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Módulo 6

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Módulo 6: Gerativismo
Neste conteúdo estudaremos a abordagem gerativista de linguagem. Seu mais ilustre representante é o linguista americano Noam Chomsky, que introduziu a noção de gramática gerativa nos anos 1950. As abordagens anteriores de linguagem visavam a extrair generalizações da observação de sentenças de uma língua. Chomsky propôs ir além: “no caso de generalizações exatas e completas, é possível transformá-las em um conjunto de regras que podem ser usadas para construir sentenças gramaticais completas, partindo do zero” (Trask, 2004, p.127).
 
O termo gerativismo refere-se à essa teoria linguística descrita acima. Essa teoria compromete-se em descrever as línguas humanas por meio de gramáticas gerativas.
 
Uma gramática gerativa, como proposta por Chomsky, é mecânica e não precisa da intervenção humana. Isso implica dizer que essa gramática teria um conjunto tão preciso de regras capazes da recursividade, isto é, da possibilidade de uma mesma regra poder ser aplicada várias vezes em uma mesma sentença.
 
Gerativismo nasceu com o nome de Gramática Gerativo-Transformacional, sofreu uma série de modificações e adaptações. Na década de 80, essa teoria é apresentada como a Teoria de Princípios e Parâmetros, ou seja, uma pesquisa pelos princípios, ou universais linguísticos, e pelos parâmetros relacionados a esses princípios, ou particularidades dos sistemas linguísticos.Na década de 90, Chomsky propõe o chamado "Programa Minimalista", mantendo o enfoque de Princípios e Parâmetros, alterando mais uma vez, o modelo da gramática.
 
O objetivo do gerativismo é construir uma gramática que dê conta dos chamados universais linguísticos, ou daquilo que é comum a todas as línguas, ou da gramática universal – GU. Essa gramática, construída pelo linguista, deve dar conta de descrever as línguas humanas, ou mais especificamente, ela deve dar conta do conhecimento linguístico inato que é da espécie humana e é universal, pois é comum a todos os membros dessa espécie (SCARPA, 2001). Em outras palavras, trata-se de construir uma gramática através da qual seja possível “gerar” todos os enunciados possíveis em qualquer língua natural e apenas os enunciados possíveis. Construir, assim, um conjunto de regras que dê conta de todas as línguas do mundo, ou um conjunto de princípios que dê conta da GU.
 
 
	É possível dizer nessa língua:
 
“os menino jogam bola”
“os meninos jogam bola”
“os menino joga bola”
“jogam bola os meninos”
	Não é possível dizer nessa língua:
 
“bola jogam meninos os”
 
 
Para se compreender melhor esses termos ou conceitos e alguns dos pressupostos e doutrinas do gerativismo, veremos no próximo conteúdo complementar uma breve exposição sobre o que se chama de visão inatista de aquisição de linguagem, pois “Chomsky adota uma postura inatista na consideração do processo por meio do qual o ser humano adquire a linguagem” (SCARPA, 2001, p.206).
 
Continuemos, falando dos
	contra-argumentos do gerativismo (Chomsky) à visão behaviorista de aprendizagem da linguagem
 
            “O gerativismo (...) teve uma influência enorme, não apenas na linguística, mas também em filosofia, psicologia e outras disciplinas preocupadas com a linguagem” (LYONS, 1982, p.211). Desenvolveu-se como uma reação ao descritivismo americano pós-bloomfieldiano (versão particular do estruturalismo), ou seja, como reação ao behaviorismo, que prevalecia na psicologia, e ao estruturalismo americano, que prevalecia na linguística dos Estados Unidos da América. Em 1959, em uma revista chamada Language, Chomsky publicou uma resenha intitulada “Resenha do Comportamento Verbal de B.F. Skinner” (Review of B.F. Skinner´s Verbal Behavior), apresentando uma série de contra-argumentos à proposta behaviorista de aquisição de linguagem. Essa publicação teve uma repercussão muito grande em todas as áreas de estudos da linguagem, destacando-se aqui aquilo que diz respeito à aquisição da linguagem ou à natureza da linguagem.
 
