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Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos – IPEBJ Criminologia Gabrielle Muñoz Mendes TRÁFICO DE PESSOAS: MERCADORIA HUMANA Ribeirão Preto 2018 Gabrielle Muñoz Mendes TRÁFICO DE PESSOAS: MERCADORIA HUMANA Monografia apresentada ao Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos – IPEBJ, como requisito parcial para obtenção de título de Especialidade em Criminologia. Orientador: Mestre Victor Fernandes De Souza Ribeirão Preto 2018 Gabrielle Muñoz Mendes TRÁFICO DE PESSOAS: MERCADORIA HUMANA Monografia apresentada ao Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos – IPEBJ, como requisito parcial para obtenção de título de Especialidade em Criminologia. Aprovado em____ de ________ de ______. - Profª Esp. Mônica Santiago Oliveira Amaral Carvalho – IPEBJ - Profª Dra. Emanuele Seicenti de Brito – IPEBJ - Profº Me. Victor Fernandes de Souza – IPEBJ Orientador Ribeirão Preto 2018 AGRADECIMENTOS Primeiramente gostaria de agradecer ao meu querido orientador, Mestre Victor Fernandes, que com sua paciência, dedicação, comprometimento, sabedoria e, sobretudo o seu carinho para comigo, me ajudou não só na realização deste trabalho, mas me mostrou o caminho para uma evolução pessoal. Mestres, o meu muito obrigada ao Sr., pelos conselhos e por todos os momentos de atenção á mim dedicados. Aproveito a oportunidade para também deixar o meu muitíssimo obrigada aos meus pais, por me proporcionarem a oportunidade de seguir estudando e buscando conhecimento. Quero agradecer-lhes por serem tão gentis e amorosos, por serem pais dedicados e companheiros, por me ensinarem tudo o que eu sei hoje sobre a vida, sobre amor, sobre sonhos, conquistas, perseverança e força. Obrigada por tudo! Dedico também estes agradecimentos a pessoas especiais, que me deram colo e apoio nos momentos em que eu mais precisei ao longo desta jornada, sem vocês, este trabalho provavelmente não seria concluído. Obrigada por me aceitarem na época do estresse absurdo, por me ouvirem e não me deixarem desistir, por isso, obrigada Cynthia e Rodolfo. Á minha família e amigos próximos, obrigada pelo incentivo e apoio, em especial ao meu irmão Lucas, minha tia Roseli e meu tio Elísio. Aos meus colegas de turma que foram definitivamente o ponto alto deste curso, presentes que ganhei em minha vida. Obrigada Edicléia, Diógines, Lucieli, Michele, Mônica, Rosa e Tamires. Obrigada por terem lutado comigo até aqui! “A mais premente necessidade do ser humano é a de ser humano.” Clarice Lispector. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo trazer atenção para essa terrível realidade que o tráfico internacional de pessoas para fins sexuais, um fenômeno que vem ganhando cada vez mais força no cenário mundial. O crime de tráfico internacional de pessoas para fins sexuais é considerado hoje o terceiro delito mais rentável do mundo para as organizações criminosas, ficando atrás apenas do tráfico de entorpecente e do de armas. Este delito está diretamente ligado à prostituição e a indústria sexual. Milhares de pessoas, em sua maioria mulheres, ao redor do mundo são enganadas por falsas promessas de trabalhos e condições de vida melhores em outros países e acabam caindo nas mãos desses traficantes. Que quando chegarem ao seu destino final com estas vítimas, vão trancafiá-las, estupra-las, e explora-las sexualmente, como se fossem uma mercadoria, na maioria das vezes, elas são forçadas ao exercício da prostituição até a exaustão. Mesmo se tratando de um crime ligado com à prostituição não se pode confundir essas duas modalidades de comércio sexual, uma vez que são totalmente distintas em suas próprias características. Sendo a prostituição voluntária uma opção de escolha da pessoa em comercializar o próprio corpo para o sexo. E o tráfico para fins de exploração sexual, a forma de escravidão moderna mais cruel existente. Palavras chave: Tráfico de pessoa, exploração sexual, prostituição, legalização, dignidade humana. ABSTRACT The present work aims to bring attention to this terrible reality that international trafficking for sexual purposes, a phenomenon that is gaining more strength on the world stage. The crime of international trafficking for sexual purposes is now the third most profitable crime in the world for organized crime, behind only the trafficking of narcotics and weapons. This crime is directly linked to prostitution and the sex industry. Thousands of people, mostly women, around the world are deceived by false promises of jobs and better living conditions in other countries and end up falling into the hands of these traffickers. That when they reach their final destination with these victims, ranging struck through them, rape them and exploit them sexually, as if they were a commodity, in most cases, they are forced into prostitution to exhaustion. Even when dealing with a crime linked to prostitution should not confuse these two forms of sex trade, since they are totally different in their characteristics. Being voluntary prostitution a choice of the person selling one's body for sex. In addition, trafficking for sexual exploitation, the existing form of modern slavery more cruel. Keywords: Trafficking in person, sexual exploitation, prostitution, legalization, human dignity. LISTA DE ABREVIATURAS OIT – Organização internacional do Trabalho UNDOC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 OBJETIVOS ........................................................................................................... 14 3 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................................... 15 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................. 16 4.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ................................................................................. 