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CAPÍTULO I 
 
COSMOVISÃO 
 
 
 
Os homens de nosso século são 
seres arrebentados, dilacerados, que 
em seu medo de ver sua unidade de 
significação se estabelecer numa 
história da qual eles não são mais os 
únicos senhores, preferem negar que 
existe uma unidade de sentido. 
 
 Pierre Trotignon 
 
 
 
1.0. CONCEITUAÇÂO 
 
É comum em todo ser humamo o desejo de conhecer a realidade, 
entendendo-se por esta tudo o que existe, desde o universo, os seres, as coisas, 
até os fenômenos naturais e sociais. Nossa existência se caracteriza por uma 
busca permanente de significado para a vida e os acontecimentos. 
 
Essa vertiginosa aventura à procura de conhecimento é tipicamente 
humana. Só o homem se define como animal racional, isto é, como ser capaz de 
formular conceitos abstratos para aquilo que ouve, sente e observa. Disto 
resulta uma concepção de realidade, ou melhor, uma cosmovisão, integradora de 
todos os fenômenos que fornece ao homem um sentido de harmonia ao 
universo. 
 
O homem de hoje, como o de outrora, necessita sentir-se seguro 
diante da vastidão cósmica. E essa segurança advém do sentimento de posse da 
realidade, já que sabe explicá-la por meio de palavras. Sem uma cosmovisão, a 
vida perde o seu sentido. Martin Heidegger (1988) certa vez afirmou que a 
 2 
ausência de ordem e, portanto, de cosmos era o que havia de mais intolerável. 
Isto significa que a condição humana se define essencialmente por uma busca 
contínua de ordenação das coisas, uma busca de significado para si mesma e 
para o mundo. A compreensão da realidade situa o ser no mundo, torna-o 
senhor de si e de tudo que o rodeia, liberta-o da angústia do desconhecido e do 
inominado. 
 
Com efeito, o modo como o ser humano apreende a realidade, a partir 
do espaço-tempo em que se insere, é o que denominamos cosmovisão. Vale 
ressaltar, porém, que essa forma de ver o mundo não é uma criação isolada de 
um indivíduo, mas a soma dos múltiplos aspectos de uma cultura produzidos 
pela consciência coletiva num determinado contexto sócio-histórico. A 
cosmovisão é, assim, uma construção coletiva que expressa uma maneira de 
interpretar a realidade entre outras possíveis. Essa totalidade significativa é 
apenas um arranjo provisório que se mantém até onde a coletividade se sente 
segura. Quando, no entanto, este conjunto de crenças e valores, costumes e 
tradições, mitos e saberes não é mais capaz de assegurar a tranqüilidade 
espiritual da coletividade, os elementos que compõem a mundividência 
começam a se desintegrar e, aos poucos, cedem lugar a novas significações. 
 
 
2.0. O HOMEM: LINGUAGEM, HISTÓRIA, TRABALHO E CULTURA. 
 
 
 Do ponto de vista social e cultural, o homem é um ser inacabado, um 
ser que está no mundo em permanente desafio. Sua efetivação não está de 
antemão garantida, mas submetida a situações determinadas, carecendo de 
vencer os obstáculos que a própria natureza e a cultura se lhe impõem a cada 
instante. Ele está sempre sob o apelo de criar as condições necessárias para 
efetivar-se no mundo -- espaço de múltiplas relações -- onde, pelo conhecimento 
e pela ação tenta articular uma configuração de si mesmo. Livre do peso 
determinante dos instintos, o homem se encontra na contingência de criar um 
mundo onde possa viver humanamente. Ser ativo, autodeterminado e 
determinante, ele se desenvolve e se aperfeiçoa através da participação na obra 
de sua autoconstrução, junto com os outros homens. Em interação constante 
com o meio, carecendo de desenvolver suas potencilidadedes, ele é muito mais 
possibilidade do que efetivação, mais liberdade do que predeterminação, mais 
subjetividade do que objetivação. Ele sabe que é interpelado a decidir-se não só 
em relação a si mesmo, mas também em relação a seu mundo. É no exercício da 
 3 
liberdade que ele descobre o seu rumo e constrói o seu “destino’’. 
 
 Liberdade é relação com a natureza e com o mundo dos homens; é 
decisão livre a respeito da forma, da configuração específica desse encontro com 
a alteridade (o outro). Emergindo como ser da liberdade, o homem, mais uma 
vez, se revela como ser de possibilidade, que só se efetiva quando se transforma 
em projeto e ação. Ao contrário dos animais, que se repetem e não progridem, o 
homem, a cada geração, não pode ser o que já é. Seu ser social está em 
constante evolução. Para Nietzsche (1844-1900), o homem é o animal que 
jamais se define. Sua essência é mutação. Por mais que construa, conheça e 
projete ações, nunca chega a exaurir a profundidade misteriosa de si mesmo. Em 
suma, o homem é sempre esse conhecido desconhecido. 
 
 
2.1. A LINGUAGEM 
 
 A natureza é muda. Embora pareça estar expressando algo por meio 
de suas formas, suas paisagens, suas tempestades ruidosas, suas erupções 
vulcânicas, sua brisa ligeira, a natureza não responde. Os animais reagem de 
maneira que tem sentido, mas não falam. Só o homem fala. Só entre os homens 
existe essa alternância de discurso e resposta continuamente compreendidas. 
 
 A linguagem possibilita ao homem exprimir sua existência no ser, na 
qual ouve e vê, sente e se emociona, deseja e espera, raciocina e conhece, se 
alegra e se entristece, sofre e se angustia. O homem possui uma existência 
expressiva. De acordo com Paul Ricoeur (1978), 
 
 É na linguagem que o cosmos, o desejo, o imaginário se 
elevam até a expressão. Sempre é necessária uma palavra para 
retomar o mundo e convertê-lo em hierofania (p.15). 
 
Na esfera do símbolo, o homem articula o sentido do seu ser, o 
significado de toda a realidade e de seu agir no mundo. O mundo propriamente 
humano é o mundo do sentido. É precisamente enquanto ser do sentido, 
lingüisticamente expresso, que o homem se torna capaz de conhecer sua 
realidade (teoria) e de agir (prática) na feitura de um mundo humano, isto é, de 
um mundo “sensato”. 
 
 O específico do sentido é que ele se exprime na linguagem, pela qual 
 4 
aquele que fala tem já a pretensão de validade do seu discurso, mas que, em 
princípio, está vulnerável a um questionamento crítico. Isto decorre do próprio 
processo de entendimento mediatizado pela linguagem, onde se busca um 
consenso racional radicado em razões que podem ser explicitadas através da 
mediação da argumentação. 
 
 Falar é criar o mundo do sentido; este mundo, agora, emerge como o 
mundo onde sujeitos interagem, criando uma série infinita de imagens que 
revelam a realidade sob múltiplas formas. 
 
 O pressuposto deste processo é que os sujeitos se constituem como tal 
na medida em que, precisamente pela ação lingüística, se põem na esfera da 
constituição do sentido e, assim, se capacitam a conhecer o real e a agir a partir 
do sentido captado. Isto significa que cada falante é interpelado a reconhecer 
seu parceiro (interlocutor) como ser que conhece o significado da realidade e 
age sobre ela como ser de igual dignidade. 
 
 
 
2.2. A HISTÓRIA. 
 
 
 Como vimos anteriormente, a vida humana é constante processo de 
auto-elaboração. Isto significa que o homem tem necessidade de se produzir a si 
mesmo através da mediação da natureza. Com efeito, ele emerge como um “ser 
carente”, ou seja, como um ser que tem necessidades naturais a serem satisfeitas. 
Seu fazer-se é, antes de mais nada, a “luta pela vida”, isto é, pela conquista das 
condições materias que tornem a vida humana possível. 
 
 Nesta perspectiva, a ação do homem no mundo se vincula à 
inexorabilidade do processo histórico, à tessiturados acontecimentos que 
configura o progresso da humanidade como um todo e a evolução ou involução 
de uma cultura em particular. Temos aqui o fundamento da liberdade humana: a 
escolha incondicionada entre diferentes possibilidades. A partir dessa escolha 
assumida conscientemente, o homem se faz sujeito da história. Seus ideais e 
suas utopias orientam a sua ação e dão significado à própria vida. O indivíduo 
que não toma consciência do seu existir histórico sofre a angústia de apenas 
contemplar o desenrolar dos acontecimentos. 
 
 5 
 A história, portanto, pode ser concebida como a ciência da mudança 
das condições de existência do homem impulsionadas pela sua ação sobre o meio 
ambiente. Noutras palavras, a história é o relato da ação de nossos antepassados, 
que nos trouxeram até o ponto de onde prosseguimos incansavelmente. 
 
 A história constrói a realidade que é a composição de elementos 
conjunturais e estruturais. O exame da conjuntura revela sempre as aparências, 
os aspectos parciais, instantâneos, imediatos, momentos da realidade; já o 
estudo da estrutura mostra as raízes, os fundamentos, a substância da realidade. 
Em termos históricos, a realidade se apresenta tecida de uns e outros elementos, 
mas por motivos óbvios, os conjunturais dominam a visão e compreensão da 
realidade. É preciso ter claro que a realidade é mais que a nossa visão 
conjuntural -- esta concepção superficial típica do senso comum dos indivíduos. 
Compreendemos mais e melhor a ação dos homens na história, tanto mais nos 
conscientizamos de ser sujeitos ativos no processo histórico. Fora de nossa 
existência na história, não dispomos de nenhum fio de Ariadne capaz de 
conduzir-nos à autenticidade. Sem história, vemo-nos privados de linguagem 
que nos permita indiretamente falar das origens de que brotamos e que nos 
sustentam . 
 
 
2.3. O TRABALHO 
 
 
 Dissemos que o homem é um ser que busca a satisfação de suas 
necessidades. Isto é mediado pelo trabalho transformador da natureza, no qual o 
homem imprime seus fins às coisas. O trabalho está, pois, a serviço da 
satisfação das necessidades humanas, ou seja, está situado em seu projeto de 
vida. Por intermédio do trabalho, o homem acrescenta um “mundo novo” 
(cultura) ao mundo natural já existente. O trabalho é, portanto, elemento 
essencial da relação dialética entre o homem e a natureza, entre o saber e o fazer, 
entre a teoria e a prática. 
 
 Nesse sentido, o trabalho é uma atividade tipicamente humana, porque 
implica a existência de um projeto mental que determina a ação a ser 
desenvolvida para alcançar o objetivo almejado. O trabalho permite ao homem 
desenvolver sua criatividade, realizar suas potencialidades, mudar a si mesmo e 
transformar a natureza em cultura. Numa palavra, o trabalho é o elemento 
 6 
fundamental do processo de autogênese do homem enquanto ser histórico, 
enquanto agente de transformação da natureza e de produção da cultura. 
 
 
2.4. A CULTURA 
 
 Quando nos colocamos diante da palavra cultura, a primeira 
concepção que nos ocorre é a de que ela significa a manifestação dos costumes 
de um povo ou o conhecimento adquirido e acumulado por determinada pessoa. 
Entretanto, se refletirmos sobre estas concepções, logo veremos que são 
insuficientes para abranger de forma adequada toda a riqueza que este fenômeno 
engloba. 
Não passa pelo senso comum que a cultura é, antes de tudo, um 
conjunto de atos concretos e simbólicos criados pelo homem para conceder um 
“sentido” ao mundo e a si mesmo. Ainda que esta conceituação seja de âmbito 
fenomenológico
1
, ela nos parece mais adequada para caracterizar a cultura 
como um fenômeno especificamente humano. A cultura nasce da experiência de 
um povo (e não de um indivíduo ou de algumas pessoas isoladamente) e se 
manifesta na sua cosmovisão, englobando todas as criações da coletividade nos 
planos materiais (objetos), comportamentais (modos de agir, costumes) e 
espirituais (instituições, saberes, ideologias, manifestações religiosas e 
artísticas). 
 
 São inúmeros os exemplos que podemos extrair do cotidiano para 
atestarmos a riqueza dos simbolismos que concedemos aos fenômenos: a 
multiplicidade de formas de confeccionar os alimentos, a variedade da moda nos 
vestuários, a diversidade de códigos linguísticos, de gestos, de culto ao sagrado 
etc. Isto significa que o homem é o único ser que não se repete. Só ele produz 
culura na medida em que cria símbolos para expressar seus sentimentos, atribui 
valores às coisas e transforma a natureza para atender às necessidades de 
sobrevivência e bem-estar. 
 
 Com efeito, a cultura não é um dom gratuito, mas o resultado de um 
esforço perseverante do homem no afã de conhecer o universo e a si mesmo, 
 
1
 Designação daquilo que é apreendido pela consciência a partir dos elementos manifestados pelo objeto, sem 
se restringir aos dados concretos, mas sim às idéias que fornecem “sentido” para a existência do mesmo. 
 7 
manifestar sua criatividade e transformar o meio em que vive. Isto ocorre 
porque o homem é livre com respeito às suas ações e seus projetos. O meio o 
influencia, mas não o determina, o que dá origem a diferentes formas de 
organização do espaço físico e social. Os povos se diferenciam uns dos outros 
pela sua cultura . Há tantas culturas, tantas civilizações, quantas forem as 
sociedades distintas. 
 
 Enquanto aquilo que é universal, comum a todos os homens, revela sua 
natureza, tudo o que aparece relacionado à cultura traz a marca da diversidade e 
da relatividade. Há, por isso, vários sistemas filosóficos, políticos, econômicos, 
vários modos de organização social, vários estilos de arte, várias religiões, vários 
códigos de moralidade etc. 
 
 Ao mesmo tempo que a cultura é produzida pelo homem, ela também 
produz um certo tipo de pessoas, pois a cultura na qual nascemos nos condiciona 
e nos imprime marcas que vão caracterizar o nosso modo de ser. Por isso, para 
convivermos harmoniosamente com pessoas e grupos tão diversos culturalmente, 
é necessária a prática da tolerância sem a qual torna-se impossível estabelecer o 
diálogo entre as culturas. A tarefa educativa propõe e favorece esta tolerância 
em relação ao outro, enquanto portador de valores próprios e diferentes dos 
nossos. A capacidade de aceitar, respeitar e comungar a diferença constitui o 
vigor da personalidade humana ou da identidade pessoal. Isto nos obriga a estar 
constantemente abertos e receptivos para o diferente e o novo e nos incita a 
desinstalar-se e a arriscar-se. 
 
 
 3.0. A FORMAÇÃO DOS CONHECIMENTOS 
 
 
 
Durante milênios, a “memória” da humanidade colheu fatos 
esporádicos dos eclipses do sol e da lua, das grandes inundações, dos terremotos 
e maremotos, pretendendo descobrir as origens do mundo e da vida, a causa da 
morte natural, a estrutura e a organização do corpo humano etc. Contudo, até o 
século VI a. C., aproximadamente, o homem não era capaz de generalizar e 
sistematizar esses fatos separadamente. A sua inteligência não estava 
suficientemente desenvolvida para sintetizar as idéias das coisas e dos 
fenômenos, sendo incapaz de se abstrair das particularidades. A tendência 
dominante era no sentido de abordar as abstrações como se fossem coisas reais, 
 8 
devido a incapacidade de separar as formas abstratas das concretas. 
 
Como exemplo disso, podemos citar o famoso mito de Pandora no 
qual o mal toma a forma de um objeto concreto: na casa de Epimeteu havia uma 
caixa que guardava todos os males. A sua mulher, curiosa eintrigada, abriu-a e 
os males se espalharam pelo mundo inteiro. Foi assim, segundo o relato mítico, 
que o mal apareceu entre os homens. 
 
A percepção do real por meio de imagens concretas, visíveis, é 
característica de uma determinada fase do desenvolvimento da humanidade. Para 
generalizar, é preciso saber distinguir o substancial do acidental, o necessário do 
contingente, a causa do efeito. Esta capacidade não surgiu imediata e 
espontaneamente; é produto de uma longa trajetória do homem em seu desejo de 
explicar a realidade, em seu esforço para compreendê-la e assim tornar a vida 
melhor. No curso dessa trajetória, o homem foi construindo o conhecimento em 
suas múltiplas formas, como veremos a seguir. 
 
 
 
3.1. O MITO 
 
 
O mito foi a primeira forma de conhecimento adquirido pelo homem 
em seu esforço para compreender e explicar a realidade. Na sua incapacidade de 
explicar os fenômenos naturais e de formular conceitos abstratos, o homem 
recorreu a entidades sobrenaturais, em busca de um sentido para o mundo e para 
os acontecimentos que envolviam sua própria vida. 
 
3.1.1. Origem e características 
 
O mito conhece duas fontes de origem, uma interior e outra exterior. 
Noutras palavras, o homem é dotado de certas matrizes, arquétipos ou 
representações simbólicas que assimilam conteúdos vindos da realidade exterior 
e dão origem aos mitos e símbolos históricos. O mito, portanto, emerge de uma 
atmosfera de simbiose amorosa do homem com seu meio, sem rupturas nem 
divisões, fundindo-se aquilo que no horizonte da razão aparece como oposto: 
sujeito (aquele que conhece) x objeto (a realidade a ser conhecida). 
 
As categorias do pensamento mítico são a imaginação, a fantasia e a 
 9 
emoção. Seu objeto é a apresentação de um conjunto de ocorrências fantásticas 
com que se procura dar sentido ao mundo e à vida. Seus personagens são os 
entes sobrenaturais e os homens elevados à categoria de heróis. Sua linguagem 
encerra profundo conteúdo existencial, na medida em que traduz os anseios da 
natureza humana e, por isso mesmo, a revela a seu modo. 
 
Sob múltiplas formas, o mito aparece em todas as culturas desde as 
mais primitivas até as atuais. Ele se relaciona com a questão das origens 
cósmicas e humanas, a origem das instituições, a busca da felicidade, os êxitos e 
os fracassos do homem. Como diz Constança Marcondes Cézar, 
 
 O mito sintetiza, recorrendo a símbolo, conteúdos que se referem às 
mais profundas aspirações do ser humano: sua sede de absoluto e de 
transcendência, sua deslumbrada busca de plenitude (In: Morais, 
1988, p. 37-38). 
 
 
Mircea Eliade (1972), procurando caracterizar o mito, afirma que "é 
uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e 
interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares" (p.11). Em 
seguida diz: 
 
 
 A definição que me parece a menos imperfeita, por ser a 
mais ampla, é a seguinte: mito conta uma história sagrada; ele relata 
um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do 
“princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às 
façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade que passou a existir, 
seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma 
ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma 
instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele 
relata de que modo algo foi produzido e começou a ser (Eliade, 1972, 
p. 11). 
 
 3.1.2. Função do mito 
 
 
O mito aparece e funciona como mediação simbólica entre o sagrado e 
 10 
o profano, condição necessária à ordem do mundo e às relações entre os seres. 
Sua função é conferir à natureza uma dimensão humana, ligando o tempo do 
homem ao tempo da natureza por meio de uma história exemplar. Em sua forma 
principal, o mito é cosmogônico ou escatológico, tendo o homem como o ponto 
de interseção entre estado primordial da realidade e sua transformação última, 
dentro do ciclo permanente nascimento-morte, origem e fim do mundo. 
 
O mito não é o elenco de narrativas inventadas e "falsas", como dizia o 
racionalismo de origem iluminista
2
. Não é algo que se oponha à realidade; ao 
contrário, ele é a própria realidade, tanto para o membro de uma comunidade 
primitiva, quanto para o homem de nossa sociedade. Enquanto ligado à 
experiência religiosa, o mito envolve um tipo de compreensão do real diverso da 
experiência racional. Impregnado de emoção e simbolismo, o mito contém a 
reminiscência de uma ordem universal primordial em que se engendrou a 
tessitura da vida presente, constituindo-a e justificando-a. Assim, trabalho, 
pobreza, riqueza, violência, existem em razão de atos ancestrais. Por isso, o mito 
é dado como verdadeiro porque se vê na vida social a confirmação da 
cosmogonia, passando sempre como história exemplar, um modelo a ser 
conhecido. A cosmogonia fornece o padrão ideal para os homens cada vez que se 
realiza qualquer ato, tanto na esfera coletiva quanto na particular. Segundo 
Malinowski (Myth in primitive psychology, 1926), 
 
O mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe 
de ser uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva, à 
qual se recorre incessantemente; não é absolutamente uma teoria 
abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da 
religião primitiva e da sabedoria prática (...). Essas histórias 
constituem para os nativos a expressão de uma realidade primeva 
[primeira], maior e mais relevante, pela qual são determinados a vida 
imediata, as atividades e os destinos da humanidade. O conhecimento 
dessa realidade revela ao homem o sentido dos atos rituais e morais, 
indicando-lhe o modo como deve executá-los (Citado por Eliade, 1972, 
p. 23). 
 
 A realidade apresentada pelo mito de forma simbólica é a realidade 
transcendental desconhecida que se encontra além da observação e da simples 
 
2
 O iluminismo foi um movimento intelectual do século XVIII que estabeleceu a supremacia da razão como 
fonte de todo o conhecimento, desprezando outras formas de interpretação da realidade. 
 11 
dedução, mas que pode ser reconhecida como existente e operativa. Essa 
realidade é captada e representada com fatos (e não com abstrações) em forma de 
história. Esses fatos são o resultado das ações e interações de seres pessoais em 
escala cósmica, constituindo o modelo e o fundamento dos acontecimentos no 
mundo dos fenômenos. Não se trata de causalidade como entendem a filosofia e 
as ciências, mas de uma abordagem da realidade intuitiva, da qual não podemos 
exigir estrutura lógica. Por conseguinte, o mito não implica em falsidade, mas 
sim em verdade, na medida em que é apenas uma parte essencial dos modelos de 
pensamento e de discurso humanos. É, pois, um modo de pensar diferente 
daquele da racionalidade. É um outro acesso à realidade e, por isso, uma forma 
própria de totalizar as experiências humanas. 
 O pensamento mítico não trabalha com conceitos. Está mais próximo 
da realidade concreta tal como ela aparece à nossa percepção. Suas 
representações são menos abstratas do que aquelas que o conceito produz. 
 
 
3.1.3. O mito hoje 
 
 
 Desde a filosofia grega (século VI a.C.), até a ciência atual, o homem 
tem usado a razão para afirmar ou negar a existência de algo que transcende a 
sua percepção sensorial. No desejo de estabelecer relações de causa e efeito 
entre os fenômenos, o pensamento categorial encarregou-se de negar o valor do 
mito como forma de acesso à realidade. De posse do logos(razão), o homem 
arrogou-se ser capaz de explicar o mundo e seus fenômenos a partir de 
princípios lógicos (filosofia) ou de processos experimentais (ciência). As 
imagens e as representações míticas passaram a ser concebidas como produtos 
do misticismo peculiar à “mentalidade primitiva”, ou seja, uma primeira 
tentativa de estabelecer ordem no caos. Instalou-se o preconceito em relação ao 
mito. O pensamento verdadeiro não poderia ter outra origem senão ele próprio. 
 No entanto, os esforços realizados por filósofos e cientistas para 
explicar o universo e “racionalizar” o conhecimento não foram capazes de banir 
o mito da consciência humana, não só porque a razão é insuficiente para dar 
conta de toda a realidade, mas também porque o homem traz em si mesmo a 
capacidade de transcender-se e de expressar sentimentos que o pensamento 
categorial não tem condições de sintetizar nem tampouco mensurar. 
 O mítico em nós não é apenas uma categoria do nosso passado 
histórico; é uma categoria do nosso presente psíquico, pois faz parte de nossa 
 12 
arqueologia interior que continua viva e atuante hoje, como atestam os 
psicanalistas. A realização pessoal e a saúde humana dependem muito do modo 
como nos relacionamos com esta realidade e como o consciente reage face aos 
conteúdos do inconsciente, seja acolhendo-os e integrando-os, seja inimizando-
se com eles e recalcando-os. É por isso que o mito resiste a toda tentativa de seu 
banimento. Ele está presente tanto na consciência do homem primitivo quanto 
na do homem contemporâneo e se manifesta não só sob a forma de magia mas 
também como ciência, arte, religião, filosofia etc. 
 Ao perceber a impossibilidade de dissociar razão e mito, Mircea Eliade 
(1972) caracteriza o homem como um ser mitologizante. As festas de 
aniversário, casamento, formatura, passagem de ano, relembram os ritos de 
passagem da comunidade primitiva. As liturgias religiosas, as lendas, os contos 
literários , a procura desenfreada pela literatura de auto-ajuda, o interesse pelas 
notícias de “discos voadores”, os ídolos do mundo artístico e desportivo, os 
fanatismos ideológicos, os super-heróis das histórias em quadrinhos, o desejo de 
possuir objetos “sagrados”e “mágicos”, a consulta aos horóscopos, denotam a 
sobrevivência dos arquétipos míticos. 
 Ao reconhecer o papel do mito na estruturação do ser-no-mundo, não 
se quer dizer que todos os mitos são válidos. Há que se admitir que muitos deles 
são prejudiciais ao homem e, portanto, devem ser rechaçados. Como ensina 
Gusdorf (1979): 
 
O mito propõe todos os valores, puros e impuros. Não é da 
sua atribuição autorizar tudo que sugere. Nossa época conheceu o 
horror do desencadeamento dos mitos do poder e da raça quando seu 
fascínio se exercia sem controle. A sabedoria é um equilíbrio. O mito 
propõe, mas cabe à consciência dispor. E foi, talvez, porque um 
racionalismo estreito demais fazia profissão de desprezar os mitos, 
que estes deixados sem controle, tornaram-se loucos. De modo algum 
o reonhecimento dos mitos é a rejeição da razão, a recusa da moral. 
Muito ao contrário, as grandes épocas da civilização definiram 
sempre sob a forma de um ideal mítico o seu estilo de vida (...). 
A mitologia oferece, pois, um inventário das possibilidades 
humanas, uma escrita cifrada que desenvolve todas as intenções 
implícitas constituídas do ser no mundo. Cada época da cultura 
 13 
recomeça a obra de exprimir as estruturas do homem nas linguagens 
do tempo, linguagem da arte, linguagem da política e da filosofia. De 
idade a idade, as formas de expressão se renovam, mas na tapeçaria 
de Penélope que é a história, a trama permanece. Esta trama nós a 
encontramos no testemunho dos mitos, nesta unidade de inspiração 
que os mantêm atuais, mesmo quando parecem desaparecidos. O mito 
data e não data porque é contemporâneo da humanidade. Permite 
que o homem tome consciência, no tempo, de sua vocação para além 
do tempo (p. 308-309). 
 