Capacidade inata: meio ambiente fornece modelos linguísticos para um sujeito competente
 
Para Chomsky, a linguagem é adquirida a partir de um dispositivo inato inscrito na mente humana, que é desencadeado a partir da exposição da criança aos modelos linguísticos de sua comunidade. A linguagem, assim, é uma dotação genética, específica da espécie. Essa abordagem é conhecida como “inatismo”, pois a criança nasce dotada dessa capacidade (Scarpa, 2001). Isso não significa que a criança nasça com uma gramática na cabeça, ou com palavras, ou frases ou textos de línguas, mas que a criança nasce dotada de:
 
A) um mecanismo ou dispositivo inato de aquisição de linguagem (em inglês, LAD, language acquisition device), que elabora hipóteses linguísticas sobre dados linguísticos primários (isto é, a língua a que a criança está exposta); gera uma gramática específica, que é a gramática da língua nativa da criança, de maneira relativamente fácil e com um certo grau de instantaneidade. Esse mecanismo inato faz ´desabrochar` o que ´já está lá`, através da projeção, nos dados do ambiente, de um conhecimento linguístico prévio, sintático por natureza (SCARPA, 2001, p.207).
 
B) capacidade específica da espécie, o que significa que a criança é dotada de um conhecimento linguístico, ou competência linguística, inato (genético, biológico). Este é um forte contraponto à criança tabula rasa do behaviorismo, ou seja, enquanto para este último todos os comportamentos são aprendidos após o contato com o meio, para aquele a criança já nasce com os conhecimentos linguísticos.
 
São vários os contra-argumentos apresentados por Chomsky à visão behaviorista:
 
(1) não dá para se transpor os resultados obtidos com animais em laboratório para a linguagem humana (SCARPA, 2001);
 
(2) o esquema estímulo-resposta proposto por Skinner ou a teoria behaviorista não dá conta da complexidade e sofisticação do conhecimento linguístico (SCARPA, 2001).
 
C) criatividade linguística - a linguagem, ao contrário do que se tem no behaviorismo, é independente do estímulo. Isso diz da chamada “criatividade” linguística, ou da liberdade do falante em produzir enunciados imprevisíveis: “uma qualidade peculiarmente humana, que distingue os homens das máquinas e, até onde sabemos, de outros animais” (Lyons, 1982, p.213);
 
 
	Pode-se entender a criatividade como: “o enunciado que alguém profere em dada ocasião é, em princípio, não previsível, e não pode ser descrito apropriadamente, no sentido técnico desses termos, como uma resposta a algum estímulo identificável, linguístico ou não linguístico” (LYONS, 1982, p.213)
 
 
D) complexidade x tempo de aquisição - o período relativamente curto, de 18 a 24 meses, aproximadamente, que leva para uma criança, a partir do nascimento, em condições normais, apresentar domínio de um conjunto complexo de regras ou princípios básicos que constituem a gramática internalizada do falante (SCARPA, 2001). Fala-se também na espantosa facilidade com que as crianças pequenas aprendem não só uma, mas mesmo duas ou três línguas, simplesmente pelo fato de estarem expostas a elas (ELGIN, 1986);
 
E) o acúmulo de conversas que uma criança ouve e o tipo de fala e de situação de fala variam radicalmente de criança para criança, no entanto, todas as crianças aprendem sua língua materna; todas as crianças em condições ditas normais, físicas, psíquicas e sociais, desenvolvem linguagem.
 
 
Da “pobreza de estímulo”, conforme apresentado por Scarpa (2001), tira-se esta que é uma das questões centrais para os gerativistas, também chamada de “problema lógico da aquisição de linguagem”:
 
como, logicamente, as crianças adquirem uma língua se não têm informação suficiente para a tarefa?
A resposta lógica é que trazem uma enorme quantidade de informações a que Chomsky chama de Gramática Universal (Scarpa, 2001, p.209).
 
Outra questão diz respeito ao período crítico de aquisição de linguagem, que, apesar da falta de consenso entre os autores, é apontado por alguns como argumento a favor
de uma abordagem inatista para a aquisição de linguagem. O chamado período crítico é apresentado tanto para se referir à dificuldade, ou quase impossibilidade, de aquisição de linguagem por crianças após a puberdade, como para se referir à facilidade com que crianças aprendem uma segunda língua em relação à dificuldade dos adultos. Uma das interpretações é a de que a GU só estaria disponível para a criança. Outra é, por exemplo, a de Lenneberg (1967), para quem existem momentos cruciais no desenvolvimento da linguagem: o início depende de vários índices de maturação do cérebro e, uma vez completada essa maturação física, por volta da puberdade, a aprendizagem se torna muito mais difícil.
 
Na primeira versão da hipótese inatista, Chomsky considerou a existência de um dispositivo de aquisição de linguagem composto de regras gramaticais e de estratégias que permitem à criança, ao ser exposta à língua de sua comunidade, construir hipóteses e chegar às regras que compõem a gramática dessa língua. Em outras palavras, as pessoas apresentam suas manifestações linguísticas, produzem frases, ao redor da criança. Esse conjunto de frases que a criança ouve constitui o chamado input linguístico. A criança aplica seu dispositivo inato sobre essas frases e descobre como é a gramática de sua língua nativa. Essa gramática construída pela criança constitui sua gramática internalizada. A partir daí, a criança pode começar a apresentar suas próprias manifestações / produções linguísticas, que constituem seu output linguístico (SCARPA, 2001).
 
F) Capacidade linguística inata, específica da espécie e universal - na versão mais recente, Chomsky mantém sua visão inatista, mas o dispositivo inato é dotado de princípios e parâmetros. Os princípios são os universais linguísticos, aquilo que constitui a gramática universal – GU, comum a todas as línguas. A criança nasce também dotada de um conjunto de parâmetros que permitirá a ela constatar aquilo que é específico da língua de sua comunidade, particular dessa língua.
 
Por exemplo, assume-se que as sentenças de todas as línguas devam ter sujeito. No entanto, esse sujeito pode ou não ser omitido – esse é o parâmetro que precisa ser marcado. Caso a criança seja exposta a dados do inglês, ela vai marcar o valor do parâmetro como “o sujeito deve ser preenchido”, pois é o que acontece nessa língua (lembre-se de que em inglês, sentenças como está chovendo têm um sujeito: it is raining); por outro lado, caso a criança seja exposta ao português, o valor do parâmetro será “o sujeito pode ser omitido” (SANTOS, 2002, p.221).
 
Mas, nem tudo são flores. Veja a observação de Santos (2002, p.221) abaixo:
 
No entanto, a tarefa não é tão simples como parece. Muitas questões ainda hoje estão por ser respondidas no que diz respeito aos parâmetros: (...) o que desencadearia a parametrização? (...) A criança só faz uso das sentenças ouvidas (evidência positiva) ou também leva em conta o fato de nunca ter ouvido uma sentença (evidência negativa)?
 
Note que nestas duas versões, é mantida a idéia de um componente inato, específico para a linguagem, que depende apenas da criança ser exposta a modelos linguísticos. Não depende, diretamente, de outros conhecimentos cognitivos ou comportamentais (Scarpa, 2001), como é o caso de hipóteses cognitivistas ou sócio-interacionistas.
 
A relação entre a língua e outros sistemas cognitivos, como a percepção, a memória e a inteligência, é indireta, e a aquisição de linguagem – ou o desencadeamento da Gramática Universal junto com a fixação de parâmetros – não depende, necessariamente, de outros módulos cognitivos, muito menos de interação social. (SCARPA, 2001, p.209)
 
Essa proposição de um componente específico para a linguagem é o que difere a proposta de Chomsky da proposição de outras abordagens, também consideradas inatistas, como é o caso do cognitivismo ou construtivismo, pois para o cognitivismo a linguagem é parte da cognição humana geral.
 
Ao contrário do que foi visto com relação ao behaviorismo, nesta hipótese chomskiana, a criança é a principal responsável por seu desenvolvimento linguístico, pois traz em sua composição genética, biológica, aquilo que a torna ativa nesse processo. Ao meio ambiente externo à criança cabe apenas apresentar modelos de frases da língua.
 
G) Os conceitos de aquisição e aprendizagem de linguagem - há que se dar aqui uma palavrinha sobre a terminologia empregada. Você deve ter notado a mudança no uso dos termos “aprendizagem” e “aquisição”. Esses termos foram usados, deliberadamente, o primeiro ao se tratar da hipótese behaviorista, e o segundo para a hipótese inatista. A literatura da área faz essa distinção justamente porque o termo aprendizagem está associado à teoria behaviorista e, apesar de o termo “aquisição” implicar em “vir a ter algo que não se tinha antes” e, portanto, não ser o mais adequado para a teoria de Chomsky, é o mais usado em todas as outras hipóteses, não behavioristas, por ser considerado mais neutro (LYONS, 1982).
 
Ao tratar-se da teoria linguística como formulada por , parece haver necessidade de se tratar do seu princípio inatista de aquisição de linguagem, pois “a criança que aprende sua língua nativa é uma imagem a que Chomsky retorna repetidamente, desde seus primeiros escritos, de maneira que se torna difícil discriminar sua teoria da linguagem de sua visão de aquisição de linguagem” (SCARPA, 2001, p.207).
 
Volta-se, assim, a partir do exposto, para os conceitos básicos da teoria da linguagem proposta por Noam Chomsky, no próximo conteúdo.
 
 
Conceitos básicos do gerativismo
 
Chomsky apresentou sua proposta teórica em um livro intitulado Syntatic Structures (“Estruturas Sintáticas”), publicado na década de 60. A partir daí essa teoria sofreu uma série de reformulações. Este texto não tem por objetivo tratar profundamente das questões dessa teoria e dos motivos que levaram a às suas revisões e reformulações. Trata-se de um texto para iniciar o assunto com você, oferecendo condições básicas para acompanhar as disciplinas da área da Lingüística que constituem a grade curricular de um curso voltado para a linguagem, como é um curso de Letras. As duas teorias apresentadas aqui – o estruturalismo e o gerativismo – constituem bases teóricas muito importantes nos estudos da Lingüística. A partir delas muitas outras teorias foram construídas, permitindo o crescimento das discussões científicas sobre a linguagem.
 
Voltando ao tema deste conteúdo complementar, na primeira apresentação de sua teoria, Chomsky definiu a linguagem como um conjunto de sentenças formadas por elementos lingüísticos. A quantidade de sentenças possíveis em uma língua é infinita. Pense em um dia de sua vida quantas sentenças diferentes você ouve e quantas outras sentenças podem ser criadas a partir das ouvidas. No entanto, nem todas as combinações possíveis de elementos da língua resultam em sentenças possíveis dentro da língua. Basta lembrar do exemplo “bola jogam meninos os”. Isso significa que existem regras para a constituição dessas sentenças.  Pode-se dizer:
 
 
	      “Os meninos jogam bola”
      “Os meninos que gostam de futebol jogam bola”
      “Os meninos que gostam de futebol e torcem pela Ponte Preta jogam bola”
      “Victor disse que os meninos que gostam de futebol e torcem pela Ponte Preta jogam bola”
      “Rachel contou que Victor disse que os meninos que gostam de futebol e torcem pela Ponte Preta jogam bola”
       e assim indefinidamente.  
 
 
A cada seqüência acrescentada percebe-se que fica mais difícil para ser produzida e compreendida. Isso significa que apesar da quantidade de sentenças ser infinita, a extensão de cada uma delas é limitada. Note, no entanto, que, no caso acima, a limitação é decorrente de limitações da memória e não por fatores propriamente lingüísticos. A limitação da memória afeta o uso, não o conhecimento.
 
Para Chomsky, o lingüista deve ser capaz de construir uma gramática através da qual seja possível gerar todas as
sentenças possíveis de uma língua e apenas as possíveis. Ou seja, o lingüista deve ser capaz de, através de sua gramática, dizer o que pertence àquela língua e o que não pertence; o que pode ser dito e o que não pode ser dito naquela língua; quais das “seqüências finitas são sentenças e quais não são”.  (PETTER, 2002:15).
 
Além do mais, sendo a linguagem uma capacidade inata e específica da espécie (já que transmitida geneticamente na espécie humana), devem existir propriedades universais da linguagem. Cabe ao lingüista, encontrar essas propriedades universais de modo a ser capaz de descrever uma teoria geral da linguagem. “Essa teoria é conhecida como gerativismo” (PETTER, 2002:15).
 
Chamo a atenção para o fato de que se trata de uma teoria, um conjunto de hipóteses empíricas sobre o que é a linguagem. Ou seja, outro ponto de vista sobre o objeto. Sugiro ao leitor que volte aos conteúdos complementares anteriores para estabelecer um paralelo entre o que está sendo dito sobre esta teoria da linguagem e o que foi dito sobre o estruturalismo.
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Competência e desempenho (performance)
 
A teoria geral da linguagem de Chomsky, em seu momento inicial, se apoiava na distinção entre competência e desempenho, ou competence e performance. Por competência entende-se “o conhecimento do falante de um sistema lingüístico concebido como um conjunto de regras”. Desempenho significa “o uso dessas regras observado no comportamento lingüístico do falante nativo”. (LYONS, 1982: 236). Trata-se de uma distinção entre conhecimento e uso da linguagem muito importante na teoria, “sendo o conhecimento sempre muito maior que sua manifestação”. (SCARPA, 2001: 208). Note que:
 
A separação estrita  entre conhecimento e uso é decorrência direta da postulação de conhecimento tácito, biológico, de cunho lingüístico, independente dos fatores ambientais, culturais, psicológicos ou histórico-sociais determinantes da aquisição da língua materna. O uso da linguagem foge à alçada da teoria lingüística (SCARPA, 2001: 208).
 
O lingüista deixa de lado deliberadamente todos os fatores que não são lingüísticos e que constituem o desempenho: motivação, interesse, limitações de atenção e memória, crenças, atitudes emocionais, mecanismos de ordem fisiológica e psicológica etc (PETTER, 2002: 14). Isso não é da teoria lingüística. Mesmo sendo pertinentes ao desempenho, esses fatores não são importantes para a formulação de declarações gerais sobre a linguagem (LYONS, 1982).
 
 
	O desempenho pressupõe a competência, ao passo que a competência não pressupõe o desempenho. (PETTER, 2002: 14).
 
	Você deve estar se lembrando neste momento da distinção entre “língua” e “fala” de Saussure e de um dos motivos que leva a língua a ser estabelecida como prioridade em relação à fala nos estudos lingüísticos.
 
A competência lingüística (ressalto: “lingüística”) é o conhecimento do sistema lingüístico que o falante possui e que lhe permite produzir o conjunto de sentenças de sua língua. É o resultado da aplicação de sua capacidade, ou dispositivo inato, sobre as sentenças que ouviu desde bebê. “A tarefa do lingüista é descrever a competência, que é puramente lingüística, subjacente ao desempenho” (PETTER, 2002: 14).
 
	“A língua – sistema lingüístico socializado – de Saussure aproxima a Lingüística da Sociologia ou da Psicologia Social; a competência – conhecimento lingüístico internalizado – aproxima a lingüística da Psicologia Cognitiva ou da Biologia”(PETTER, 2002: 14).
 
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Gramaticalidade e aceitabilidade
 
Considerando que todos os falantes possuem uma gramática internalizada, que é a gramática do sistema lingüístico de sua comunidade de fala; considerando, ainda, que todos os falantes obedecem essa gramática ao produzirem suas sentenças, pode-se concluir que todas as sentenças produzidas pelos falantes de uma língua são sentenças gramaticais. Em outras palavras, por definição, todas as sentenças produzidas são gramaticais ou  bem formadas (LYONS, 1982:67). Assim se define o conceito de gramaticalidade: as sentenças são formadas em conformidade com a gramática do sistema lingüístico.
 
O conceito de gramaticalidade não pode ser confundido com o conceito de aceitabilidade e com o conceito de significação. Tomando o exemplo clássico de Chomsky:
 
 
	“Idéias verdes incolores dormem furiosamente” (Colorless green ideas sleep furiously)
 
 
Pode-se dizer que se trata de uma sentença bem formada, tanto em português como em sua versão original em inglês. Nesse sentido, é uma sentença gramatical. No entanto, dificilmente pode receber uma interpretação coerente. (você pode objetar dizendo que essa sentença pode aparecer em um texto poético, por exemplo, e você estaria com a razão. Até porque, o que se vê nas teorias do texto é que todo texto é passível de uma interpretação. Entretanto, está se aceitando aqui o exemplo de Chomsky para ilustrar este conceito).
 
Já uma combinação de palavras do tipo:
 
 
	 “Cedo dormiu ontem ele”
 
 
é claramente agramatical. Qualquer interpretação só é possível se as violações das regras gramaticais forem ignoradas.
Esse é um dos argumentos de Chomsky para a capacidade inata para a aquisição de linguagem: a criança no processo normal de aquisição da linguagem consegue aprender, sem que lhe ensinem, as regras gramaticais de sua língua materna (LYONS, 1982).
 
 
	As seqüências produzidas (ou geradas, ou ainda enumeradas) por uma gramática se chamam gramaticais, enquanto que as que são excluídas pela gramática se chamam agramaticais. (PERINI, 1976: 30) Essa gramática pode ser a gramática internalizada pelo falante ou a gramática construída pelo lingüista.
 
 
 
	“A noção de gramaticalidade se relaciona, mas não se identifica com a deaceitabilidade” (PERINI, 1976:30) (grifo meu)
 
 
A intuição lingüística
Ser científico em lingüística significa, dentre outras coisas, ter comprovação empiríca. De acordo com a gramática gerativa, um dos objetivos do lingüista é construir uma gramática que explique, ou dê conta, de todos os enunciados considerados gramaticais, já produzidos ou que possam vir a ser produzidos em algum momento (os enunciados potenciais). Dado que o falante produz enunciados gramaticais, pois estão em conformidade com a gramática da língua internalizada por ele, a gramática construída pelo lingüista deve espelhar fielmente a gramática internalizada pelo falante.
 
Lembre-se que, o objetivo maior da lingüística, que tem por fundamentação teórica a abordagem gerativista, é dar conta do conhecimento lingüístico do falante.
 
O lingüista só tem acesso à capacidade lingüística do falante através do uso, ou da manifestação dessa capacidade.
 
Lembre-se ainda que, o uso é sempre menor do que a capacidade.
 
Isso leva à conclusão de que o lingüista deve submeter as frases geradas por sua gramática à avaliação do falante da língua.
 
O lingüista, então, faz uso da intuição lingüística do falante.
 
Antes de prosseguir, convém explicar que os termos “frase”, “sentença” e “enunciado” estão sendo usados aqui como sinônimos por uma questão meramente didática, não levando em conta, portanto, as discussões teóricas sobre esses conceitos lingüísticos.
 
