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2 1 ORIGINAL Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 5 n. 1/6 jan. 2003 / dez. 2005 RESUMO: a Equoterapia é o processo de reabilitação de pessoas com necessidades especiais, que utiliza o cavalo como meio terapêutico. Na equoterapia, o cavalo atua como agente cinesioterapêutico, facilitador do processo ensino-aprendizagem e de inserção ou reinserção social. Durante a terapia, é exigida a participação do corpo inteiro do paciente, contribuindo, assim, para seu desenvolvimento global. Quando o cavalo se desloca ao passo, ocorre o movimento tridimensional de seu dorso, portanto, há deslocamentos segundo os três eixos de movimento. Tais movimentos são transmitidos ao paciente pelo contato de seu corpo com o do animal, gerando movimentos mais complexos de rotação e translação. As conseqüentes informações proprioceptivas, ativadas no corpo do paciente, são interpretadas por seus órgãos sensoriais de equilíbrio e postura exigindo novos ajustes posturais, para a sua manutenção sobre o cavalo. Dessa forma, pacientes com seqüelas neurológicas podem se beneficiar de terapias alternativas como a equoterapia. Esse trabalho tem como objetivo realizar uma revisão da literatura sobre a utilização da equoterapia em indivíduos com seqüelas neurológicas, com o intuito de auxiliar na reabilitação desses pacientes. Para isso, foram utilizados materiais de diversas bibliotecas publicas e privadas, além de artigos referentes ao tema e materiais disponíveis na Internet. Palavras-chave: lesão neurológica; equoterapia; controle motor. ABSTRACT: equotherapy is a process of rehabilitation for people with special needs which uses a therapeutic horse. In Equotherapy, the horse acts as therapeutic kinesis. It is a facilitating agent in the teaching-learning process and insertion or social interaction. During the therapy, the participation of the patient’s entire body is required, thus contributing to its complete development. When the horse moves, the three-dimensional movement of its back occurs; therefore, it performs displacements according to three axles of movement. Such movements are transmitted to the patient through the contact of his body with that of the animal, which generates more complex rotation and translation movements. The consequent proprioceptive information activated in the patient’s body is interpreted by its sensorial agencies of balance and position, thus requiring new postural adjustments for maintenance on the horse’s back. In this way, patients with neurological sequels can benefit from alternative therapies such as the equotherapy. This study aimed at reviewing the literature on the use of the equoterapy in individuals with neurological sequels with the purpose of assisting in the physical therapy for these patients. To that end, materials from various libraries, public and private, have been used in addition to reference articles on the subject and materials available on the Internet. Key words: neurological injury; equotherapy; motor control. EQUOTERAPIA COMO TR ATAMENTO ALTERNATIVO PARA PACIENTES COM SEQÜELAS NEUROLÓGICAS EQUOTHER APY AS AN ALTERNATIVE TREATMENT FOR PATIENTS WITH NEUROLOGICAL SEQUELS Gabriela Faleiros Liporoni1 Ana Paula Rocha de Oliveira2 1Graduanda do curso de Fisioterapia da Universidade de Franca. 