Buscar

Módulo 1

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

MÓDULO 1: O ESTUDO DA SEMÂNTICA
MÓDULO 1: O ESTUDO DA SEMÂNTICA
Como a nossa disciplina trata da semântica e da estilística, para efeito de compreensão, descreveremos esses conceitos separadamente, embora ambos estejam ligados na produção e/ou interpretação de um texto, pois os significados constroem-se por meio de recursos que a língua nos propicia. Então, iniciaremos pelo estudo da semântica e o que esta implica para depois passarmos a estudar o que diz respeito à estilística.
Para entendermos o que seja semântica, é preciso compreendermos a evolução dos estudos em termos de linguagem. Nesse sentido, em um primeiro momento houve a crença de que o referente seria o objeto no mundo, externo à linguagem, ou seja, de que o homem nomeasse as “coisas” do mundo independentemente de sua inserção sócio-histórica ou cultural nesse mundo.  Para essa visão da linguagem, “as línguas naturais seriam como que nomenclaturas apensas às coisas de um mundo discretizado, recortado”, segundo PIETROFORTE & LOPES (2003:112).
Em um segundo momento, porém, de estudos da linguagem, passou-se a verificar que os conceitos são determinados pelo discurso e não por meio de um referente dado previamente, externo à linguagem. Dessa forma, as palavras somente ganhariam significado se inseridas no contexto de comunicação, visto que elas não têm uma relação direta com o objeto que significam.
Pense, por exemplo, nos conceitos de céu e inferno. O que significa cada um deles? Isso dependerá do contexto em que se insere. Do ponto de vista do discurso religioso, podem lhe ser atribuídos o sentido de prêmio vs. castigo, ao passo que para um indivíduo poderia representar o estado interior de turbulência ou de calmaria.
Sabendo que a semântica é o estudo sistemático do sentido nas línguas naturais, devemos compreender que cada maneira de construir a teoria da linguagem resulta em uma semântica peculiar.
              Há uma semântica do referente, de tradição lógico-gramatical, herança dos filósofos gregos, em que acredita-se que as palavras remetem aos conceitos e que estes, por sua vez, representam as coisas. Nessa concepção, os conceitos são garantidos pelas coisas do mundo, denominadas referentes e, assim, o mundo é o mesmo para todos.
            A semântica do referente trabalha com essências, em que há um visão una do objeto, relegando o problema da interpretação a um segundo plano. Nessa perspectiva, os conceitos são universais, portanto imutáveis para todo e qualquer ser humano, visto que não importa em que cultura este foi nascido e criado.
            Já uma outra vertente, de influência retórica-hermenêutica, transfere o eixo da produção do sentido para o que se passa “de homens para homens” e não simplesmente entre linguagem humana e mundo. Isso quer dizer que, sob essa perspectiva, a produção de sentido é um fenômeno humano, em que há um fazer persuasivo do locutor e um fazer interpretativo do interlocutor.
No final do século XIX, início do século XX, os estudos de Saussure influenciaram a visão que se tinha sobre a palavra e o conceito. Nesse sentido, é preciso retomar o que seja o signo linguístico postulado por ele.
            Saussure defendia que as duas faces do signo linguístico são o significante e o significado, atribuindo ao primeiro a imagem acústica reconhecida pelo falante e ao segundo, o conceito que ele tem do objeto. Não podemos nos esquecer de que a visão saussuriana tinha por pressuposto a arbitrariedade do signo linguístico, ou seja, de que os signos seriam convenções sociais.
            Nessa perspectiva, hoje, em uma visão sócio-interacional, tanto a palavra quanto o conceito tornam-se variáveis de acordo com a inserção sócio-histórica das expressões que estejam em relevância, visto que se pressupõe a ação humana na construção do sentido, o que não era previsto por Saussure
            Do mesmo modo, é preciso destacar a noção de verdade vs. falsidade que o olhar não referencialista leva-nos a ter sobre o mundo. Nessa perspectiva, atual, que insere o sujeito no contexto de construção dos significados, a verdade é construída pelos homens e, por isso, torna-se múltipla, variável em função dos pontos de vista humanos. Nesse sentido, não há mundo objetivo, dotado de referentes e de acontecimentos os quais são refletidos pela linguagem, o que há é um mundo de sentido construído pelo homem.
Nessa concepção, a semântica deixa de lado as noções lógicas e se aproxima de questões relacionadas à visão retórico-interpretativa, para a qual interessa o que é dito, como é dito e que efeitos influem sobre o interlocutor.
Há, entretanto, diferentes pontos de vista que delimitam os estudos da semântica.   Como já fora dito, há um primeiro baseado na visão estruturalista de vertente saussereana que define o significado como um a unidade de diferença, em que o  significado de uma palavra define-se  por não ser outro significado. Por exemplo, janela define-se por não ser porta.
Já para a semântica formal, o significado compõe-se de duas partes, o sentido e a referência. Dizer, por exemplo, a janela da casa ou a janela do escritório implica em relações diferentes do mesmo objeto. Nessa perspectiva, do modelo lógico, a relação da linguagem com o mundo  é fundamental.
Para a semântica da enunciação, o significado constrói-se no jogo argumentativo criado na e pela linguagem. O exemplo dado, janela, pode significar as diversas possibilidades de encadeamentos argumentativos das quais a palavra pode participar. O significado será a soma das suas contribuições em inúmeros fragmentos de discurso. Pode-se obter “Abri a janela”; “Há uma janela entre uma reunião e outra”, e assim por diante.
Há, ainda, uma vertente denominada semântica cognitiva, que vê a palavra como uma estrutura prototípica, ou seja, para a palavra em questão, janela, há conceitos pré-linguísticos que aparecem nas práticas discursivas, todavia esse conceito define-se pelo membro mais emblemática: um elemento de abertura.
            Como se vê, dependendo do ponto de vista para o mesmo objeto, temos um estudo diferente, Daí termos de considerar a semântica em seu sentido plural.
            Para um entendimento inicial sobre o assunto, faremos uma descrição da semântica no nível da léxico e no nível da forma de organização linguística para a produção de significados, lembrando que esse estudo não se esgota aí.
 