A intuição lingüística é o julgamento que o falante de uma língua faz sobre a aceitabilidade ou não aceitabilidade de uma sentença. O lingüista deve excluir de sua análise as sentenças não aceitáveis. Note que “a aceitabilidade é um fenômeno essencialmente intuitivo: algo que o falante “sente” com relação à sentença ouvida” (PERINI, 1976: 30).
 
Produtividade dos sistemas lingüísticos x criatividade lingüística dos sujeitos falantes
 
Ao produzirem e compreenderem uma quantidade indefinida de sentenças, os falantes estão fazendo uso de uma propriedade das línguas naturais que é a produtividade. Essa propriedade dos sistemas lingüísticos possibilita aos falantes fazerem uso da capacidade humana que é a criatividade:
a capacidade que o falante tem de compreender e produzir um número indefinido de sentenças; uma capacidade que independe do estímulo, um dos contra-argumentos à proposta behaviorista de aquisição da linguagem.
 
A criatividade é uma capacidade humana. Uma das características que separa o ser humano dos outros animais. O ser humano pode e faz uso de sua criatividade lingüística.  E, para tanto, utiliza-se da propriedade dos sistemas lingüísticos que é a produtividade. Essa criatividade é dependente e vigiada pela produtividade no sentido de que o falante pode dar vazão a toda sua criatividade desde que obedeça às regras impostas pelos sistemas gramaticais, obedeça às regras da gramática de sua língua.
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Princípios e parâmetros
Como foi visto anteriormente, a teoria da linguagem de Chomsky iniciada em 1957 passou por uma série de reformulações que resultaram no atual programa de Princípios e Parâmetros. Na fase inicial da teoria, o conhecimento lingüístico consistia de um conjunto de regras de diferentes naturezas. No programa de Princípios e Parâmetros, as regras são efeitos de Princípios universais e Parâmetros de variação, os quais também formam a base para uma teoria da aquisição (KATO, 1997).
 
Ao tratar desse assunto, Kato (op.cit.: 7) formula uma questão bastante interessante: “Mas se crianças de diferentes povos aprendem línguas diferentes, por que não se pode dizer que a criança aprende sua língua dependendo exclusivamente do ´input` do ambiente”? para a qual responde:
 
Para Chomsky, sem uma estrutura interna, um organismo não interage com o ambiente. A estrutura interna na espécie humana é invariante e é responsável não só pelas propriedades invariantes das línguas, mas também pelas variações possíveis. As línguas variam, mas a variação é restrita, porque dependem de um número limitado de Parâmetros já programados geneticamente (...)” (KATO, 1997:    7)
 
Ao ter contato com o input a criança acionará o parâmetro que está de acordo com a língua que está ouvindo. Os parâmetros são, portanto particulares de cada língua. Os princípios são universais. Cabe ao lingüista descobrir quais são os princípios universais – a GU ou gramática universal, e os parâmetros particulares de cada língua. Quando concluir essa tarefa terá conhecido a capacidade lingüística inata do falante, devidamente registrada em sua genética.
 
O modelo de análise gerativista: explicativo (dar conta da competência)
A lingüística foi definida como uma ciência descritiva e explicativa. O estruturalismo foi visto como um modelo de análise descritivo, pois  entendia que da descrição do sistema lingüístico – a língua – chega-se à compreensão de seu funcionamento, chega-se à explicação de seu funcionamento.
 
Para Chomsky, e os adeptos do gerativismo, este modelo de análise preenche uma das condições da teoria da linguagem humana, a adequação descritiva (CHOMSKY, 1997). A gramática construída pelo lingüista ao descrever uma língua particular, ao constituir uma descrição das propriedades da língua, descreve aquilo que o falante sabe. É necessário preencher outra condição: a adequação explicativa. “Um fenômeno só pode ser explicado quando pode ser deduzido de leis mais gerais” (PETTER, 2002:22).
 
A adequação explicativa, na forma como a gramática gerativa foi apresentada inicialmente, consistia de uma gramática descrita pelo lingüista que desse conta das frases produzidas e  potencialmente produzidas. Na Teoria dos Princípios e Parâmetros trata-se de construir uma teoria da linguagem que mostre “como cada língua particular pode ser derivada de um estado inicial uniforme” (CHOMSKY, 1997). Esse estado inicial uniforme são os princípios (universais), os parâmetros são as configurações assumidas pelas línguas a partir daquele estado inicial. A estrutura das línguas é uniforme e invariante – dada pelos princípios; por parâmetros entendem-se tudo que as torna sistemas particulares.
 
 
Os limites de análise do gerativismo: estudo da competência (exclui do escopo de análise o falante – limites da performance, e o contexto sócio-cultural)
 
O gerativismo é um modelo teórico bastante influente que transcendeu as fronteiras da lingüística, surtindo seus efeitos em outras ciências. Apesar disso, está sujeito a críticas assim como outras teorias lingüísticas e assim como ocorre em outras ciências. É da crítica, revisão e contestação de conceitos e trabalhos anteriores que as ciências se desenvolvem.
 
As chamadas teorias do texto fundamentam muitas de suas teses em contra-argumentos à teoria gerativista.
 
Uma das questões que se destaca diz respeito ao fato de o gerativismo tratar de um falante-ouvinte ideal pertencente a uma comunidade lingüística homogênea. Isso porque tem por objetivo descrever a capacidade lingüística, deixando de lado, deliberadamente, o desempenho, pois este último está sujeito à interferência de fatores não lingüísticos. Em conseqüência, o falante e, obviamente, o ouvinte, estão de fora da análise. Um falante e um ouvinte jamais vistos como interlocutores.
 
A sociolingüística, por exemplo, rompe com o gerativismo ao observar os falantes em situações de uso real, constatando e salientando não só a imensa heterogeneidade dos sistemas lingüísticos, como a imensa variação decorrente dos interlocutores e das situações em que estão inseridos.
 
No que diz respeito à aquisição de linguagem, os estudos fundamentados no gerativismo sofreram críticas de outras teorias, o chamado cognitivismo, apoiado na teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, o sócio interacionismo, apoiado em Vygotsky, e, mais recentemente, as hipóteses formuladas por Cláudia de Lemos.
 
Para finalizar, no próximo conteúdo, o último desta disciplina Lingüística Geral, apresento algumas considerações gerais sobre as implicações da adoção de teorias lingüísticas, em contrapartida à gramática normativa, no ensino de línguas, materna ou estrangeira.
 
 
Referências utilizadas na elaboração deste texto:
CHOMSKY, N. Novos Horizontes no Estudo da Linguagem. ”. In: DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. vol.13, n. especial,  São Paulo: PUCSP/LAEL. Aug. 1997.
ELGIN, S. H.Que é linguística? Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
KATO, M. A. Teoria Sintática: de uma perspectiva de" -ismos" para uma perspectiva de "Programas”. In: DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada. vol.13, n.2,  São Paulo: PUCSP/LAEL. Aug. 1997
LENNEBERG, E. Biological foundations of language. New York: Wiley, 1967.
LYONS, J. Linguagem e linguística: uma introdução. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
NEGRÃO, E.; SCHER, A.; VIOTTI, E. A competência linguística. In: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à linguística. Objetos Teóricos. vol 1. São Paulo: Contexto, 2002.
PETTER, M. Linguagem, língua, linguística. In: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à linguística. Objetos Teóricos. vol 1. São Paulo: Contexto, 2002.
SANTOS, R. A aquisição de linguagem. In: FIORIN, J. L. (org.) Introdução à linguística. Objetos Teóricos. vol 1. São Paulo: Contexto, 2002.
SCARPA, E. M. Aquisição de linguagem. In: MUSSALIM, F; BENTES, A.C. (org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. vol. 2. São Paulo: Cortez. 2001.

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