 
3.2. A RELIGIÃO 
 
Entre as diversas manifestações da cultura, a que mais singulariza o 
homem no reino animal é, sem dúvida, a religião. Nos mais primitivos registros 
arqueológicos de todas as culturas, encontram-se referências ao sagrado, seja 
através da arte rupestre ou por meio dos vestígios de rituais de magia deixados 
nas aldeias pré-históricas. E não só as culturas primitivas, mas também as atuais 
têm marcas profundas do sagrado, o que faz da religião um fenômeno co-natural 
à existência humana. Por isso, podemos afirmar que o homem, além de sapiens, 
sociales, faber, loquens, ludens, é também religiosus.
3
 
 
3. 2. 1. Manifestação do sagrado 
 
De um modo geral, reconhece-se como manifestação do sagrado tudo 
o que o homem faz com o propósito de transcender à ordem natural. Assim, tanto 
os rituais de magia praticados pelo homem primitivo quanto as formas litúrgicas 
mais abstratas das religiões atuais são expressões do sagrado que configuram 
uma outra dimensão existencial humana: a do seu relacionamento com o 
transcendente. 
 
A emergência do sagrado é contemporânea da fase mítica da 
 
3
 A antropologia assinala como caracteres que diferenciam o homem dos animais a racionalidade, a 
sociabilidade, a capacidade técnica, a linguagem articulada, a atividade lúdica e a religiosidade. 
 14 
consciência humana. Muito embora não se possa confundir mito e religião, 
ambos têm um núcleo comum em suas origens e desenvolvimento: a capacidade 
humana de criar símbolos, não só para representar as coisas e os seres, mas 
também para expressar sentimentos e experiências pessoais. Através do símbolo, 
o homem refaz e rediz a realidade no nível do imaginário. Neste processo, entra 
em ação a carga arquetípica de nosso inconsciente pessoal e coletivo para 
exprimir de forma mais densa e abrangente aquilo que outros acessos não 
conseguem dizer. É neste contexto que emergem das profundezas arqueológicas 
do inconsciente humano, as evocações e analogias que dão suporte ao discurso 
religioso, rico de imagens e símbolos. Quem mergulha fundo em realidades cujo 
significado não deixa o homem indiferente, como o amor, a doença, a morte de 
um ente querido, a aquisição de um bem fundamental, a realização de um desejo, 
sabe que o conceito é insuficiente para exprimir o sentimento que brota do 
interior do ser. Somente através de gestos simbólicos (mito, magia, religião) e de 
formas criativas de representação (arte) se pode expressar a carga de sentimentos 
que brotam dessas vivências. 
 
No âmbito religioso, as relações do homem com o sagrado são tão 
significativas que adquirem uma característica de mistério -- algo 
definitivamente indecifrável. Mesmo assim, o mistério não constitui uma 
realidade que se opõe ao conhecimento. Paradoxalmente, ele pode ser conhecido, 
não de modo objetivo, mas subjetivamente. O mistério não é o limite da razão. 
Por mais que conheçamos uma realidade, jamais se esgota nossa capacidade de 
conhecê-la mais e melhor. 
 
Aquilo a que chamamos realidade apresenta-se incomensuravelmente 
maior que a nossa razão e a nossa vontade de dominar pelo conhecimento. Não 
há melhor meio de acesso ao conhecimento do mistério que envolve as relações 
do homem com o sagrado do que o coração. Com ele podemos dar sentido ao 
discurso religioso, estabelecer a “lógica” da fé e explicar nossa simpatia por tudo 
que envolve o sagrado. Albert Einstein, em seu ensaio Como vejo o mundo 
(1981), escreveu: 
 
O mistério da vida me causa a mais forte emoção. É este 
sentimento que suscita a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência.Se 
alguém não conhece esta sensação ou não pode experimentar espanto 
ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos cegaram. Aureolada de 
temor é a realidade secreta do mistério que constitui também a 
religião (p. 12). 
 15 
 
A capacidade de percepção do mistério é fundamental tanto para o 
filósofo quanto para o cientista, porque lhes permite ficar sensível àquelas 
dimensões da realidade impossíveis de serem apreendidas pela razão lógica ou 
pelas fórmulas científicas que estreitam os limites do nosso conhecer. 
Freqüentemente, Einstein (1981) repetia: 
 
Afirmo com todo o vigor que a religião cósmica é o móvel 
mais poderoso e mais generoso da pesquisa científica. (...) O espírito 
científico, fortemente armado com seu método, não existe sem a 
religiosidade cósmica ( p. 22-23). 
 
A ciência e a técnica nos proporcionam grande quantidade de 
conhecimentos, mas são insuficientes para a exploração de todas as nossas 
vivências subjetivas. Elas dizem quase nada sobre nós mesmos, deixando-nos 
com uma sensação de alienação de nossas profundezas espirituais. Isoladas, sem 
esse complemento espiritual, a ciência e a técnica nos fazem sentir alienados uns 
dos outros e do mundo. Em decorrência disso, Leonardo Boff (1994) sustenta 
que: 
 
Não podemos absolutizar nosso paradigma moderno científico-
experimental e técnico. Este não desnuda todas as dimensões da 
realidade, apenas aquelas que entram no diálogo experimental com a 
natureza. Ainda assim, este diálogo nunca termina. Há também outras 
formas de diálogo, pois as várias culturas e os vários tempos 
históricos desenvolveram mil formas de conhecimento, seja pelos 
sonhos, pela intuição, pelos mitos e símbolos, pela reflexão religiosa e 
filosófica, e outras mais (p. 15). 
 
3.2.2. Função da religião 
 
 
Ao contrário do que se dizia a algum tempo atrás, a religião, longe de 
alienar o indivíduo, opera da maneira mais radical a sua integração na realidade, 
e essa é talvez a explicação mais adequada da universalidade antropológico-
cultural do fenômeno religioso. Quanto maior é a inserção do homem na 
realidade, mais ela se torna multifacetada, oferecendo-se à inteligibilidade com 
múltiplos sentidos. Em outras palavras, se definirmos a realidade como o pólo 
 16 
que faz face às necessidades subjetivas do homem, veremos que a realidade dada 
ou natural é apenas o suporte da realidade propriamente humana, que é a 
realidade significada ou cultural. Ora, o sistema das representações religiosas se 
mostra, desde as origens da cultura, como o horizonte mais amplo e mais 
profundo de abertura do homem à realidade ou ao universo do sentido. 
 
Com efeito, depois do avanço das ciências humanas, particularmente a 
antropologia, não podemos encarar a religião como uma forma restritiva da 
compreensão do mundo, mas como um alargamento de nossa inteligibilidade. 
Quanto à diversidade de símbolos, cosmogonias, ritos, teofanias, aspectos 
subjetivos e objetivos presentes nas inúmeras religiões, só podem ser 
compreendidos como expressões de um fenômeno cultural e socialmente 
complexo que exige de nós compreensão e respeito. 
 
É verdade que existem formas de expressão religiosa que amiúdam o 
homem e o fazem preconceituoso, tímido, mesquinho, bárbaro. . . Mas, em sua 
essência, não é essa a função da religião. Ela existe para elevar o homem à sua 
verdadeira dimensão, fazendo-o capaz de transcender-se ao espaço do mundo e 
do tempo, de libertar-se de tudo que o impede de ser confiante, crítico e criativo. 
Não importa que no circuito dos interesses humanos se tenha tentado fazer da 
religião um imenso negócio. Somente os espíritos enfraquecidos se deixam iludir 
pela retórica do interesse que difunde o medo e impede o homem de conhecer o 
verdadeiro Deus e de se relacionar profundamente com Ele. 
 17 
 
 
3.3. O SENSO COMUM 
 
 
O homem é um ser situado e datado, isto é, um ser marcado pelas 
circunstâncias geográficas e históricas que se refletem no seu modo de pensar, 
agir e entender a realidade. 
 
Anterior e simultaneamente à nossa existência, estão presentes valores 
padrões de conduta, costumes, tradições, modos de organização da vida social, 
de relacionamento do homem com a natureza e com os outros homens, que nos 
dão uma certa visão de mundo, uma forma peculiar de compreender a realidade. 
Esses elementos vão chegando até nós de maneira fragmentada, a partir das 
tradições e das experiências do nosso cotidiano. Aos poucos, formulamos 
explicações para a vida, para os fenômenos da natureza, para as normas sociais, 
para as crenças religiosas, para as relações entre marido e mulher, pais e filhos, 
professores e alunos, chefes e subalternos; enfim, um conjunto de explicações 
para os acontecimentos de nossa existência. Lentamente, esses elementos 
explicativos penetram em nossa consciência, em nossa afetividade, em nosso 
modo de pensar e agir sobre a realidade. Acostumamo-nos, afinal de contas, a 
todas essas apropriações e, raramente, nos perguntamos se existem outras 
possibilidades de explicação para tudo que observamos, vivenciamos e 
participamos. O mundo, os seres, as coisas, nossa forma de pensar e agir, tudo, 
enfim, se compreende e se organiza a partir desse senso comum da realidade. 
 
3. 3. 1. Origem e características 
 
O senso comum nasce exatamente desse processo de “acostumar-se” a 
uma explicação ou compreensão do real, sem que seja questionada. Mais do que 
uma interpretação adequada da realidade, o senso comum é uma forma de ver a 
realidade espontânea, fragmentária, intuitiva, acrítica, subjetiva e 
assistematicamente. Noutras palavras, o senso comum é uma forma de 
conhecimento sem o rigor metodológico da ciência e da filosofia. 
 
A formação do senso comum tem o seu dinamismo externo e interno. 
Enquanto nos desenvolvemos, ao longo do tempo, sofremos a interferência de 
novos elementos que emergem na vida social e crescem junto conosco. Os mais 
 18 
velhos nos transmitem valores e nós os introjetamos e transmitimos às gerações 
que nos sucedem. Além disso, somos também criadores de novas compreensões 
da realidade, que podem ter as características do senso comum e as passamos às 
gerações posteriores. 
 
 Com efeito, o senso comum se forma tanto pelas tradições da 
coletividade, quanto pela experiência individual oriunda das sensações. Quem 
ainda não foi aconselhado a observar as fases da lua antes de cortar os cabelos, 
de ir à pesca ou de fazer a semeadura? Quantas pessoas acreditam que o número 
13 dá azar? Quantos séculos viveu a humanidade acreditando que a terra fosse 
plana e imóvel? 
 
As sensações constituem uma fonte importante dos nossos 
conhecimentos porque refletem características, qualidades e propriedades das 
coisas. No entanto, através das sensações, não percebemos diferentes aspectos 
dos objetos e fenômenos, mas as coisas inteiras. Vemos campos verdes, o céu 
azul, estrelas resplandecentes e longínquas; ouvimos o ruído produzido pela 
chuva ou a trovoada; sentimos a frieza do gelo, o calor da lã, o peso do chumbo e 
a leveza do algodão... As percepções são as impressões sensoriais (imagens) dos 
objetos que representam a sua forma, grandeza, cor, posição no espaço etc. Mas 
os órgãos sensoriais, apesar de serem perfeitos, têm as suas limitações e, 
portanto, não podem revelar-nos todas as propriedades das coisas. Por exemplo, 
não podemos ver objetos em radiações ultravioleta e infravermelha, nem 
átomos, nem moléculas, bem como não podemos perceber o ultra-som. Então, 
perguntamos: qual a causa das limitações, ou melhor, da seletividade dos órgãos 
sensoriais? 
 
Os órgãossensoriais percebem o que é vitalmente importante, o que é 
imperativamente necessário, para que possamos nos orientar no mundo real. Eles 
nos dão um conhecimento da realidade imprescindível para a vida e a atividade 
prática. As sensações são as janelas para espreitar o mundo. Mas será que as 
nossas impressões sensoriais nos dão sempre um conhecimento exato acerca do 
mundo e das coisas ou será que nos enganam? 
 
O que dissemos sobre a verdade do mito e da religião vale também 
para o senso comum, na medida em que ambos são formas espontâneas e 
acríticas de compreensão do mundo, mas que dão uma certa inteligibilidade à 
vida como um todo. O homem vê, ouve e sente dentro dum determinado 
diapasão sensorial que, para ele, é suficiente para organizar a realidade, as ações 
 19 
diárias, as relações entre as pessoas. Pertencem ao senso comum um vasto 
conjunto de concepções a respeito dos mais diferentes aspectos da nossa vida, 
umas corretas, outras incorretas. O que as caracteriza, é o fato de serem 
produzidas por conhecimentos fragmentários, superficiais e, por isso, sujeitas a 
distorções. Como forma de saber, o senso comum é extremamente útil e 
significativo porque constitui a forma de pensamento genérico de um povo num 
determinado tempo e lugar. O senso comum não é uma faculdade particular, nem 
uma espécie de instrumento, nem uma ciência, mas a concordância prática, o 
acordo espontâneo ou a síntese do que o homem entende, imagina, sente e 
deseja. É a partir desse “acordo” coletivo que o homem se situa no tempo e no 
espaço, faz a leitura do mundo, compreende a si mesmo e se relaciona com os 
outros. 
 
Contudo, se a humanidade hoje estivesse limitada somente ao 
conhecimento do senso comum, o progresso da civilização não teria ultrapassado 
senão uns poucos inventos técnicos. Presa das aparências e da subjetividade, das 
crenças e dos preconceitos, o senso comum nos dá apenas uma amostra 
superficial da realidade a partir da qual são feitas generalizações muitas vezes 
apressadas e imprecisas. Com efeito, a superação do senso comum é necessária 
para atingirmos o conhecimento do real. A crítica do senso comum é, pois, um 
caminho para a obtenção de um conhecimento mais refletido, mais objetivo e, 
portanto, menos impregnado de deformações produzidas pela nossa 
subjetividade. 
 
3.3.2. O bom senso 
 
O senso comum é uma entre tantas outras formas de interpretação do 
mundo e de apropriação da realidade. Por ser um conjunto de concepções 
fragmentadas, muitas vezes incoerentes, condiciona a aceitação mecânica e 
passiva de valores não-questionados. Mas não devemos acreditar que todo o 
saber do senso comum é destituído de valor. Há nele um núcleo racional, sadio, 
que merece ser preservado, desenvolvido e transformado em algo unitário e 
coerente. Deve ser elevado ao bom senso, como visão crítica do mundo, como 
senso comum depurado. 
 
Esta elevação do senso comum ao bom senso tem valor 
epistemológico (crítico), finalidade ideológica (desmistificação) e até mesmo 
pedagógica, isto é, de aprendizado e participação junto com a experiência. 
 20 
Enquanto o senso comum é o conhecimento espontâneo, tal como vimos acima, 
no seu caráter acrítico, difuso, fragmentário, tradicional, o bom senso faz que o 
transformemos em pensamento organizado, coerente e crítico suficientemente 
capaz de abstrair as falsas impressões e detectar os conteúdos ideológicos que 
permeiam as diversas instâncias das relações humanas: a família, a escola, a 
moral, a religião, a política, os meios de comunicação social etc. 
 
Isso posto, podemos concluir afirmando que o senso comum não se 
opõe à filosofia nem à ciência, mas a elas se antecipa e lhes fornece a base sobre 
a qual se erigem a reflexão filosófica e a constatação científica. 
 
 
3.4. A FILOSOFIA 
 
A mente humana é, por sua natureza, questionadora. O ser humano 
nunca está absolutamente satisfeito com o que já sabe. Ele está sempre à procura 
de algo que ainda não conhece, sobretudo quando o conhecimento que já possui 
se torna frágil e, muitas vezes, contraditório. 
 
 Face a essa disposição natural do homem para conhecer mais e 
melhor, é que surgiu a filosofia como um desejo de preencher as lacunas 
deixadas pelo mito, pela religião ou pelo senso comum. Durante muito tempo, 
essas formas de conhecimento foram suficientes para responder à consciência 
indagadora, mas à medida que as fronteiras da cultura se dilatavam, o ser 
humano não se deu por satisfeito e recorreu às categorias da razão para encontrar 
uma nova maneira de explicar a realidade. Ao rejeitar a interferência dos agentes 
divinos na explicação dos fenômenos naturais e na interpretação do seu próprio 
comportamento, o homem foi levado a refletir sobre a realidade -- o mundo, sua 
origem, o movimento, os seres, a vida, os acontecimentos, o comportamento 
humano etc. Dessa reflexão surgiu a filosofia como esforço para explicar as 
coisas e suas causas mais remotas. 
 
O surgimento da filosofia é assim marcado por uma ruptura com um 
saber cujas estruturas de representação se tornaram questionáveis e, por isso 
mesmo, insuficientes para prover ao espírito humano o equilíbrio que ele 
necessita e deseja. O filósofo francês Georges Gusdorf (1980) caracteriza essa 
mudança de cosmovisão da seguinte maneira: 
 
A reflexão consagra o fim da inocência mítica. Para o 
 21 
futuro, o homem já não pode deixar-se levar pelas evidências 
estabelecidas. Ele se torna o artesão da verdade, isto é, tanto capaz 
como culpado do erro. 
A existência funda-se em desgarramento, em uma separação 
entre homem e mundo, de si para si e de si para Deus; e todo o esforço 
da sabedoria e do saber humano terá por ambição remediar isso (p. 
151). 
 
3.4.1. O processo de evolução do conhecimento filosófico 
 
Na Antigüidade, o saber filosófico correspondia à totalidade do 
conhecimento racional desenvolvido pelo homem. Abrangia, portanto, os mais 
diversos tipos de conhecimento que se estendiam pela matemática, astronomia, 
física, biologia, lógica, ética etc. À filosofia interessava conhecer toda a 
realidade sem dividi-la em objetos específicos de estudo. 
 
 Esse significado amplo e universalista do saber filosófico manteve-se, 
de modo geral, no decorrer da Idade Média. Poucas áreas separaram-se da 
filosofia, como a teologia, por exemplo, que se desenvolveu enquanto estudo 
específico a respeito de Deus. 
 
 Durante a Idade Moderna, entretanto, o vasto campo da filosofia entrou 
num processo de redução, na medida em que a realidade a ser conhecida passou 
a ser dividida, fragmentada, despertando estudos especializados. 
Gradativamente, conquistaram autonomia muitas ciências particulares que se 
desprenderam do tronco comum do abrangente saber filosófico. Hoje, 
perguntamos: o que resta de característico para a filosofia que esteja fora do 
alcance das inúmeras ciências particulares? 
 
Na verdade, a filosofia continua tratando da mesma realidade abordada 
pelas ciências, mas enquanto estas se especializam e observam recortes do real, 
aquela jamais renuncia a considerar o seu objeto do ponto de vista da totalidade. 
A visão filosófica é uma visão de conjunto. A realidade que fora fragmentada 
pelo saber especializado de cada ciência particular é resgatada na sua integridade 
pela filosofia, a única capaz de fazer uma reflexão crítica e global sobre o saber e 
a prática do homem. 
 
Assim, em todos os setores do conhecimento e da ação, a filosofia 
 22 
deve estar presente como reflexão crítica a respeito dos fundamentos desse 
conhecimento e desse agir humanos. 
 
3.4.2.Natureza da reflexão filosófica 
 
Como dissemos acima, a reflexão filosófica apresenta, como objeto 
próprio, o mundo a conhecer e a ação a efetuar. Isto supõe um certo recuo, um 
relativo desligamento no que diz respeito à objetividade das coisas, como elas 
existem, como funcionam, como podemos modificá-las. Disso se ocupa a 
ciência. A atitude filosófica emerge de nossa admiração diante da realidade que 
suscita em nós o desejo de conhecer, mais e melhor, porque as coisas existem. 
 
 Esta atitude revela a capacidade do espírito humano de poder alçar-se 
acima das determinações concretas da realidade -- os seres -- e perguntar pelo ser 
simplesmente. A partir do ser (conceito abrangente) podemos conhecer mais 
profundamente os seres, as coisas, porque a realidade não se dá a conhecer 
totalmente nem pelo senso comum, nem pela ciência. 
 
A reflexão filosófica é radical na medida em que procura alargar as 
fronteiras do saber. Ela conscientiza o fato de que, no conhecido, há sempre um 
desconhecido, que no dito, persiste um não-dito e que no sabido, existe um 
ignorado. Nosso conhecimento é sempre representativo, modelar e 
aproximativo
4
. Por isso, a consciência filosófica é permanentemente 
indagadora. Ela sabe não possuir a verdade, mas a disposição permanente de 
procurá-la. 
 
O trabalho filosófico é essencialmente teórico. Mas isso não significa 
que a filosofia esteja à margem do mundo e da ação dos homens como se fosse 
um saber puramente abstrato que possa ser dispensável, sem nenhum prejuízo 
para o indivíduo e a sociedade. A filosofia autêntica, muito longe de ignorar a 
realidade, reflete sobre tudo o que acontece tanto no mundo físico quanto no 
mundo da cultura. O cometimento filosófico visa transformar um acontecimento 
em experiência para compreendê-lo, extrair sua lição, a fim de chegar a uma 
visão sistemática e unificada do universo. 
 
 
4
 Dizemos que o conhecimento é representativo, modelar e aproximativo porque ele não é a própria realidade, 
mas apenas sua representação, ou seja, um modelo aproximado daquilo que os nossos sentidos captam das coisas 
e dos fenômenos. 
 23 
A filosofia pensa a realidade presente. A presença da realidade 
estimula o pensamento a fazer filosofia. Por esse desejo de estar junto à 
realidade, a filosofia elucida, por meio de conceitos e idéias bem arquitetadas, a 
evidência ou transparência do real que experimentamos. Na experiência do dado 
imediato, sem visualizá-lo num esquema de medidas, o filósofo lê a realidade, 
elabora juízos de valor e, assim, dá sentido à experiência vivida. 
 
3.4.3. Filosofar é preciso 
 
O homem é um ser de necessidades, não somente do ponto de vista 
biológico mas também do ponto de vista gnosiológico. Ele quer conhecer a 
natureza para transformá-la através do seu trabalho, e assim extrair dela os meios 
necessários à sua sobrevivência. Quer também conhecer a si mesmo para poder 
construir sua vida e dar sentido à sua própria existência. Por isso, o homem 
filosofa, isto é, questiona e reflete sobre tudo que o envolve direta e 
indiretamente. É verdade que qualquer um de nós poderá viver sem refletir de 
forma radical, profunda, mas se isso acontecer a nível da coletividade, o ser 
humano corre o risco de involuir, de perder a consciência de si mesmo e do 
mundo a sua volta. É o que, a nível ideológico, designamos por estado de 
alienação. 
 
Se não questionarmos a realidade, se não refletirmos criticamente 
sobre os valores que constituem nosso modo de vida e orientam nossas ações, 
outros, em outro lugar e situação, estarão pensando por nós. Nesse caso, 
estaremos submissos ao pensar crítico de outros que decidem e orientam o nosso 
viver. 
 
Filosofar é preciso. Como especulação, a filosofia procura captar ou 
apreender a realidade, buscando as causas primeiras das coisas; como prescrição 
ou norma de conduta, ela recomenda e prescreve valores e ideais; como crítica 
ou análise, examina os conceitos, julga as idéias e assinala as incoerências do 
nosso pensamento. 
 
 
3.5. A IDEOLOGIA 
 
 
O homem nasce e se desenvolve num meio sócio-cultural, num mundo 
 24 
de símbolos e valores que lhe influenciam fortemente no transcurso de toda a sua 
vida. Como ser racional, ele não se encontra no mesmo plano das coisas e dos 
animais: é um ser dotado de inteligência e liberdade que podem ser usadas, tanto 
para reprimir os desejos,quanto para realizá-los. Como ser social, o homem se 
faz na trama das relações com os outros homens, influenciando e sendo 
influenciado, atuando sobre o meio ambiente e produzindo não só o mundo dos 
bens materiais mas também as artes, os saberes, as tecnologias e até o próprio 
modo de ser do ser humano. Como animal político, ele se organiza em 
comunidade na qual as relações de sociabilidade são constituídas por relações de 
poder, reguladas por princípios de mando e obediência, convencionalmente 
pactuados. 
 
 O fato de ser animal político, isto é, de viver numa polis (comunidade 
organizada), significa que tudo entre os homens deve ser decidido mediante 
palavras e persuasão, e não através da força ou violência. Quanto mais a 
sociedade humana evolui, maior é a importância do discurso na ação política dos 
seus membros. Os mais loquazes são, certamente, os que têm maiores chances 
de governar o corpo político. 
 
Aos poucos, os que produzem idéias separam-se dos que produzem 
bens materiais, formando um grupo à parte. À medida que vão ficando cada vez 
mais distantes e separados dos trabalhadores materiais, os que pensam começam 
a acreditar que as idéias estão, em si e por si mesmas, separadas das coisas 
materiais. Ao conferir autonomia à consciência e às idéias, julgam que estas 
não só explicam a realidade, mas produzem o real. Surge assim a ideologia 
como crença na autonomia das idéias e na capacidade que elas têm de criar a 
realidade. 
 
3.5.1. Origem 
 
Vários fatores podem ensejar o aparecimento de uma ideologia: 
impulsos irracionais, condicionados por interesses psicossociais; desejo de um 
grupo ou de uma classse social de manter um sistema de privilégios numa 
determinada estrutura sócio-política; processo de reação a uma situação 
dominante que se torna problemática, não sendo mais possível manter a 
unanimidade de visão vigente. 
 
Seja qual for sua origem, é impossível desvincular a ideologia do 
contexto sócio-político em que emerge e se propaga. Como pensamento situado 
 25 
e datado, a ideologia é uma tomada de consciência da identidade dos membros 
de um grupo ou de uma classe social em ascensão, que explicita os seus 
interesses, valores, representações e aspirações comuns. Tal consciência 
dinamiza, motiva e compromete os indivíduos através de seus ideais, interesses, 
atitudes e ações. 
 
A ideologia sedimenta-se e consolida-se no momento em que se torna 
“senso comum”, quando todos pensam da mesma maneira, espontaneamente, 
sem se dar conta dos interesses particulares ocultos. Ao popularizar-se, 
tranforma-se num conjunto de idéias, valores e representações aceitas por todos 
os que se opõem à situação vigente e imaginam uma sociedade alternativa. 
 
Uma vez vitoriosa, consolidada e interiorizada na consciência, a 
ideologia que se apresentava como garantia de realização dos ideais de todos, 
passa a ser manipulada pelos indivíduos que, através do discurso, têm maior 
poder de persuasão. Ocultando interesses particulares, camuflando a realidade, 
distorcendo a verdade, o grupo que assume o controle do poder impõe sua “visão 
do mundo” aos demais. O que de fato são seus valores, seusinteresses, seu 
modo de pensar e agir, sua maneira de viver, é apresentado como bom para todos 
os integrantes da sociedade. 
 
Para isso, a classe dominante usa todos os mecanismos de persuasão, 
para inculcar nas outras seus valores e ideais. Desse modo, a família, as escolas, 
as universidades, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos e, 
principalmente, a mídia, vinculam-se de tal modo a determinada classe que 
acabam gerando e divulgando imagens, escritos, atividades, slogans, provérbios, 
histórias, propagandas, símbolos, costumes e modismos impregnados dos valores 
dessa classe. 
 
3.5.2. Características 
 
Como teoria das idéias, o fenômeno da ideologia foi estudado por 
diversos autores: Destutt de Tracy (1754-1836), Augusto Comte (1798-1857), 
Émile Durkheim (1855-1917), Max Weber (1864-1920), Karl Mannheim (1893-
1947), entre outros. Mas foi Karl Marx (1818-1883) e F. Engels (1820-1895) que 
deram ao termo a conotação que tem hoje: um sistema de pensamento, uma 
forma de conceber o mundo em seus aspectos naturais, mas sobretudo o mundo 
social, as relações entre os homens e sua atividade. Essa “visão do mundo” não 
 26 
pode ser compreendida senão como produto e reflexo de uma sociedade e de 
uma época e, particularmente, de grupos sociais, extratos e classes. São os 
interesses, a atividade e o papel histórico desses grupos ou classes sociais que a 
ideologia expressa, enquanto visão do mundo. Não os expressa, porém, como 
conhecimento verdadeiro, mas como racionalização, isto é, falsa consciência que 
deforma e obscurece o real. Assim, “na ideologia os homens e as suas relações 
aparecem em posição invertida como numa câmara escura.” (Marx e Engels, 
1991, p. 37). 
 
Como podemos observar, o enfoque marxista atribui à ideologia um 
sentido negativo, quando a interpreta como instrumento de dominação de uma 
determinada classe que, no afã de afirmar sua hegemonia, propaga suas idéias 
e valores às demais classes sociais. 
 
A teoria marxista da ideologia representa uma ruptura radical com as 
concepções até então existentes quanto à natureza e função das idéias, imagens e 
símbolos na vida social e política. Implica nova atitude, cuja radicalidade se 
expressa como relativização do pensamento, ou seja, implica na afirmação de 
que todo pensamento tem raízes em situações e interesses sociais e, por 
conseguinte, sua unidade e coerência não podem ser compreendidas apenas em 
termos lógico-formais pela análise imanente de seu significado. 
 
Com efeito, as ideologias fixam, em um sistema de representação 
mental relativamente coerente, não somente uma relação real (as condições de 
existência), mas também uma relação imaginária (inversão das condições de 
existência). Em outras palavras, as formas de pensamento, idéias, crenças, 
valores, imagens e símbolos através dos quais os homens compreendem o mundo 
e nele se orientam nas suas relações sociais, possuem a coerência e a unidade 
necessárias a que suas relações se mantenham relativamente estáveis. 
 
Nesse sentido, é que Marx e Engels (1987) conceituam a ideologia 
como uma “opacidade” das relações sociais, vale dizer, como uma consciência 
dessas relações que é verdadeira na medida em que se acha inserida nas 
atividades práticas sociais, mas, ao mesmo tempo, necessariamente falsa, já que 
as sociedades existentes (tanto mais quanto maiores são os seus antagonismos 
internos) não podem revelar completamente seus mecanismos. 
 
Desse modo, o conceito de ideologia implica referência a uma 
“realidade” que somente de maneira imperfeita, parcial e deformada se deixa 
 27 
reconstruir no pensamento. Eis porque Gramsci (1978) afirma que a ideologia é 
o cimento da estrutura social, o conjunto de idéias e valores que, ao tornar 
possíveis e regulares as relações sociais tal como elas se estruturam em 
determinada sociedade e determinada época, ao mesmo tempo tende a cristalizá-
los nessa mesma forma, particularmente pela legitimação do poder político e da 
organização econômica existentes. 
 
3.5.3. Ideologia e conhecimento 
 
A ideologia penetra todos os níveis da estrutura social, dando coesão 
às múltiplas relações sociais que os indivíduos mantêm entre si. Embora 
contendo elementos de conhecimento, as ideologias (sentido negativo) são 
representações deformadas da realidade social. Nesse caso, podemos chamar de 
ideológico todo pensamento, todo discurso que interpretando o mundo, o 
representa de maneira falsa, distorcida, cujos componentes sociais ocultam suas 
raízes, suas origens econômicas, políticas, sociais etc. Essa ocultação passa a ser 
encarada não em função de sua coerência ou incoerência, mas como essencial à 
sua condição enquanto produto de interesses e situações sociais. Se as lacunas 
deixadas pelo discurso ideológico fossem preenchidas, haveria o 
desmascaramento dos seus disfarces. Por isso, a ideologia é ilusória, não no 
sentido de ser “falsa”ou “errada”, mas porque mascara ou oculta a maneira pela 
qual a realidade social foi produzida. 
 
Vimos que as ideologias refletem os interesses das classes sociais na 
medida em que lutam para estabelecer sua hegenomia. A classe cujos fatores 
históricos e sociais favorecem o domínio sobre as demais, procurará 
universalizar seu sistema de pensamento em forma de arte, religião, moral, 
política, filosofia, ciência, tornando-se senso comum da sociedade. Isto acontece 
não só com os slogans mais comuns, mas também com as formulações mais 
abstratas e intelectualizadas. O modo pelo qual a classe dominante representa a si 
mesma e sua relação com os outros homens e com o mundo, tornar-se-á a 
maneira pela qual todos os membros dessa sociedade irão pensar. Assim, bem-
estar, felicidade, ordem, progresso, bem da nação, são apenas slogans que 
escondem e mascaram a subjugação a que são submetidas as classes dominadas. 
 
A universalização das idéias, dos princípios, das regras de 
reciprocidade, é resultado de uma abstração na medida em que seus produtores -
- os teóricos, os ideólogos, os intelectuais -- apresentam-nas como entidades 
autônomas, como algo separado e independente das condições materiais. Assim, 
 28 
por exemplo, quando se diz que “todos são iguais perante a lei” ou que “o 
trabalho dignifica o homem”, estamos diante de ideais abstratos, longe de serem 
efetivados nas condições reais de existência social dos homens. 
 
Althusser (1989) refere-se aos “aparelhos ideológicos do Estado” 
(famílias, igrejas, sindicatos, instituições jurídicas, partidos políticos, imprensa 
etc) como reprodutores da ideologia da classe dominante. São eles que 
 
 
...garantem, em grande parte, a reprodução mesma das relações de 
produção, sob o “escudo” do aparelho repressivo do Estado . É neles 
que se desenvolve o papel da ideologia dominante, a da classe 
dominante, que detém o poder do Estado (p. 74). 
 
 Assim, enquanto exerce o poder de dominação, ou seja, a capacidade 
garantida pela força de mandar e fazer-se obedecer, o discurso ideológico exerce 
não o poder, mas uma hegemonia que é a qualidade de liderança intelectual e 
moral, capaz de gerar bases de consentimento ou de aceitação generalizada em 
forma de senso comum. Para os setores dominantes da sociedade, interessa que o 
senso comum impere em todos os segmentos da vida social e cultural, 
especialmente naqueles que se destinam às grandes massas, como é o caso da 
educação e dos meios de comunicação social. Tornado senso comum, o discurso 
ideológico constitui-se no meio eficaz de manipulação das informações, das 
condutas e dos atos políticos e sociais dos dirigentes e dos setores dominantes da 
sociedade. 
 
Porisso, o discurso ideológico mostra uma realidade invertida, isto é, 
toma o determinado pelo determinante, o efeito pela causa e assim 
sucessivamente. Por exemplo, quando as elites dominantes ocupam os meios de 
comunicação social para falar das formas de combate à violência na sociedade 
brasileira, não fazem referência ao modelo econômico excludente e concentrador 
de riquezas, não mostram a necessidade da reforma agrária, da distribuição da 
renda, da geração de novos empregos, da democratização da educação, da saúde, 
da moradia etc, mas exigem das autoridades tão somente a ampliação e 
modernização do aparelho repressivo do Estado. 
 
É típico da ideologia dominante querer legitimar o status quo por meio 
de um discurso homogêneo, mistificador, subliminarmente preconceituoso e 
coerente em sua aparência. Nas palavras de Marilena Chauí (1987), 
 29 
 
 ...ela [a ideologia] é coerente não apesar das lacunas mas por causa 
ou graças às lacunas. Ela é coerente como ciência, como moral, como 
tecnologia, como filosofia, como religião, como pedagogia, como 
explicação e como ação apenas porque não diz tudo e não pode dizer 
tudo. Se dissesse tudo, se quebraria por dentro (1987, p. 115). 
 
Isto é, daria lugar fatalmente a outra que, na perspectiva do processo dialético de 
formação das idéias, se apresenta como antítese
5
. Tudo é articulado e 
apresentado como resultado de uma “ordem natural” ou “ordem lógica” para 
promover o consenso e justificar as desigualdades sociais, a exploração entre as 
classes e os privilégios das elites. A visão de mundo, o amor, o sexo, a moda, o 
progresso, o dinheiro, a família, a religião, a educação, a moral, os preconceitos, 
a propaganda comercial, o noticiário jornalístico, enfim, tudo está impregnado de 
conotação ideológica. Por mais que façamos para nos desvencilhar, ela se faz 
presente em nossa maneira de pensar, sentir, valorizar, fazer, tanto em forma de 
senso comum quanto na maneira de fazer filosofia, religião, arte ou ciência. 
 
De um modo geral, as ideologias são fenômenos vitais de dinamismo 
envolventes e contagiosos. São dotadas de uma “mística” especial que lhes 
confere um forte poder de penetração em todas as instâncias de modo muitas 
vezes irresistível. Seus slogans, seus apelos, suas expressões típicas, seus 
critérios de avaliação e julgamento, chegam a marcar profundamente, mesmo 
aqueles que estão longe de aderir voluntariamente a seus princípios doutrinais. 
Muitas pessoas vivem praticamente dentro dos limites de determinadas 
ideologias sem se darem conta da alienação de suas consciências. Isto acontece 
não só no interior das ideologias que legitimam a exploração de classe, mas 
também daquelas que pretendem mudá-la. 
 
A recusa da alienação exige discernimento e consciência crítica. 
Discernimento para julgar com clareza e sensatez a natureza dos discursos 
ideológicos (aqueles que mascaram a realidade) e não-ideológicos (aqueles que 
des-velam o real). Consciência crítica para decodificar as mensagens, selecioná-
las, evitando os irracionalismos de perversas conseqüências. Elevadas à categoria 
de mitos, as ideologias tornam-se perigosas porque são capazes de arrastar 
 
5
As idéias, como de resto todo o conhecimento, são formadas a partir de um processo dialético que consiste na 
formulação de uma tese (afirmação), de uma antítese (negação parcial ou total da tese) e de uma síntese 
(negação da negação ou conciliação de alguns aspectos da tese e da antítese). 
 30 
multidões a holocaustos, voluntária ou forçosamente. A consciência crítica 
possibilita a interação entre o pensar e o agir do sujeito, isto é, entre teoria e 
prática. É ela que suscita a problematização da realidade e nos torna capazes de 
entender e participar do processo de construção do conhecimento expresso em 
suas diversas modalidades. 
 
Ter consciência crítica não significa ser destituído de ideologia, visto 
que todo discurso é ideológico por natureza. Significa uma disposição constante 
à busca da verdade, uma atitude firme e segura de autocrítica e revisão das idéias 
e dos valores em que acreditamos. 
 
Comumente, é ressaltado o aspecto negativo da ideologia. Mas 
precisamos entender que ela pode conter também diversos ingredientes positivos. 
Além da sua função de dar coesão aos grupos sociais, ela poderá ter uma função 
didático-pedagógica de suscitar a conscientização dos indivíduos quando 
chamados a produzir um contra-discurso. Nesse caso, a ideologia poderá ser um 
instrumento de desalienação do homem que, pelo seu poder de negatividade, 
tornar-se-ia capaz de se dar conta de sua situação e de pôr à lume as contradições 
dos agentes ideológicos que lhe oprimem. Como bem acentua Lucien Goldmann 
(1979), o importante não é deixar de ter ideologia, ser neutro (pois isto é 
impossível) mas sim dar-se conta dos próprios pressupostos ideológicos. 
Para concluir, dizemos com Vera Werneck (1992): 
 
 A ideologia não pode ser apenas considerada o pensamento 
do “outro”. Não seria possível um espaço totalmente não-ideológico. 
(p.115). 
 
 O ideal não é a procura de uma pretensa neutralidade, mas a 
aquisição de uma postura aberta, se não para a verdade, ao menos para a 
aceitação do outro com vistas a uma sociedade democrática, onde haja lugar para 
as divergências que não firam os princípios de respeito e reciprocidade. 
 
 
3.6. A CIÊNCIA E A TÉCNICA 
 
 
O homem viveu muitos milênios cultivando e transmitindo às novas 
gerações o conhecimento que o mito e o senso comum lhe sugeriam. Após a 
 31 
descoberta da racionalidade, por volta do século VI a. C., passou a acreditar que 
um conhecimento mais seguro deveria ser avalisado pela razão lógica em sua 
versão filosófica do saber. Passaram-se muitos séculos para que o espírito 
humano percebesse a insuficiência das abstrações filosóficas na explicação de 
toda a realidade. A filosofia havia cumprido o seu papel no processo de 
alargamento das fronteiras da cultura, mas tornara-se incapaz de dar conta das 
particularidades que a inteligência agora fazia questão de explicar. 
 
Até então, era o filósofo quem se ocupava de explicar a realidade a 
partir de intuições e analogias sob o rigor do método lógico-dedutivo
6
. Não havia 
separação entre filosofia e ciência e, por isso, muitos filósofos, como Aristóteles, 
Arquimedes, S. Alberto Magno foram também eminentes cientistas. 
 
No entanto, as transformações que assinalaram a transição da 
sociedade agrária feudal para a sociedade comercial burguesa em fins da Idade 
Média propiciaram mudanças profundas na maneira de ver a realidade, no modo 
de pensar e agir sobre o mundo, na forma do homem se relacionar com a 
natureza. O alargamento das fronteiras geográficas suscitou também o 
alargamento das fronteiras do saber. Já não bastava conhecer empírica e 
abstratamente o mundo, a natureza, os seres, à maneira do senso comum e da 
filosofia, mas tornou-se imprescindível a demonstração do conhecimento pela 
via do método indutivo-experimental.
7
 É aqui que a ciência se desgarra da 
filosofia para se ocupar das particularidades que esta não é capaz de desvendar. 
 
Concomitante ao progresso da ciência, a partir do século XVII, dá-se 
também o avanço da técnica e, desde então, uma se torna subsidiária da outra. 
 
3.6.1. O conceito de ciência 
 
A palavra ciência deriva do verbo latino scire que significa conhecer, 
saber. Se quisermos compreendê-la por meio de uma definição, podemos afirmar 
 
6
 O método lógico-dedutivo foi criado por Aristóteles (384-322 a.C.) e consagrado pelos filósofos medievais.Sua formulação é o silogismo, que consiste em partir de uma premissa maior (universal) que se tem por 
verdadeira (por exemplo: Todo homem é mortal), seguida de uma premissa menor (p. ex.: Sócrates é homem), 
para se obter uma conclusão particular (p. ex.:Logo, Sócrates é mortal). 
 
7
 Esse método é o inverso da dedução lógica. Consiste em partir da observação de fenômenos específicos (o 
ferro, o cobre, o bronze ... são bons condutores de eletricidade) e de uma constatação (o ferro, o cobre, o bronze... 
são metais), para se chegar à generalização (logo, o metal é bom condutor de eletricidade). 
 32 
que, em sentido amplo, ciência é um conjunto de conhecimentos 
sistematicamente organizados relativos a um determinado objeto e, em sentido 
estrito, ciência é um conhecimento objetivo, obtido através de processos 
experimentais. 
 
A primeira acepção refere-se ao domínio sistemático que podemos 
possuir dos conhecimentos relativos a determinado ramo do saber sem que haja 
necessidade de apresentar provas objetivas, por meio de processos experimentais 
ou formais. É o caso, por exemplo, dos conhecimentos concernentes às ciências 
hermenêuticas (humanas ou sociais), cujas afirmações incidem num grau de 
subjetividade muito elevado. Ciência assim entendida, não designa apenas um 
acervo de conhecimentos sobre um objeto, mas uma estrutura mental na qual o 
sujeito integra ordenadamente esses conhecimentos e a qual lhe confere um 
poder criador para avançar e dilatar as fronteiras do saber. 
 
A segunda acepção, por sua vez, corresponde àquele conhecimento 
que qualquer estudioso pode chegar pela aplicação dos mesmos métodos de 
investigação, não implicando contradição nos resultados. Nesse caso, a 
compreensão do termo ciência nos lembra laboratório, instrumental de pesquisa, 
trabalho programado e aplicação do método de indução que, partindo da 
observação e da experiência controlada, chega a formular leis sobre a 
regularidade dos fenômenos, para as assumir em teorias científicas 
caracterizadas por um grau mais ou menos elevado de generalização que nos 
permite predizer, com certa segurança, eventos futuros. Esse rigor metodológico 
é típico das ciências naturais ou empírico-formais (física, química, biologia, 
geologia, astronomia) que, auxiliadas pelas ciências formais (matemáticas e 
lógica), alcançam um elevado índice de objetividade nos seus resultados. 
 
Muito mais que as ciências hermenêuticas, as ciências formais e 
empírico-formais exprimem o ritmo de autonomia da razão no processamento de 
dados, porque seu objeto é o vasto campo da materialidade, no qual o sujeito 
(pesquisador) se mantém a uma certa distância dos fenômenos observados. 
Contudo, em nenhuma delas é possível obter conhecimentos absolutamente 
objetivos (Japiassu, 1975), já que o homem vive permanentemente na sensação, 
ou melhor, na experiência sensível da realidade. A sensação não é um ponto de 
chegada, mas um caminho para as coisas, ou seja, laboratório de onde partem 
todos os endereços de investigação e pesquisa. 
 
 33 
3. 6. 2. O método científico 
 
A realidade científica é uma realidade construída. Um fato só tem 
significado quando transposto de maneira que possa oferecer-nos características 
objetivas mensuráveis. A construção científica exige uma técnica ou um modo 
de proceder pelo qual o cientista adquire, de maneira segura, certos tipos de 
conhecimento. É uma sucessão de passos ou operações que vão, desde a 
observação, até a incorporação do novo conhecimento no patrimônio científico 
da humanidade. Segundo concepções tradicionais, esses passos ou operações 
podem ser escalonados da seguinte maneira: 
 
 
a) Observação rigorosa. Observar é aplicar a atenção a um fenômeno, 
captá-lo tal como se manifesta. Situa-se a observação particularmente na fase 
inicial da pesquisa, mas perdura durante todo o processo, alternando-se com a 
experimentaçxão, pois é necessário observar os resultados das manipulações das 
variáveis após os exprimentos. 
 
 A observação pode ser natural e espontânea ou dirigida e intencional. 
E as etapas posteriores da pesquisa ficarão prejudicadas se não partirem da 
observação correta e adequada ou, tanto quanto possível, completa na 
enumeração das circunstâncias antecedentes ou variáveis. 
 
b) Formulação de hipóteses. Toda inverstigação nasce de algum problema 
teórico/prático que se observa. Não basta observar. O pesquisador deve 
ponderar fatos e relacioná-los; deve refletir à procura de uma explicação 
provável, isto é, deve formular uma hipótese de solução plausível e verificável. 
A hipótese é o enunciado da solução estabelecida provisoriamente como 
explicativa de um problema qualquer. Ela representa a opinião do pesquisador 
à procura de evidências posteriores que a sustentem e comprovem . Sua função é 
fixar uma diretriz capaz de impor ordem e finalidade a todo o processo da 
experimentação. 
 
 c) Submissão das hipóteses a testes críticos – experimentação. As hipóteses 
devem ser postas à prova, isto é, submetidas a testes de verificação. Isto é feito 
por meio de experimentos nos quais se reproduzem os fenômenos sob rigoroso 
controle das variáveis, com o objetivo de identificar os fatores antecedentes 
responsáveis por determinado evento subseqüente. 
 
 34 
 Na formulação das hipóteses, a reflexão antecipa-se às evidências 
demonstradas. Na experimentação, falam os fatos e não o gênio do pesquisador. 
Noutras palavras: na hipótese, as idéias prejulgam os fatos; na experimentação, 
os fatos é que julgam a adequação ou não das idéias, isto é, das hipóteses. 
 
 d) Comprovação dos resultados obtidos. Certificar-se de que os resultados 
obtidos durante a investigação estão corretos é um pré-requisito para a 
constituição de uma ciência. Isto é feito por meio da investigação das relações 
causais do fato observado com outros semelhantes ou diferentes. Se for 
confirmada a regularidade do fenômeno ou evento nas mesmas condições, pode 
se formular a lei ou teoria e generalizá-la. 
 
 Este procedimento no encaminhamento da pesquisa, não só permite fazer 
reajustes e eventuais correções, precisando o grau em que pode, agora, ser 
confirmado ou não o fenômeno, mas também amplia-o com novas investigações. 
 
 e) Comunicação dos resultados – passagem da atividade para uma 
linguagem. A partir do que foi verificado em determinado experimento 
singular, o pesquisador elabora uma teoria geral sobre o conjunto dos fatos 
investigados, isto é, formula um conjunto sistemáticos de conceitos que explicam 
e interpretam as relações de causa e efeito, as relações de dependência e as 
diferenças entre todos os objetos que constituem o campo investigado. 
 
 A teoria científica permite que uma multiplicidade de fatos 
aparentemente diferentes sejam compreendidos como semelhantes e submetidos 
às mesmas leis e, vice-versa, permite compreender também por que fatos 
aparentemente semelhantes são diferentes e submetidos a leis diferentes. 
 
Contudo, estas etapas não podem ser seguidas à risca por todos os 
cientistas visto que, dependendo do objetivo da pesquisa, alguns desses 
procedimentos são inteiramente ineficazes. Para o cientista social, por exemplo, 
a técnica da entrevista é muito mais valiosa do que para o astrônomo; para o 
biólogo, a técnica da observação microscópica é eficaz, mas não serve ao 
psicólogo. Por isso é que o filósofo Karl Popper (1974) e seus discípulos fizeram 
vigorosas críticas à noção tradicional indutivista do método científico de 
inspiração baconiana
8
. Segundo Popper, quem observa, observa algumacoisa e 
 
8
Francis Bacon (1561-1626), filósofo Inglês, que embora não tenha realizado nenhum progresso nas ciências 
naturais, deve-se-lhe o primeiro esboço racional de uma metodologia científica baseada na indução experimen- 
 35 
tem, desde o início, uma idéia em mente, a qual vai ditar o que é e o que não é 
relevante observar. Com efeito, uma lista de dados observacionais poderá ter 
pequena utilidade em muitas ocasiões, se faltar um critério para dizer quais são 
as observações relevantes. Às vezes, uma única observação poderá servir de base 
para a apresentação de uma lei ou de uma teoria, de modo que não precisa existir 
um processo indutivo a servir de apoio para a formulação de uma generalização. 
 
O método é um meio pelo qual o cientista orienta sua pesquisa a fim 
de verificar a regularidade na ocorrência de um fenômeno. Baseado nesta 
regularidade, o cientista formula leis ou teorias que são confiáveis, mas não 
infalíveis. Em sua essência, a ciência é pública por questões de método. É a idéia 
da ciência metodologicamente regulada e publicamente controlável que exigem 
as instituições científicas, como as academias, os institutos de pesquisa etc. Foi 
com base no método experimental que a ciência conquistou sua autonomia, 
tornando-se independente da filosofia e da religião. 
 
3.6.3. Objetivo da ciência 
 
O discurso cienífico presume o que o discurso mítico jamais presumiu: 
apossar-se do poder do evento, ou seja, demonstrá-lo por meio de processos 
experimentais. Isto gerou no homem moderno a convicção de que o discurso da 
ciência é poderoso e o é porque lutou contra os outros discursos, refutou-os e 
venceu-os. Essa arrogância da ciência originou o “mito do cientificismo” , 
segundo o qual todos os problemas podem ser solucionados por meio da 
pesquisa cientifica! 
 
Na sua busca de explicar e compreender o universo, a ciência procura 
ampliar ao máximo a extensão do conhecimento. Nessa trajetória, ela se 
desenvolveu investigando setores específicos da realidade, que constituem as 
diversas áreas especializadas de suas disciplinas. 
 
 Ao contrário do senso comum, cujos conhecimentos estão 
freqüentemente marcados pela imprecisão, a ciência propõe-se a obter 
conhecimentos precisos, coerentes e abrangentes . Ela se caracteriza por tentar 
alcançar resultados livres das limitações do senso comum. Seu objetivo 
fundamental é proporcionar ao homem melhor conhecimento da natureza e da 
experiência humana, contribuindo, desse modo, para modificar radicalmente as 
 
tal. 
 36 
condições de nossa existência. 
 
Mais do que um progresso na compreensão da realidade, a ciência 
indica a vontade do homem de ampliar seu poder sobre a natureza e sobre a 
própria condição humana. Com isso, espera o homem vencer aspectos 
angustiantes e crê providenciar uma existência mais jubilosa. 
 
A ciência representa, assim, um grandioso projeto de autonomia e o 
sonho de uma vida melhor. Porém, é preciso ter em conta que a ciência é 
necessária, mas não suficiente. 
 
 
3.6.4. Relações entre ciência e técnica. 
 
 Há uma estreita relação entre ciência e técnica. Historicamente, a 
técnica precedeu à ciência, visto que a prática surgiu antes da teoria. A técnica, 
como instrumento de controle da natureza, é tão antiga quanto a própria 
humanidade. A partir do momento em que o hominídeo (homem-macaco) tomou 
de uma pedra e jogou sobre outra para extrair uma lasca e com ela cortar uma 
árvore ou matar um animal, teve origem a técnica. Por isso, podemos afirmar 
que o homem é um animal tecnicus. Daí resulta que a técnica, em si, não é anti-
humana, como afirmam alguns críticos, mas um recurso de sobrevivência e 
desenvolvimento da humanidade. O progresso material que o homem realizou 
até aqui e a melhoria da qualidade de vida são proporcionais à maior perfeição 
das técnicas por ele utilizadas. 
 
 O domínio da técnica se estende hoje a todos os setores da atividade 
humana, desde a aplicação sistemática e metódica das conclusões da ciência, até 
as criações artísticas. Se, por um lado, a ciência recebe aplicações práticas 
fecundas que, às vezes, o próprio cientista está longe de suspeitar, por outro lado, 
a técnica que passou pelo campo fecundo da ciência, torna-se apta para abordar 
os problemas práticos de um modo mais racional e muito mais eficaz. O espírito 
técnico sofre brusca mutação ao tornar-se espírito científico. Ao técnico, 
deparam-se obstáculos que se opõem à sua atividade prática; o cientista reflete 
sobre esses obstáculos e os transforma em problemas teóricos. Assim, as 
exigências do conhecimento técnico podem acionar o conhecimento científico e 
vice-versa. 
 
 
 37 
4.0. A crítica do conhecimento 
 
 
Vimos que a realidade -- natureza, sociedade, fatos, fenômenos -- 
pode ser interpretada sob diversos modos. Cada saber tem uma forma peculiar de 
lidar com os fenômenos que observa. Por exemplo, o nascer do sol: o aborígene 
interpretaria como se os deuses estivessem contentes com o seu comportamento, 
portanto, ele poderia ir à caça ou à pesca que seria bem sucedido (percepção 
mítica); o religioso louvaria a Deus pela oportunidade de viver mais um dia 
(percepção religiosa); o camponês associaria à lua cheia da noite anterior e iria 
semear grãos na certeza de que teria boa colheita (percepção vulgar ou 
empírica); a jovem urbana, ao verificar a ausência de nuvens escuras no céu, 
programaria ir à praia, a fim de bronzear-se para impressionar o rapaz de quem 
deseja ser namorada (percepção ideológica); o filósofo refletiria sobre o sentido 
da existência, os ciclos da vida, as mudanças naturais e sociais (percepção 
filosófica); o astrônomo, auxiliado de um potente telescópio e um computador de 
última geração, calcularia a distância média do afastamento da terra em relação 
ao sol no seu movimento de rotação (percepção científica). Depreende-se, 
portanto, que a realidade é o que é, independentemente do que pensamos dela, 
mas a nossa compreensão a torna multifacetada. 
 
O conhecimento é a expressão do real, mas não sua cópia. Muitas 
vezes imaginamos que conhecemos a realidade e, no entanto, estamos 
enganados. É importante ter claro que a realidade não se dá a conhecer imediata 
e facilmente. Ela tem subterfúgios e manifesta suas aparências, mas não sua 
essência. Quanto mais nos desvencilhamos de nossas subjetidades (sentimentos, 
emoções, paixões, opiniões), mais a realidade se revela. O essencial não se dá a 
conhecer à primeira vista. As aparências ocultam a verdadeira essência da 
realidade. Por isso, é preciso ser crítico em relação aos dados. 
 
Em primeiro lugar, é necessário admitir que não podemos acreditar 
imediatamente naquilo que se manifesta aos nossos sentidos. Embora a 
compreensão da realidade comece pelas nossas experiências em contato direto 
com ela, é forçoso admitir que os sentidos ora nos enganam, ora não são capazes 
de captar toda a complexidade dos fenômenos. Vejamos um exemplo bem 
simples. Em muitas situações do dia-a-dia, dizemos que “ a lã é quente”. Será 
que a lã é quente mesmo? De fato, a lã não é quente; ela é, sim, boa retentora de 
calor. Quente é o nosso corpo. Se colocarmos uma veste de lã, o nosso corpo 
fica mais protegido do frio devido a ficar envolvido pelo seu próprio calor, retido 
 38 
pela vestimenta. Na aparência, a lã é quente; na essência, ela é boa retentora de 
calor. Com efeito, o conhecimento que quer ser verdadeiro deve ultrapassar as 
aparências e chegar à essência. 
 
Umasegunda posição metodológica, por parte de quem deseja 
conhecer melhor a realidade, refere-se à crítica do senso comum. Ou seja, torna-
se fundamental criticar as interpretações cotidianas sobre aquilo que desejamos 
conhecer. É necessário analisar as opiniões que o presente tem sobre os fatos que 
ele interpreta. Não bastam os discursos. É importante investigar se esses 
discursos estão articulados com a objetividade dos fatos, ou se simplesmente 
expressam interpretações, senão falsas, ao menos parciais, da realidade. Não se 
pode admitir, pura e simplesmente, a opinião popular como explicativa de 
alguma coisa. Ela é sempre fragmentária e, na maioria das vezes, está articulada 
com experiências existenciais dogmáticas e supersticiosas. De acordo com 
Gramsci (1978), não se deve condenar a visão cotidiana da realidade, mas deve-
se, isto sim, tomá-la criticamente nas mãos, para elevá-la a um novo patamar de 
compreensão que seja coerente, consistente e orgânico. 
 
O terceiro fator a ser levado em conta na obtenção de um 
conhecimento mais consistente é a crítica da autoridade. Por mais famoso e 
importante que seja, não devemos acreditar incondicionalmente no que diz o 
especialista em determinado assunto. Ninguém é absolutamente infalível; 
nenhum ser humano está isento de erro. Além disso, por motivações ideológicas, 
por engano de interpretação de dados, por deficiência de recursos técnicos, por 
emprego de métodos inadequados, o pesquisador poderá falsear a realidade. Se 
confiarmos exageradamente na sua autoridade, perderemos a oportunidade de 
corrigi-lo. 
 
O último elemento metodológico necessário para a constituição de um 
conhecimento mais objetivo é a crítica das explicações existentes no meio 
científico. Não podemos desprezar os conhecimentos já estabelecidos, assim 
como não podemos admiti-los como plenamente verdadeiros. A verdade, sendo 
aproximativa, deverá ser permanentemente buscada. É preciso verificar, 
criticamente, a validade de um conhecimento que se constituiu num determinado 
tempo e lugar e os interesses subjacentes de quem o formulou e da sociedade à 
qual ele serviu. De repente, nos deparamos com conceitos que já não explicam 
mais a realidade e, por isso, devem ser descartados. Os conhecimentos 
científicos existentes representam passos dados pela humanidade no seu esforço 
permanente de compreender a realidade para transformá-la. 
 39 
 
A produção do conhecimento, não importa a sua modalidade -- mito, 
religião, senso comum, filosofia, ideologia, ciência -- é dialética. Sendo uma 
percepção aproximativa da realidade, todo conhecimento deve ser revisto e 
atualizado. Há o que deva ser aproveitado criticamente, como há o que deva, 
também criticamente, ser descartado. O conhecimento construído de forma 
crítica, com todos os elementos metodológicos acima especificados, tem maior 
probabilidade de ser verdadeiro. 
 40 
 
Referências Bibliográficas 
 
 
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19981. 
 
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GOLDMANN, Lucien. Dialética e cultura. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
1979. 
 
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 JAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 
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POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 1974. 
 
RICOEUR, Paul. O conflito das interpretações. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 
1978. 
 
 
 41 
WERNECK, Vera Rudge. A ideologia na Educação: um estudo sobre a 
interferência da ideologia no processo educativo. Petrópolis: Vozes, 1982. 
 42 
 CAPÍTULO II 
EPISTEMOLOGIA 
 
 A ciência é necessária, mas não suficiente. 
 
 
 
1.0 . CONCEITO DE EPISTEMOLOGIA E SUA PROBLEMÁTICA 
 
 No capítulo anterior, vimos que a produção dos conhecimentos é uma 
consequência da ação do homem sobre o mundo. No entanto, não podemos ver 
todos os saberes sob um único prisma, pois estaríamos fornecendo o mesmo 
estatuto a conteúdos heterogêneos e, de certa forma, antagônicos. Se pensarmos 
desta maneira, um critério de valor, ou melhor, de validade, deve ser conferido 
ao conhecimento, para que a razão possa “dar crédito” àquilo que ela mesma 
produz. 
 
 Estabelecer um critério que forneça validade ao conhecimento, 
significa conceber um estatuto sob o qual a produção intelectual possa ser 
consignada com confiabilidade. Mas, de quem seria esta responsabilidade? Do 
filósofo? Do cientista? Do homem comum? 
 
 Se há vários tipos de conhecimento produzidos, é porque há autores 
diversos, desde o homem simples que se orienta pelo senso comum até o 
pesquisador, que se empenha firmemente para alcançar o máximo de 
objetividade. 
 
 Ora, a validade do conhecimento não pode circunscrever-se aos limites 
do senso comum, da religião ou da ideologia, pois estes saberes estão 
impregnados de subjetividade, dogmas e intencionalidades que comprometem a 
certeza de suas afirmações. 
 
 43 
 Assim, resta-nos apelar para a ciência e para a filosofia. A ciência 
produz conhecimentos que procuram ser dignos de crédito. Afinal, a força de 
suas teorias e dos seus conteúdos explicativos pode satisfazer aos espíritos mais 
exigentes. Contudo, uma questão nos inquieta: pode o cientista, no seu fazer-
ciência, ter a visão crítica e o distanciamento necessários para questionar a 
produção teórica que está construindo? 
 
 Se, por um lado, acreditamos que o fazer-ciência envolve uma atitude 
questionadora, por outro lado, verificamos que, limitado ao método e ao objeto 
de análise, o cientista pode se enganar, deformar ou mesmo “artificializar” sua 
produção intelectual, sobretudo se ele não tiver um senso crítico aguçado quando 
da manipulação das técnicas e métodos, ou não obedecer a uma ética capaz de 
avaliar as consequências do uso irresponsável do saber científico. 
 
A ciência e a tecnologia foram bem sucedidas nos diversos campos da 
pesquisa e nos múltiplos setores da atividade humana, mas também engendraram 
inúmeros problemas. A história está pontilhada de exemplos de “erros” da 
ciência, bem como de seu uso inadequado. Como demonstra Hilton Japiassu 
(1975), não há ciência neutra, e uma filosofia das ciências é necessária para abrir 
os horizontes do cientista. Neste sentido, a filosofia pode dar uma contribuição 
valiosa à ciência, suscitando a reflexão do pesquisador ou, até mesmo, apontando 
caminhos a serem percorridos, sem a arrogância da superioridade, mas com o 
propósito de estabelecer o diálogo mutuamente enriquecedor, em exercício 
interdisciplinar. Neste caso, o filósofo não se traveste de cientista nem este se 
transforma em filósofo; um subsidia o outro numa perspectiva de 
complementaridade, ao mesmo tempo que se reconhecem incapazes de, 
isolados, dar conta de toda a realidade. 
 
 Muitos são os autores que auxiliaram na compreensão desta questão: 
Jean Piaget, Gaston Bachelard, Karl Popper, G. Canguilhem, entre outros. Face 
aos avanços da ciência e da tecnologia, esse problema tornou-secada vez mais 
relevante. Ora, a filosofia não pode se furtar à discussão dessa questão. Ao 
contrário, o questionamento do modelo científico tornou-se objeto de crítica, a 
partir da qual originaram-se novas diretrizes para a ciência e para a técnica. A 
produção crítica em torno da tecnociência chamamos de epistemologia, que se 
configura como a reflexão do fazer científico, ou seja, como um conhecimento 
que procura estabelecer as bases e a validade do saber produzido pela ciência de 
uma maneira geral. 
 
 44 
 Em sua origem etimológica, o termo epistemologia provém de dois 
vocábulos gregos: episteme (ciência , conhecimento) e logos (teoria, tratado, 
estudo). Em sentido amplo, podemos dizer que epistemologia é 
 
...o estudo metódico e reflexivo do saber, de sua organização, de sua 
formação, de seu desenvolvimento, de seu funcionamento e de seus 
produtos intelectuais (Japiassu, 1979, p.16). 
 
 Em sentido estrito, entendemos por epistemologia a reflexão crítica 
sobre os produtos da ciência, isto é, o estudo sistemático sobre tudo o que a 
ciência faz. 
 
 No primeiro caso, a epistemologia se confunde com gnosiologia ou 
teoria do conhecimento cujo raio de ação se estende a todo o saber, seja ele 
especulativo (filosofia) ou positivo (ciência). Nesse contexto, procura-se inquirir 
a respeito da natureza ou essência do conhecimento, suas possibilidades, seu 
valor etc. É a perspectiva inaugurada já pelos pré-socráticos
9
 (Heráclito e 
Parmênides), passando por Platão e Aristóteles, e que adquiriu força a partir do 
século XVII com o cogito
10
 cartesiano. Neste solo, as questões levantadas são 
do interesse quase exclusivamente dos filósofos. 
 
 No segundo caso, a epistemologia, fica circunscrita à análise dos 
princípios , das hipóteses e dos resultados das ciências já constituídas, bem como 
da linguagem que utilizam, visando determinar os fundamentos lógicos, o valor e 
o alcance objetivo das mesmas. Aqui a reflexão não é privilégio somente de 
filósofos, mas também de cientistas que procuram avaliar os resultados do seu 
próprio trabalho. 
 
9
 Diz-se pré-socráticos, os filósofos que precederam a Sócrates (469-399 a .C.), os quais desenvolveram sua 
reflexão procurando respostas para os problemas cosmológicos. 
 
10
 Esta expressão faz referência ao racionalismo de Descartes, quando concebeu a proposição “eu penso, logo 
existo”, como a primeira verdade da qual não se pode duvidar . 
 45 
 
 
2.0. O PROCESSO DE EVOLUÇÃO DA CIÊNCIA 
 
 
Desde as origens da humanidade, a civilização foi constituída como 
uma adaptação do homem ao mundo. Aos poucos, ele descobriu o meio 
circundante e, pela força de seus braços e a habilidade de suas mãos, começou a 
transformá-lo. Mais tarde, percebeu que os utensílios que fabricava, 
aumentavam a sua potência física e ampliavam seu domínio sobre a natureza. 
Uma longa familiaridade permitiu uma boa convivência entre o homem e o meio, 
do qual tirava seus recursos de sobrevivência. As experiências bem sucedidas o 
animavam a procurar novas técnicas de intervenção na natureza. Para isso, era 
necessário conhecê-la melhor: compreender a origem do universo e das coisas, 
investigar a regularidade dos fenômenos físicos, detectar as suas propriedades 
etc. Século após século, a humanidade foi acumulando experiências de modo a 
permitir um conhecimento mais preciso da natureza, obtido por meio da 
investigação e de processos experimentais. 
 
2.1. A CIÊNCIA NA ANTIGÜIDADE 
 
Fundamentalmente, a ciência, na forma como concebemos hoje, surgiu 
no início da Idade Moderna. Entretanto, antes de Copérnico e Galileu registrou-
se alguns esforços no sentido de compreender os fenômenos naturais e o 
funcionamento do organismo humano, bem como de matematizar o espaço até 
então conhecido. Os pioneiros nesse segmento da cultura foram os povos 
orientais (egípcios, mesopotâmicos, hindus, chineses) que, em busca de solução 
para problemas de ordem pragmática, deram passos significativos nos campos da 
astronomia, matemática e medicina. 
 
Na Grécia, os filósofos pré-socráticos -- especialmente Tales de 
Mileto, Heráclito, Anaximandro, Pitágoras e Demócrito -- interessaram-se por 
algumas áreas da matemática e da física, enquanto que Hipócrates se ocupou da 
biologia e da medicina. Posteriormente, Aristóteles, Arquimedes e Euclides 
realizaram estudos de física e matemática e, na época da dominação romana 
sobre o que restou da civilização helenística
11
, destacaram-se o astrônomo 
 
11
 Entende-se por civilização helenística aquela resultante da fusão das culturas grega e oriental por efeito das 
 46 
Ptolomeu e o médico Galeno. Contudo, os interesses desses estudiosos eram 
principalmente especulativos, teoréticos (contemplativos), não havendo grande 
devotamento ao domínio do universo físico. A ciência, para eles, valia apenas 
como introdução à filosofia. 
 
2.2. A CIÊNCIA NA IDADE MÉDIA 
 
Herdeira da cultura greco-romana de um lado, e preocupada com a 
fundamentação teórica do cristianismo de outro, a civilização medieval também 
não fez progresso significativo no campo das ciências naturais e matemáticas. As 
preocupações dos intelectuais nesse período eram o conhecimento e o 
aprofundamento da doutrina cristã, não só para melhor difundi-la mas também 
para defendê-la daqueles que a atacavam no terreno das idéias. 
 
Indiferentes à pesquisa científica, interessavam aos fiéis e aos 
pregadores da mensagem cristã a fundamentação teórica da doutrina e a exegese 
da revelação contida nos textos bíblicos. Daí a primazia dos estudos teológicos e 
filosóficos. Tutelados pela Igreja que orientava o saber e preocupados com a 
sobrevivência eterna no Reino dos Céus, os pensadores ocidentais concordaram 
com a subordinação da razão à fé. Por isso, procuraram harmonizar os precários 
conhecimentos que lhes chegaram da física aristotélica e da astronomia 
ptolomaica com eventuais trechos bíblicos sem nenhum senso crítico. A 
aceitação incondicional do princípio da autoridade como critério de avaliação da 
verdade (autoridade da revelação das Sagradas Escrituras, de Aristóteles, dos 
padres da Igreja etc) constituiu-se num empecilho para o desenvolvimento das 
ciências até o final do período em questão. Nem mesmo a filosofia escapou da 
subordinação à fé, pela qual tornou-se “serva da teologia”. O crer foi posto como 
condição necessária do entender. 
 
Por esse motivo, persistiram, de modo geral, as noções científicas 
oriundas do helenismo, divulgadas pelos tradutores árabes da Península Ibérica. 
A estes se deveram também algumas realizações novas nos campos da medicina, 
da matemática e, sobretudo, da alquimia, da qual se originaria, mais tarde, a 
química. 
 
Não é preciso mencionar mais que os nomes de alguns poucos 
 
conquistas de Alexandre Magno, rei da Macedônia (329-323 a .C.). 
 47 
estudiosos que se dedicaram à ciência: Adelardo de Bath (1090-1150), que não 
só criticou a confiança na autoridade, mas dedicou muitos anos de sua vida à 
investigação da natureza e à matemática; Alberto Magno (1193-1280) que, 
baseando-se em Aristóteles, apresentou uma série de observações originais sobre 
os vegetais, minerais e animais; e Rogério Bacon (1214-1292), que fez pesquisas 
de física e matemática e valorizou a experiência, “sem a qual nada pode ser 
conhecido suficientemente” (citado por Reale e Antiseri, 1990, v.1, p. 596). 
 
O paradigma medieval entra em crise com ascríticas de Guilherme de 
Occam (1285-1349) à física Aristotélica, baseada numa concepção de universo 
de estrutura rígida e fechada, ordenado por um sistema de leis imutáveis e causas 
necessárias. Sua filosofia assinala o prelúdio da desintegração do pensamento 
medieval e acena para a filosofia do Renascimento. Nele encontramos os germes 
não só do cartesianismo (a intuição e a evidência como critério da verdade), mas 
do empirismo inglês (a observação e a experiência como fonte do 
conhecimento) e também da ciência moderna, materialmente física e 
formalmente matemática, como veremos a seguir. 
 