16 4.1.1 Escravidão e tráfico de escravos negros .......................................................... 16 4.1.2 Do tráfico de escravas Brancas ........................................................................ 18 4.2 TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS PARA FINS SEXUAIS ................. 20 4.2.1 T Definição e Conceito. ................................................................................... 20 4.2.2 Características ................................................................................................. 23 4.2.3 Sujeito passivo ................................................................................................. 24 4.2.3.1 Exploração Sexual......................................................................................... 27 4;2.3.2 Turismo Sexual ............................................................................................. 28 4.2.4 Sujeito Ativo .....................................................................................................29 4.2.4.1 Organização Criminosa ................................................................................. 31 5 MEIOS DE COMBATE ........................................................................................... 32 5.1 Protocolos, tratados e convenções ..................................................................... 32 5.1.1 Aspectos Históricos .......................................................................................... 32 5.1.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos ................................................... 34 5.1.3 Convenção de Palermo .................................................................................... 35 5.1.4 Pacto de São José da Costa Risca .................................................................. 36 5.1.5 Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas ............................... 37 6. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 39 6.1 Do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e da comercialização de Migrantes ilegais ....................................................................................................... 39 6.2 Do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual e da prostituição voluntária .............................................................................................. .42 7. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 47 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50 1 INTRODUÇÃO Segundo a OIT (2009), é considerado tipo de tráfico de pessoas para exploração sexual, a prática de tráfico na qual ocorra relação de mercantilização, abuso e exploração do corpo de outrem com objetivo de obter dele serviços sexuais rentáveis. No caso de pessoas adultas, a prática da prostituição é considerada exploração comercial do sexo, será tratada como prostituição forçada quando forem encontradas características que remetam ao trabalho forçado sendo elas: cerceamento de liberdade; servidão por dívida; retenção de documentos, ameaças entre outros. Segundo ainda a OIT (2009) “O tráfico de pessoas acontece em grande parte dos países do mundo, dentro de um mesmo país, entre países fronteiriços e até entre diferentes continentes. Historicamente, o tráfico internacional acontecia a partir do Hemisfério Norte em direção ao Sul, de países mais ricos para os menos desenvolvidos. Atualmente no entanto, acontece em todas as direções: do Sul para o Norte, do Norte para o Sul, do Leste para o Oeste e do Oeste para o Leste. Com o processo cada vez mais acelerado da Globalização, um mesmo país pode ser o ponto de partida, de chegada ou servir de ligação entre outras nações no tráfico de pessoas. Por mais que nos custe acreditar, a prática do tráfico de pessoas para fins de exploração, apesar de causar perplexidade na maioria das pessoas, ainda sim é uma situação real. O comércio de seres humanos visando a exploração sexual, de trabalho forçado, adoção ilegal ou remoção de órgãos é uma triste e fática situação com a qual temos que lidar ainda, mesmo estando em pleno século XXI. “O denominado tráfico de seres humanos, a despeito de constituir verdadeiro vilipêndio à dignidade humana, é um fenômeno real e se apresenta de forma multidisciplinar e complexa. Suas causas são diversas, não há um modelo padrão de aliciamento, nem um tipo específico de modus operandi. Além disso existem graus diferentes de exploração, que oferecem desde uma relativa liberdade à vítima até sua completa escravidão. (RODRIGUES 2013, p.21) A realidade suja e cruel por trás desta prática envolve em sua grande maioria mulheres e meninas (tem-se o gênero feminino como preferência nestes casos) que vivendo em situações de necessidades precárias em seus locais de origem, são aliciadas pelos recrutadores, traficantes membros de organizações criminosas, que lhes fazem promessas de uma vida melhor e completamente diferente da realidade a qual elas se encontram inseridas. “O status inferior de mulheres e meninas em muitas partes do mundo tem contribuído para que sejam elas as maiores vítimas na crescente indústria do tráfico. Trata-se de um negócio muito lucrativo, uma atividade ilícita mais simples e mais rentável que a o tráfico de drogas, por exemplo. A mulher em sim não é uma “mercadoria” ilícita e pode ser “utilizada” inúmeras vezes. (RODRIGUES 2013, p.23) Não podendo imaginar as crueldades, violências e explorações as quais serão submetidas uma vez que chegarem ao seu destino final e estarem totalmente entregues a própria sorte. Devendo dinheiro aos traficantes, não sabendo por muitas vezes falar o idioma do país ou região para onde foram levadas, essas vítimas ficam a mercê dos traficantes