2 Fisioterapeuta. Profª Mestranda da Universidade de Franca. p. 21-29 22 Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 5 n. 1/6 jan. 2003 / dez. 2005 INTRODUÇÃO Considerando-se que 10% da população hu- mana é portadora de algum tipo de necessidade especial, é preciso que as pessoas dedicadas à pro- fissão terapêutica lancem mão de todos os recursos disponíveis ao atendimento desta grande incidên- cia (FRAZÃO, 2001). A cinesioterapia é essencial a estes pacientes com seqüelas neurológicas, e associadas a esta, es- ses pacientes podem se beneficiar de terapias alter- nativas como a equoterapia. Ao eleger uma forma de tratamento para os pacientes neurológicos é importante que lembre- mos que a maior parte de sua reabilitação depen- de de sua própria motivação em relação à propos- ta terapêutica que lhe será oferecida. A terapia uti- lizando cavalo pode ser considerada como um con- junto de técnicas reeducativas, que agem para su- perar danos sensoriais, motores, cognitivos e comportamentais, através de uma atividade lúdico- desportiva, oferecendo todas as condições julgadas importantes ao tratamento destes pacientes (FRAZÃO, 2001). A Equoterapia não é uma descoberta recente como recurso terapêutico. Nos tempos de Hipócrates (458-370 AC) já era utilizada para pre- venção da insônia, entre outros males, e na recu- peração de militares acidentados na guerra. Asclepíades de Prússia (124-40 a.C.) aconselhava a equitação como tratamento para epilepsia em di- versos casos de paralisia. Novas referências à equoterapia só voltaram a surgir no século XVI. Goethe a considerava benéfica na distensão da sua coluna vertebral, em razão das oscilações a que era submetido o cavaleiro. Depois de um novo período de indiferença e pouca consideração pelo emprego terapêutico, logo após a I Guerra Mun- dial o cavalo voltou a ser lembrado. Os primeiros a utilizá-los foram os escandinavos e os resultados obtidos estimularam o nascimento de outros cen- tros na Alemanha, França e Inglaterra (FRAZÃO, 2001). Um exemplo clássico da época moderna é o da amazona Liz Hartel, acometida de poliomieli- te na idade infantil e que, não obstante a seqüela, conseguiu ganhar a medalha de prata em adestra- mento nas Olimpíadas de 1952 e 1956. Este feito despertou profissionais de saúde para este recurso. Em 1954 surgia na Noruega a primeira equipe interdisciplinar, formada por uma fisioterapeuta e seu noivo, psicólogo e instrutor de equitação. No Brasil, este recurso terapêutico começou a ser va- lorizado em 1989, na Granja do Torto, em Brasília (até hoje sede da ANDE – Associação Nacional de Equoterapia) não por coincidência a residência do então presidente João Batista Figueiredo, um militar da Cavalaria. Atualmente, a modalidade é adotada em pelo menos 30 países e já existem pla- nos para a inclusão da equitação terapêutica como uma das modalidades esportivas dos Jogos Paraolímpicos de 2004 (ANDE, 2004). Em relação ao cavalo e ao ambiente, é im- portante que o terapeuta os conheça e aos estímu- los que eles oferecem, os movimentos do cavalo e seus tipos de andaduras, quando se está montado em sela ou em mantas ou estando em decúbitos ventral ou dorsal. Devem-se considerar todas estas variantes ao se percorrer os diversos tipos de terre- no que podem ser utilizados pela equoterapia, dependendo do que pode ser visto como estímu- los úteis ao praticante (CIRILLO, 1998). A EQUOTERAPIA A equoterapia é um método terapêutico e educacional que utiliza o cavalo dentro de uma abordagem multidisciplinar e interdisciplinar nas áreas de Saúde, Educação e Equitação, buscando o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas por- tadoras de deficiência física e/ou mental ou que têm necessidades especiais (GREVE; CASALIS; BARROS FILHO, 2001). Ela já é utilizada há mais de 30 anos na Europa e Estados Unidos. No Brasil vem sendo desenvolvida desde 1989 (BOTELHO, 1997) e tem sido descrita a sua eficácia e benefícios (ANDE, 2000). A Equoterapia permite ao terapeuta interagir em múltiplos sistemas orgâni- cos, oferecendo uma oportunidade ímpar para atin- gi-los num ambiente que pode enriquecer o mo- vimento durante o seu desenvolvimento. No dor- so do cavalo consegue-se tratar a musculatura cor- poral global de forma natural, modulando o tônus, melhorando a postura, o equilíbrio, o ritmo, a co- p. 21-29 2 3 Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP)v. 5 n. 1/6 jan. 2003 / dez. 2005 ordenação, realizando alongamentos e possibili- tando maior integração em atividades sociais. A Equoterapia torna o portador de necessi- dades especiais menos dependente, traz benefícios para o corpo e para a mente, melhora o equilíbrio estático e dinâmico e aprimora a coordenação motora. Os efeitos psicológicos decorrentes desse método engrandecem a terapia (ANDE, 2000). O cavalo pode movimentar-se de três modos: ao passo, ao trote e ao galope. Nessas diferentes andaduras, o cavalo não move os membros da mesma maneira, sendo que os movimentos do dorso são diferentes e os do praticante serão adap- tados a qualquer movimento. Na realidade, ain- da parado, um cavalo raramente está totalmente imóvel. Ele troca a pata de apoio, desloca a cabe- ça para olhar à esquerda ou à direita, abaixa e alon- ga o pescoço. Todas essas modificações de atitudes impõem ao praticante um ajuste no seu compor- tamento muscular a fim de responder aos desequilíbrios provocados por esses movimentos (WICKERT, 1999). O trote e o galope são andaduras saltadas. Isto quer dizer que entre um lance e outro, seja de tro- te ou galope, o cavalo executa um salto, existindo um tempo de sustentação em que ele não toca seus membros no solo. Em conseqüência disso, seu es- forço é maior, seus movimentos mais rápidos e mais bruscos, e quando ele retorna ao solo, exige do praticante mais força para se segurar e para acom- panhar os movimentos do animal (CIRILLO, 1998). Por isso, essas andaduras só podem ser usa- das em equoterapia, com praticantes em estágio mais avançado. O passo, por suas características, é a andadura básica da equitação e é com esta andadura que a grande maioria dos trabalhos de equoterapia são executados. É uma andadura rolada ou marcha- da; existindo um ou mais membros em contato com o solo; possui ritmo e cadência a quatro tem- pos; é simétrica, uma vez que os movimentos pro- duzidos de um lado do animal se reproduzem de forma igual e simétrica do outro lado, em relação ao seu eixo longitudinal. É a andadura mais lenta, por isso as reações que ela produz são mais lentas e fracas, resultando em menores reações sobre o praticante e mais duradouras. Apesar da pouca ten- são muscular solicitada por esta andadura, a quan- tidade de repetições torna o exercício bastante in- tenso (CIRILLO, 1998; WICKERT, 1999). Dessa forma, não é recomendado que uma sessão dure mais de 30 minutos. O cavalo oferece, ainda, movimentos de in- clinações laterais de tronco para a transferência de peso, rotações para dissociação de cinturas e movi- mentações de báscula anterior e posterior da pelve pela movimentação de flexão e extensão do tronco. Simultaneamente, acontecem movimentos de aproximadamente 5 cm para cima e para baixo, para frente e para trás, para a direita e para a es- querda, giros de 8º para um lado e para o outro (torções). Todas as combinações destes movimen- tos são utilizadas ao longo do tempo da sessão. Este é o movimento tridimensional e multidirecional proporcionado pela andadura do cavalo ao passo, que é transmitido ao praticante a partir de seu contato pela cintura pélvica (DURAN, 1999). Foi verificado através de pesquisas, que es- tas oscilações ocorrem nos mesmos planos de mo- vimento humano e são interpretados como movi- mentos fisiológicos, similares ao da marcha huma- na, pelos canais semi-circulares do aparelho vesti- bular. Além da mecânica descrita, podemos aprovei- tar as influências para integração sensorial e ao es- quema corporal, originados pela sensibilidade su- perficial (tato, pressão, temperatura) e pela pro- funda (discriminativa e vibratória), além da sensi- bilidade proprioceptiva e a identificação visual e olfativa que o movimento do animal e o ambien- te provocam (MARCHIZELI, 2000). A equoterapia, por meio do movimento tridimensional do dorso do cavalo, da sinérgica ação da musculatura agonista e antagonista, para- lelamente aos efeitos neurofisiológicos e da espe- cífica avaliação fisioterapêutica e vestibular com- pleta, irá resgatar o mecanismo do reflexo postural global, abolido após a lesão do Sistema Nervoso (SN), impedindo-o de movimentar e realizar ati- vidades complexas, mantendo a postura e o equi- líbrio. Tomando como base que o tratamento ofere- p. 21-29 24 Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 5 n. 1/6 jan. 2003 / dez. 2005 ce muito alinhamento postural e posicionamento, o fisioterapeuta busca, basicamente, a estimulação do equilíbrio e a modulação do tônus muscular, o ganho sensorial e motor e uma maior indepen- dência ao praticante, estimulando-o como participador da terapia (MORELLI et al., 2001). FISIOTERAPIA APLICADA A EQUOTERAPIA A atuação da fisioterapia se dá sobre o quadro clínico da patologia apresentada pelo praticante indicado para o tratamento (BRACCIALLI, 1998). De acordo com Ande (2000), dentre muitos, po- dem ser destacados os seguintes benefícios: - melhora o equilíbrio e a postura, através da estimulação de reações de endireitamento e de proteção; - desenvolve a coordenação de movimentos entre tronco, membros e visão; - estimula a sensibilidade tátil, visual, auditiva e olfativa pelo ambiente e pela atividade com o cavalo; - oferece sensações de ritmo; - desenvolve a modulação do tônus muscular e estimula a força muscular; - desenvolve a coordenação motora fina; - promove a organização e a consciência cor- poral; - aumenta a auto-estima, facilitando a integração social; - estimula o bom funcionamento dos órgãos internos; - aumenta a capacidade ventilatória e a conscientização da respiração; - melhora a memória, concentração e seqüên- cia de ações; - motiva o aprendizado, encorajando o uso da linguagem; - ajuda a superar fobias, como a de altura e a de animais; - estimula a afetividade pelo contato com o animal; - aumenta a capacidade de independência e de decisões; - ensina a importância de regras como a segu- rança e a disciplina; - promove a sensação de bem-estar, motivan- do a continuidade do tratamento. O cavalo oferece uma diversidade de movi- mentos que podem ser aproveitados enquanto se está sobre o seu dorso. Entretanto deve-se obser- var que há limites relativos à patologia do prati- cante que devem ser respeitados. Como exemplo, podemos ressaltar: - quadros inflamatórios e infecciosos; - cifoses graves e escolioses acima de 40 graus (evitar posturas verticais); - luxação e subluxação de quadril; - extensão cruzada de membros inferiores e espasticidade sem mobilidade; - crises convulsivas; - obesidade (risco à segurança, maior quando associada a hipotonia); - alergia ao pêlo do cavalo; - medo excessivo; - problemas comportamentais do praticante que coloquem em risco sua segurança própria ou a da equipe. SUGESTÕES DE TRATAMENTO Espasticidade Como a lesão ocorre no SNC, há desequilíbrio entre o sistema inibidor dos movi- mentos reflexos e o facilitador, a atividade alfa- motora do fuso muscular fica potencializada e o sistema gama fica hiperativo (GUYTON, 1993). O praticante apresenta-se com os seus reflexos exa- cerbados e os seus membros permanecem em flexão ou extensão, e seus movimentos são rígi- dos. O tratamento deve evitar situações de medo e frio, por aumentarem o tônus muscular. É impor- tante que se ofereça uma base estável (um cavalo que propicie esta superfície em sua andadura) e que se iniba seus movimentos, associados com manipulações em rotações através da dissociação de cinturas escapular e pélvica, oferecendo-se uma boa estabilização na pelve. É importante também que se incentive a execução de movimentos seleti- vos com o máximo de simetria (ANDE, 2000). p. 21-29 2 5 Investigação - Revista Científica da Universidadede Franca Franca (SP) v. 5 n. 1/6 jan. 2003 / dez. 2005 Hipotonia Devido à redução da prontidão para a ação encontrada nos músculos, as alterações posturais podem ocorrer conforme a ação da gravidade e também pela possibilidade de o praticante apre- sentar instabilidade articular. Seu programa de tra- tamento deve incluir atividades com trabalho ati- vo contra a ação da gravidade, havendo casos em que já pode ser suficiente o praticante conseguir manter seu tronco em ortostatismo (ANDE, 2000). É preferível que o trabalho seja executado em su- perfície instável, de modo controlado e orientado pelo fisioterapeuta, dentro do que pode ser bem assimilado pelo praticante. Plegia ou paresia Seu tratamento segue os princípios da teoria da plasticidade do SN, no qual as células que sobre- viveram à lesão criem novos engramas para executar as tarefas das células lesadas (ROWLAND, 1997). Devido à tendência que este praticante tem de utilizar somente o lado sadio, ocorre a dimi- nuição das sensações e consciência e a conseqüen- te negligência do lado acometido. Deve-se orien- tar e estimular o praticante a trabalhar o segmento lesado a partir da repetição de manobras passivas e ativas que lhe sejam possíveis de realizar. O tra- tamento visa descarregar o peso do praticante so- bre o lado plégico ou parético, sempre que for montar ou apear, bem como nas demais ativida- des da sessão. Com o praticante montado, já ocor- re estimulação bilateral na pelve, pela transferên- cia de peso que são causadas pelas inclinações late- rais e rotações provocadas pela andadura do cavalo. É comum o praticante apresentar quadro de espasticidade com padrão flexor dos membros su- periores. Podem-se executar as manobras em diagonal (CHAGAS, 2000) e usar os estribos para se realizar a transferência de peso e também para sensibilizar os membros inferiores e lhes dar no- ção de simetria. Déficit de equilíbrio De acordo com Ande (2000) deve-se estimu- lar o sistema vestibular e o cerebelo com diversos graus de dificuldade a serem vencidos e ultrapas- sados pelo praticante, desde trajetos fixos a tortuo- sos e mudança progressiva de terreno. É interes- sante que se aproveitem os ganhos com o controle do equilíbrio nas sessões de outras formas de tera- pia, para que não haja interrupção dos benefícios alcançados. Incoordenação motora Além de todos os movimentos de ajustes posturais, alternância de movimentos com os bra- ços e dissociações de cinturas que são exigidos para se permanecer montado e que devem acontecer em seqüência, já estimulando toda a coordenação motora grossa, ainda se pode estimular o pratican- te de várias outras maneiras, de acordo com a criatividade. Pode-se tocar no animal, pegar alguns pêlos com movimentos de pinça com uma mão e passá-los para outra mão; apanhar objetos enquan- to está montado, com ou sem movimentos do ca- valo; estimular sua motricidade fina, trabalhando com rédeas, por exemplo, ou escovar o cavalo com movimentos de grandes e pequenas amplitudes (ANDE, 2000). Falta de orientação espaço-temporal Primeiramente, é importante que o pratican- te perceba que está no ambiente do cavalo, próxi- mo ao animal, tocando-o e, também, montando nele, parado ou em movimento. Devemos facili- tar-lhe a compreensão de que o animal é vivo e que tem movimentos interessantes de serem aproveitados. Com o praticante montado, pode-se passar com o cavalo “desenhando” trajetos com formas conhecidas pelo praticante, como círculos e qua- drados. Segundo a Ande (2000), pode-se passar em trajetos sinuosos, desviando de árvores, ir para di- reita e à esquerda, atingir tal ponto localizado adi- ante e retornar ao ponto de partida, por exemplo, avaliando-se o tempo gasto para percorrer tal tra- jeto. Trabalhar lateralidade com os próprios seg- mentos do corpo do praticante, com objetos, pas- sando-os de um lado para outro, aproveitar a pre- sença de outros cavalos por perto, plantas, em um dos lados. Fazer deslocamentos beirando cercas, sempre aproveitando o ambiente. Alterações posturais No tratamento das alterações posturais, pode- p. 21-29 26 Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 5 n. 1/6 jan. 2003 / dez. 2005 mos ter como objetivo oferecer situações de ortostatismo de tronco, para se buscar a estimulação mais correta do equilíbrio, a conscientização e cor- reção postural, ou melhor, funcionamento visceral. Pode-se ainda, adotar posturas em decúbitos, com o objetivo de se estimular a integração sensorial e o relaxamento, enfatizando a conscientização da ventilação pulmonar assim como do esquema cor- poral. Outra maneira de se estimular correções de posturas pélvicas é a partir da escolha dos cavalos. Um cavalo com a frente mais alta tende a inclinar a pelve do praticante para trás, ele tem que forçá- la à frente para não cair, enquanto que um cavalo com a frente mais baixa estimula que o praticante force a pelve em retroversão. Situações semelhan- tes a estas descritas ocorrem com o cavalo em aclive e declive, respectivamente. A mobilização das estruturas pélvicas também pode ser feita pela aceleração e desaceleração do animal. Ao se diminuir ou parar o movimento do cavalo, o praticante tenderá a tentar cessar o deslo- camento do seu tronco com a retroversão de pelve. Atitude muscular contrária acontecerá no movi- mento de início ou aceleração da marcha do cava- lo. Estas mobilizações, mesmo que de forma pas- siva, diminuem os efeitos da rigidez articular e do efeito de acomodação dos músculos das regiões envolvidas (ANDE, 2000). Relaxamento O relaxamento é bem indicado para o início dos trabalhos de correção postural a partir da conscientização corporal que ele proporciona. Ele deve ser buscado em grande parte das situações na equoterapia com segurança e conforto. Existem alguns meios para se facilitar que o praticante atin- ja essa situação. Ele pode ser realizado em decúbito ventral ou dorsal estando sobre a garupa do cava- lo, sempre em ambiente calmo (CHAGAS, 2000). Estereotipias O que ocorre é um ritualismo motor, há repe- tição de movimentos nas mãos e/ou na face do praticante, como o gesto de “lavar as mãos”, ou colocá-las na boca. Nestes momentos, podem-se criar situações que estimulem o praticante a man- ter sua face voltada para uma direção que lhe seja interessante, ou situação que ocupe suas mãos en- quanto montado, como segurar na alça da sela, provocando-se instabilidade pela retirada dos es- tribos ou pela alternância de andaduras do cavalo, por exemplo (CHAGAS, 2000). Movimentos coréicos e atetósicos Para o tratamento da coréia, deve-se oferecer boa base de apoio, fixando o ponto-chave da cin- tura pélvica e proporcionar relaxamento e reco- nhecimento do corpo. A atetose requer uma estimulação gradual por trabalhos simétricos com movimentos peque- nos e lentos. De acordo com Ande (2000), o prati- cante deve receber estabilização no ponto-chave da cintura pélvica e montar em superfície estável (conforme estiver o estado do seu tônus muscu- lar). Em ambos os casos, a fixação na base da co- luna serve para permitir que o praticante se orga- nize a seu tempo e dentro de suas possibilidades a partir desta base mais estável. Defensividade tátil É uma alteração sensorial que induz a rea- ções adversas, físicas ou emocionais, a qualquer tipo de toque. A abordagem ao praticante deve ser precedida de aviso do que se vai fazer, evitando estímulos desnecessários ou toque sem utilidade terapêutica. Deve-se estimular o toque em textu- ras variadas, no pêlo, nos segmentos e nas crinas do cavalo, por exemplo (ANDE, 2000). O traba- lho deve abranger posturas que visem à estimulação das regiões ventrais do praticante aproximando-lhe do animal e tocando-lhe com ocorpo. Ataxia Em seu tratamento, busca-se o trabalho mais participativo do praticante em atividades que lhe sejam solicitadas, estando montado em cavalo que ofereça superfície estável e com um bom apoio de fixação no ponto-chave de sua cintura pélvica (ANDE, 2000). Deficiência mental Há limitações em suas capacidades intelectu- ais e possuem outros fatores que estão associados, p. 21-29 2 7 Investigação - Revista Científica da Universidade de Franca Franca (SP) v. 5 n. 1/6 jan. 2003 / dez. 2005 como déficit na habilidade motora, na percepção, na linguagem e no seu controle comportamental (DIAMENT; CYPEL, 1996). Nestes casos, pode- se trabalhar a coordenação motora e a integração sensorial com jogos e brincadeiras sobre o cavalo com estimulação da comunicação, estabelecimen- to de regras e limites, a partir dos cuidados com o próprio cavalo, seja no picadeiro ou nas baias, en- tre outras criatividades a serem empregadas. DISCUSSÃO Segundo Sá (1999) as dificuldades nas aquisi- ções em decorrência da lesão podem ser ameniza- das, pois, o SN mesmo lesado é uma estrutura plás- tica e responsiva à estimulação ambiental. Portan- to, devemos buscar a estimulação apropriada para melhor proporcionar a reorganização deste sistema. Diversos estudos realizados mostram os be- nefícios da equoterapia em diferentes patologias neurológicas. Robacher et al. (2003) analisaram os benefícios da equoterapia na marcha de pacientes portadores de Paralisia Cerebral. Estes autores ob- servaram melhora no comprimento dos passos e menor tempo para percorrer distâncias estabelecidas após tratamento equoterápico. Estudos realizados com autistas (FREIRE, 1999) e suas alterações afetivo-comportamentais, com deficientes visuais (TEIXEIRA, 1999; SILVA, 1999), com crianças com distúrbios da aprendiza- gem e do comportamento (ZENKER, 1999), e com lesados medulares (ROSA, 1999) mostraram os benefícios da equoterapia nas aquisições sensório- motoras, na flexibilidade e controle de tronco, no aprendizado, na conscientização corporal e na melhora comportamental. Pacchiele (1999) de- monstrou a eficácia da equoterapia em pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC) no equilí- brio e na marcha, na adequação da postura, na conscientização do membro lesado e na modula- ção do tônus muscular. Em outro estudo, Alves et al., (2003) verificaram a influência da equoterapia no alinhamento do tronco na postura sentada de pacientes com paralisia cerebral. Podemos, através desses estudos, mostrar que a equoterapia incrementa o controle motor nas atividades funcionais estáticas e dinâmicas e os gan- hos são acompanhados de modulação do tônus muscular, melhora da força muscular, do controle de tronco, do equilíbrio, da coordenação motora, precisão nos movimentos voluntários e, conseqüen- temente, maior independência funcional dos pra- ticantes. Esses progressos são obtidos através dos mo- vimentos tridimensionais e das inflexões laterais provocadas pelo cavalo que potencializa a circuitaria sináptica envolvida na motricidade vo- luntária, evocando maior controle motor e que são retidos pelo processo de aprendizado motor que é dependente da própria execução do movimento, através de pistas sensoriais e do repertório reflexo postural básico, da repetição e da plasticidade ce- rebral que está presente no indivíduo. Este último baseado na plasticidade do homúnculo sensorial e das hipóteses da existência de células nervosas quiescentes que podem assumir a função quando esta é perdida ou ineficaz (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1997). CONCLUSÃO Está comprovado que a equoterapia é uma proposta alternativa eficaz, uma vez que auxilia na aquisição de padrões essenciais do desenvolvi- mento, preparando o paciente para uma atividade motora subseqüente mais complexa, ampliando a sua socialização dando condições para que pos- sam desenvolver simultaneamente outras habili- dades que estão internamente relacionadas com o desenvolvimento da capacidade motora global. REFERÊNCIAS ALVES, C. N.; PETTENUZZO, T. S. A.; KLIMIUK, B. R.; SANTOS, R. V. Equoterapia e o alinhamento do tronco na postura sentada do paralisado cerebral. Revista Equoterapia, v. 7, p. 5- 10, 2003. ANDE – Associação Nacional de Equoterapia. História da equoterapia no mundo. Brasília: ANDE, 2000. ANDE – Associação Nacional de Equoterapia. 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