Semântica lexical
À semântica lexical cabe estudar o significado das palavras de uma língua. Desse modo, podem-se utilizar os princípios da descrição dos dois planos – o dos significantes (plano da expressão) e o dos significados (plano do conteúdo), pelos quais a fonologia descreve as unidades do plano da expressão, decompondo-os em traços distintivos.
Por exemplo, o fonema /p/ apresenta os seguintes traços : +oral, +oclusivo, +bilabial, enquanto /t/ é +oral, +oclusivo, -bilabial/+dental. Os dois fonemas distinguem-se no último traço, pois um é bilabial e o outro é dental.
Da mesma maneira, os traços distintivos do conteúdo, denominados semas, podem ser assim exemplificados:
	       Lexema
Sema
	poltrona
	cadeira
	sofá
	1.     Para sentar-se
	+
	+
	+
	2.     Com pés/elevado sobre o solo
	+
	+
	+
	3.     Com encosto
	+
	+
	+
	4.com braços
	+
	+
	+
	5.de material rígido
	-
	+
	-
	6.para uma pessoa
	+
	+
	-
In RAMOS, Rita Simone Pereira [et al]; Coord. Luiz Fernando M. de Carvalho; Org. Jorge Máximo de Souza. Língua Portuguesa: semântica. Rio de Janeiro. Ed. Rio, 2006.
Esse tipo de descrição denomina-se análise componencial ou sêmica. Ela é feita com base na presença e/ou ausência dos traços distintivos, os semas. O conjunto destes define-se por semema. Cada lexema tem, portanto, no mínimo um semema. No dicionário, normalmente os diferentes semas são identificados por números. Por exemplo, o semema de “vaca” comporta os semas: boi + fêmea +adulto.
Entretanto, os traços semânticos têm uma gradação no continuum, que, de acordo com Bernard Pottier (apud PITROFORTE &LOPES, 2003: 122),
“leva das propriedades objetiváveis (α) às subjetivadas (µ):”
                     α                                                                                   µ
esse caderno é:   grosso                volumoso                         bonito   
                        OBJ. (normas definíveis em termos relativos)   SUBJ.         
Veja que os semas de caderno vão do mais objetivo ao mais subjetivo, o que pode ocorrer com sememas de um lexema, uma vez que estes podem variar de um contexto a outro, ou seja, uma mesma palavra pode variar seu significado de acordo com o contexto. É o que ocorre em textos nos quais a subjetividade influi sobre a construção dos significados das palavras, como os literários, os poéticos.
Para exemplificar, vejamos uma análise feita por RAMOS (2006):
A autora parte do lexema branco, extraído do dicionário Houaiss:
1.     “Que apresenta a cor da neve recém-caída [...]
2.    Cuja cor é produzida por reflexão, transmissão ou emissão de todos os tipos de luz conjuntamente, na proporção em que existem no espectro visível completo, sem absorção sensível, sendo assim totalmente luminoso e destituído de qualquer matiz distintivo. (2005) “
Em seguida, compara o mesmo lexema a um texto jornalístico, cujo título é “Agora é branco”, extraído da Revista Isto É,em que ele sofre alterações, pois a reportagem trata de um encontro de líderes do Partido dos Trabalhadores para rever o programa do partido e adequá-lo à realidade do governo Lula.
 
 
 
A vertente referencialista, isto é, que vê o conceito relacionado ao referente no mundo, acredita em um grau zero da linguagem, isto é, na objetividade das palavras, no sentido “literal” delas. Nessa perspectiva, a linguagem reflete o mundo objetivo e o que se desvia desse grau zero é chamada conotativa ou figurada.
Todavia, a partir do conceito de signo desenvolvido por Saussure, vemos que a linguagem produz efeitos de sentido, não é simplesmente reflexo das coisas do mundo. É no discurso, portanto, que se constroem as figuras como metáforas, metonímias e outras.
Há duas formas de associação entre o sentido habitual e o sentido novo de uma palavra. A primeira diz respeito a uma relação de semelhança entre o significado de base e o novo, que se denomina metáfora. Se a associação ocorre por meio de uma relação de contiguidade, implicação, interdependência, tem-se, então, o que se denomina metonímia.
No campo lexical, as palavras definem-se umas em relação às outras e, nesse processo de estruturação do sistema lexical, elas estabelecem diversos tipos de relação, a saber: a sinonímia, a antonímia, a hiperonímia, a hiponímia, a homonímia, a paronomásia e a polissemia. Estes serão objeto de estudo no próximo módulo.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando