o 2.2.2. Dois conjuntos X e Y sa˜o iguais, o que denotamos por X = Y,
quando seus elementos sa˜o exatamente os mesmos.
Exemplo 2.2.3. Considere os seguintes conjuntos:
• A = {♠1,♠2, . . . ,♠13,♦1,♦2, . . . ,♦13,♣1,♣2, . . . ,♣13,♥1,♥2, . . . ,♥13}
• H = {x ∈ Ω : x e´ uma carta de baralho usual}
Dadas as definic¸o˜es de A e H, podemos afirmar que A = H. Doravante,
denotaremos o conjunto das cartas de baralho usual pela letra H.
Como consequeˆncia da definic¸a˜o de conjunto, inferimos que existe um
conjunto que na˜o tem elementos, o qual chamamos de conjunto vazio e
denotamos por �. De fato, o conjunto vazio existe, pois, para qualquer
coisa x, faz sentido perguntar se x esta´ ou na˜o em �. A resposta e´ sempre
a mesma: na˜o! Portanto, � e´, realmente, um conjunto. Ale´m disso, existe
um u´nico conjunto vazio, uma vez que se X fosse outro conjunto vazio, ele
deveria ser diferente de �, ou seja, deveria existir algum y tal que y ∈ Y e
y < �. Nesse caso, pore´m, X na˜o seria um conjunto vazio. Como estamos
falando do conjunto vazio, conve´m lembrar, inclusive, uma definic¸a˜o usual
quando falamos da quantidade de elementos de um conjunto.
27
Definic¸a˜o 2.2.3. A cardinalidade de um conjunto X, em sı´mbolos |X|, e´ a quan-
tidade de elementos em X.
Exemplo 2.2.4. Dada a definic¸a˜o de cardinalidade, sabemos que | � | e´ zero, ao
passo que |{0, 1}| e´ dois.
Uma caracterı´stica interessante dos conjuntos e´ que a ordem de seus
elementos na˜o importa. Noutras palavras, dois conjuntos A e B sa˜o iguais
mesmo que os seus elementos estejam listados em ordens diferentes.
Exemplo 2.2.5. Seja A o conjunto formado pelo nu´mero zero e o nu´mero um, i.e.,
A = {0, 1}. Considere, por sua vez, B como sendo o conjunto formado pelo nu´mero
1 e o nu´mero 0, i.e., B = {1, 0}. Vamos mostrar que A = B. Para verificarmos isso,
temos que mostrar que A e B tem os mesmos elementos, ou seja, para todo x, se x
esta´ em A, enta˜o x esta´ em B, e vice-versa. Noutras palavras, precisamos mostrar
que x ∈ A se, e somente se, x ∈ B para qualquer x. Suponha, enta˜o, que x ∈ A
seja la´ qual for esse x. Assim, ou x e´ 0 ou e´ 1, porque 0 e 1 sa˜o os u´nicos elementos
de A. Se x = 0, enta˜o x ∈ B, pois 0 ∈ B. Se x = 1, enta˜o x ∈ B, pois 1 ∈ B. Isso
mostra que, para qualquer que seja x, se x ∈ A, enta˜o x ∈ B. Agora suponha que
x ∈ B. Assim, ou x e´ 1 ou e´ 0, porque 1 e 0 sa˜o os u´nicos elementos de B. Se x = 1,
enta˜o x ∈ A, pois 1 ∈ A. Se x = 0, enta˜o x ∈ A, pois 0 ∈ A. Logo, mostramos que
x ∈ A se, e somente se, x ∈ A para qualquer x, ou seja, A = B.
Esse exemplo mostra, na˜o apenas, que a ordem dos elementos de um
conjunto e´ irelevante para sua indentificac¸a˜o, ele tambe´milustra que dois
conjuntos A e B sa˜o iguais quando um esta´ contido no outro.
Definic¸a˜o 2.2.4. Um conjunto A esta´ contido em um conjunto B quando todo
elemento de A e´ um elemento de B, i.e, para todo x, se x ∈ A, enta˜o x ∈ B; o que
denotamos por A ⊆ B. Quando A ⊆ B tambe´m dizemos que A e´ um subconjunto
de B.
Portanto, em termos estritos, para demonstrarmos que dois conjuntos
A e B sa˜o iguais devemos mostrar que um conjunto esta´ contido no outro.
Entretanto, esse tipo de tarefa seria muito dispendiosa no caso de conjuntos
de cardinalidade finita e pequena, como no exemplo 2.2.5. Nesses casos,
fazemos uma inspec¸a˜o, ou seja, olhamos para os elementos dos conjuntos
e verificamos se eles sa˜o os mesmos. No caso do exemplo 2.2.5, no qual
A = {0, 1} e B = {1, 0}, por inspec¸a˜o verificamos que A = B. Na˜o precisamos
de uma demostrac¸a˜o desse fato.
