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1 DIMENSÃO ANTROPOLÓGICA DAS ORGANIZAÇÕES 1 Paulo Sertek Mestre em Tecnologia e Desenvolvimento email: psertek@xmail.com.br Resumo: Este artigo aborda as tendências atuais dos modelos organizacionais, destaca o desenvolvimento da pessoa humana no trabalho e como aprimorar o sistema espontâneo de interações dentro da organização. Palavras chave: administração, estrutura organizacional, ética das virtudes, sistema formal/informal ANTHROPOLOGICAL DIMENSION OF THE ORGANIZATIONS Abstract: This paper refers about the tendency of actual organizational models, the development of human person in work and how to improve spontaneous system within organizations. Keywords: business, organizational structure, ethics of virtues, motivation, formal/informal system. Atentando essencialmente para a maneira como é vista a pessoa dentro da organização -os motivos de sua ação e a relação com as necessidades humanas-, podem-se agrupar todos os modelos de organizações em três categorias: - Modelos Mecanicistas: que concebem a organização como um sistema técnico - Modelos Orgânicos: que concebem a organização como um organismo social - Modelos Antropológicos: que concebem a organização como uma instituição Os Modelos Mecanicistas O exemplo típico desses modelos seriam aquelas fábricas do começo do século, muito semelhantes a uma complexa e única máquina, onde a ordem é eficiência, produtividade, ritmo de trabalho controlado por mecanismos, etc, tal como se pode imaginar a partir do clássico "Tempos Modernos" de Chaplin. Chama-se a tudo isso um sistema técnico, porque a visão é apenas a de coordenar ações humanas para produzir e distribuir uma série de objetos e/ou serviços. Com relação às pessoas, uma organização desse tipo preocupa-se apenas com o que dar e quanto dar para elas para que façam aquilo que se quer que façam. Não se fala em motivos que levam as pessoas a querer participar da organização, nem de suas necessidades e nem daquelas interações entre as pessoas que não são previstas para o funcionamento da organização, mas que sempre existem de modo espontâneo em qualquer agrupamento de pessoas. 1 SERTEK, P. Desenvolvimento Organizacional e Comportamento Ético. Dissertação de Mestrado. CEFET/PR – PPGTE . 2002. disponível no endereço: http://www.ppgte.cefetpr.br/dissertacoes/2002/sertek.pdf 2 Analisando essencialmente para a maneira em que são vistas as pessoas de uma organização, podemos enquadrar dentro deste modelo, como autores importantes, não só os pioneiros TAYLOR (1911)2 e FAYOL (1916)3, como também outros mais recentes e um pouco mais evoluídos em sua concepção, como WEBER (1947)4 e SIMON (1945)5. Os Modelos Orgânicos Em oposição à visão mecanicista, surgiu, historicamente, uma concepção psicossociológica das organizações que tende a vê-la como um organismo social, isto é, um organismo vivo que sente e que quer alcançar satisfações para as motivações que têm no momento. Este modelo inclui o sistema técnico (isto é, também organiza uma troca de objetos), mas vai mais além. Leva em conta que as pessoas não participam somente para alcançar os incentivos da organização, mas buscam também satisfazer outros tipos de necessidades como a de interagir com outros, fazer um trabalho agradável, etc. De acordo com este paradigma, o fim último de uma organização é duplo: eficiência (resultados econômicos) e atratividade (motivar as pessoas através de tarefas atrativas). Entram aqui os conceitos de trabalho participativo, comunicação ascendente ("bottom-up"), bem como, ao nosso ver, todos os elementos que aprimoraram o ambiente e as relações de trabalho nos últimos anos, como a idéia de qualidade de vida no trabalho, a proposta de participação nos lucros, etc. É uma concepção mais ampla das organizações, porque abrange outra dimensão da pessoa humana em comparação com o modelo mecanicista. Todavia é ainda uma visão parcial porque ao enfatizar essencialmente as interações entre as pessoas, não alcança a esfera individual da motivação das pessoas, que está em sua interioridade. O modelo contempla somente o que chamamos motivações espontâneas, isto é, aquelas que as pessoas sentem num momento dado, sem considerar que essas motivações poderiam ser controladas pelo uso da liberdade individual, como acontece na realidade. Dentro desta escola estão os trabalhos de Mayo (1933)6, Maslow (1954)7 e vários outros. 2 TAYLOR, Frederick. W. Princípios de Administração Científica. São Paulo, Ed. Atlas, 1960 3 FAYOL, Henry. Administração Geral e Industrial. São Paulo, Ed. Atlas, 1960 4 WEBER, Max. The Theory of Social and Economic Organizations. New York, Free Press, 1947. 5 SIMON, Herbert. A. Administrative Behavior. New York, 2nd ed., Macmillan. 6 Mayo, George Elton: The Social Problems of an Industrial Civilization. Division of Research, Harvard Business School, Boston., 1945. 