 
 
2.3. A CIÊNCIA MODERNA 
 
A crise moral da Igreja e as transformações ocorridas na Europa a 
partir do século XIV abalaram os alicerces do saber medieval, fundado no 
autoritarismo e na preocupação com a busca da salvação eterna. O renascimento 
do comércio e da vida urbana põe em colapso o sistema feudal e dá origem à 
formação da burguesia que fez novos empreendimentos comerciais de que 
resultaram os descobrimentos marítimos dos séculos XV e XVI. 
 
Do ponto de vista político, formam-se os Estados nacionais cujo poder, 
centralizado na pessoa do monarca, é exercido sobre um determinado território, 
em torno do qual tendem a se congregar as línguas nacionais que, lentamente, 
irão substituir o latim, a língua culta do período medieval. O fortalecimento do 
poder real, associado ao nacionalismo emergente, suscita o espírito de 
contestação ao poder eclesiástico, cuja credibilidade estava gravemente abalada 
pelos abusos do clero: simonia, nepotismo, imoralidade... Diante disso, não 
demorou a surgir líderes que levantaram a bandeira da reforma religiosa, 
encontrando adesões em segmentos da burguesia e da nobreza, bem como entre 
 48 
camponeses explorados pelos senhores, leigos e religiosos. 
 
Todos esses acontecimentos e transformações que assinalam a 
transição da Idade Média à Idade Moderna repercutem profundamente no mundo 
da cultura, a começar pelo movimento artístico-literário humanista e pela 
invenção da imprensa por volta de 1450. O teocentrismo da cultura religiosa 
medieval é substituído pelo antropocentrismo dos artistas e intelectuais não mais 
vinculados exclusivamente à Igreja. A concepção geocêntrica até então 
preponderante é substituída pela concepção heliocêntrica, e aquela idéia de 
cosmos fechado, finito e qualitativamente hierarquizado, oriunda da tradição 
greco-medieval, é também substituída pela concepção de um universo aberto, 
indefinido, infinito e governado por leis que podem ser conhecidas pela 
observação científica. A filosofia se separa da teologia e a ciência se desgarra da 
filosofia. Em oposição ao saber contemplativo, desenvolve-se o saber ativo, 
acoplando a técnica à ciência. 
 
Ao rejeitarem os pressupostos dogmáticos da cultura medieval 
fundados na tradição e no autoritarismo da Igreja, os pensadores da Renascença 
tomam como ponto de partida o naturalismo-antropocentrista greco-romano, do 
qual advém o desejo de conhecer melhor o homem e a natureza. A revelação 
divina e a tradição são postas sob suspeita, carecendo agora da constatação da 
razão em tudo o que se afirma. 
 
O elemento detonador desse processo de idéias foi, sem dúvida, a 
revolução astronômica, cujos representantes mais prestigiosos foram Copérnico, 
Tycho Brahe, Kepler e Galileu, e que iria confluir para a “física clássica” de 
Newton. Durante os cento e cinqüenta anos que decorreram entre Copérnico e 
Newton caem por terra os pilares da cosmologia aristotélico-ptolomaica: 
Copérnico coloca o sol no centro do mundo, ao invés da terra; Tycho Brahe 
elimina as esferas materiais que, na velha cosmologia, arrastavam os planetas 
com seu movimento e substitui a idéia de Orbe (esfera) material pela moderna 
idéia de órbita (trajetória); Kepler apresenta uma sistematização matemática do 
sistema copernicano e realiza a revolucionária passagem do movimento circular 
para o movimento elíptico dos planetas; Galileu mostra a falsidade da distinção 
entre física terrestre e física celeste, fazendo ver que a lua é da mesma natureza 
da terra, e estabelece novos fundamentos com a formulação do princípio da 
inércia; e Newton, com sua teoria gravitacional, unifica a física de Galileu com a 
de Kepler. 
 
 49 
Nesse período, portanto, muda a imagem do mundo e, por via de 
conseqüência, mudam também as idéias sobre o homem, sobre o conhecimento, 
sobre o conceito de ciência, sobre o método científico, sobre as relações entre 
ciência e sociedade, entre ciência e filosofia, entre ciência e fé religiosa. 
Ousadamente, Galileu explicita com clareza absoluta que não é mais a intuição 
privilegiada do mago ou astrólogo “iluminado individualmente”, nem o 
comentário a um filósofo que disse “a” verdade que devem prevalecer, mas sim 
investigação e discurso sobre o mundo da natureza. Reale e Antiseri (1990) 
assim caracterizam essa mudança perspectiva: 
 
Essa imagem de ciência não surge toda pronta, de uma vez, 
mas emerge progressivamente de um tumultuado cadinho de 
concepções e idéias, em que se entrelaçam e entrecruzam misticismos, 
hermetismo, astrologia, magia e, sobretudo, temáticas da filosofia 
neoplatônica. Trata-se de um processo verdadeiramente complexo, 
que encontra seu resultado mais claro na fundamentação galileana 
do método científico e, portanto, na autonomia da ciência em relação 
às proposições de fé e às concepções filosóficas. O discurso qualifica-
se enquanto tal porque -- como disse Galileu -- procede com base 
nas “experiências sensatas” e nas “demostrações necessárias”. E a 
“experiência” de Galileu é o “experimento”. A ciência é ciência 
experimental. É através do experimento que os cientistas tendem a 
obter proposições verdadeiras sobre o mundo (v. 2, p. 187). 
 
E citando Paulo Rossi, acrescentam os referidos autores: 
 
 Essa nova imagem da ciência -- feita de teorias 
sistematicamente controladas através dos experimentos -- “era o 
registro de nascimento de um tipo de saber entendido como uma 
construção perfectível, que nasce da colaboração dos gênios, que 
necessita de uma linguagem específica e rigorosa e que, para 
sobreviver e crescer sobre si mesma, necessita de instituições 
específicas próprias (...). Um tipo de saber (...) que crê na capacidade 
de crescimento do conhecimento, que não se baseia na pura e simples 
rejeição das teorias anteriores, mas sim em sua substituição por 
teorias mais „amplas‟, que sejam logicamente mais „fortes‟e tenham 
maior conteúdo de controlabilidade” (idem ibidem). 
 
 
 50 
Como se depreende, a revolução científica introduziu um novo 
paradigma do saber, isto é, um novo modelo de representação da realidade. 
Trata-se de uma cosmovisão diferenciada daquela que concebia a ciência como 
saber de essências feito de teorias e conceitos definitivos. Agora, a ciência se 
configura como descrição da realidade, obtida através de um método que não 
esmola garantias fora de si mesmo. Não é mais o que, mas o como; não é mais a 
substância, mas sim a função, que a ciência deve indagar. 
 
 
2.4. UNIÃO DA CIÊNCIA COM A TÉCNICA 
 
Uma característica fundamental da revolução científica moderna é a 
formação de um saber que, ao contrário do anterior, reúne teoria e prática, ou 
seja, ciência e técnica. Ao necessitarem dos instrumentos de medida e de 
observação para a constatação de suas hipóteses, os cientistas do Renascimento 
viram-se na contingência de construir instrumentos ou solicitaram que os 
fizessem às pessoas que trabalhavam nos arsenais e nas oficinas. Aos poucos, 
ruiu a muralha que, desde a Antiguidade, separava as “artes liberais” (disciplinasteóricas), das “artes mecânicas” (disciplinas práticas). Estabelece-se uma estreita 
relação entre o astrônomo, o físico, o engenheiro e o artesão. Sabe-se que Galileu 
ia freqüentemente ao arsenal de Veneza para ter um colóquio com os técnicos. 
As técnicas, os achados e os processos presentes naquele arsenal ajudaram de tal 
forma a reflexão teórica do pai da revolução científica que ele afirmou: 
 
O colóquio com os artífices do arsenal muitas vezes ajudou-
me na investigação da razão de efeito não apenas maravilhosos, mas 
também recônditos e quase imprevistos, (citado por Reale e Antiseri, 
1990, v. 2, p. 193). 
 
Desde então, tornou-se praticamente impossível desvincular a 
atividade científica da atividade técnica; o desejo de conhecer os segredos do 
universo e as leis que regulam os fenômenos naturais se completa com o desejo 
de controlá-lo, para tornar a vida melhor. Destarte, os instrumentos não só 
ajudam e potencializam os sentidos, mas também oferecem ao cientista 
condições de se libertar dos enganos dos olhos. Noutras palavras, os 
instrumentos são meios pelos quais o pesquisador alcança o interior dos objetos, 
garatindo-lhe maior objetividade contra os sentidos e os seus testemunhos. 
 
 51 
 
2.5. A CIÊNCIA CONTEMPORÂNEA 
 
 
Os fundamentos da ciência contemporânea foram lançados, em sua 
maior parte, nos fins do século XIX e nos começos do século XX. Foi durante 
esse período que se passou a conceber o átomo não mais como uma partícula 
sólida e indivisível, como um sistema solar em miniatura. Descobriu-se o 
fenômeno da radioatividade, desacreditou-se a hipótese do éter como espaço 
vazio entre a matéria e demonstrou-se a relatividade do tempo e do espaço. 
Desde então, o desenvolvimento científico adquiriu um impulso extraordinário 
de que resultaram descobertas inusitadas, que se somaram às inovações 
tecnológicas, conferindo à tecnociência resultados surpreendentes. 
No campo da física, merecem destaque as contribuições de Albert 
Einstein (teoria da relatividade), Max Planck (teoria dos quantas), Erwin 
Schrödinger, Werner Von Heisenberg e Max Born (mecânica quântica), Otto 
Hahn e F. Strassmann (física nuclear) e M. Gilmann (descoberta dos quarks). 
 
No terreno da biologia, coube a Louis Pasteur (1822-1895) a derrubada 
da teoria da geração espontânea e a criação da bacteriologia que posteriormente, 
Robert Koch (1843-1910) lhe conferiu rigor científico . As pesquisas de 
Lamarck (1744-1829) e de Charles Darwin (1909-1882) resultaram na teoria da 
evolução natural das espécies, confirmada, mais tarde, por August Weismann 
(1834-1914) e Hugo de Vries (1845-1935). Gregório Mendel (1822-1884) 
fundou a genética e Thomas H. Morgan (1866-1945) estabeleceu suas bases 
experimentais. Aos poucos, os fabulosos progressos da biologia foram aplicados 
a outras ciências e técnicas, tendo a matemática contribuído com apreciável 
parcela em muitos campos. 
 
A bioquímica e a fisiologia fizeram enormes avanços, esclarecendo 
problemas fundamentais de metabolismo e de transformação energética nos seres 
vivos. A imunologia firmou-se como ciência e a biofísica alargou as 
possibilidades de utilização de recursos físicos no estudo das funções da vida, 
permitindo delicadíssimas técnicas de investigação de fenômenos elétricos, entre 
muitos outros. 
 
Os trabalhos do fisiologista Sir Charles Scott Sherrington (1857-1952) 
 52 
sobre ação integrativa do sistema nervoso abriram caminhos novos ao estudo das 
funções cerebrais e dos reflexos, estes últimos também abordados com grande 
originalidade por Ivan Pavlov (1849-1936) e que inspiraram numerosas 
pesquisas no campo da psicologia experimental. 
 
 Os avanços alcançados no estudo dos vírus possibilitaram, juntamente 
com os conhecimentos de citogenética, investigar aspectos importantes da 
biologia molecular, fazendo-se combinações e recombinações de material 
genético. A farmacologia esmiuçou a reação dos sistemas vivos a numerosas 
substâncias, muitas das quais produzidas pelo próprio organismo, e assim 
propiciou progressos sem precedentes na terapêutica de várias doenças, 
atingindo plenamente e até superando muitos dos objetivos sonhados por Paul 
Ehrlich (1854-1915) ao fundar a quimioterapia. 
 
A biologia molecular desvendou o código genético através das 
pesquisas de S. Ochoa, A. Kornberg, F. Jacob, J. Monod, M. W. Nirenberg, J. N. 
Matthei, entre outros. Juntamente com a genética, a endocrinologia e a 
neurofisiologia, a biologia molecular aparece atualmente como um dos campos 
mais revolucionários, quanto às possibilidades que encerra para a compreensão 
da vida e de suas manifestações, bem como para a melhoria da existência 
humana. Com isso, recrudesce o debate em torno da própria natureza da vida e 
firma-se, entre muitos estudiosos, a convicção de que, em breve , nos 
laboratórios se conseguirá sintetizá-la. As pesquisas de Francis H. Campton 
Crick e ames D. Watson resultaram na descoberta da estrutura molecular do 
DNA (1953), imediatamente reconhecida como uma das conquistas 
fundamentais do século. Em 1978, pela primeira vez, uma criança, Louise 
Brown, foi concebida in vitro . Os avanços da genética são tão acelerados que 
permitiram o nascimento dos primeiros ratinhos por clonagem (1981) e da 
ovelha Dolly (1996). 
 
No campo da medicina, são inúmeras as conquistas: a descoberta dos 
antibióticos, o uso da radioatividade no tratamento do câncer, os processos 
técnicos de conservação do sangue e do plasma sanguíneo para transfusão, a 
descoberta de vacinas imunológicas e de um grande número de novas vitaminas, 
o desenvolvimento de hormônios sintéticos, bem como da medicina 
psicossomática, baseada na percepção da importância dos fatores da ansiedade, 
do medo etc, como causas de úlceras, hipertensão arterial e doenças cardíacas. 
 
Um aspecto importante na evolução da ciência contemporânea é o 
 53 
desenvolvimento das disciplinas de fronteira: a físico-química, a astrofísica, a 
bioquímica, a biofísica, a geofísica e outras. Estas disciplinas, ao invés de 
contribuírem para maior setorialização do conhecimento, constituem, juntamente 
com as equipes interdisciplinares, canais através dos quais as disciplinas e os 
pesquisadores voltam a se comunicar depois de cerca de um século e meio de 
separação. Isto caracteriza uma nova tendência na direção da unicidade da 
pesquisa científica. 
 
No campo da biotecnologia, são inúmeras as contribuições tanto na 
agricultura quanto na medicina, com as quais tornou-se possível a invenção de 
produtos sintéticos a partir de vegetais que auxiliam nos enxertos de pele. O 
controle da genética animal altera ciclos reprodutivos e promove a seleção de 
raças para melhorar a qualidade das espécies. 
 
Desde 1992, cientistas de vários países, desenvolvem o Projeto 
Genoma Humano, também conhecido por HUGO (Human Genoma 
Organization), destinado a fazer o mapeamento dos genes – as moléculas do 
DNA --, uma espécie de arquivo da programação genética das células do nosso 
corpo. Acredita-se que em pouco tempo a genética humana terá condições de 
prevenir as más-formações congênitas, as patologias degenerativas etc. 
 
Em virtude dos avanços da biotecnologia, surgiu ultimamente uma 
nova disciplina, a bioética, que levanta questões relativas à ética da vida, 
procurando estabelecer limites até onde a ciência pode ir com suas pesquisas. 
Teme-se que, para além dos benefícios trazidos à melhoria da qualidade de vida, 
haja uma demasiada interferência na natureza por parte de manipuladores 
genéticos inescrupulosos e imbuídos de interesses perversos. 
 
Os estudos relativos aos efeitos da poluiçãoe da perturbação dos 
ambientes naturais ensejaram notável desenvolvimento da ecologia, da etologia e 
de muitas outras ciências correlatas. 
 
Quanto às ciências do comportamento humano, a grande novidade foi 
o aparecimento da psicanálise, fundada por Sigmund Freud (1856-1939), a partir 
do estudo do inconsciente reprimido. Doravante, praticamente todas as ciências 
humanas, direta ou indiretamente, sofreram influência da teoria psicanalítica. 
 
No que diz respeito ao campo da tecnologia, é fantástica a profusão de 
inovações que auxiliam na organização do trabalho e na gestão empresarial, 
 54 
facilitando as comunicações e a vida das pessoas de um modo geral. Em 1935, 
Alan Turing, ao descrever uma máquina de calcular teórica para lógicos 
matemáticos, forneceu a base da teoria do computador, sobre a qual 
trabalhariam, alguns anos mais tarde, Claude Shannon (1939) e John von 
Neumann (1945) para dar origem ao moderno computador. Desde então, o 
processo de produzir, multiplicar e armazenar informações tornou-se acelerado. 
Não há como prescindir do uso da máquina. O computador tornou-se o 
instrumento por excelência da sociedade contemporânea. A robótica e a 
informática são necessárias tanto à indústria e aos serviços, quanto aos trabalhos 
domésticos. 
 
A ciência do século XX desenvolveu uma imagem bem diferente do 
mundo. Não há como deixar de reconhecer que estamos no início de uma nova 
revolução da tecnociência que tende a desvendar fantásticos mistérios do 
universo, da vida e da mente humana. A racionalidade técnico-científica deu ao 
homem meios de ação cada vez mais numerosos e eficazes sobre a natureza. 
 
 
2.6. A REVOLUÇÃO TÉCNICO-CIENTÍFICA E SUAS IMPLICAÇÕES 
 
Vivemos uma época fortemente marcada pela presença da ciência e da 
tecnologia. Os meios de comunicação social nos mostram diariamente as grandes 
conquistas da pesquisa científica, suas descobertas nos campos da astronomia, da 
química, da física, da biologia, da medicina, da genética etc. Mostram também 
os avanços da tecnologia nos campos da informática e da robótica e suas 
repercussões em todos os setores da atividade humana. A maneira de viver de 
todos os povos civilizados está fortemente influenciada pela ação da ciência e da 
tecnologia que se tornaram elementos de unificação das culturas. 
 
A revolução científico-tecnológica tomou forma universal na medida 
em que ultrapassou todas as fronteiras, seja de países altamente desenvolvidos, 
seja de países em via de desenvolvimento. 
 
2.6.1. Algumas inovações 
 
As descobertas científicas e seus desdobramento tecnológicos 
interessam de perto a todos nós pelos benefícios e pelas repercussões nos 
múltiplos setores da sociedade humana. Entre as revoluções vivenciadas pela 
 55 
humanidade, é seguramente a revolução científico-tecnológica a que mais operou 
transformações num curto espaço de tempo. O progresso científico e tecnológico 
que se vinha manifestando na segunda metade do século XIX acelerou-se em 
nosso século, ensejando importantes inovações: 
 
* O desenvolvimento crescente das ciências físico-matemáticas e 
biogenéticas e o avanço considerável das ciências humanas, 
especialmente a sociologia, a psicologia e a antropologia; 
 
* A implantação da pesquisa como novo e vasto campo de trabalho, 
ensejando a criação de inúmeros institutos de pesquisa pura e aplicada 
em todo o mundo; 
 
* A interdisciplinaridade no trabalho científico não só entre as ciências 
afins, mas de todos os saberes, devido à enorme complexidade de 
apreensão do real em toda a sua totalidade; 
 
* A necessidade de formação de especialistas em setores cada vez mais 
específicos das atividades científicas e tecnológicas, originando novas 
ciências e novas profissões; 
 
* A emergência de uma série de problemas causados pelo progresso 
tecnológico, cujas soluções exigem cooperação entre as nações. 
 
O processo de evolução da tecnociência é irreversível. Está se 
tornando senso comum em Há nisso tudo um enorme agravante: os ganhos por 
estes avanços todas as culturas que a melhoria da qualidade de vida depende do 
domínio de tecnologias avançadas. Acoplada à ciência, a tecnologia permite o 
aumento da produção de alimentos, o tratamento de doenças outrora incuráveis, a 
diminuição dos esforços do trabalho, a rapidez dos sistemas de transporte e 
comunicação, a melhoria das condições de lazer, a fabricação de uma infinidade 
de bens que há bem pouco tempo eram inimagináveis. 
 
2.6.2. Algumas implicações 
 
Sem dúvida, os êxitos da tecnociência oferecem novas possibilidades 
para o homem. A ciência permite o domínio da natureza, o aumento da produção 
dos alimentos, a prevenção de doenças, a cura de moléstias etc. A tecnologia, por 
 56 
sua vez, poupa o homem de esforços penosos, imprime rapidez e eficiência à 
produção de bens, diminui as distâncias e possibilita a circularidade das 
informações. Contudo, não podemos ignorar a infinidade de problemas 
biofísicos, bioéticos e sociais que elas engendram. Vejamos alguns deles. 
 
 
2.6.2.1. A agressão à natureza 
 
 
Para atender a demanda da produção resultante do crescente consumo 
de bens, o homem vem agredindo impiedosamente a natureza, devastando as 
florestas, explorando os recursos minerais, às vezes de forma irracional. A 
natureza já não possui um valor em si mesma, independente do uso que o homem 
faz dela; por muitos, é encarada como fonte de recursos disponíveis à ganância 
do ser humano que se entende como seu senhor 
 
A poluição do ar, das águas e do solo provocada pelo lançamento na 
atmosfera de toneladas de gases tóxicos, bem como pelos dejetos industriais 
deixados no solo ou canalizados para as águas, deterioram o ecossistema da 
biosfera e, em conseqüência, causam o desaparecimento de espécies animais e 
vegetais e ameaçam a própria sobrevivência do homem. A diminuição 
progressiva da camada de ozônio e o chamado efeito estufa, causados pela 
poluição atmosférica, têm provocado a mudança nas condições climáticas, cujas 
conseqüências são os longos períodos de estiagem e as inundações em regiões 
mais vulneráveis aos efeitos dessas transformações. 
 
2.6.2.2. A crise causada pela urbanização 
 
A formação dos centros industriais atraiu o homem do campo que, à 
procura de melhores condições de trabalho, deslocou-se para as zonas urbanas, 
originando metrópoles e megalópoles, nas quais a qualidade de vida está bastante 
comprometida pela impossibilidade de atendimento a todos os seus habitantes 
das necessidades básicas e dos anseios de trabalho, consumo, cultura e lazer. 
Mais de 70% da população mundial habita as áreas urbanas, e nos países 
altamente industrializados esta cifra se eleva para 95%. Isto acarreta um sem 
número de problemas para o homem que habita o espaço urbano. 
 
Nas grandes metrópoles tornou-se impossível, à maioria da população, 
uma qualidade de vida ao menos satisfatória, não só pela pequenez do espaço 
 57 
vital mas também pelas dificuldades de trabalho, transporte, condições de 
educação, saúde, segurança e lazer. Até mesmo a relação de vizinhança se 
enfraqueceu, à medida que foi destruída a solidariedade natural da proximidade 
pelo dinamismo do cotidiano. Nas cidades de hoje, os seres humanos se 
empilham uns sobre os outros, uns ao lado dos outros, mas cada qual se encerra 
em sua residência para recuperar as energias dispensadas pelo esforço do 
trabalho estressante, para se proteger da violência ou para fugir dos ruídos, das 
sujeiras, da violência, das músicas induzidas dos arredores etc. 
 
As grandes cidades estão desnaturadas. Por isso, nos finsde semana e 
nas férias, muitos dos seus habitantes evadem para os subúrbios, os campos, as 
praias e as montanhas em busca de um refúgio privilegiado, onde possam 
respirar o ar puro e se pôr em contato com a natureza. 
 
2.6.2.3. A substituição da mão-de-obra humana pela máquina 
 
Até pouco tempo atrás, toda a produção e grande parte da cultura 
estavam baseadas no trabalho humano. O trabalho era considerado por todos e 
consignado pelos organismos internacionais como um direito fundamental, como 
um meio pelo qual o ser humano se constrói a si mesmo como criador. O 
desemprego significava uma disfunção passageira. Hoje, no entanto, os sistemas 
produtivos informatizados e robotizados produzem mais e melhor, quase sem o 
concurso do trabalho humano. Os efeitos desta mutação tecnológica são a 
dispensação continuada e irrecuperável da força de trabalho e a exclusão 
crescente da participação humana no processo de produção. Como afirmou 
Jacques Robin: 
 
A história da aplicação tecnológica pode ser lida de uma 
parte como do melhoramento do nível de vida, mas doutra como 
sucessão de duas formas de pobreza: o pauperismo e o desemprego, a 
primeira vinda do trabalho, a segunda de sua ausência (in Boff, 
1994, p. 15). 
 
 E Leonardo Boff acrescenta: 
 
 
Há nisso tudo um enorme agravante: os ganhos por esses 
avanços tecnológicos não são socializados, beneficiando toda a 
população, mas são reinvestidos em tecnologias mais avançadas para 
 58 
as empresas se fortalecerem na concorrência, permanecerem no 
mercado e produzirem ainda mais. 
 
A lógica desse tipo de desenvolvimento informacional 
prolonga a perversidade da lógica presente no modelo capitalista de 
desenvolvimento: o primado do quantitativo sobre o qualitativo, o 
privilégio do capital e dos meios novos de produção sobre a pessoa 
humana trabalhadora, a predominância do material sobre o 
humanístico, sobre o ético e sobre o espiritual (idem ibidem). 
 
2.6.2.4. A abusiva concentração da riqueza 
 
Desde que começou a revolução industrial no século XVIII, 
intensificou-se o processo de acumulação de capitais, originando a formação de 
aglomerados industriais que neste século passaram a atuar em diversos países. 
Essas multinacionais ou transnacionais, como passaram a ser denominadas, 
geraram um fluxo de capitais para os países de origem e estes, por sua vez, 
passaram a gerenciar a economia mundial, por meio dos financiamentos 
bancários concedidos àqueles que necessitam de capitais e tecnologia para 
implementar o seu desenvolvimento. Há atualmente uma crescente 
interdependência de todas as economias e uma integração de todos os mercados 
segundo um modelo que beneficia preferencialmente os países centrais 
(altamente industrializados). Exportando produtos cuja fabricação exige uma 
mão-de-obra altamente qualificada e uma tecnologia sofisticada e importando 
matérias primas, gêneros agrícolas e alguns manufaturados, esses países 
acumularam grandes somas de capitais e passaram a conceder empréstimos 
financeiros a juros elevados aos países periféricos. O resultado desse sistema de 
economia mundializada são a concentração abusiva da riqueza nos países 
centrais e a dependência tecnológica, financeira e ideológica dos países 
periféricos, pois as relações não são simétricas nem eqüitativas. 
 
A predominância deste tipo de economia está tornando mais pobres as 
populações dos países insuficientemente industrializados, uma vez que seus 
esforços do trabalho servem apenas para pagar os juros da dívida contraída junto 
aos governos e banqueiros dos países centrais. 
 
 
 
2.6.2.5. A intoxicação humana pela imagem e pelo som 
 59 
 
 
A civilização científico-tecnológica está produzindo transformações 
não só no modo como o homem se relaciona com o mundo mas também como 
ele se relaciona com os outros homens. Até o século XIX, o homem estava 
presente no mundo por intermédio de seus olhos e ouvidos que se harmonizavam 
sem esforço com os ritmos da vida cotidiana. A comunicação à distância era 
impossível. Hoje, graças ao avanço da tecnologia, a distância é apenas uma 
variável arbitrária. 
 
É difícil avaliar a repercussão mental deste alargamento indefinido do 
campo perceptivo causado pelo desenvolvimento de um segundo sistema 
nervoso estimulado por imagens e sons. Os aparelhos audiovisuais invadiram a 
vida quotidiana, originando novas formas de relação social. Já não é importante a 
presença física das pessoas, mas a posse dos meios que põem em contato virtual 
umas com as outras, não importa a distância. 
 
Os meios eletrônicos não são apêndices inofensivos acrescidos à 
realidade humana. Sua intervenção tem reflexo profundo no modo de ser das 
pessoas. Se, por um lado, facilitam o acesso às informações e propiciam formas 
alternativas de divertimento e lazer, por outro lado, causam a dispersão entre os 
indivíduos e afetam o seu desenvolvimento intelectual. A vida em família, a 
existência em comum de pais e filhos, acha-se hoje reduzida a quase nada pelas 
dificuldades materiais da existência que dispersam uns e outros nos quatro cantos 
da cidade. Mas o pouco que ainda resta é, na maior parte, absorvido pela audição 
de aparelhos de som ou pela contemplação do receptor de TV, continuada até 
durante as refeições ou no quarto conjugal. As trocas de palavras são reduzidas 
ao essencial e faz-se calar o intruso que pretenda ter algo a dizer. 
 
É cada vez maior o número de pessoas que se abandonam sem defesa 
ao fluxo das imagens. Essas pessoas renunciam à direção do seu próprio 
pensamento e aceitam uma direção da consciência por intervenções estranhas. 
De fato, não é fácil defender-se contra o poder sugestivo das imagens, cuja 
retórica convence o espectador com apelo às forças obscuras da personalidade, 
às atrações do sexo, às paixões hostis, à violência. Certezas passionais nos são 
assim impostas por uma verdadeira agressão contra a personalidade. Ao analisar 
essa questão, Geoges Gusdorf (1978) assim se manifesta: 
 
Se a educação é uma obra de razão, a civilização da 
 60 
imagem deve ser considerada como uma contra-educação, cujos 
efeitos sobre uma personalidade fraca ou ainda não formada podem 
ser temerosos. Se se pensa que um único e mesmo programa de 
televisão pode ser visto simultaneamente por milhões, dezenas de 
milhões de espectadores, mede-se perfeitamente o imenso poder de 
que dispõem, freqüentemente, sem suspeitarmos, os animadores de tais 
atividades. A publicidade e as propagandas de toda natureza 
adquiriram consciência deste poder; ora, se se pensa na aterradora 
mediocridade da publicidade televisionada na França, no Brasil, nos 
Estados Unidos, temos que admitir que tais programas, cuja eficácia 
foi atestada por pesquisas, ilustram as novidades da televisão e os 
perigos da repressão que ela está em condições de operar. A 
antropologia do consumidor de imagens é caracterizada pelo 
rebaixamento das exigências intelectuais, a simplificação abusiva da 
afetividade, o perigo de uma adesão passiva a determinismos 
passionais impostos de fora. Tudo o que se pode dizer em favor dos 
efeitos benéficos da televisão cultural não poderia compensar o fato 
que, para a maioria dos telespectadores, o recurso às imagens é um 
meio fácil de evasão, um recurso barato ao sonho em detrimento das 
exigências do pensamento (p. 145-146). 
 
A TV não é como um livro, ou sequer como uma revista ou um jornal 
impresso, cuja leitura podemos interromper, refazer, submeter a reflexões 
demoradas. A dinâmica da imagem solicita respostas imediatas de quem a ela 
está submetido. As reações são reflexas, rápidas.A velocidade é um componente 
fundamental desse mundo de sonhos e fantasia. 
 
A esse respeito, comenta Boff (1994): 
 
 É pelas imagens que os cidadãos se contemplam e projetam 
sua identidade. E a identidade de uma pessoa é mais e mais a imagem 
que se projeta dela para os outros e menos o que ela é em si mesma 
em sua profundidade, em sua dialogação consigo e com seu universo 
interior e exterior. Ou se participa efetivamente deste tipo de 
sociedade-espetáculo, sendo um ator real ou se participa pelo 
imaginário e pela imagem. (p. 17). 
 
E citando José Comblin, conclui Leonardo Boff : 
 
 61 
As massas não praticam esporte, mas o vêem pela TV; não 
produzem músicas, mas escutam-na; não fazem histórias, mas 
comentam-na. Pela imagem se sentem também participantes e não 
excluídos da história (idem ibidem). 
 
 
2.6.2.6. O processo de homogeneização da cultura. 
 
 
 Desde o início do século XX, a cultura vem sofrendo um processo de 
homogeneização, levado a efeito pelo aprimoramento dos meios tecnológicos de 
produção em série e de reprodução das obras literárias e artísticas. Esse 
processo se intensificou mais ainda, a partir dos anos 50, com o advento da 
televisão e sua posterior planetarização por meio de satélites. Desde então, os 
regionalismos culturais sofrem um processo de desintegração, face a pressão 
avassaladora das imagens televisivas que invadem o cotidiano e lhes dão poucas 
chances de resistência. Não só a TV, mas também os demais veículos da 
comunicação de massa influenciam comportamentos, hábitos de consumo, 
formação da escala de valores, bem como a maneira de pensar e agir dos 
indivíduos. 
 
 De Montreal à Buenos Aires, de Nova Iorque à Tóquio, de Moscou 
à Cidade do Cabo, de Paris ao Rio de Janeiro, os bens culturais (cinema, música, 
shows, teatro, programas de TV, moda, turismo, esporte, artes, diversão, 
decoração, design) e os bens de consumo (automóveis, aparelhos eletro-
eletrônicos etc.) sofrem poucas variações. Até mesmo as construções 
arquitetônicas dos aeroportos das principais cidades do mundo, os shoppings, os 
conjuntos residenciais e os centros industriais são também muito parecidos. 
 
 Ora, sem o referencial de sua cultura, o homem sente-se desenraizado 
do seu meio ambiente e, consequentemente, perde o equilíbrio psicológico e 
social. Desfeita a sua ancoragem e condenado a assimilar valores que não 
fazem parte das tradições locais, o homem, aos poucos, relativiza todas as suas 
crenças e todos os valores que davam sentido à sua existência. Consciente ou 
inconsciente daquilo que foi perdido e que nostalgicamente tenta reencontrar, 
ele aprisiona-se numa espécie de existência segunda, agora julgada irreal. 
Todavia, o que ela faz advir com a destruição dos grandes símbolos e da 
cosmovisão que lhe conferiam sentido à existência primeira, é a desilusão, a 
insegurança e a incerteza do futuro. 
 62 
 
 
3.0. PRINCIPAIS CORRENTES EPISTEMOLÓGICAS 
 
Para melhor compreensão dos problemas relacionados à construção do 
conhecimento científico, apresentaremos, de maneira resumida, as principais 
correntes epistemológicas que, em nosso século, auxiliaram a ciência a 
compreender seu processo de produção de conhecimento. 
 
3.1. A EPISTEMOLOGIA POSITIVISTA DE AUGUSTO COMTE. 
 
Os dois últimos séculos conheceram profundas transformações no 
pensamento humano. Ocorreram as grandes invenções da Revolução Industrial 
como produto da teoria aplicada à prática. Desde então, firmou-se a crença de 
que o conhecimento científico não somente é necessário mas é aquele que 
poderia solucionar todos os problemas humanos. Na esteira deste pensamento, 
desenvolveu-se a filosofia de Augusto Comte e, consequentemente, o 
amadurecimento de uma epistemologia positivista. 
 
Augusto Comte (1798-1857) propôs uma leitura da história onde o 
conhecimento objetivo (positivo) passou a ser o “saber por excelência” e todo o 
conhecimento que não contivesse essa positividade deveria ser relegado a um 
plano secundário. Em seu Curso de filosofia positiva, propõe a “lei dos três 
estados”, segundo a qual a humanidade passou por três estágios em seu processo 
de evolução: o estágio religioso ou teológico, o estágio metafísico ou reflexivo e 
o estágio positivo ou científico. No primeiro, o homem explica a realidade por 
meio de elementos retirados de sua fantasia; a ignorância o leva a inventar e 
aceitar tudo o que sugere a imaginação. Segundo Comte, este estágio 
corresponde à “infância da humanidade”. No segundo, à imaginação fabuladora, 
junta-se o raciocínio lógico e o homem passa a explicar o mundo por meio de 
conceitos abstratos (ser, essência, transcendência etc.), sem vínculos com a 
realidade objetiva. Este estágio corresponde à “adolescência da humanidade”. 
No terceiro, o homem toma uma outra direção na busca do conhecimento e 
procura conhecer e explicar a natureza por meio da observação e experimentação 
controladas, buscando inferir as leis invariáveis que regem os fenômenos. É a 
fase “adulta” da humanidade. Com efeito, o homem deve abandonar todo o 
conhecimento do qual não pode estabelecer relação de causa e efeito, nem 
demonstrar, a partir de observações controladas. “Saber para prever, a fim de 
 63 
prover”, eis o seu lema. Em última análise, o conhecimento das leis naturais 
permite a manipulação e o domínio da natureza. 
 
Assim, a ciência passa a ser o instrumento mais adequado à obtenção 
de um conhecimento válido, bem como sua aplicação na atividade prática por 
meio da técnica. Todas as áreas do conhecimento necessitam validar suas 
proposições pela positividade, isto é, pela lógica que caracteriza a fase adulta da 
humanidade. Esta mentalidade passa a ser a essência das ciências, que encontram 
no estatuto positivista sua razão de ser. A sociologia, a psicologia, a economia, 
enfim, as ciências que possuem objetos com elevado grau de complexidade, 
passam a ter um método de análise assemelhado à física, à química, etc, ao 
método das ciências exatas. 
 
3.2. A EPISTEMOLOGIA FENOMENOLÓGICA DE EDMUND HUSSERL. 
 
A fenomenologia se constituiu como uma epistemologia crítica do 
positivismo. A partir do século XIX, até meados do século XX, a fenomenologia 
ergueu seu escopo teórico partindo da crítica ao objetivismo -- fundamento do 
método positivista --, concebendo um novo método. Na realidade, Edmund 
Husserl (1859-1938), pai da fenomenologia, preencheu um vazio que a filosofia 
deixou. Transformado na única via de explicação da realidade, o positivismo 
ocupou o lugar de destaque na filosofia do século XIX, paralelo à 
crença na ciência como autoridade absoluta para explicar os fenômenos 
naturais. Com isso, a produção de um pensamento crítico sobre o positivismo e o 
“poder” do conhecimento científico se faz necessária. No dizer de Dartigues 
(1992), 
 
 ...a partir de 1880, a bela segurança do pensamento positivista 
começa a ser abalada, pois cada vez mais os fundamentos e o alcance 
da ciência tornam-se objeto de interrogação: terão as leis que ela 
descobre uma validez universal? Qual é o sentido de sua objetividade? 
Não serão elas somente convenções e não dependerão do psiquismo, 
cujas leis a psicologia por sua vez descobre? (p. 9). 
 
A partir destes questionamentos, a proposta da fenomenologia é um 
“retorno às coisas mesmas”, isto é, à possibilidade de se fazer uma ciência que 
não caia no discurso especulativo da metafísica (como faziam os medievais) e, 
tampouco, fique restrita ao raciocínio das ciências positivas. O caminho 
original proposto por Husserl, parte do princípiode que, 
 64 
 
 ...se é verdade que os fenômenos se dão a nós por intermédio dos 
sentidos, eles se dão sempre como dotados de um sentido ou de uma 
“essência”. Eis porque, para além dos dados dos sentidos, a intuição 
será uma intuição da essência ou do sentido (Ibidem, p.14). 
 
A concepção de essência deve ser compreendida como aquela que 
permite identificar o fenômeno, isto é, aquilo que fornece ao mesmo uma 
identidade. O fenômeno não pode ser reduzido ao fato, à realidade em que se 
manifesta, mas sim à sua possibilidade. 
 
Se todo fenômeno tem uma essência, o que se traduzirá pela 
possibilidade de designá-lo, nomeá-lo, isso significa que não se pode 
reduzi-lo à sua única dimensão de fato, ao simples fato em que ele 
tenha se produzido. Através de um fato é sempre visado um sentido. 
Husserl gosta de evocar a esse respeito o exemplo da “IX sinfonia”. 
Esta pode se traduzir pelas impressões que experimento ao escutar 
este ou aquele concerto, pela escritura desta ou daquela partitura, 
pela atividade do regente de orquestra ou dos músicos etc. Em cada 
caso poderei dizer que se trata da “IX sinfonia” e, contudo, esta não 
se reduz a nenhum desses casos, se bem que ela possa cada vez se dar 
neles inteiramente. A essência da “IX sinfonia” persistiria mesmo se 
as partituras, orquestras e ouvintes viessem a desaparecer para 
sempre (Ibidem, p.15). 
 
 
 A partir deste princípio, podemos afirmar que a fenomenologia 
pretende ser ciência de essências e não de dados de fato, por privilegiar a 
vivência sem enclausurá-la no domínio conceitual do positivismo. A 
psicologia, cujo método originariamente baseava-se na busca de leis naturais 
que orientam o comportamento humano, recebeu, por parte da fenomenologia, 
uma crítica fundamental, pois o humano é essencialmente vivência, e este dado 
não era considerado pelo positivismo. Esta postura crítica fez com que o método 
científico da psicologia fosse questionado. Disso resultou o nascimento de 
outros métodos psicoterapêuticos, bem como da psicanálise, que tomou por base 
o conceito de inconsciente como matéria prima da vivência humana. 
 
 
3.3. A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET 
 65 
 
Segundo Japiassu (1979), “a epistemologia genética é a extensão a 
todo corpo das ciências humanas da metodologia que possibilitou a Piaget a 
realização de excelentes trabalhos sobre o desenvolvimento da criança: a 
formação do número, o desenvolvimento da inteligência, a aquisição da 
linguagem, a formação do juízo moral etc.” (p. 43). 
 
 Para Piaget (1896-1980), só há ciência quando a elaboração de fatos, a 
formalização lógico-matemática, e o controle experimental estiverem reunidos. 
Ele procurou observar o processo de produção do conhecimento científico e seu 
desenvolvimento histórico no interior das sociedades, estabelecendo uma relação 
entre a “sociogênese” e a “psicogênese”. A sociogênese é o processo de 
produção de conhecimento científico que se constitui pela intervenção dos 
fatores histórico-culturais. Isto não ocorre dissociado do desenvolvimento 
cognitivo do ser humano, ou seja, da psicogênese. Esta, diz respeito aos 
estágios de desenvolvimento da cognição. Segundo Piaget, ambas estão 
entrelaçadas de forma que: 
 
 A hipótese fundamental da epistemologia genética 
é a de que existe paralelismo entre o progresso completo e a 
organização racional e lógica do conhecimento e os correspondentes 
processos psicológicos formativos (citado por Reale e Antiseri, 1991, 
v. 3, p.879-880). 
 
 Esta analogia é vista por Piaget como a expressão de que a história 
das ciências assemelha-se à produção do conhecimento e o amadurecimento do 
mesmo no ser humano. Ora, o desenvolvimento mental propõe que o 
conhecimento ascenda em uma espiral que se inicia a partir dos dados mais 
simples a outros mais complexos e superiores. Assim compreendida, a 
epistemologia piagetiana demonstra que a produição do conhecimento científico 
não deve admitir a intervenção a priori da filosofia, pois esta se torna uma 
variável interveniente no processo de elaboração científica, além do que a 
ciência deve elaborar por si mesma os critérios que lhe permitam o devido 
desenvolvimento. Isto significa que a temática do desenvolvimento é a 
preocupação maior de Piaget. Faz-se ciência quando o conhecimento é capaz de 
superar um nível mais simples de compreensão da realidade e passa a outro mais 
complexo. 
 
 Ao analisar as fases do desenvolvimento mental, Piaget observou que, 
 66 
da infância à adolescência, o ser humano consegue ultrapassar a fase de 
operações concretas e passa à fase de operações formais. Nosso interesse 
reside nesta última, pois o pensamento formal “hipotético-dedutivo”12 é capaz 
de tirar conclusões a partir de hipóteses e não somente de observações 
concretas. Em entrevista concedida em 1973, Piaget afirmou: 
 
 O conteúdo de cada hipótese já é uma forma de 
operação concreta; propor hipóteses e conclusões em relação é 
operação nova. As operações sobre operações abrem então um 
campo bem mais vasto de possibilidades (Reale e Antiseri, 1991, v. 3, 
p. 883). 
 
A contribuição de Piaget é importante para a crítica de uma ciência 
que, tem seus pressupostos no racionalismo cartesiano
13
 e no positivismo 
comteano, que por vezes, tornou-se reducionista à diretriz filosófica desses 
sistemas. 
 
 
3.4. A EPISTEMOLOGIA HISTÓRICA DE GASTON BACHELARD 
 
 
 Ainda numa postura crítica diante das ingerências feitas pela filosofia 
em relação ao conhecimento científico, Bachelard (1884-1962) contrapõe-se ao 
neopositivismo
14
 de sua época, demonstrando que a filosofia era incapaz de dar 
conta dos problemas da ciência. Para ele, a filosofia está sempre atrasada em 
relação às mudanças do saber científico. Buscando opor a “filosofia dos 
filósofos” à “filosofia produzida pela ciência”, afirma que o que caracteriza 
aquela são atributos como a unidade, o fechamento e a imobilidade, ao passo 
que os traços marcantes desta são a falta de unidade ou centro, a abertura e a 
historicidade. 
 
 Com isso, Bachelard se opõe à pretensão de universalização do método 
instaurado pela filosofia no que se refere à orientação das pesquisas científicas. 
 
12
 Designa-se por pensamento formal hipotético-dedutivo o raciocínio que formula idéias abstratas partindo do 
genérico para o específico. 
 
13
 Corrente de pensamento que privilegiou a razão como fonte de todo o conhecimento, em detrimento da 
experiência sensível e dos dogmas da fé. 
14
 Movimento filosófico marcado pelo caráter cientificista expressamente anti-metafísico, que associa a 
tradição empirista ao formalismo lógico-matemático. 
 67 
Ora, o que Bachelard propõe é a instauração de um princípio que não tenha a 
rigidez do princípio de verificação dos neopositivistas, considerando como base 
e modelo para a cientificidade do saber a história das ciências. Para ele, a 
história está acima da reflexão filosófica que se faz sobre a mesma, pois no 
desenvoilvimento do conhecimento científico muitas ciências avançaram e 
trouxeram luz nova sobre a realidade, demonstrando que a razão (fundamentada 
universalmente pela filosofia) deve se subordinar às diretrizes das descobertas e 
às atualizações que a ciência traz, e não o contrário. 
 
 Neste sentido, o emblema que Bachelard atribui à ciência é, de certa 
forma, peculiar, pois a ciência é uma contínua retificação do saber instituído e 
ampliação dos esquemas de conhecimento. Destarte, a ciência se constituinum 
risco constante, colocando em xeque sua própria organização. 
 
 O conhecimento científico avança por meio de rupturas sucessivas. 
É desse modo que ele se aproxima da verdade: 
 
 Não encontramos nenhuma solução possível para o 
problema da verdade senão a de ir descartando erros cada vez mais 
sutis (citado por Reale e Antiseri, 1991, v. 3, p. ). 
 
 
Bachelard nos conscientiza ainda da necessidade de reconhecer que 
há ciências coexistindo com ideologias. Daí a importância da reflexão para 
denunciar e neutralizar os discursos ideológicos supostamente científicos e, 
assim, impedir os obstáculos epistemológicos, isto é, a resistência ou inércia do 
pensamento ao próprio pensamento. 
 
Faz-se ciência superando obstáculos epistemológicas sucessivos. É 
desse modo que nos aproximamos da verdade. Estes obstáculos impedem a 
visão dos erros cometidos no processo de produção do conhecimento científico. 
A propósito, comenta Reale e Antiseri (1991): 
 
O obstáculo epistemológico é uma idéia que impede e 
bloqueia outras idéias: hábitos intelectuais cristalizados, a inércia que 
faz estagnar as culturas, teorias científicas ensinadas como dogmas, 
os dogmas ideológicos que dominam as diversas ciências -- eis 
algunas obstáculos epistemológicos (v. 3, p. 1015). 
 
 68 
 
Por fim, Bachelard nos adverte que a ciência não é criação 
danecessidade, mas do desejo. Ela é intervencionista. Por isso, deve ser feita 
numa comunidade de pesquisas e de críticas, para não se tornar totalitária. “Um 
homem só, diz ele, é uma péssima companhia”. 
 
 
3.5. A EPISTEMOLOGIA RACIONALISTA-CRÍTICA DE KARL POPPER 
 
 
 
Karl Popper (1902-1996) contribuiu de forma sistemática para uma 
nova leitura da ciência, partindo da crítica ao positivismo ortodoxo que tinha na 
indução e na verificação seus sustentáculos. Em substituição a estes critérios, 
Popper propõe o método dedutivo da prova e o critério de verificação pela 
falseabilidade . 
 
Segundo ele, a indução não existe, sendo óbvio que todo conhecimento 
advindo dela deve ser questionado, o que constitui a evidência de que o mesmo 
pode estar incorreto. Se a indução não existe, ela não pode conduzir à certezas 
no campo das teorias, pois o simples fato do raciocínio indutivo partir de 
elementos particulares que são observados, não permite garantir que a 
generalização das propriedades observadas se estendam à toda classe de 
elementos. Portanto, um critério de certeza no campo da ciência não deve levar 
em consideração a inferência indutiva. 
 
Ainda enunciando problemas tratados pela epistemologia popperiana, 
podemos assinalar o problema do valor das teorias científicas. Segundo Japiassu 
(1979), isto se dá devido ao grau de confiança que lhes atribuimos em função 
das informações de que dispomos, uma vez que o valor de uma teoria científica, 
ou melhor, o grau de confiança nela depositado, é um problema que a 
transforma em dogma. Assim, 
 
...todas as leis e teorias científicas são, em sua essência, hipotéticas e 
conjecturais. Exemplo: nunca houve uma teoria tão bem estabelecida 
ou confirmada quanto a de Newton. No entanto, a teoria de Einstein 
veio mostrar que a teoria newtoniana não passa de uma hipótese ou 
conjectura (p. 95). 
 
 69 
Como podemos demonstrar que uma teoria, até então, dogmática pode 
entrar em contradição? A esta questão, basta-nos lembrar sobre a recusa de 
Popper ao raciocínio indutivo, pois uma teoria se fundamenta em um número 
limitado de observações que, no entanto, criam uma lei geral, isto é, um 
princípio universal. Ao contrário da indução, a dedução deve partir da lei geral, 
para que os fenômenos particulares, delimitados pelo círculo teórico, possam ser 
validados. Entretanto, a plicando-se o princípio de falseabilidade, podemos 
verificar os limites de uma teoria, ou mesmo sua inconsistência. Tomando por 
base este raciocínio, afirma Japiassu (1979): 
 
 A proposição universal “todos os cisnes são brancos”não é 
verificável, mas falsificável, em contrapartida, a proposição 
existencial “há corvos brancos”não é falsificável, mas verificável. 
(...) nossa preferência por uma delas pode justificar-se por razões 
empíricas, porque nossos enunciados observacionais podem refutar 
algumas delas, mas não todas. E quando várias teorias rivais se 
apresentam, devemos preferir aquelas cuja falsidade ainda não está 
estabelecida (p. 94-95). 
 
 
Em que consiste, pois, a confirmação de uma teoria empírica? 
Consiste no fato de ter essa teoria resistido a todas as tentativas de falseamento. 
Se dizemos que uma teoria foi empiricamente bem confirmada, isto quer dizer 
que fracassaram todas as nossas tentativas de refutá-la através da experiência. 
Se, porém, uma teoria contradiz sentenças básicas reconhecidas, então ela foi 
falseada e deve ser substituída por outra. 
 
Para Popper, o objetivo da ciência é alcançar teorias sempre mais 
verossímeis, sempre mais próximas da verdade. A verdade não deve ser 
confundida com irrefutabilidade, que talvez apenas se manifeste nos 
enunciados analíticos da lógica e da matemática. A teoria científica é refutável, 
em princípio, exatamente por não ser compatível com todos os dados 
experimentais. Irrefutável é apenas o mito, que se mostra passível de 
acomodação e ajuste, relativamente a quaisquer dados observados, ainda que 
conflitantes. 
 
 
 
*** 
 70 
 
 
Não se esgota aqui a problemática da ciência. Muitos outros 
pensadores refletiram sobre a gênese, a constituição e o desenvolvimento do 
saber científico. Contudo, um tratamento mais sistemático ultrapassaria o 
objetivo desta obra. Nossa intenção é sinalizar para a necessidade de refletir e 
questionar o pensamento sobre o qual se assenta uma parte considerável das 
conquistas da humanidade. Hoje, mais do que nunca, quando os avanços 
técnico-científicos alcançaram um estágio surpreendente, faz-se necessário 
tanto aos filósofos, quanto aos cientistas ocuparem-se das questões 
epistemológicas. 
 71 
Referências bibliográficas 
 
 
 
1. DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia? 3. ed. São Paulo: Moraes, 
1992. 
 
2. BOFF, Leonardo. Nova era: a civilização planetária; desafios à sociedade e 
ao cristianismo. 2. ed. São Paulo: Ática, 1994. 
 
3. GUSDORF, Georges. A agonia da nossa civilização. São Paulo: Convívio, 
1978. 
 
4. REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo: 
Paulinas, 1990, 3.vols. 
 
5. JAPIASSU, Hilton. Introdução ao pensamento epistemológico. 3. ed. Rio de 
Janeiro: Francisco Alves, 1979. 
 
6. _______________. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro: Imago, 
 1975. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 72 
 
 
CAPÍTULO III 
 
 
EDUCAÇÃO 
 
Educar não é transmitir aos outros a forma 
de ser homem. É, ao contrário, o esforço de 
cada um para fazer-se homem.
*
 
 
Estamos vivendo uma época de grandes transformações: emergência 
de um novo paradigma científico, globalização das economias e das 
comunicações, universalização da microinformática, nova concepção de homem, 
de sociedade e de mundo... Essas mudanças demandam também uma 
reorientação da educação. 
 
1.0. EDUCAÇÃO E TEMPO PRESENTE 
 
Expressões como “desaprender a lição” e “recomeçar a aprender” 
estão muito de acordo com o momento atual, em que se postula o projeto de uma 
nova sociedade e, conseqüentemente, o projeto de uma nova educação. 
 
Sabemos que a finalidade da educação não é apenas transmitirum 
saber acumulado mas sim, possibilitar ao educando apropriar-se de sua realidade 
e adquirir uma consciência crítica da mesma. Para isso, é preciso que a educação 
suscite o interesse pelo conhecimento, desenvolva a capacidade de análise e de 
síntese, abra as portas à criatividade e possibilite uma leitura do mundo, partindo 
da realidade imediata, das indagações oriundas da própria pessoa, entendida 
como ser-de-relação. 
 
 
*
 Conferência Episcopal da Bolívia, Carta pastoral sobre educação, 1984. 
 73 
 
1.1. A EDUCAÇÃO ONTEM E HOJE 
 
Na comunidade primitiva, o que caracterizou a educação foi a sua 
forma espontânea, natural e assistemática. Educava-se pela imitação direta e 
inconsciente das atividades dos adultos por parte da criança. Esta “pedagogia” 
chamava-se iniciação e consistia na transmissão, às novas gerações, das regras, 
costumes, tradições, tabus, mitos e técnicas rudimentares da sociedade adulta. 
 
Numa fase mais avançada, a educação foi marcada pelo aparecimento 
da linguagem escrita e, posteriormente, da literatura, dando à sociedade uma 
consciência do passado, bem como uma norma de conduta devidamente 
estabelecida. 
 
Na medida em que aumentava a complexidade da vida social, surgiam 
as primeiras escolas elementares para complementar a educação familiar. 
Segundo as necessidades de cada sociedade, a educação foi adquirindo 
características peculiares, tornando-se um meio eficaz de transmissão das 
tradições e do conhecimento e, ao mesmo tempo, um processo de adaptação das 
novas gerações às mudanças sócio-culturais. Aos poucos, foram se diferenciando 
os níveis de escolaridade e se diversificando os métodos e as técnicas 
pedagógicas. 
 
Hoje, como produto da evolução histórica, a educação apresenta uma 
riqueza de métodos pedagógicos que, se de um lado é benéfica, de outro 
evidencia que ainda não se atingiu uma posição ideal. Com as experiências e 
descobertas realizadas no campo da pedagogia e da psicologia, com a grande 
variedade de recursos técnicos disponíveis, com a quantidade de publicações ao 
nosso alcance e com a rapidez das informações, o educador não pode se limitar à 
reprodução de conteúdos sistematizados, mas ser um produtor de conhecimentos 
que tenham significação para os educandos e os tornem capazes de distinguir o 
que é fragmento do que é totalidade, o que é contingente do que é necessário. 
 
Todas as definições básicas do homem – animal racional, animal 
social, homo faber
15
, animal simbólico – supõem a existência da educação. Sem 
ela, não subsistiriam nem o pensamento lógico, nem a sociabilidade, nem o 
trabalho e a técnica, nem a linguagem, a arte e os demais códigos de 
 
15
 Expressão que designa a capacidade humana de fazer as coisas, de ser artífice no reino da natureza. 
 74 
comunicação humana. Com efeito, a educação, como a entendemos hoje, é um 
processo vital, para o qual concorrem fatores naturais (biológicos) e espirituais 
(sócio-culturais), conjugados pela ação consciente e planejada do educador 
(hetero-educação) e pela vontade livre do educando (auto-educação). Portanto, o 
processo educativo não pode ser confundido com o simples desenvolvimento do 
equipamento instintual, nem com a mera adaptação do indivíduo ao meio. É 
atividade criadora e planejada, que visa levar o ser humano a realizar as suas 
potencialidades físicas, intelectuais, morais e espirituais. Não se reduz à 
preparação para fins exclusivamente utilitários, como o exercício de uma 
profissão, nem para o desenvolvimento de características parciais da 
personalidade, como o dom artístico, mas abrange o homem integral, em todos 
os aspectos de seu corpo e de seu espírito e em todas as dimensões de sua vida 
individual, social, intelectual, moral etc. É um processo contínuo, que começa no 
nascimento e se estende até a morte. 
 
O conceito de educação como processo implica levar em conta dois 
aspectos fundamentais: a individualidade e a sociabilidade do educando. Se, por 
um lado, a educação visa personalizar o indivíduo, desabrochar suas 
potencialidades, fazê-lo ativo, criador e capaz de enfrentar os desafios que a vida 
lhe suscita, por outro lado, visa também prepará-lo para o convívio social dentro 
de um contexto determinado. É o que poderíamos chamar de “educação do 
mundo”. Trata-se de situá-lo no quadro referencial do tempo presente e prepará-
lo para as transformações que diariamente ocorrem. 
 
À educação formal, sistemática, compete não somente suscitar o 
desenvolvimento das forças fundamentais da pessoa humana, habilitando-a ao 
exercício de funções específicas, mas dar uma visão ampla a respeito da 
natureza, do homem, da sociedade e do mundo em processo contínuo de 
transformação. 
Estas considerações nos colocam diante de interrogações básicas. 
Temos uma visão da totalidade à altura dos desafios do tempo presente? A 
educação como é ministrada responde à crise da civilização que vivemos hoje? 
Temos um projeto alternativo para o quadro referencial vigente? 
 
 
1.2. O IMPERATIVO ÉTICO DE UMA MUDANÇA DE PARADIGMA 
 
 
Como dissemos anteriormente, vivemos num mundo complexo. 
 75 
Estamos num tempo cheio de situações novas e de mudanças aceleradas. Novos 
desafios se oferecem constantemente à educação. Novas perguntas esperam 
respostas novas. Por isso, a educação tem que ser vista no quadro geral das 
transformações em que se insere. Não tem cabimento pensá-la fora do contexto 
sócio-histórico no qual vivem os educandos e os educadores. Ambos são seres 
conscientes e livres, porém condicionados pelos múltiplos fatores que interagem 
na totalidade do real. A educação é, precisamente, o processo por meio do qual o 
indivíduo toma consciência desta totalidade como condição de possibilidade de 
sua auto-realização como homem. 
 
É exatamente porque a consciência se faz na vivência, na existência, 
na qual todas as dimensões da realidade – natureza, cultura, sociedade, história – 
estão entrelaçadas, que se pode perguntar: Que tipo de educação necessitamos 
hoje ? Que paradigma gerou,em nossa epocalidade, o consenso que produz a 
vida em comum? Que conteúdos programáticos são mais significativos? 
Devemos priorizar a formação do especialista ou do generalista? Quais são os 
métodos mais adequados para se alcançar os objetivos educacionais? 
 
Estamos no limiar do Terceiro Milênio. A clara separação do processo 
histórico da humanidade em períodos de dez, cem e mil anos pode atender à 
necessidade que tem o historiador de determinar ciclos, a fim de dividir as ações 
humanas e as atividades institucionais em padrões bem definidos. No entanto, à 
beira de um marco cronológico, alternadamente examinando o passado e olhando 
para o futuro, não fica claro o modelo de educação que devemos adotar, mas é 
perfeitamente compreensível a emergência de um novo paradigma articulado ao 
acelerado desenvolvimento tecnológico dos nossos dias, às novas descobertas da 
ciência, às interdependências das economias e às mutações sócio-culturais 
decorrentes da planetarização das comunicações. 
 
A nossa cultura deriva da revolução filosófica e científica do século 
XVII, ou seja, do cultivo da dúvida cartesiana
16
 e do nascimento da física 
newtoniana ou clássica. Ambas mudaram radicalmente o modo como vemos a 
nós mesmos e nossa relação com o mundo. O racionalismo de Descartes, 
arrancou os seres humanos do contexto religioso, social e familiar e lançou-os de 
ponta-cabeça na “cultura centrada no eu”, uma cultura dominada pelo 
 
16
 Expressão relativa ao método proposto por René Descartes(1596-1650) que consiste em duvidar de todo 
conhecimento já estabelecido para encontrar uma verdade indubitável a partir da qual se reconstruirá todo o 
saber. 
 76 
egocentrismo, por uma ênfase exagerada do “eu” e do “meu” (cf. Zohar, 1990, 
p.16). Por sua vez, a física de Newton, assentada nas teorias astronômicas de 
Copérnico, Kepler e Galileu, arrancou-nos da própria substância do Universo e 
deu-nos a concepção de que os astros não passam de pedaços de matéria inerte 
em movimento na imensidão de um espaço sem limite, obrigados a seguir as leis 
do cálculo matemático. 
 
Danah Zohar (1990), assim caracteriza a mudança do paradigma 
greco-medieval para o paradigma moderno: 
 
Um silêncio glacial invadiu os céus antes pululantes de vida. 
Os seres humanos e suas lutas, toda a consciência e a própria vida 
tornaram-se irrelevantes ao funcionamento da vasta máquina 
universal (p. 16). 
 
A destruição da antiga imagem do mundo acarretou, entre outras 
conseqüências, uma mudança na concepção de espaço e tempo. Doravante, o 
espaço e o tempo perdem o valor e a significação que sempre tiveram e cessam 
de aparecer como asilos de segurança em que a consciência humana encontrava 
abrigo e proteção contra as incertezas da história. 
 
A modernidade que emergiu do racionalismo cartesiano trouxe em seu 
bojo, a dissociação entre o homem e o universo, o distanciamento cada vez maior 
entre natureza e cultura. A realidade do mundo humano distanciou-se das 
fantasmagorias corpusculares, objetos das pesquisas de cientistas muito 
especializados. Dispondo de um amplo poder sobre a natureza e de um enorme 
aparato tecnológico, o homem imaginou poder explicar até mesmo os fenômenos 
da consciência, do mesmo modo como explica os fenômenos da natureza. A 
firme crença na certeza científica passou a todos os campos do saber, incluindo 
as ciências do comportamento. 
 
Essa concepção de ciência prevaleceu até o nosso século, quando a 
nova física -- a física das partículas subatômicas -- veio nos mostrar que não 
existe verdade absoluta em ciência, que todos os conceitos e teorias são limitados 
e aproximados. 
 
A crença cartesiana na verdade científica é, ainda hoje, muito 
difundida e reflete-se no cientificismo que se tornou típico de nossa cultura 
ocidental. Muitas pessoas em nossa sociedade, tanto cientistas como não-
 77 
cientistas, estão convencidas de que o método científico é o único meio válido de 
compreensão da realidade. A fé exagerada na sua eficácia levou à atitude 
generalizada de reducionismo na ciência, segundo o qual todos os aspectos dos 
fenômenos complexos podem ser compreendidos se reduzidos às suas partes 
constituintes. A fragmentação, característica do nosso pensamento em geral e das 
nossas disciplinas acadêmicas, tem sua raiz no método analítico de raciocínio 
estabelecido por Descartes. Esse método, que consiste em decompor 
pensamentos e problemas em suas partes componentes e em dispô-las em sua 
ordem lógica, tornou-se uma característica essencial do moderno pensamento 
científico e provou ser extremamente útil no desenvolvimento de teorias 
científicas e na concretização de complexos projetos tecnológicos. Porém, é 
preciso reconhecer as limitações de sua aplicabilidade. As variedades da 
experiência humana – sentimentos, paixões, preferências, desejos, interesses, 
amores, ódios, esperanças, utopias – não podem ser rudutíveis a equações 
matemáticas nem cifradas segundo o modelo estabelecido pela biologia 
molecular. Como bem explica Zohar (1990), 
 
A ciência mecânica nos deu grande quantidade de conhecimento, mas 
nenhum contexto que nos permitisse interpretá-lo ou relacioná-lo a 
nós ou às nossas preocupações e interesses. Da mesma forma, a 
tecnologia nos deu um padrão de vida muito mais elevado, mas 
nenhuma noção do que é a vida – nenhuma melhora na “qualidade de 
vida”. A tecnologia, como a pura ciência mecânica é despojada de 
valores; está ali para todo e qualquer uso (...). Mas esse tipo de 
ciência e de tecnologia não nos diz nada sobre nós mesmos, deixando-
nos com uma sensação de alienação de nosso ambiente material. 
Isoladas, sem nenhum complemento espiritual, essa ciência e 
tecnologia nos fazem sentir alienados uns dos outros e do mundo (p. 
270-271). 
 
O paradigma cartesiano-newtoniano se esgotou porque priorizou a 
parte em lugar do todo, não levou em conta a interdependência de todos os seres 
e de todas as coisas. A cosmovisão mecanicista encorajou a exploração 
desordenada dos recursos naturais, causando sérios prejuízos à biosfera. A crise 
ecológica de nossos dias foi motivada por uma destruição incontrolável do meio 
ambiente, efetivando a posse, o domínio e mesmo a violência do homem sobre a 
natureza. 
 
Do ponto de vista social, essa maneira de ver o mundo induziu a 
 78 
formação de um modelo de sociedade violenta, baseada na exploração do 
homem, na sua exclusão e na concentração da riqueza. A mesma lógica de 
dominação e exploração da natureza foi aplicada à sociedade humana. Com a 
mesma força, agride-se tanto a natureza quanto os homens, para que produzam 
em benefício de um determinado segmento da sociedade. A injustiça social 
engendra a injustiça ecológica e vice-versa. Nas palavras de Boff (l993), 
 
Esse modelo social apresenta-se profundamente dualista. Divide 
pessoa/natureza, homem/mulher, masculino/feminino, Deus/mundo, 
corpo/espírito, sexo/ternura. E esta divisão sempre beneficia um dos 
pólos, originando hierarquias e subordinações no outro (...) . 
 Ora, essa visão é fragmentada, míope e também falsa. Ela não 
percebe as diferenças dentro de uma grande unidade nem a 
interdependência que vigora entre a sociedade e o meio ambiente. O 
ser humano provém de um longo processo cósmico e biológico; sem os 
elementos da natureza, as bactérias, os vírus, os microorganisnos, o 
código genético, os elementos químicos primordiais, ele não existe. 
Continuamente ele está numa dialogação com o meio (p. 31). 
 
A gravidade da crise porque passa a civilização provém de seu caráter 
estrutural e intrínseco: resulta de uma postura a-ética do homem face à natureza 
e aos outros homens. O déficit da terra não é fortuito, senão a conseqüência de 
uma agressão, pilhagem e matança acelerada da natureza em benefício da 
geração presente. A degradação dos ecossistemas, a contaminação da biosfera, a 
exploração incontrolável dos recursos naturais afetaram indiretamente o ser 
humano, vinculado a todas essas realidades. Tudo isto aponta para o esgotamento 
do modelo atual e das formas de reprodução das condições materiais de vida, 
bem como para o questionamento dos objetivos propostos por uma civilização 
que fez da acumulação de bens o fim supremo da existência. 
 
É imperativo reconhecer que as nossas vidas estão inseparavelmente 
entrelaçadas ao mundo natural e que este é um todo unificado, constituído por 
uma complexa rede de relações em todas as direções e em todas as formas. 
 
 79 
 
1.3. O NOVO PARADIGMA 
 
O paradigma epistemológico que emerge e ganha força atualmente é 
oriundo das descobertas realizadas pela física quântica
17
 e pela biologia 
molecular. A combinação entre ambas enriqueceu nossa compreensão acerca do 
caráter de sistemas dos organismos vivos e do próprio cosmos. Na conceituação 
de Capra (1982): 
 
Os sistemas são totalidades integradas, cujas propriedades não podem 
ser reduzidas às de unidades menores. Em vez de se concentrar nos 
elementos ou substâncias básicas, a abordagem sistêmica enfatiza 
princípios básicos de organização (p. 260). 
 
Segundo esse novo modelo, cada sistema compõe-se de subsistemas,e 
todos são parte de um sistema ainda maior. A relação integrativa dinâmica entre 
seus diversos sistemas se processa de modo tal que cada um participa ativamente 
na regulação do outro, constituindo um todo homeostático. Aquela visão da 
realidade fragmentada, constituída por corpos celestes submetidos à simples 
relação de causa-efeito foi substituída pela concepção de natureza orgânica, 
sistêmica, ecológica, holística. A nível profundo, o que existe é uma teia 
simultânea de relações globais e interação mútua. O universo é um todo 
dinâmico e indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só 
podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico. Ainda segundo 
Capra (1982), 
 
A nova visão da realidade baseia-se na consciência do estado de inter-
relação e interdependência essencial de todos os fenômenos – físicos, 
biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Essa visão transcende as 
atuais fronteiras disciplinares e conceituais e será explorada no 
âmbito de novas instituições. Não existe, no presente momento, uma 
estrutura bem estabelecida, conceitual ou institucional, que acomode 
a formulação do novo paradigma, mas as linhas mestras de tal 
estrutura já estão sendo formuladas por muitos indivíduos, 
comunidades e organizações que estão desenvolvendo novas formas 
de pensamento e que se estabelecem de acordo com novos princípios 
 
17
 A física quântica, surgida nas primeiras décadas do século XX, é o carro-chefe do novo modelo de ciência 
que se delineia atualmente. 
 80 
(p.259) . 
 
A centralidade da nova percepção reside em dar-se conta da 
complexidade da realidade. Tudo implica tudo, nada existe fora da relação 
existente entre todos os seres e todas as coisas. A unidade está na pluralidade e 
vice-versa. Daí o fortalecimento da cosmovisão holística, segundo a qual todos 
os seres se relacionam entre si e com o meio ambiente, numa perspectiva do 
infinitamente pequeno das partículas elementares (quarks), do infinitamente 
grande dos espaços cósmicos, do infinitamente complexo dos sistemas da vida, 
do infinitamente profundo do coração humano e do infinitamente misterioso do 
oceano ilimitado de energia primordial (vácuo quântico, imagem de Deus) do 
qual tudo promana (cf. Boff, 1993, p. 19). 
 
Desta leitura, resulta claro que o ser humano individual e social é parte 
da natureza. Ele pertence à natureza bem como a natureza lhe pertence como 
cuidado e relação. Como veremos a seguir, ele possui sua diferença específica na 
medida em que somente ele é um ser ético, capaz de cuidar da natureza, 
potenciar sua dinâmica interna para recuperá-la, preservá-la ou acentuar os 
mecanismos de destruição. 
 
Urge formar consciência de que somos todos responsáveis pelos 
mecanismos que provocam ameaça de doença e morte à vida natural e à vida 
social. Uma das instâncias que favorece essa tomada de consciência é a 
educação. Através dela, podemos refazer o tecido social a partir das múltiplas 
potencialidades do ser humano e da própria sociedade. 
 
Uma educação que gere um consenso de base para a configuração de 
nossa vida societária e também planetária exige uma fundamentação ética que 
não seja utilitarista e antropocêntrica como a atual, mas sim ecocêntrica, capaz 
de refazer a aliança destruída entre a natureza e o ser humano e entre os homens 
em si mesmos, na pluralidade das culturas. 
 
As condições do nosso tempo exigem novas atitudes. Quanto mais os 
atos humanos repercutem sobre a convivência e o meio ambiente, exercendo um 
peso determinante sobre o nosso planeta, tanto mais devemos discernir entre o 
que convém fazer ou não fazer. A exigência ética básica implica no 
reconhecimento universal da necessidade de articulação de um novo sistema de 
categorias, de um novo paradigma enquanto consenso de base, que não só seja 
capaz de confrontar-se com a crise de civilização que experimentamos mas, 
 81 
sobretudo, abra alternativas para a construção de novas epocalidades. No âmbito 
da natureza, tanto o cientista como o técnico podem encaminhar projetos que 
permitam uma intervenção eficaz do homem no mundo, recuperando os 
ecossistemas e favorecendo o reencontro do homem com o seu meio. Ciência e 
técnica podem contribuir grandemente para o verdadeiro progresso humano, se 
não se limitarem à busca da utilidade instrumental de suas conquistas, sem 
medir-lhes as conseqüências éticas em todas as suas dimensões. 
 
O grande desafio histórico que se anuncia com a mudança de 
paradigma, consiste em reconstruir a sociabilidade a partir de um “novo fim-
fundamento”: o do reconhecimento universal da igual dignidade de todo ser 
humano e, conseqüentemente, a co-responsabilidade solidária de todas as 
pessoas. Como enfatiza Manfredo Araújo de Oliveira (1995), 
 
... o homem se faz homem na medida em que se eleva de sua 
arbitrariedade solipsista para o reconhecimento universal da 
dignidade inviolável de todo ser humano (p. 115). 
 