28
A fim de indicarmos que a ordem dos elementos e´ importante para a
identidade de um conjunto, costumamos usar a noc¸a˜o de conjunto ordenado.
Definic¸a˜o 2.2.5. Um conjunto ordenado e´ uma sequeˆncia de elementos. Cada
elemento de uma sequeˆncia x e´ chamada i-e´sima componente de x e denotada
por xi, sendo que i indica a posic¸a˜o do elemento em x. Assim, dois conjuntos
ordenados X e Y sa˜o iguais quando suas componentes sa˜o exatamente as mesmas,
ou seja, se, e so´ se, para cada i, xi = yi. Quando X for um conjunto ordenado
com digamos n componentes, chamaremos X de uma lista de comprimento n.
Uma lista e´ especificada ao listarmos seus elementos, separando-os por vı´rgulas e
encerrando-os entre parenteses:
(x1, x2, . . . , xn)
Ademais, dado um conjunto A, o conjunto n-cartesiano de A e´ conjunto de
todas as listas de comprimento n cujas componentes sa˜o elementos de A, i.e.,
An = {(a1, a2, . . . , an) ∈ Ω : ai ∈ A}.
Exemplo 2.2.6. Considere os conjuntos ordenados A = (♠1,♣1) e B = (♣1,♠1).
Como o 1-e´simo elemento de A e´ ♠1, ao passo que 1-e´simo elemento de B e´ ♣1,
concluı´mos que A , B. Ale´m disso, se X = {♠1,♣1}, enta˜o
X2 = {(♠1,♠1), (♠1,♣1), (♣1,♠1), (♣1,♣1)}.
Conjuntos tambe´m podem ser combinados de modo a gerar outros
conjuntos. As operac¸o˜es abaixo sa˜o formas elementares de gerar conjuntos
novos a partir de conjuntos dados.
Definic¸a˜o 2.2.6. Sejam A e B dois subconjuntos de um universo Ω. Enta˜o
podemos definir as seguintes operac¸o˜es conjuntistas:
• Ac e´ o complemento do conjunto A, sendo que
Ac = {x ∈ Ω : x < A}.
• A ∩ B e´ a intersec¸a˜o dos conjuntos A e B, sendo que
A ∩ B = {x ∈ Ω : x ∈ A e x ∈ B}.
29
• A ∪ B e´ a unia˜o dos conjuntos A e B, sendo que
A ∪ B = {x ∈ Ω : x ∈ A ou x ∈ B};
Exemplo 2.2.7. Sejam Ω = {0, 1, 2, 3}, A = 0, B = {2, 3} e C = {1, 0}. Enta˜o, os
seguintes enunciados sa˜o verdadeiros:
• A ∈ Ω, B ⊆ Ω, C2 ⊆ Ω2, B ∪ C = Ω, B ∩Ω = B, Bc = C.
Ja´ os seguintes enunciados sa˜o todos falsos:
• A ⊆ Ω, B ∈ Ω, Ω2 ⊆ C2, B ∪ C = �, B ∩ C , �, Cc = Ω.
Ja´ temos a disposic¸a˜o as definic¸o˜es sobre conjuntos suficientes para
atribuirmos significados aos sı´mbolos de uma assinatura dada. Para
comec¸ar, uma constante σ de uma assinatura S funciona como um nome
pro´prio da linguagem natural; constantes denotam objetos. Ja´ um fun-
cional ρ de uma assinatura S tem o mesmo papel de um funcional da
linguagem natural.
Definic¸a˜o 2.2.7. Um funcional e´ uma expressa˜o de uma linguagem natural que
representa uma func¸a˜o.
Uma func¸a˜o e´, por sua vez, uma regra que associa a cada objeto um
u´nico objeto. Por exemplo, a expressa˜o “a ma˜e de” e´ um funcional da
lı´ngua portuguesa, pois, para cada indivı´duo, por exemplo, Joa˜o, Maria e
Hera, associamos uma u´nica ma˜e biolo´gica, digamos, Eva. O funcional “a
ma˜e de” representa a func¸a˜o ser ma˜e.
Um relacional δ de uma assinatura S funciona como um relacional da
linguagem natural.
Definic¸a˜o 2.2.8. Um relacional e´ uma expressa˜o de uma linguagem natural
que representa uma relac¸a˜o, ou seja, um relacional e´ uma expressa˜o que quando
aplicada a uma lista de nomes ou funcionais gera uma proposic¸a˜o.