3 Os Modelos Antropológicos Contemplam a organização como uma Instituição, isto é, uma realidade de pessoas humanas organizadas em que se procura que sejam satisfeitas, em último termo, as necessidades reais de cada uma, e não somente as necessidades de um dado momento (as que geram motivações espontâneas). Atingem um plano mais profundo: preocupa-se não somente com o que as pessoas devem fazer ou com o como elas deverão fazê-lo, mas também com o para que elas hão de fazer as coisas na organização. Isto é, as pessoas realizam coisas em busca de que tipos de motivos, e se esses motivos buscados são realmente os mais adequados em vista de todo o conjunto de necessidades da pessoa humana. Conforme diz PÉREZ LÓPEZ, o característico de uma instituição é a consideração explícita de determinados valores com os quais procura identificar as pessoas, aperfeiçoando os motivos de suas ações e educando-as nesse sentido8. [...] Esses valores concretos que são encarnados, são aqueles que, ao serem aceitos pela pessoa, ajudam-na em seu desenvolvimento como pessoa. Esses valores condicionam todo o atuar da organização, de tal modo que as ações que se opõem a eles são rejeitadas, com independência de que, em um determinado momento, fossem aceitáveis ou não nos processos participativos ou de negociação9. Uma empresa que busque estabelecer relações institucionais com seus empregados, não se limitará a proporcionar-lhes uma retribuição adequada e a procurar que trabalhem do modo mais agradável possível, de acordo com as particulares capacidades de cada um -até esse ponto chegam as empresas do tipo organismos sociais-. Procurará também que afrontem problemas que, ainda que lhes suponham esforço, conduzam-nos ao seu aperfeiçoamento, pelo enfoque e resolução corretos desses problemas, e procurará certamente ajudá-los nesse sentido. A novidade que amplia o conceito de organização humana, em comparação ao de organismo social é, portanto, a dimensão interna das pessoas, isto é, quais são suas necessidades reais, como se motivam, como podem livremente optar por sacrificar determinadas facilidades no presente com vistas à realização de uma satisfação futura, etc. É toda a teoria da motivação humana, que será vista no item 2.1.4, que se faz necessária para 7 Maslow, Abraham H.: Motivation and Personality. New York. Harper and Row, 1954. 8 Pérez López, J. A. Introduccion a la Direccion de Empresas. IESE. 1991, p. 19. 9 Pérez López, J. A. Introduccion a la Direccion de Empresas. IESE. 1991, p. 21. 4compreender conceitualmente a organização como uma instituição e para viabilizá-la na prática. Os sistemas formal e informal (ou espontâneo) de uma organização Em qualquer organização humana podem-se distinguir três tipos diferentes de realidades que a compõem: - Interações entre pessoas -relações interpessoais (na linguagem corrente da administração)- que estão conscientemente estabelecidas a fim de coordenar os esforços individuais com vistas à obtenção de um determinado objetivo ou objetivos. Denomina-se essas interações de sistema formal da organização. - Interações ou relações entre pessoas que participam da organização e que surgem de modo espontâneo, não planejado. Constituem o que chamaremos sistema informal ou espontâneo da organização. - As próprias pessoas que constituem a organização. O sistema informal tem grande importância para o funcionamento das organizações. Tanto que se as pessoas se ativessem apenas ao estritamente estabelecido pelo sistema formal, o funcionamento ficaria bastante prejudicado e em muitos casos tornar-se-ia impossível. Pense-se numa secretária de escola ou numa bibliotecária da faculdade: se ambas se limitassem a seguir apenas os procedimentos formais, as coisas ficariam bastante mais prejudicadas. O sistema formal coloca um gerente na posição de gerente, o operador de máquina em sua condição de operador de máquina, e isso em si é necessário. Entretanto esta disposição não corresponde a toda a realidade. Sabemos que a vida é mais rica que desempenhar papéis, seguir regras, e surge espontaneamente entre as pessoas ou a disposição de cooperar, de ajudar, ou a indiferença e até mesmo a disposição explícita de não colaborar sem ferir as regras. Isso tudo faz parte do sistema informal da organização. Não é difícil perceber, portanto, que os sistemas formais não são capazes de incluir todos os aspectos necessários a fim de garantir a consecução dos objetivos da organização. Como formalizar, isto é, traduzir em regras e procedimentos obrigatórios aquelas atitudes das pessoas que costumamos chamar de "disposição de ajudar os outros", "comportamento amistoso", etc? Quando numa organização a preocupação em atingir os objetivos se traduz apenas em elaborações do sistema formal - constituindo, por ex., os sistemas de controle, está-se adotando um ponto de vista mecânico, isto é, uma visão meca- nicista da organização, a qual despreza o sistema das interações espontâneas. 