A exigência ética básica do reconhecimento universal aponta para a 
construção de novas configurações das relações sociais, de tal modo que elas 
tornem possível uma solidariedade de princípio com os excluídos de nossa 
formação social no sentido da dignificação de suas vidas, uma vez que gozam do 
privilégio ético de ser pessoa humana. A lógica da exclusão, que dominou a 
racionalidade moderna, gerou fome e miséria, conflitos e guerras, desespero e 
morte. De modo contrário, a racionalidade pós-moderna
18
 elegeu como princípio 
ético a inclusão de todos e de cada um, fundado no reconhecimento das 
diferenças, pois não existe uma razão que seja abrangente de todas as razões. 
 
Diferenciados pelas culturas, pelas subjetividades e pelas experiências, 
os seres humanos podem con-viver harmônica e respeitosamente uns com os 
outros e com os demais seres da natureza, favorecendo o equilíbrio e impondo 
limites a seus próprios desejos. A partir do momento em que o homem assume 
conscientemente seu papel de administrador responsável, de anjo da guarda e de 
zelador da criação, ele vive em plenitude a dimensão ética inscrita em seu 
próprio ser. E só quando renuncia estar sobre os outros para estar com os outros, 
quando se faz capaz de entender as exigências do equilíbrio ecológico e social, 
 
18
 O conceito de pós-moderno deve ser entendido aqui como a recusa de um sujeito universal como centro único 
de sentido, sem levar em conta os interesses subjetivos de cada indivíduo. 
 82 
ele vive eticamente. Como nos diz Boff (1993), 
 
O bem supremo reside na integridade da comunidade 
terrestre e cósmica. Ela não se resume ao bem comum humano. Ela 
inclui o bem da natureza. E como a natureza está envolvida numa teia 
universal de relações (energias universais da micro e da macro 
realidade), o bem comum será também cósmico. Não estamos apenas 
diante de uma só terra. Mas de um só cosmos, com todos os seus 
corpos, partículas e energias, constituindo uma única comunidade 
interdependente (p.35). 
 
E mais adiante, acrescenta o referido autor: 
 
Como se depreende, pelo caminho de uma ética ecológica, 
fundada no respeito à alteridade, na acolhida das diferenças, na 
solidariedade e na potenciação da singularidade, deixa-se para trás o 
paradigma utilitário dominante que tantas ameaças traz à vida e à paz 
entre os seres da natureza. Esse caminho nos conduz a uma etapa 
mais alta da reflexão e do compromisso (Boff, 1993, p. 36). 
 
Somente uma educação comprometida com a exigência ética básica da 
vida humana será capaz de fomentar a mudança de paradigma que nosso 
momento histórico está aexigir. 
 
 
2.0. O ENFOQUE INTERDISCIPLINAR NA EDUCAÇÃO 
 
Chegamos ao final do século reconhecendo que nos defrontamos com 
um universo cultural extremamente rico e complexo, e que somos incapazes de 
compreendê-lo na sua totalidade. Essa situação é resultado da ação-reflexão do 
homem ao longo dos tempos e nas mais variadas condições culturais, 
caracterizadas por diferentes enfoques, pontos de vista e paradigmas. Isso retrata 
o modo como o homem vem resolvendo a sua problemática existencial, 
enfrentando os desafios e buscando novas soluções. 
 
Para fazer face aos desafios da nova situação civilizacional, ganha 
força a idéia de uma abordagem interdisciplinar nos sistemas formais da 
educação, visto que o paradigma teórico-metodológico oriundo do cartesianismo 
perdeu a sua eficácia, já que não é capaz de resgatar a unidade do saber. 
 83 
 
Como vimos anteriormente, a mecânica newtoniana reduziu o universo 
a um vasto conjunto de corpúsculos materiais, cujas ações e reações obedecem a 
leis precisas e rigorosas, cabendo ao sábio elucidá-las por procedimentos 
minuciosamente controlados. Para dar conta desse universo partido, 
fragmentarizado, surgiu gradativamente uma multiplicidade de disciplinas 
especializadas que, ao invés de nos proporcionar uma visão ampla da realidade, 
contribuiu para estreitar a nossa percepção do todo e das outras partes. O número 
crescente de especializações e a rapidez do desenvolvimento de cada uma delas 
engendraram uma postura reducionista, que consiste em reduzir o sistema inteiro 
à lógica de um dos seus componentes. A esse respeito comenta Hilton Japiassu 
(1992): 
 
Chegamos a um ponto em que o especialista se reduz àquele 
que, à custa de saber cada vez mais sobre cada vez menos, termina 
por saber tudo sobre o nada. Torna-se uma ilha do saber, cercada por 
um oceano de ignorâncias (p. 83) 
. 
 
2.1. A PASSAGEM OBRIGATÓRIA 
 
A necessidade de superação desse reducionismo cresce em 
importância para a sociedade e para educação. Entende-se hoje que o mundo não 
consiste de “fatos” e “coisas” isoladas e sim de interações. A realidade, física ou 
social, é composta de uma multiplicidade de fatores que não são mutuamente 
excludentes, e sim explicados e justificados uns em relação aos outros. 
 
O reconhecimento da realidade como complexidade organizada 
implica a admissão da possibilidade do paradoxo, da ambigüidade e do 
antagonismo de concepções. Alarga-se, cada vez mais, a aceitação do princípio 
da “complementaridade” proposto por Niels Bohr (1885-1962), segundo o qual, 
a única maneira de avaliar a realidade é comunicá-la de modos diferentes, 
permitindo-nos juntar todos os modelos para complementarem-se uns aos outros, 
numa exaustiva sobreposição de diferentes descrições que incorporam idéias 
aparentemente contraditórias. À semelhança do conceito metafísico de 
“relatividade” proposto por Einstein (1879-1955), a “complementaridade” de 
Bohr não se destina a fazer crer que todas as teorias sejam válidas, mas que 
saibamos compreender que existem diferentes modos de perceber a mesma 
realidade, às vezes não comparáveis ou mesmo contraditórios. Isto implica numa 
 84 
mudança de atitude epistemológica voltada para a superação dos reducionismos, 
que nos impedem de apreender a realidade em sua totalidade. Como bem 
assinala René Passet (1992): 
 
 A interdependência passa a substituir a divisão 
separadora: interdependência entre os diferentes níveis de 
organização que se engendram sucessivamente e se regulam 
mutuamente; interdependência entre o todo e as partes que não se 
podem manter ou se reproduzir separadamente; interdependência 
entre um objeto e seu ambiente fora do qual seu desenvolvimento não 
pode ser compreendido; interdependência entre um sistema econômico 
e seus ambientes sócio-culturais ou naturais, cuja lógica impregna o 
funcionamento e cuja perenidade comanda sua reprodução no tempo. 
 
 A apreensão da diversidade, da contradição e do conflito 
substitui o recuo reducionista sobre uma lógica parcial. Cada sistema 
ou nível de organização possui uma especificidade e uma lógica 
irredutíveis àquelas de um nível superior ou inferior: a passagem do 
nível molecular ao nível celular é também a passagem do inanimado 
ao vivo (...). 
 
 A abordagem dos sistemas complexos, com a separação 
entre objeto observado e sujeito que observa, substitui a relação que 
se estabelece entre eles pela observação (...), de maneira que, uma vez 
que cada acontecimento age sobre seu meio ambiente, o mesmo 
acontecimento (ainda que seja perfeitamente idêntico) não pode se 
produzir duas vezes no mesmo sistema. 
 
 A visão dos sistemas complexos substitui a imagem 
estática da máquina, construída de uma vez por todas em seu estado 
acabado, pela perspectiva dinâmica de um mundo em contínua 
criação: um sistema complexo não pára de se construir, de se 
degradar, de se reconstruir e de co-evoluir em interdependência com 
os sistemas que o cercam (p. 30-31). 
 
Com efeito, o modo de produzir e tratar conhecimento pela 
fragmentação sucessiva e pelo princípio de fixidez esgotou sua possibilidade de 
continuar contribuindo para o avanço da cultura e melhoria da qualidade de vida, 
correndo-se o risco de, pela sua permanência, promover a destruição das 
 85 
condições que possibilitaram o desenvolvimento cultural do homem e o avanço 
técnico-científico alcançado pela civilização. 
 
 
2.2 . NATUREZA DA INTERDISCIPLINARIDADE 
 
 
A Revolução Científica do século XVII suscitou a criação e a 
proliferação de inúmeras disciplinas para abordar os diversos aspectos da 
realidade. Desde então, o acúmulo do saber humano é tão vasto e o seu ritmo é 
tão acelerado que não há como negar a imprescindibilidade da especialização. 
Podemos mesmo afirmar que, em certo sentido, a especialização contribuiu para 
o alargamento do horizonte epistemológico, mas ao longo do tempo tornou-se 
“patológica” (Japiassu, 1976), à medida que esfacelou o saber científico e o seu 
ensino pelas compartimentações disciplinares. 
 
A disciplina (ciência), entendida como um conjunto específico de 
conhecimento de características próprias, obtido por meio de método analítico, 
linear e atomizador da realidade, produz um conhecimento ordenado e profundo, 
porém parcelar e dissociado do todo de que faz parte. 
 
Do ponto de vista pedagógico, o ensino por disciplina é suscetível de 
falsear a realidade, visto que a sua abordagem é por demais cientificista e, até 
mesmo, tecnocrática. 
 
Em nossos dias, ganha relevância a idéia de que a ciência é importante, 
mas não suficiente para a apreensão da realidade. Nem sempre as dimensões do 
real são redutíveis à mensuração e à observação experimentadora da ciência. Em 
sua infinita complexidade, a realidade escapa ao controle da ciência e da técnica, 
para se oferecer a outras formas de compreensão que o saber especializado não 
pode captar. Daí a necessidade do tratamento interdisciplinar, tanto na pesquisa 
quanto no ensino. Praticar essa idéia não é tarefa simples: requer reflexão e 
determinação. Há uma série de obstáculos a serem transpostos tanto a nível 
intelectual quanto institucional. 
 
A nível intelectual, a principal barreira é a comodidade buscada pelo 
dogmatismo do pensamento. A esse respeito, comenta Faure (p. 62): 
 
Do mesmo modo que o deslocamento em território 
 86 
conhecido se faz com segurança, o trabalho no interior de uma 
disciplina bem delimitada e estritamente balizada evita que o 
pesquisador se exponha a uma dose de incerteza mais elevada. 
Barreiras intelectuais e segurança psicológica se amparammutuamente (p. 62). 
 
A nível institucional, além do reflexo defensivo existencial próprio a 
cada disciplina, existem meios legais de defesa da territorialidade (o direito, a 
medicina, a arquitetura, a engenharia etc.) que acarretam “sanções penais” ao 
desviante. Nesse aspecto, concordamos com Faure (1992) quando afirma: 
 
A divisão em territórios prejudica consideravelmente a 
emergência de novas concepções. Por uma perversão do espírito, a 
legitimidade de uma disciplina não é negociada no terreno intelectual, 
mas sim em torno de recursos tais como financiamentos, 
administração, ou de atividades anexas dentre as quais a gestão da 
imagem nos meios de comunicação (p. 62). 
 
Como vemos, trabalhar sob a perspectiva da interdisciplinaridade é 
hoje um desafio a ser enfrentado por pesquisadores e professores. O enfoque 
interdisciplinar, no contexto da educação, manifesta-se como uma contribuição 
para a reflexão e o encaminhamento de solução às dificuldades relacionadas à 
pesquisa e ao ensino e que dizem respeito à maneira como o conhecimento é 
tratado em ambas as funções da educação. 
 
Segundo Lück (1995), evidencia-se, na pesquisa, que o conhecimento 
vem sendo produzido de modo fragmentado, dissociando-se cada fragmento do 
contexto de onde emerge. Desse modo, produz-se um saber limitado, ao mesmo 
tempo que se cria um mosaico de informações paralelas, desarticuladas e, até 
mesmo, antagônicas, todas tidas como legítimas representações da realidade. 
 
No ensino, a falta de contato do conhecimento com a realidade parece 
ser uma característica muito acentuada. Muitos professores, no esforço de levar 
seus alunos a aprender, o fazem de maneira a dar maior ênfase ao conteúdo e não 
à suainterligação com o contexto do qual emerge. 
 
Estudioso do assunto, Japiassu (1992) comenta este fato do seguinte 
modo: 
 
 87 
O trabalho interdisciplinar propriamente dito supõe uma 
interação das disciplinas, indo desde a interação dos conceitos 
(contatos interdisciplinares) até a interação metodológica (pesquisa 
interdisciplinar). Assim, temos a seguinte gradação: 
 
* Disciplina: conjunto específico de conhecimentos que têm 
suas características próprias no plano do ensino, da formação, dos 
mecanismos, dos métodos e dos materiais; trata-se do 
monodisciplinar; 
 
* Multidisciplinar: justaposição de duas ou mais disciplinas, 
com objetivos múltiplos, sem relações entre elas e nenhuma 
coordenação; 
 
* Pluridisciplinar: conjunto de duas ou mais disciplinas, com 
objetivos múltiplos, com certa relação entre si, com certa cooperação, 
mas sem coordenação dessas relações; 
 
* Interdisciplinar: Interação entre duas ou mais disciplinas, 
podendo ir da simples comunicação de idéias até a integração mútua 
dos conceitos, da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos 
procedimentos, dos dados e da organização da pesquisa. É 
imprescindível a complementaridade dos métodos, dos conceitos, das 
estruturas e dos axiomas sobre os quais se fundam as diversas 
práticas científicas. Diríamos que o objetivo utópico do 
interdisciplinar é a unidade do saber. Unidade problemática, sem 
dúvida, mas que parece constituir a meta ideal de todo saber que 
pretenda corresponder às exigências fundamentais do progresso 
humano” (p. 88). 
 
Portanto, a interdisciplinaridade não consiste na desvalorização das 
disciplinas e do conhecimento produzido por elas, mas numa prática interativa, 
sombreada pela compreensão de que a verdade de um conhecimento é tão mais 
aproximativa quanto maior a circularidade de informações entre os sujeitos que o 
produziram. O conhecimento é, ao mesmo tempo, um fenômeno 
multidimensional e inacabado, sendo impossível sua completude e abrangência 
total, uma vez que, a cada etapa da visão globalizadora, surgem novas questões e 
novos desdobramentos. Isto nos coloca diante do fato de que a 
interdisciplinaridade se constitui em um processo contínuo e interminável de 
 88 
elaboração do conhecimento, orientado por uma atitude crítica e aberta à 
realidade, com o objetivo de apreendê-la e apreender-se nela, visando muito 
menos a possibilidade de descrevê-la e muito mais a necessidade de vivê-la 
plenamente.Nesse caso, procura-se utilizar um método que permita estabelecer o 
diálogo entre conhecimentos dispersos, fazendo-os desembocar numa 
compreensão da realidade o mais globalizadora possível. 
 
 
2.3. A CIRCULARIDADE DAS ABORDAGENS 
 
No estado atual do conhecimento, parece que o método da 
circularidade é o menos mutilante, visto que permite passar de um conhecimento 
a outro, fazendo com que ambos se modifiquem gradativamente, deixando o 
sujeito cognoscente menos vulnerável à subjetividade de que é suscetível. A 
circularidade derruba as barreiras entre as áreas de conhecimento e, a partir de 
uma área, estabelece o diálogo com outra, buscando nela elementos necessários 
para o alargamento explicativo do objeto ou da realidade, “de modo a superar as 
concepções redutoras e disjuntoras das disciplinas isoladas” ( Luck , 1995, p. 
69). 
 
Esse diálogo é caracterizado por atividades mentais como 
refletir, reconhecer, situar, problematizar, verificar, refutar, 
especular, relacionar, relativizar, historicisar. Ele ocorre na interface 
entre uma e outra, e entre elas e o quadro referencial do indivíduo 
cognoscente, de modo que, por essa rotatividade, constrói um saber 
consciente e globalizador da realidade (Ibidem, p .69). 
 
Resgata-se dessa forma, a compreensão de que o conhecimento não 
pode ser dissociado da vida humana e da relação social, restabelecendo-se a 
circularidade entre homens, natureza, sociedade, cultura, história, linguagem, 
conhecimento, em que cada um desses elementos se articulam e se explicam 
reciprocamente. 
Com efeito, a prática da interdisciplinaridade está inseparavelmente 
ligada ao método da circularidade, pelo qual os sujeitos da pesquisa e do ensino, 
setorizados por áreas ou disciplinas, abandonam suas arenas, rompem com suas 
visões tradicionais, cruzam informações, abrindo brechas para a produção de 
novos conhecimentos. 
 
Para ser operacional, a interdisciplinaridade deve exercitar a 
 89 
transversalidade entre ciência, tecnologia, ecologia, filosofia, antropologia, 
sociologia, ética, estética, economia e política, oportunizando relações de todos 
os tipos. Não é preciso dizer que essa prática irriga não apenas os domínios 
vizinhos de cada área ou disciplina mas que, freqüentemente, atinge também 
domínios mais distantes. 
 
A interdisciplinaridade, como movimento interno de transformação 
das ciências, aberta para o social, o político, o estético e o ético, implica na 
vivência do espírito de parceria, de integração entre teoria e prática, conteúdo e 
realidade, objetividade e subjetividade, meio e fim, dentre muitos outros fatores 
interagentes do processo de produção do conhecimento. 
 
Enfim, o objetivo da interdisciplinaridade é promover a superação da 
visão restrita de mundo e a compreensão da complexidade da realidade, 
resgatando a centralidade do homem em suas múltiplas expressões de vida que 
sempre dizem respeito a todas as áreas de conhecimento. Assim, a 
interdisciplinaridade se constitui em uma forma de ver o mundo que encontra 
paralelo na Ecologia, no Holismo, no movimento de Qualidade Total, na Teoria 
de Sistemas, que estabelecem, a partir do mesmo ponto de vista, novas 
abordagens, novos horizontes, novas analogias e novas estruturas conceituais e 
metodológicas, possibilitando a melhoria de qualidade da pesquisa e do ensino. 
 
Concluindo, a educação não é a resposta para todos os desafios que o 
homem é levadoa enfrentar, mas é parte dela. Como salientou H.G.Wells em 
1920, “... a história do homem torna-se cada vez mais uma disputa entre a 
educação e a catástrofe” (citado por Gates, 1995, p. 316). A educação é o 
grande nivelador da sociedade, e toda melhoria na educação é uma grande 
contribuição para equalizar as oportunidades. 
 
 
 90 
 
 
 
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 92 
GLOSSÁRIO 
 
Antropocêntrica: concepção que põe o homem como centro de tudo, em 
de- trimento dos demais seres da natureza. 
 
Arquétipo: modelo, protótipo, exemplar. Imagens psíquicas que existem 
no inconsciente coletivo, desde a mais remota ancestralidade. Padrões de 
comportamento comum a toda humanidade. 
 
Arte rupestre: arte pré-histórica feita principalmente em paredes rochosas 
de grutas, sob a forma de pinturas e sinais gravados, que representam 
cenas do cotidiano do homem primitivo. 
 
Atos ancestrais: ações dos nossos antepassados, como, por exemplo, o 
pecado de Adão e Eva. 
 
Autogênese: auto (próprio de si mesmo) e gênese (origem, formação, 
constituição). Ação de se auto construir, livre e conscientemente. 
 
Ciências hermenêuticas: aquelas que dependem da nossa interpretação e, 
portanto, os resultados obtidos não são muito objetivos. 
 
Cosmogonia: parte da astronomia que trata da origem e evolução do 
Universo. 
 
Cosmos: do grego kósmos, ornamento, universo visível, dotado de ordem 
e harmonia. 
 
Ecocêntrica: diz-se de uma ética que respeita a natureza como um todo e 
cada ser em particular. 
Ente: coisa, objeto, matéria, substância, ser. Aquilo que supomos existir, 
independentemente de tornar-se objeto de reflexão. A expressão Entes 
 93 
sobrenaturais refere-se às divindades mitológicas. 
 
Escatologia: crença ou doutrina sobre a consumação do tempo, isto é, o 
fim do mundo ou da humanidade. 
 
Essência: aquilo que constitui a natureza das coisas, de um ser , 
independentemente de sua existência de fato. 
 
Exegese: análise minuciosa de um texto ou de uma palavra. Comentário 
ou dissertação para esclarecimento de um texto. 
 
Fantasmagoria: algo imaginário, fantasma, falsa aparência. 
 
Filosofia neoplatônica: corrente doutrinária surgida no século II, baseada 
nos ensinamentos de Platão. Caracterizava-se pelas teses da absoluta 
transcendência do ser divino, da emanação e do retorno do mundo a Deus 
pela interiorização progressiva do homem. 
 
Fio de Ariadne: expressão oriunda da mitologia grega, relacionada à filha 
do rei de Creta que, apaixonando-se por Teseu, deu-lhe o fio condutor, 
com o qual o herói pôde sair do labirinto, depois de haver liquidado o 
Minotauro, monstro que se nutria de carne humana. 
 
Gnosiologia: derivado do termo grego gnose, que significa conhecimento, 
sabedoria. Disciplina filosófica que faz uma reflexão crítica a respeito da 
origem, da natureza e do valor do conhecimento. 
 
Hermetismo: diz-se de uma doutrina muito fechada ou de um 
conhecimento de compreensão muito difícil. 
 
Hierofania: ato de manisfestação do sagrado. Termo usado por Mircea 
Éliade (1972), referindo-se a algo sagrado que é mostrado ao homem. 
 94 
 
Holística: do grego holos, que designa totalidade. Tendência, que se supõe 
seja própria do Universo, a sintetizar unidades em totalidades organizadas. 
Aqui significa uma visão não fragmentada do real. 
 
Homeostático: diz-se do estado de equilíbrio existente entre o todo e suas 
parte, entre um ser e todos os outros seres, entre um organismo vivo e suas 
várias funções. 
 
Imanente: diz-se daquilo que existe em um dado objeto ou conceito, 
independentemente de ação exterior ou de algo que ultrapasse a nossa 
capacidade de conhecer. Opõe-se a transcendente. 
 
Inominado: aquilo que o homem ainda não atribuiu um nome, uma 
designação. 
 
Inteligibilidade: relativo à inteligência. Diz-se daquilo que só pode ser 
conhecido pelo pensamento, e não pelos sentidos. 
 
Liturgia: ritual, forma de prestar culto ao sagrado. 
 
Magia: arte com que se pretende produzir, por meio de certos atos e 
palavras e por interferência de seres sobrenaturais, efeitos e fenômenos 
extraordinários, contrários às leis da natureza. 
 
 Metafísica: parte da filosofia que trata dos princípios e fundamentos 
últimos da realidade, isto é, daquilo que transcende o físico ou natural. 
 
Misticismo: disposição para crer no sobrenatural. Tendência que orienta o 
pensamento para a busca de um Absoluto, com o qual pretende a pessoa se 
unir moralmente por meios simbólicos. 
 
 95 
Paradigma: modelo, exemplar, padrão. Segundo Thomas Khun (1991), 
paradigma é “toda uma constelação de opiniões, valores e métodos etc. 
participados pelos membros de uma determinada sociedade”, por meio dos 
quais se orientam e organizam o conjunto de suas relações. 
Pensamento categorial: expressão que designa a fase do entendimento 
humano a partir do nascimento da filosofia, no século VI a.C. 
 
Poder: capacidade de fazer valer, pela persuasão ou pela força, interesses 
particulares de um grupo ou uma classe social. 
 
Reminiscência: lembrança, recordação. Aquilo que se conserva na 
memória. 
 
Rito: regras de cerimônias que se devem observar na prática de uma 
religião. 
 
Sagrado: concernente às coisas divinas, à religião, aos ritos ou ao culto. 
Aquilo que o homem considera puro, santo e, portanto, digno de ser 
cultuado. 
 
Simonia: comércio de coisas sagradas ou espirituais, tais como 
sacramentos, relíquias, dignidades, benefícios eclesiásticos etc. 
 
Solipsista: atitude de quem considera o eu individual como a única 
realidade no mundo. 
 
Tapeçaria de Penélope: expressão metafórica que, baseada na personagem 
da obra de Homero (Odisséia), designa o desenrolar do processo histórico. 
 
Tempo primordial: o tempo em que certo acontecimento ocorreu pela 
primeira vez. Para o homem primitivo, todos os acontecimentos se 
repetem segundo um modelo original. 
 96 
 
Teofania: manifestação de Deus em algum lugar, acontecimento ou 
pessoa, nas características e nas atribuições que revelam sua divindade e 
seu poder. 
 
Tessitura: harmonia, contexto. Conjunto de acontecimentos que dá sentido 
de ordem. 
Transcendência: aquilo que ultrapassa a experiência possível, que se eleva 
além da capacidade humana de conhecer. Antônimo deimanência. 
 
 
 
 
 
 97 
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