Uma relac¸a˜o e´ uma associac¸a˜o de um ou mais objetos a um ou mais
objetos. Noutras palavras, uma relac¸a˜o e´ algo que dizemos ser verdadeiro
entre objetos. Por exemplo, a expressa˜o “a irma˜ de” e´ um relacional, pois,
para cada indivı´duo, por exemplo, Joa˜o, associamos uma ou mais pessoas,
a saber, Maria e Hera, mas na˜o associamos, por exemplo, Pedro, uma vez
30
que ele na˜o e´ irma˜o de Joa˜o. Ademais, note que as expresso˜es “a irma˜ de
Joa˜o e´ Maria” e “a irma˜ de Joa˜o e´ Hera” sa˜o expresso˜es que podem ser ou
verdadeiras ou falsas, isto e´, elas expressam proposic¸o˜es.
Usando as noc¸o˜es conjuntistas que introduzimos ate´ aqui, somos ca-
pazes de apresentar uma definic¸a˜o formal do que sa˜o relac¸o˜es e func¸o˜es.
Definic¸a˜o 2.2.9. Uma relac¸a˜o n-a´ria R sobre um conjunto A e´ um subconjunto
do n-cartesiano de A, ou seja, R ⊆ An. Uma func¸a˜o f sobre um conjunto A e´ uma
relac¸a˜o unı´voca sobre An+1, no sentido de que, para cada sequeˆncia (a1, a2, . . . , an)
em An, f associa um u´nico elemento b em A. Noutras palavras, R e´ um conjunto de
sequeˆncias de comprimento n em An, ao passo que f e´ um conjunto de sequeˆncias de
comprimento n+1 em An+1 tais que se (a1, a2, . . . , an, b) ∈ f e (a1, a2, . . . , an, c) ∈ f ,
enta˜o b = c.
Quando n = 1, costumamos falar em relac¸o˜es e func¸o˜es una´rias, ao
inve´s de 1-a´ria; quando n = 2, falaremos em relac¸o˜es e func¸o˜es bina´rias;
quando n = 3, falaremos em relac¸o˜es e func¸o˜es terna´rias; quando n > 3,
continuaremos falando em relac¸o˜es e func¸o˜es n-a´rias. Ademais, relac¸o˜es
una´rias tambe´m sa˜o usualmente chamadas de propriedades.
Exemplo 2.2.8. Considere o conjunto das cartas de baralho usual H. Defina os
conjuntos
R♠ = {(♠13,♠13), (♠13,♠12), (♠12,♠11), . . . , (♠2,♠1)},
R♦ = {(♦13,♦12), (♦12,♦11), . . . , (♦2,♦1)},
R♣ = {(♣13,♣12), (♣12,♣11), . . . , (♣2,♣1)},
R♥ = {(♥13,♥12), (♥12,♥11), . . . , (♥2,♥1)}.
Ora, os conjuntos R♠, R♦, R♣ e R♥ sa˜o formados por pares de cartas usuais.
Ou seja, R♠ ⊆ H2, R♦ ⊆ H2, R♣ ⊆ H2, R♥ ⊆ H2. Portanto, R♠, R♦, R♣ e R♥ sa˜o
relac¸o˜es bina´rias sobre H.
Para 1 ≤ i ≤ 13 e 1 ≤ j ≤ 13, considere os seguintes conjuntos
Q♠ = {(x, y) ∈ H2 : x = ♠i e y = ♦ j ou y = ♣ j ou y = ♥ j},
Q♦ = {(x, y) ∈ A2 : x = ♦i e y = ♣ j ou y = ♥ j},
Q♣ = {(x, y) ∈ A2 : x = ♣i e y = ♥ j}.
31
Os conjuntos Q♠, Q♦ e Q♣ tambe´m sa˜o formados por pares de cartas usuais.
Ou seja, Q♠ ⊆ H2, Q♦ ⊆ H2 e Q♣ ⊆ H2. Portanto, Q♠, Q♦ e Q♣ tambe´m sa˜o
relac¸o˜es bina´rias sobre H. A partir disso, podemos definir a relac¸a˜o de uma carta
ganhar de outra do seguinte modo:
R = R♠ ∪ R♦ ∪ R♣ ∪ R♥ ∪Q♠ ∪Q♦ ∪Q♣.
Agora analisaremos um exemplo de func¸a˜o. Antes disso, conven-
cionamos que, em virtude de uma func¸a˜o n-aria f sobre um conjunto
A ser uma relac¸a˜o unı´voca, escreveremos f (a1, a2, . . . , an) = b para denotar
que (a1, a2, . . . , an, b) ∈ f .
Exemplo 2.2.9. Considere, novamente, o conjunto H das cartas de um baralho
usual. A func¸a˜o manilha sobre H e´ a func¸a˜o h tal que
h(a) = b se, e somente se,
(b, a) ∈ R♠ ∪ R♦ ∪ R♣ ∪ R♥ ∪ {(♥13,♣1), (♣13,♦1), (♦13,♠1)}.
Por inspec¸a˜o, verificamos que h e´, realmente, uma func¸a˜o.
A partir disso, agora e´ imediato definir o que sa˜o as interpretac¸o˜es das
constantes, sı´mbolos funcionais e relacionais.
Definic¸a˜o 2.2.10. Uma estrutura A que interpreta uma assinatura S e´ com-
posta pelo seguinte:
1. Um conjunto na˜o-vazio UA de elementos, chamado de universo deA;
2. Uma func¸a˜o IA chamada interpretac¸a˜o tal que
• Para cada constante σ em CS, IA(σ) e´ um elemento designado do
universo UA;
• Para cada sı´mbolo funcional n-a´rio ρ em FS, IA(ρ) e´ uma func¸a˜o de
UnA em UA, o que representamos por IA(ρ) : U
n
A → UA;
• Para cada sı´mbolo relacional n-a´rio δ em RS, IA(δ) e´ uma relac¸a˜o em
UnA, ou seja, IA(δ) ⊆ UnA.A interpretac¸a˜o IA(σ) de uma constante σ e´ um elemento do domı´nio
da estrutura A que interpreta S. Podemos ter duas estruturas A e B que
interpretam S de tal modo que IA(σ) , IB(σ). Isso ocorre com frequeˆncia
32
no mundo real, pois muitas vezes o mesmo nome, digamos, Abra˜o de-
nota pessoas diferentes dependendo da situac¸a˜o na qual estamos. Uma
estrutura e´ como se fosse uma dessas situac¸o˜es e, por isso, podemos ter
IA(σ) , IB(σ). A interpretac¸a˜o IA(ρ) de um sı´mbolo funcional ρ e´ uma
func¸a˜o sobre o domı´nio da estrutura A que interpreta S, ao passo que
interpretac¸a˜o IA(δ) de um sı´mbolo relacional δ e´ uma relac¸a˜o. Conve´m
analisarmos alguns exemplos. Comec¸amos com o caso no qual ja´ temos as
func¸o˜es e relac¸o˜es definidas de algum modo.
Exemplo 2.2.10. A estrutura da aritme´tica e´ a estrutura Aa que interpreta a
assinatura da aritme´tica Sa de tal modo que:
1. O conjunto dos nu´meros naturais N = {0, 1, 2, . . .} e´ o universo deAa, ou
seja, UAa = N;
2. IAa(0˙) = 0 e IAa(1˙) = 1;
3. IAa(⊕) = + e IAa(⊗) = ×;
4. IAa(≺) = <.
A simplicidade da definic¸a˜o da estrutura da aritme´tica Aa e´ apenas
aparente. Para comec¸ar, quando definimos que N = {0, 1, 2, . . .} estamos
pressupondo o que sa˜o os nu´meros naturais. Partimos da hipo´tese de
que compreendemos um conjunto infinito. Similarmente, pressupomos as
definic¸o˜es do nu´mero zero e um, uma vez que estabelecemos que IAa(0˙)
e IAa(1˙) sa˜o, respectivamente, esses nu´meros. Por fim, pressupomos a
adic¸a˜o, a multiplicac¸a˜o e a relac¸a˜o de ordem: as definic¸o˜es de IAa(⊕) e
IAa(⊗) e IAa(≺) expressam que essas sa˜o as intepretac¸o˜es dos sı´mbolos ⊕, ⊗
e ≺.
Um exemplo de estrutura construida passo a passo pode ser dada para
interpretar a assinatura do baralho Sb.
Exemplo 2.2.11. A estrutura do baralho e´ a estrutura Ab que interpreta a
assinatura do baralho Sb de tal modo que:
1. O universo deAb e´ o baralho usual H, isto e´, UAb = H;
2. Para cada i com 1 ≤ i ≤ 13,
IAb(ei) = ♠i, IAb(oi) = ♦i, IAb(bi) = ♣i, IAb(ci) = ♥i;
33
3. IAb(l) = h;
4. IAb(G) = R e IAb(P) = R
c.
Note que na definic¸a˜o da estrutura do baralho utilizamos va´rias
definic¸o˜es pre´vias. Isso se deve ao fato deAb ser uma estrutura nova.