5 A explicação para a importância do sistema informal na vida das organizações Para entender isso é necessária uma análise cuidadosa dos processos que segue uma organização para atingir seus objetivos e também da limitação dos sistemas formais para assegurar a obtenção desses objetivos. Vamos nos limitar a umas considerações breves. a) O significado dos objetivos de uma organização Qualquer organização tem objetivos explícitos -objetivos definidos- a alcançar. São simplesmente uma descrição mais ou menos precisa de resultados externos que a organização procura alcançar. Pode-se vê-los como estados do mundo exterior a alcançar, como, por exemplo, conquistar a liderança no setor, ampliar a biblioteca (no caso de uma escola), aumentar a participação no mercado (no caso de uma empresa), etc. Pode-se perceber por esses exemplos que os objetivos da organização referem- se todos a alguma realidade de tipo material, tangível. Na verdade, esses objetivos são uma materialização de fins subjetivos que as pessoas buscam, ou seja, os objetivos são uma expressão de coisas necessárias para as pessoas satisfazerem necessidades presentes em seus fins subjetivos. Para alcançarem esses fins subjetivos é que as pessoas fazem parte da organização. Assim é que, por meio de um título de futebol um jogador de um clube pode estar buscando, por exemplo, retribuir o tratamento que lhe dispensaram diretores e torcedores num momento difícil de sua carreira; a ampliação da biblioteca pode ser uma tentativa de motivar os alunos a interessarem-se mais pela pesquisa; a contribuição de um determinado indivíduo para o crescimento da empresa pode ser vista por ele, num determinado momento, como forma de aperfeiçoar o seu próprio talento profissional, e assim por diante. O ponto importante a reparar aqui é que, pelo fato de que se trata de pessoas humanas, é em geral difícil traduzir seus fins subjetivos em condições materiais que sejam requisitos indispensáveis para a satisfação de suas necessidades. O conhecimento necessário para isso, ainda que se aperfeiçoe com a experiência, é limitado. É o terreno das situações em que as pessoas podem sentir-se frustradas em seus fins subjetivos após alcançar determinados objetivos explícitos que lhes pareciam resolver o problema de suas necessidades pessoais. No plano individual, saber definir bem os objetivos pessoais, em todos os seus elementos, evitando o erro de se conduzir por uma visão parcial de suas necessidades e da realidade, é a qualidade que tradicionalmente se chama de sabedoria. 6 Numa empresa, por exemplo, ditar uma regra do tipo "faça o que diz o cliente, ele sempre tem razão", pode trazer conseqüências muito funestas para a organização e também para o próprio cliente. Percebe-se que as pessoas que hão de seguir uma tal regra ou perseguir o objetivo explícito da valorização do cliente precisam entender o que se procura com um tal objetivo, terão que assimilar o que se poderia chamar o espírito do objetivo, exercitar o bom senso, entender e querer atender as reais necessidades do cliente, etc. Tudo isso transcende a formalização do objetivo - está no plano do sistema informal - e precisa receber toda a atenção por parte das pessoas da organização, não só dos dirigentes. b) A relação entre objetivos e sistemas formais Em termos simples, se poderia dizer que o sistema formal especifica tanto o que uma pessoa concreta deverá dar para a organização como o que essa mesma pessoa irá receber da organização. Os sistemas formais visam garantir a coordenação necessária entre as ações das pessoas para o bom funcionamento da organização. Coordenação como a que deve haver entre professores e secretaria e alunos de uma escola, ou entre o chefe de produção e o chefe de vendas de uma empresa, por exemplo. Mas já vimos que tal coordenação não depende só do sistema formal, só das funções e regras estabelecidas por ele. Tanto assim que uma forma de os funcionários de uma empresa privada ou pública fazerem greve é justamente a de seguir apenas o que está expressamente determinado. O resultado é o emperramento do sistema e prejuízos à empresa ou ao governo (sem mencionar os clientes). c) Importância dos sistemas informais Se apesar do caráter limitado dos objetivos explícitos e da insuficiência do sistema formal há tantas empresas que funcionam bem, a razão para esse bom funcionamento não está nem nos objetivos nem no sistema formal, mas no sistema informal ou espontâneo. Isto é assim porque o que efetivamente está vivo em uma organização são as pessoas e não as coisas ou procedimentos formais. Em último termo, estamos reconhecendo que as organizações vivem porque não fazem outra coisa que configurar parcialmente algo que já está vivo: relações entre seres humanos. Realizam essa configuração através de seu sistema formal. Esse sistema formal não pode conter todas aquelas relações, e suas limitações são tais que nem sequer pode chegar a conter todas aquelas que são necessárias 7 para explicar sua própria existência e operação10. Por isso descrições puramente mecânicas da organização são uma visão reduzida da realidade. Qualquer organização precisa de ummínimo de cooperação espontânea para operar; um mínimo de qualidade do seu sistema espontâneo. Mas quanto maior seja a cooperação espontânea, melhor e mais facilmente poderia a organização alcançar os seus objetivos11. Mas para proceder a essa melhoria do sistema informal é preciso compreender os processos da motivação humana. 10 PÉREZ LOPEZ, J. A. Teoria da Organização - A. Instituto de Altos Estudios Empresariales. Universidad Austral. Buenos Aires. p.21. 11id. p.21.
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