Prima facie, pode parecer que as definic¸o˜es das interpretac¸o˜es dos
sı´mbolos em estruturas e´ redundante, mas, em verdade, ela na˜o e´. No
decorrer deste curso, isso ficara´ claro.
2.3 Expresso˜es relacionais
A fim de definirmos uma linguagem formal que nos permita compreender
a racionalidade dos argumentos relacionais, precisamos, ale´m do conceito
de assinatura, definir algum sı´mbolo para o qual poderemos definir regras
de introduc¸a˜o e eliminac¸a˜o, ou seja, precisamos de algum sı´mbolo lo´gico.
Definic¸a˜o 2.3.1. Um alfabeto relacional BS e´ composto pelo seguinte:
1. Uma assinatura S;
2. Um sı´mbolo de igualdade � tal que
“e´ igual a” = � .
Exemplo 2.3.1. O alfabeto relacional da aritme´tica Ba e´ aquele cuja assinatura e´
a assinatura da aritme´tica Sa.
Exemplo 2.3.2. O alfabeto relacional do baralho Bb e´ aquele cuja assinatura e´
assinatura do baralho Sb.
A partir de um alfabeto relacional, podemos definir a noc¸a˜o de ex-
pressa˜o relacional.
Definic¸a˜o 2.3.2. Uma expressa˜o relacional sobre um alfabeto BS e´ uma lista
de sı´mbolos ξ1, . . . , ξn tal que cada ξi e´ um elemento de BS. O conjunto VS de
todas as expresso˜es relacionais sobre BS e´ chamado de vocabula´rio relacional.
Exemplo 2.3.3. Considere o vocabula´rio relacional da aritme´ticaVSa . Podemos
constatar o seguinte:
34
• 0˙1˙ ∈ VSa , 0˙ ⊕ 0˙ ∈ VSa , � 0˙1˙ ∈ VSa , etc.
• 0 <VSa , 1˙ ⊕ x <VSa , 1 + 1 <VSa , 0˙ = 0˙ <VSa , etc.
Exemplo 2.3.4. Considere o vocabula´rio relacional do baralho VSb . Podemos
constatar o seguinte:
• o1 ∈ VSb , o13 �∈ VSb , llll ∈ VSb , etc.
• ♦1 <VSb , b13 ⊕ c1 <VSb , e14 <VSb , ly = c1 <VSb , etc.
Qualquer lista de sı´mbolos de um dado alfabeto e´ uma expressa˜o, pre-
cisamos, pore´m, delimitar quais expresso˜es representam enunciados que
expressam proposic¸o˜es acerca de sujeitos. Noutras palavras, falta definir-
mos a noc¸a˜o de fo´rmula relacional. No entanto, a quantidade de possı´veis
enunciados e´ infinita. Como podemos definir um conjunto infinito? Para
isso, precisamos introduzir um novo recurso de definic¸a˜o.
Definic¸a˜o 2.3.3. Uma definic¸a˜o recursiva de um conjunto A consiste de uma
definic¸a˜o de A em treˆs passos:
Passo base: Inicialmente inserimos alguns elementos em A, chamados de ele-
mentos ba´sicos, que satisfazem uma ou mais propriedades previamente
conhecidas, chamadas propriedades ba´sicas.
Passo indutivo: Supondo que alguns elementos, chamados de elementos da-
dos, ja´ esta˜o em A, estabelecemos que quaisquer outros elementos que es-
tejam relacionados com os elementos dados segundo uma ou mais relac¸o˜es
previamente conhecidas, chamadas relac¸o˜es indutivas, tambe´m devem ser
inseridos em A.
Passo conclusivo: Afirmamos que na˜o ha´ nada mais em A ale´m do que foi
introduzido em A atrave´s do passos base e indutivos.
O passo conclusivo tem a finalidade de determinar que os elementos do
conjunto A que esta´ sendo definido sa˜o aqueles e, apenas aqueles, inseridos
nos passos base e indutivo - afinal, poderı´amos incluir outros elementos
na˜o mencionados nesses passos. Com o intuito de evitar redundaˆncias,
omitiremos o passo conclusivo em nossas definic¸o˜es, dizendo sempre que
estamos definindo o menor conjunto A que satisfaz as condic¸o˜es dos passos
base e indutivo. Como estamos definindo o menor conjunto A, excluimos,
assim, qualquer outro elemento na˜o tenha sido inserido de acordo com os
passos base e indutivo.
35
Exemplo 2.3.5. O conjunto dos galhos G de uma a´rvore T e´ o menor conjunto
dos membros x de T tal que:
Passo base: se x nasce do caule de T mas na˜o e´ um fruto ou uma folha e´ um
galho, ou seja, x esta´ em G.
Passo indutivo: Se x nasce de um galho y de T mas x na˜o e´ um fruto de T ou
folha de T, enta˜o x e´ um galho, ou seja, x esta´ em G.
Note que pressupomos as propridades ba´sicas “x e´ um caule”, “x e´ um fruto”
e “x e´ uma folha” de uma a´rvore. A relac¸a˜o indutiva e´ a relac¸a˜o “x nasce de y”.
Ale´m da definic¸a˜o por recursa˜o ser um instrumento u´til para definir
conjuntos, ela tambe´m permite que provemos propriedades sobre con-
juntos infinitos definidos recursivamente. De fato, para mostrarmos que
um conjunto A definido recursivamente tem uma propriedade φ, basta,
primeiro, mostrarmos que os elementos ba´sicos de A satisfazem φ. Se-
gundo, assumimos que os elementos dados de A satisfazem φ; chamamos
essa parte de hipo´tese de induc¸a˜o. A partida da hipo´tese de induc¸a˜o
mostramos que qualquer outro elemento de A que satisfaz as relac¸o˜es
indutivas tambe´m satisfaz φ. Como os elementos de A sa˜o justamente os
elementos definidos pelos passos base e indutivo, mostramos, assim, que
todos os elementos de A tem a propriedade φ. Na penu´ltima sec¸a˜o deste
capı´tulo, faremos uma demonstrac¸a˜o usando esse tipo de te´cnica que e´
chamada demonstrac¸a˜o por induc¸a˜o.
Definic¸a˜o 2.3.4. O conjunto dos termos do alfabeto relacionalBS e´ o subconjunto
TS do vocabula´rio relacionalVS definido recursivamente do seguinte modo:
1. As constantes de S esta˜o em TS;
2. Se ρ e´ um sı´mbolo funcional n-a´rio de S e τ1, . . . , τn esta˜o em TS, enta˜o
ρτ1 · · · τn tambe´m esta´ em TS.
Quando o contexto tornar claro, excluiremos os parenteses externos de termos
da forma (τρpi).
Exemplo 2.3.6. Considere o conjunto dos termos da aritme´tica Ta. Podemos
verificar o seguinte:
• 0˙ ∈ Ta, ⊕0˙1˙ ∈ Ta, ⊗ ⊕ 0˙1˙0˙ ∈ Ter, etc.
36
• 0˙ ⊕ 1˙ < Ta, ⊗0˙x < Ta, ≺ 0˙1˙ < Ta, 1˙ ≺ 0˙ < Ta, etc.
Exemplo 2.3.7. Considere o conjunto dos termos do baralhoTb. Podemos verificar
o seguinte:
• o1 ∈ Tb, lc6 ∈ Tb, llllp13 ∈ Tb, etc.
• a < Tb, o1 � c1 < Tb, llll < Ter,b1b2 < Tb, etc.
Os termos de um alfabeto representam os sujeitos de enunciados. De
fato, ja´ sabemos que as constantes funcionam como nomes de elementos.
Por outro lado, os funcionais sa˜o expresso˜es que dado um sujeito geram
outro sujeito. Portanto, os sı´mbolos relacionais geram novos sujeitos. Essa
e´ a raza˜o pela qual podemos, enta˜o, afirmar que os termos representam os
sujeitos de enunciados.
Note que ⊕0˙1˙ e´ um termo do alfabeto da aritme´tica, mas 0˙ ⊕ 1˙ na˜o
e´. Isso ocorre porque na definic¸a˜o dos termos 2.3.4 usamos a chamada
notac¸a˜o pre´fixa. Segundo essa notac¸a˜o, os sı´mbolos funcionais aparecem
primeiro nas expresso˜es, por exemplo, ⊕0˙1˙. Na matema´tica costumamos
usar a notac¸a˜o infixa, na qual os sı´mbolos funcionais aparecem no meio
das expresso˜es, por exemplo, 0˙ ⊕ 1˙. Quando estivermos considerando
expresso˜es conhecidas da matema´tica tambe´m usaremos a notac¸a˜o infixa
e parenteses, a fim de facilitar a escrita e leitura. No entanto, sempre que
for realizado algum tipo de ca´lculo com os termos deve-se coloca´-lo em
notac¸a˜o pre´fixa, porque essa e´ a notac¸a˜o usada na definic¸a˜o dos termos.
Definic¸a˜o 2.3.5. O conjunto das fo´rmulas do alfabeto relacional BS e´ o subcon-
junto FS deVS definido recursicamente:
1. Se τ e pi sa˜o termos em TS, enta˜o τ � pi esta´ em FS;
2. Se δ e´ um sı´mbolo relacional n-a´rio de S e τ1, . . . , τn sa˜o termos em TS,
enta˜o δτ1 · · · τn esta´ em FS.
As fo´rmulas da forma τ � pi em FS sa˜o chamadas equac¸o˜es.
Exemplo 2.3.8. Considere o conjunto das fo´rmulas da aritme´tica Fa. Podemos
verificar o seguinte:
• ≺ 0˙1˙ ∈ Fa, ⊕0˙1˙ � 1˙ ∈ Fa, ≺ ⊗0˙1˙0˙ ∈ Fa, etc.
37
• 0˙ ≺ 1˙ < Fa, +00 = 0 < Fa, ⊕0˙1˙ < Fa, 0˙ ⊗ 1˙ ≺ 0˙ < Fa, etc.
Exemplo 2.3.9. Considere o conjunto das fo´rmulas do baralho Fb. Podemos
verificar o seguinte:
• b1 � c10 ∈ Fb, Go5lllle1 ∈ Fb, Po7e7 ∈ Fb, etc.
• � b1c10 < Fb, llllb13 < Fb, Po7e7 � Ge7o7 < Fb, etc.
Como esses exemplos mostram, na definic¸a˜o das fo´rmulas tambe´m
usamos a notac¸a˜o pre´fixa. Convencionaremos, todavia, que no caso de
equac¸o˜es que usam sı´mbolos conhecidos usaremos a notac¸a˜o infixa. Afinal,
e´ difı´cil entender o que esta´ expresso, por exemplo, em ≺ ⊗0˙1˙0˙, mas, ao
escrevemos 0˙ ⊗ 1˙ ≺ 0˙, a compreensa˜o fica mais fa´cil. No entanto, sempre
que for realizado algum tipo de ca´lculo com as fo´rmulas deve-se coloca´-
la em notac¸a˜o pre´fixa, porque essa e´ a notac¸a˜o usada na definic¸a˜o das
fo´rmulas.
Concluı´mos com a definic¸a˜o de linguagem relacional.
Definic¸a˜o 2.3.6. Uma linguagem relacional LS e´ composta por um alfabeto
relacional BS e um conjunto de fo´rmulas FS sobre esse alfabeto.
Dada uma assinatura S, a definic¸a˜o dos termos em TS e das fo´rmulas
em FS e´ sempre o mesmo, pois esses conjuntos foram definidos recursiva-
mente, usando indicadores. Ale´m disso, tambe´m vimos que o que varia de
um alfabeto para outro e´ apenas sua assinatura S. Assim, para definirmos
uma linguagem relacional basta apresentarmos sua assinatura.
Exemplo 2.3.10. Considere o argumento relacional 2.1.1:
1. O Batman e´ um hero´i de Gotham City.
2. Ora, Bruce Wayne e´ o Batman.
3. Logo, Bruce Wayne e´ um hero´i de Gotham city.
Seja LS a linguagem relacional definida sobre a assinatura S tal que CS =
{b, r}, FS = � e RS = {H} com ar(H) = 1, no qual:
1. “Batman” = b;
38
2. “Bruce Wayne” = r;
3. “Ser hero´i de Gotham City” = H.
Assim, na linguagem LS, a forma do argumento 2.1.1 e´ esta:
1. Hb
2. r � b
3. Hr
Como em nossa pragma´tica argumentativa, o argumento 2.1.1 tem uma forma
lo´gica, concluı´mos que
Hb, r � b ` Hr.
Exemplo 2.3.11. Considere o argumento relacional 2.1.2:
1. O Batman e´ o hero´i de Gotham City.
2. Ora, Bruce Wayne e´ o Batman.
3. Logo, Bruce Wayne e´ o hero´i de Gotham city.
Seja LS a linguagem relacional definida sobre a assinatura S tal que CS =
{b, r, c}, FS = h com ar(h) = 1 e RS = �, no qual:
1. “Batman” = b;
2. “Bruce Wayne” = r;
3. “Gotham City” = c;
4. “O hero´i de” = h.
Desse modo, na linguagem LS, a forma do argumento 2.1.2 e´ esta:
1. b � hc
2. r � b
3. r � hc
39
Como em nossa pragma´tica argumentativa, o argumento 2.1.2 e´ tem um forma
lo´gica, concluı´mos que
b � hc, r � b ` r � hc.
Os exemplos 2.3.10 e 2.3.11 mostram que os argumentos 2.1.1 e 2.1.2 tem
formas diferentes. Note, pore´m, que o mero fato de definirmos linguagens
nas quais 2.1.1 e 2.1.2 passam a ter formas diferetens na˜o implica que
a racionalidade desses argumentos e´ realmente distinta, pois pode ser
que tenhamos construı´do as linguagens de forma arbitra´ria. A fim de
compreendermos as diferenc¸as entre esses argumentos precisamos definir
as relac¸o˜es de consequeˆncia sinta´tica 
 e semaˆntica � associadas a` `.
2.4 Verdades relacionais
Como dissemos acima, os termos de uma linguagem sa˜o expresso˜es usadas
para indicar objetos. Ja´ sabemos como interpretar cada sı´mbolo que ocorre
nos termos. Assim, podemos definir o que e´ o significado dos termos.
Definic¸a˜o 2.4.1. O significadoA(τ) de um termo τ em TS na estruturaA que
interpreta BS e´ definido recursivamente:
1. Se τ e´ uma constante σ, enta˜oA(τ) = IA(σ);
2. Se τ e´ um termo ρτ1 · · · τn, enta˜oA(τ) = IA(ρ)(A(τ1), . . . ,A(τn)).
Exemplo 2.4.1. Na linguagem da aritme´tica La, temos os seguintes exemplos de
significados:
• Aa(0˙) = IAa(0˙) = 0 eAa(1˙) = IAa(1˙) = 1.
• Aa(0˙⊗1˙) = Aa(⊗0˙1˙) = IAa(⊗)(Aa(0˙),Aa(1˙)) = IAa(0˙)×IAa(1˙) = 0×1 = 0,
Aa(1˙⊕1˙) = Aa(⊕1˙1˙) = IAa(⊕)(Aa(1˙),Aa(1˙)) = IAa(1˙)+IAa(1˙) = 1+1 = 2,
etc.
Exemplo 2.4.2. Na linguagem do baralho Lb, temos os seguintes exemplos de
significados:
• Ab(p1) = IAb(p1) = ♣1,Ab(c13) = IAb(c13) = ♥13, etc.
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• Ab(lp1) = IAb(l)(Ab(p1)) = h(♣1) = ♣2, Ab(llc13) = IAb(l)(Ab(lc13)) =
h(IAb(l)(Ab(c13))) = h(h(♥13)) = h(♣1) = ♣2, etc.
E´ importante perceber nos exemplos 2.4.1 e 2.4.2 que a determinac¸a˜o do
significado dos termos numa estrutura pressupo˜e o conhecimento dessa
estrutura. De fato, no exemplo 2.4.2 isso fica evidente quando analisamos
Ab(llc13). Nesse caso, precisamos ter em mente a func¸a˜o manilha h, a qual
foi definida em 2.2.9. Por outro lado, no exemplo 2.4.1 pressupomos o
conhecimento da multiplicac¸a˜o e adic¸a˜o, as quais na˜o foram definidas.
Note, em particular, que Aa(1˙ ⊕ 1˙) = 2, mas a linguagem da aritme´tica
Sa na˜o tem uma constante para significar o nu´mero 2 na estrutura da
aritme´tica tal como o definimos. Isso mostra que, em realidade, Aa e´
uma representac¸a˜o da aritme´tica que aprendemos na escola. Quando
definimos Aa, estabelecemos que tudo o que sabemos sobre aritme´tica
esta´ representado emAa.
A partir da definic¸a˜o da denotac¸a˜o de termos, podemos formalizar a
ide´ia de que uma fo´rmula relacional φ de uma linguagem LS expressa
algo acerca de objetos no domı´nio de uma estrutura que interpreta S.
Antes disso, precisamos estabelecer como deve-se interpretar o sı´mbolo de
igualdade �.
Definic¸a˜o 2.4.2. Para toda assinatura S e qualquer estrutura A que interpreta
S, a intepretac¸a˜o de � e´
IA(�) = {(a, a) ∈ A2 : a ∈ A}.
Ou seja, a intepretac¸a˜o da igualdade� e´ o conjuntos dos pares que tem a mesma
componente.
Agora que sabemos como interpretar a igualdade, precisamos de uma
ana´lise do significado de fo´rmulas relacionais. Felizmente, para estudar
a racionalidade relacional, basta observar que a relac¸a˜o de consequeˆncia
semaˆntica exige apenas que saibamos se uma fo´rmula expressa uma ver-
dade ou falsidade, algo sobre como os objetos de uma estrutura sa˜o ou
na˜o. Como a verdade e a falsidade sa˜o, por sua vez, conceitos complexos,
simplificaremos nossa ana´lise usando o sı´mbolo > para indicar a verdade,
reservando o sı´mbolo ⊥ para a falsidade. Obviamente, quaisquer outros
dois objetos poderiam ser usados para representar a verdade e a falsidade,
por exemplo, as letras V e F,

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