que por sua vez as enxergam como nada mais do que uma simples mas lucrativa mercadoria. “Nos casos mais graves, as escravas sexuais são forçadas a servir centenas ou até mesmo milhares de “clientes” antes de serem descartadas, morrerem ou então conseguirem fugir. A submissão é obtida por meio de violência, drogas, estupro, tortura, fome, prisão, ameaças, abusos psicológicos e coerção. (RODRIGUES 2013, p.23) Para Long (2004) é possível encontrar no tráfico de pessoas, traços de uma continuação de práticas culturais e históricas que descendem de costumes antigos como o de vender ou intercambiar especialmente membros femininos entre famílias com a finalidade de casamento, sendo a mulher tratada como mercadoria. Apesar da semelhança na prática as finalidades não se confundem. O tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual é o terceiro crime mais rentável para as organizações criminosas, que atuam nessa frente. Segundo dados fornecidos pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime – UNDOC, a movimentação financeira derivada da prática do tráfico de pessoas para fins sexuais somente na Europa, alcança 3 bilhões de dólares anuais, e o número de vítimas é ainda mais impressionante, cerca de 70.000 pessoas são traficadas por ano. Ainda de acordo com os dados da UNDOC, 84% dessas vítimas traficadas para a Europa ocidental e central são para a prática de exploração sexual. O que se busca com este trabalho é o aprofundamento do tema, o estudo das causas desta prática que cresce desenfreadamente a nível mundial. Onde milhares de mulheres, crianças e até mesmo homens, mesmo que em sua minoria vivem o terror da escravidão e servidão sexual. O ganho das Organizações criminosas com a exploração de seres humanos. Como se desenvolvem as redes de captura, transporte, aliciamento e exploração. Bem como busca a prevenção a este tipo de prática buscando embasamento em Acordos e Pactos internacionais que se propõem e erradicar a ação de Organizações Criminosas ao redor do mundo. Passando até mesmo pela legalização da prostituição medida adotada por alguns países como meio de inibir o tráfico de mulheres ao seu solo. 2 OBJETIVOS O principal objetivo do presente trabalho é a discussão acerca dessa prática deplorável que é o tráfico de seres humanos. O crime de tráfico de seres humanos, seja ele de qualquer modalidade, ataca e fere diretamente um dos princípios fundamentais garantido à todos nós seres humanos que é a dignidade humana e não só, fere também todo o acordado e protegido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pois submete a vítima a sofrimentos, humilhações e condições precáriasde sobrevivência. Assim, procura-se através de mecanismos internacionais, como Tratados, Protocolos, Acordos, Pactos e Programas de segurança ao redor de todo mundo, tentar frear essa prática que assombra todo o Globo, tornando-se um dos crimes mais rentáveis para as organizações criminosas que dão causa a essa prática. Por fim, tentou-se buscar em meio a estes tratados, politicas de enfrentamento, pactos, entre outros mecanismos, uma maneira de se não extinguir, ao menos tentar frear o crescimento dessa prática esdruxula que assombra milhares de pessoas ao redor do mundo, colocando-as em condições sub-humanas. 3 MATERIAIS E MÉTODOS Para a elaboração desta monografia o levantamento de dados foi efetuado através de pesquisa envolvendo a coleta de material bibliográfico, utilizando-se livros, artigos científicos, revistas científicas, tratados, pactos e outros trabalhos que serviram como base para desenvolvimento deste. Os livros, artigos e outros trabalhos relacionados nesta pesquisa, correspondem à períodos da pré-história, história-clássica e moderna, uma vez que o trabalho faz relação à períodos desde a história antiga, até os dias atuais. As áreas de pesquisa utilizadas compreendem desde relatos históricos, princípios sociológicos, jurídicos, constitucionais, penais e humanitários, sob a ótica da criminologia. Por fim, destaca-se que a revisão bibliográfica realizada nesta pesquisa encontra-se apresentada sessão 4. 4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4.1 Aspectos Históricos. O presente propõe-se traçar a evolução da prática do crime de tráfico de seres humanos, pautando-se nas transformações sofridas pela mesma ao decorrer da história. 4.1.1 Escravidão e tráfico de escravos negros. O tráfico de seres humanos é uma prática muito antiga, existindo desde a antiguidade clássica, primeiramente na Grécia e, posteriormente, em Roma. Nesse período, o tráfico se dava com o fim de se obter prisioneiros de guerras para serem utilizados como escravos. Salienta-se que o trabalho escravo era respaldado pelos pensadores da época, Aristóteles sendo um deles, apontava que haviam homens escravos por natureza, pois existiam indivíduos tão inferiores que estariam destinados a empregar suas forças corporais, e que nada de melhor poderiam fazer. (GIORDANI, 1984, p.186) A escravidão é bem mais antiga que o tráfico de negros. Ela surgiu nos primórdios da história, quando os povos vencidos eram escravizados por seus conquistadores. Havia também a escravização de algumas espécies de criminosos ou daqueles que não podiam honrar suas dívidas. (RODRIGUES, 2013, p. 55) A escravidão existe praticamente desde os primórdios dos povos no mundo. Tanto é que o Código de Hamurabi, datado em 1694 a.c, faz menção à escravidão. Se um homem comprou um escravo ou escrava e se este não tiver cumprido seu mês de serviço e se uma moléstia se apossou dele, ele retornará a seu vendedor e o comprador tomará o dinheiro que dispende. [...] Se um escravo diz a seu senhor: ‘’tu não és o meu senhor’’, seu senhor o convencerá de ser seu escravo e lhe cortará a orelha. (HAMURABI. 1694 a.c, §278/282) Então, durante o período Renascentista, entre os séculos XIV e XVII, a prática do tráfico de seres humanos ganha uma nova feição, deixando de ser uma prática de aquisição de soldados vencidos em guerra, para tornar-se uma prática comercial. Isso ocorre devido ao advento da Colonização Europeia nas Américas, a qual fez surgir o: tráfico negreiro, (nome utilizado para caracterizar o tráfico de seres humanos de pele negra), o qual caracterizava-se como um sistema comercial de recrutamento mediante violência e força, totalmente arbitrário, contra a vontade, de mão de obra de um determinado povo, que era retirado de seu local de origem para ser transportado a outro, de língua e cultura totalmente diversa da sua (CURTIN, 1969) Damásio de Jesus (2003, p.17) afirma: “O tráfico de seres humanos faz parte da nossa história.” E ressalta, a prática do tráfico de seres humanos, mesmo estando presente na história desde os primórdios da humanidade, foi na era moderna que essa prática ganhou status de operação mercantil, devido ao grande desenvolvimento do sistema capitalista de produção, que tinha como objetivo transformar tudo em mercadoria, inclusive, seres humanos. Nesse sentido, explica Mariane Strake Bonjovani (2004) que o tráfico de seres humanos passou a gerar muitos lucros, principalmente nas cidades Italianas entre os séculos XIV e XVII, justamente durante o período renascentista, o que acabou por estimular o comércio e o sistema capitalista que ali se iniciava. Já na era contemporânea, segundo Marzagão (2009), adquire a prática de tráfico de pessoas, uma maior sofisticação, agora dotada de mais modalidades, passando a ser não só mais uma prática criminosa, mas sim, um conjunto de novas modalidades de atividades igualmente ilícitas que dela derivaram, tais quais: adoção ilegal de crianças e adolescentes, o já conhecido trabalho escravo/forçado, o turismo sexual, entre outros. Atingindo agora, dessa forma, um maior número de pessoas, de diferentes níveis sociais, econômico e culturais, apanhando vítimas de todas as idades e de todos os lugares. A escravidão negra, de natureza étnica ou racial, integrava o sistema produtivo da época, e o senhor exercia, licitamente, direito de propriedade sobre o escravo. Ter escravos era sinal de status e poder, mesmo porque consistia em um alto investimento. (RODRIGUES, 2013, p. 50) Assim, alguns povos passaram a serem usados como mão-de-obra em colônias de exploração europeias, devido ao fato de suprirem, de forma eficiente e barata a mão-de-obra branca, praticamente escassa, perdurando a exploração desses povos por séculos em nossa história. Porém, conforme aponta Rodrigues (2013), quando se fala em tráfico de negros, a primeira referência, sempre nos remete ao trabalho braçal forçado, seja na agricultura, seja nos serviços doméstico ou qualquer outra forma, no entanto, não se deve deixar de lado as questões atinentes à prostituição e a exploração sexual sofridas pelas escravas negras, que eram em sua grande maioria violadas sexual por seus senhores, ou então em alguns casos, o abuso se dava por parte de seus próprios companheiros de senzala. Gilberto Freyre, em seu livro, Casa-Grande & Senzala, nos traz alguns aspectos da prática de prostituição de escravas negras, aponta que, alguns senhores, enfeitavam suas escravas com joias de ouro, roupas finas, de renda, e as ofereciam a outros senhores. Já, outros senhores, obrigavam suas escravas, muitas delas, ainda menores de idade, a se oferecem nas ruas, nos portos, onde desembarcavam marinheiros, com toda espécie de moléstia, sobretudo a sífilis. 4.1.2 Do tráfico de escravas brancas O termo “tráfico de escravas brancas”, (white slave trade), teve sua primeira aparição em um texto datados em 1839, derivando-se da expressão de língua francesa “Traite de blaches” que por sua vez está relacionada a “Traite de Noirs”, expressão também de origem francesa, utilizada para denominar o comércio de escravos negros. (Derks, 2000, p.2) Tal expressão era utilizada para referir-se as mulheres de origem europeia que chegavam aos Estados Unidos da América, trazidas por traficantes, para lá, trabalharem como prostitutas. (Saunders 2005, p.345) Assim, logo a prática de tráfico de mulheres, estava ligada tanto a prostituição quanto a escravidão, já no início do século XIX.De acordo com Dozema, a prática do tráfico de escravas brancas, define-se como: “a busca por força, engano, ou através do uso de drogas de uma mulher ou menina (branca) contra a sua própria vontade, para a prática da prostituição”. Segundo Cristiana Schettini Pereira, as chamadas escravas brancas, eram na realidade, mulheres europeias que seriam levadas por redes internacionais de traficantes, para outros continentes. Ao chegarem aos seus destinos, geralmente cidades portuárias, sem conhecimento algum do idioma local, da cultura e sem ter a quem recorrer, viam-se obrigadas a iniciarem-se na prática da prostituição como meio para sobreviver. Para corroborar esse entendimento assim expõe Thalita Carneiro Ary (2009, p.23) “Os fluxos migratórios de fins do século XIX pautaram-se pela mobilidade de inúmeras pessoas com intuito de escapar de doenças, misérias, pogroms, etc. Muitas destas eram mulheres, as quais não necessariamente eram vítimas do tráfico. Vislumbravam-se muitas facilidades na oferta de emprego e falsificação de documentos de viagem, visando à exploração de seu trabalho como prostitutas em bordéis no exterior [...] Certamente haviam mulheres que migravam com intuito de exercerem especificamente a atividade de prostituição, no entanto acabam sendo submetidas a situações de coerção moral e física que acarretavam uma condição laboral marcada por atos de exploração. Para Lená de Medeiros Menezes, não era a exploração sexual de mulheres uma prática nova, para a época, entre o século XIX e início do século XX, porém, havia essa prática adquirido nova feição: “a medida que o capitalismo e a expansão europeia haviam redesenhado o mundo e a vida urbana, promovendo a internacionalização dos mercados e a expansão dos prazeres”. Neste triste cenário, a mulher passou a ser tratada como mercadoria, um produto a ser exportado da Europa para os outros continentes. As formas de aliciamento e transporte dessas mulheres neste período eram diversas, alguns traficantes chegavam a se casarem com as vítimas, para assim desembarcarem no país de destino como casais. Algumas mulheres, poucas delas, na realidade, viajavam sozinhas, e outra parte delas eram levadas como se fossem integrantes de companhias artísticas. (HUNGRIA, comentários ao código penal v. VIII, p.293-294) 4.2 Tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual. Procura-se abordar na presente sessão, definições, conceitos e características que compõem a prática deste delito que ganha cada vez mais alcance a nível mundial. 4.2.1 Definição e conceito A definição para a prática do tráfico de pessoas aceita internacionalmente encontra- se discriminada na Convença de Palermo ou Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, que nos esclarece: A expressão “tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos (BRAZIL – 2004) Para Bonjovani, o tráfico de pessoas, “escraviza” suas vítimas, forçando-as a entrarem para a prostituição, diante das péssimas condições as quais são submetidas, arriscando suas vidas diariamente, sendo submetidas à todos e quaisquer tipos de crueldade. Essas vítimas são marginalizadas, tratadas como imigrantes ilegais que são, ficam a mercê dos traficantes, sofrendo abusos e explorações. Corroborando com a definição estabelecida pelo Protocolo de Palermo o “Padrões de Direitos Humanos para o Tratamento de Pessoas Traficadas” (PHD) nos traz mais uma definição para o tráfico de pessoas: Todo ato e tentativa de ato envolvido em recrutamento, transporte intra ou entre fronteiras, compra, venda, transferência, recebimento ou abrigo de pessoas envolvendo aliciamento, coerção (incluindo o uso ou ameaça de força ou abuso de autoridade) ou dívida servil com a finalidade de colocar ou prender tal pessoa, remunerada ou não, sob servidão involuntária (doméstica, sexual ou reprodutiva), sob trabalhos forçados ou servis, ou sob condições semelhantes à escravidão, em uma comunidade diferente da qual a pessoa vivia ao tempo do aliciamento, coerção ou dívida servil. (FUNDAÇÃO Contra Tráfico de mulheres). Pereira (2012) explica que a prática do tráfico de pessoas ou tráfico de seres humanos como alguns chamam, é a modalidade de tráfico que tem por objetivo principal a transferência de pessoas de certos locais para outro, seja dentro ou fora do país de origem. Atualmente no Brasil esta prática está entre as mais rentáveis, juntamente com o tráfico de drogas e também o de arma, chegando a movimentar cerca de trinta bilhões de dólares conforme apontam os dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNDOC). Para Damásio de Jesus (2003) o que se busca com uma definição tão ampla quanto essa é a garantia de que a vítima não acabe sendo tratada como criminosa e ao mesmo passo busca garantir que os traficantes sejam penalmente responsabilizados. Segundo explica Menezes (2000), o tráfico de pessoas é caracterizado como um “processo migratório marginal” uma vez que acompanha os grandes fluxos migratórios, buscando variar suas rotas, porém mantendo sempre o mesmo elemento básico e propulsor: as crises internas que por sua vez aquecem os movimentos populacionais sendo eles de ordem, política, econômica ou social. Sobre a prática do tráfico de pessoas Silva (2010, p.56) argumenta que: O tráfico de pessoas é um fenômeno transnacional extremamente lucrativo para seus autores, e está intimamente ligado às organizações criminosas e à prática de outros crimes, como a falsificação de documentos, raptos, favorecimento da prostituição, trabalhos forçados com redução à condição análoga a de escravo. À ausência de direito ou então a escassa interpretação das regras internacionais dos direitos humanos tais quais: a discriminação de gênero; a violência contra a mulher; a pobreza; a desigualdade de oportunidades e de renda; e a instabilidade política ao redor do globo, são algumas das principais causas não só do tráfico internacional de pessoas, mas também do grande fluxo migratório de pessoas. (Jesus, 2003) Conforme aponta Rodrigues (2013) a globalização nos dias de hoje, coloca à disposição dos traficantes de seres humanos todos as suas ferramentas e recursos, que na maioria das vezes são utilizados para fins lícitos, mas que acabam também por facilitar e muito a vida daqueles que querem cometer crimes, como por exemplo a revolução dos meios de comunicação, a facilidade de transpor fronteiras, a rapidez no acesso à informações de quaisquer tipos. A prática de tráfico é tratada como um tipo de negócio qualquer, onde suas vítimas são rotuladas como mercadoria, transformando-se em “commodities”. Os traficantes por sua vez, buscam suas “mercadorias” em ambientes vulneráveis e as vendem nos mercados que julgam serem mais promissores. Dessa forma percebe-se que é diante de um contexto de desigualdade, exclusão social, pobreza e obstáculosde acesso a oportunidades que a prática do tráfico de pessoas ganha força, uma vez que utiliza-se de todas essas “fraquezas” para oferecer as suas vítimas falsas promessas de uma vida totalmente diferente e melhor, fora daquela cruel realidade em que estão inseridas. A prática do tráfico humano trata-se de uma grave violação e coerção dos direitos humanos que atenta justamente contra um dos bens jurídicos mais importantes por ele protegidos, que é a liberdade, (liberdade sexual, liberdade de expressão, direito de ir e vir). Trata-se, sobretudo de um crime contra a dignidade humana. (Assis. 2014) 4.2.2 Características Embora muito temo tenha se passado desde o surgimento do tráfico de escravos, (prisioneiros de guerra à princípio e depois escravos negros) muitas características dessas práticas se mantiveram até os dias atuais. Segundo Lená Medeiros, algumas práticas guardam semelhanças impressionantes, como se tivessem permanecido congeladas no tempo. São elas: caráter transnacional; vítimas vulneráveis; engodo durante o aliciamento; situação de escravidão por dívida no local de destino etc. Conforme visto anteriormente, a prática do tráfico de pessoas trata-se de um processo complexo. Divide-se em três fases, de modo a facilitar a ação do traficante, permitindo que assim ele consiga transferir a vítima de um lugar para outro com o fim de explorá-la para obtenção de lucro de cunho econômico. Afim de melhor elucidar essa divisão, assim expõe Luana Mayara Santos de Assis (2014, p.9): “As etapas são o recrutamento; o transporte e a exploração. O recrutamento é realizado por meio de agências que organizam o processo da viagem de um país para o outro, elas funcionam como uma rede formada por diversos atores, tais como recrutadores, intermediários, falsificadores, transportadores, patrões, donos de bordéis e até amigos e membros da família [...] Quanto ao transporte, este pode ser legal ou ilegal, normalmente as vítimas são transferidas para um lugar longe de casa e sob o controle dos traficantes, sejam quilômetros depois das fronteiras, ou cem quilômetros dentro de seu próprio país. E por fim a exploração ocorrer quando a pessoa chega no seu local de destino, é comum habitantes de áreas rurais serem exploradas em centros urbanos; pessoas de países pobres transferidas para países considerados mais ricos; mulheres jovens são abusadas sexualmente para atender à demanda do comércio sexual dos países ricos.” O recrutamento pode ocorrer com o consentimento da vítima, ou então os aliciadores se utilizarão de meios agressivos de coação, tais como: força, rapto, sequestro, abuso de poder. Existe na doutrina acerca do assunto um consenso majoritário de que o consentimento da pessoa para ser submetida a condições de exploração sexual, trabalho forçado, condições análogas a de escravo, não é capaz de legitimar a ação dos traficantes, muito menos descaracteriza a prática do tráfico, uma vez que o seu objetivo fora alcançado com a exploração da vítima. De acordo com o entendimento firmado no Protocolo de Palermo, para a configuração do crime é irrelevante o consentimento da vítima, se há o emprego de algum dos meios ilícitos descritos na definição (força, coação, engano, etc.) (OIT. Manual de Capacitação sobre enfrentamento ao Tráfco de Pessoas. Brasília: Organização Internacional do Trabalho. – OIT, Brasil, 2009, p.10) Para Souza, (2005, p.34) a vulnerabilidade social, a instabilidade econômica, a discriminação, a violência, a instabilidade politica, as leis que por muitas das vezes se mostram ineficientes, os desastres naturais, as guerras, a baixa aplicação das regras internacionais dos direitos humanos, a questão de gênero e raça e o fenômeno da globalização destacam-se como as principais causas do tráfico internacional de seres humanos. Segundo o referido autor, as vítimas do tráfico internacional para fins de exploração sexual, são geralmente em sua grande maioria, oriundas de países emergentes, onde estão condenadas à uma vida de pobreza, discriminação e falta de oportunidades. Dessa forma, assumem os riscos na tentativa de uma melhoria de vida, onde são facilmente capturadas pelas redes de tráfico, em especial a de mulheres, crianças a adolescentes. 4.2.3 Sujeito Passivo Conforme apontam as pesquisas realizadas pelo Ministério da Justiça, os principais alvos do tráfico de seres humanos são as mulheres, os adolescentes e crianças, homens são aliciados em menores números, principalmente para a prática de exploração sexual, onde são as mulheres as vítimas mais visadas. Apontam ainda os estudos que a maioria das vítimas são pessoas que apresentam baixo nível de escolaridade, baixa ou escassa renda familiar, sendo na maioria dos casos naturais de regiões onde a condição de vida é precária. Pode ser vítima do tráfico de pessoas qualquer ser humano, homem ou mulher [...] Embora pareça evidente, ainda hoje é necessário afirmar que qualquer tipo de pessoa pode ser vítima do crime, inclusive prostitutas. O sujeito passivo poderá ser tanto o homem quanto a mulher, independentemente de sua honestidade sexual. (BITENCOURT, 2012, p.184) Para Bonjovani (2004), as mulheres vítimas do tráfico de seres humanos, na maioria dos caso são iludidas com falsas promessas de oportunidade de emprego e melhoria de vida, dessa forma, entram nos países receptores de maneira ilegal, ou então com seus vistos invalidados, tornando-se assim presas fáceis para os traficantes. Uma vez na condição de vítima, essas mulheres tem seus documentos apreendidos e transformam-se em prisioneiras dos traficantes, sendo tratadas como meras mercadorias. Conforme dados da OIT, 83% das pessoas traficadas são mulheres, diversos fatores contribuem para essa estatística, como a baixa escolaridade, ou porque já estão inseridas na prostituição, muitas outras são vítimas de maus tratos, ou vítimas de abusos sexuais dentro de casa, todos esses fatores influenciam nessa realidade. (SNJ – Tráfico de Pessoas: Uma abordagem para os direitos humanos. Brasília 2013, p.36) Explica Rodrigues (2013) que devido a preferência dos traficantes por mulheres e crianças, vem o Protocolo de Palermo para proteger especialmente mulheres e crianças, o que não impede no entanto que os homens seja também traficados, ainda que em uma menor escala, são traficados meninos e travestis. Para Faria, (1959) o sucesso no recrutamento dessas vítimas é quase sempre determinado pela “miséria das infelizes”. Conforme visto anteriormente na questão do consentimento, o mesmo se mostra irrelevante para a configuração do crime de tráfico de seres humanos, mesmo que não haja nenhum tipo de violência envolvida na hora do recrutamento. Mas segundo o que ensina Bento de Faria (1959), existem casos em que a violência é a regra. As vítimas do tráfico de seres humanos que sofre a exploração sexual são manipuladas, torturada, coagida, chantageada, violentada e humilhada. Além de estarem sujeitas a sofrerem todos os tipos de violências físicas, essas vítimas passam também por um grande sofrimento psíquico. Como regra geral nesses casos, ao chegar ao seu local de destino, a vítima é privada de todos os seus documentos, que ficarão sob a guarda de outrem, por vezes essas vítimas chegam a ser confinadas em lugares onde serão vigiadas, impossibilitadas de fugir, ficando sujeita a maus-tratos, sendo por vezes obrigada a fazer uso de substâncias ilícitas. Segundo o autor, a maioria dessas vítimas não falam o idioma local e por desconhecerem as leis e as culturas do país para o qual foram traficadas, encontram-se emuma situação de extrema vulnerabilidade sendo constantemente ameaçadas pelos exploradores com a possibilidade de deportação ou prisão. A culpa e o medo mantém essas vítimas em silêncio, mesmo quando conseguem por um milagre fugirem de seus cativeiros. Para os traficantes, quanto mais quebradas psicologicamente, mais obedientes. Em seu livro Sex trafficking, Siddharth Kara, conta que durante suas visitas em bordéis e abrigos pelo mundo, encontrou mulheres e crianças que sofreram os mais indescritíveis atos de crueldade, vítimas totalmente debilitadas por conta de seus ferimentos, má nutrição, traumas psicológicos, transtornos causados por estresse pós-traumático, sem contar nas inúmeras doenças sexualmente transmissíveis, inclusive AIDS, relata que é justamente o medo que mantém essas pessoas em silêncio mesmo quando já estão longe das mãos dos seus agressores. Elas não desejam reviver a agonia e o sofrimento a que foram submetidas. Temem a vergonha a que estariam sujeitas se seus conterrâneos soubessem o tipo de violência que sofreram e também que suas famílias sofram algum tipo de retaliação por parte dos traficantes, que sempre as ameaçam nesse sentido. (KARA, 2009, p.13 e 14) Theresa Flores, vítima de exploração sexual, em seu livro The slave across the street, (2010) relata: “Eu sentia que não tinha outra escolha senão me submeter; fazer o que me mandavam ou eu seria severamente punida. Os meus entes queridos poderiam ser feridos ou assassinados. E isso não era uma opção para mim.” 4.2.3.1 Exploração Sexual Esclarece Nucci (2014) que explorar é uma conduta de inúmeros significados, entretanto a condição de tirar proveito de alguém pode dar-se de duas formas: honesta ou desonestamente. Segundo o autor o modo desonesto envolve a má-fé, onde o individuo abusa da ingenuidade alheia, enganando e ludibriando a vítima para então poder tirar proveito ou lucro de cunho econômico em prejuízo daquele que está sendo explorado. Segundo André Esfefam (2009) o código penal brasileiro fornece algumas diretrizes na determinação do conceito de exploração sexual. Para o autor alguns conceitos como o da violência sexual, como no caso do estupro e o da satisfação sexual (atividade lícita) representam os limites de interpretação da exploração sexual. Estefam define ainda a exploração sexual como a conduta de uma pessoa que busca tirar proveito de outrem, submetendo-a à condição análoga de objeto ou mercadoria cujo valor é unicamente econômico. Renato Fabbrini afirma que o termo exploração sexual é capaz de comportar diferentes acepções em um contexto legal, como por exemplo, tirar proveito, beneficiar-se, obter vantagem de qualquer espécie, extrair ou obter lucro de uma situação ou de alguém. Para o autor não é necessário que haja obtenção de lucro de cunho econômico podendo o proveito, a vantagem ou o benefício tratar-se de natureza sexual, por exemplo. A exploração sexual deve ser caracterizada como forma de retirada de vantagem em relação a alguém, valendo-se de fraude, ardil, posição de superioridade ou de qualquer forma de opressão. A exploração sexual não se confunde com qualquer forma de violência sexual ou com a mera satisfação sexual. (NUCCI, 2010, p 57) Luiz Flavio Gomes entende que a exploração sexual trata-se de uma conotação negativa de aproveitamento ou fruição de uma debilidade da vítima. O explorador aproveita-se do estado de vulnerabilidade da vítima, seja ele causado pela baixa escolaridade, desconhecimento de leis, situação de pobreza, saúde mental, idade ou qualquer seja sua fraqueza, para assim, conseguir exercer poder sobre ela, a fim de explora-la. 4.2.3.2 Turismo Sexual Conforme ensina Nucci (2014) o turismo é a prática de atividade de lazer que abrange os mais diversos tipos de serviços de apoio ao cliente, tais como hospedagem em hotéis, aluguel de carros, restaurantes, museus e etc. Já o denominado turismo sexual é a viagem empreendida por alguém que está em busca de lugares onde existam pessoas com as quais ele possa praticar sexo a fim de satisfazer sua lascívia. Ainda segundo o autor a prática do turismo sexual ocorre ao redor do mundo todo, há dezenas de anos, seria essa prática apenas um dos meios utilizados na prática da prostituição. Muitos estrangeiros destinam-se a outros países querendo satisfazer seus desejos e extintos, com “pessoas exóticas”, diferentes das quais conhecem em seu país de origem. Entretanto, conforme explica Roselane Bezerra, não se pode dizer que seria a prática do turismo sexual uma espécie de exploração sexual, para a autora o turismo sexual em si mesmo não quer dizer nada. Para ela seria então o turista que busca a prática do sexo em outra localidade diferente da qual reside, mero explorador de terceiro, uma vez que deixa o seu local de residência para conhecer outros lugares, encontrar pessoas de nacionalidades e culturas diferentes, para fins sexuais. Portanto, não se pode equivaler essa viagem de descoberta de supostos novos contatos sexuais, com a prática da exploração sexual. Turismo sexual não pode jamais ser considerado exploração sexual, pois representa uma simples viagem para conhecer novos lugares. O que o turista vai fazer nos lugares visitados é que pode ser considerado exploração sexual. A ambiguidade da expressão leva a diversos equívocos e fomenta o nítido desprezo pela taxatividade, mormente quando inserida em tipos penais incriminadores. (SANDERS, 2009, p. 39) Para justificar a terminologia “turismo sexual”, Julia Davidson explica que o desenvolvimento do turismo em países de origem pobre tem ligação direta ou indiretamente à prática da prostituição. Segundo a autora, o termo “turismo sexual” é comumente associado aos “tours sexuais” organizados por grupos fechados de homens detentores de muito poder e dinheiro, geralmente de meia idade, em bordéis autorizados na Coréia do Sul ou em bares de strip na Tailândia e Filipinas. Aponta a autora que o turismo sexual é largamente documentado nesses países bem como em Taiwan, Siri Lanka, mas há também registros na América do Sul, Caribe, África e Leste Europeu. Acerca da exploração sexual comercial o Protocolo de Palermo nas palavras de LEAL é definido como: [...] uma violência sexual que se realiza nas relações de produção e mercado (consumo, oferta e excedente) através da venda dos serviços sexuais de crianças e adolescentes pelas redes de comercialização do sexo, pelos pais ou similares, ou pela via de trabalho autônomo. Esta prática é determinada não apenas pela violência estrutural (pano de fundo) como pela violência social e interpessoal. É resultado também das transformações ocorridas nos sistemas de valores arbitrados nas relações sociais, especialmente o patriarcalismo, o racismo e a apartação social antítese da ideia de emancipação das liberdades econômicas/culturais e das sexualidades humanas. (LEAL, 2002, p.40) 4.2.4 Sujeito ativo Nas palavras de Hungria (1956) o crime de tráfico internacional de pessoas é um crime comum quanto ao seu sujeito ativo, não havendo distinção de qualquer natureza. Pode o autor deste crime ser homem ou mulher, pois não faz-se necessária a habitualidade. Conforme explica o autor, os traficantes (autores do delito) aparecem no cenário do tráfico de pessoas assumindo o papel de fornecedores de mercadoria (mulher, crianças e adolescentes) do mercado sexual. Explica Rodrigues (2013), que por tratar-se de um crime uni subjetivo, podendo assim ser pratico por um único sujeito, o que é muito difícil acontecer, visto que geralmente este éum crime que se dá com pluralidade de agentes. Relata a autora que ao redor do mundo o crime de tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, é praticado especificamente por organizações criminosas, uma vez que é necessária uma demanda maior de pessoas para que a operação seja realizada com sucesso. Tem-se a figura dos aliciadores, aqueles cuja a função é ir atrás das potenciais vítimas, oferecer-lhes falsas promessas, propostas de empregos em outros países, uma esperança de melhoria de vida, ou então, fazem uso da força, do rapto, da coação entre outros para conseguir a captura da vítima. Assim, passada essa etapa, outro membro assume a posição para sair com a vítima do seu local de origem e entrar com ela em outro país. Com as funções bem divididas o trabalho da organização criminosa se torna muito mais fácil. Quando a vítima chega enfim ao seu local de destino é então recebida por outro membro da organização que irá explorá-la, ou então vende-la para que seja explorada. No ano de 2003, conforme pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça e também pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) os dados coletados em nada surpreenderam ao mostrar que os homens são a maioria entre os traficantes, no entanto, constatou-se um alto número de mulheres também inseridas nessa prática. A pesquisa apronta que essas mulheres atuam principalmente no recrutamento das vítimas. O levantamento aponta também uma predominância de homens aliciadores acima dos 30 anos de idade. As mulheres estão acima dessa faixa etária também, por vezes, utilizam-se do fato de serem mais velhas, pois acredita-se que dessa forma é possível passar maior credibilidade ao aconselhar as vítimas e oferecer novas opções de melhoria de vida, na fase de recrutamento. 4.2.4.1 Organização Criminosa [...] o crime organizado é constante preocupação por parte dos legisladores do mundo que sempre tentaram conter seu avanço, nem sempre com sucesso. As organizações criminosas possuem tentáculos, firmemente arraigados nos diversos setores do Estado, quer na forma de um acordo meramente financeiro, com o pagamento de propina aos membros dos órgãos repressivos, administrativos ou alguns políticos profissionais, que como os antigos corsários recebiam autorização do governo fazendo pilhagem por razões de estado, mas que na prática, sempre buscavam a vantagem pessoal. (VELOSSO, 2007, p. 267-268) O conceito de organização criminosa é um tanto quando complexo além de controverso, tal como a própria atividade ao crime. Ainda sim, para Nucci, organização criminosa é a associação de agentes, com caráter estável e duradouro, com o fim de praticar infrações penais, devidamente estruturada em organismos pré- estabelecidas, com tarefas muito bem divididas, buscando sempre um objetivo comum, o de alcançar qualquer tipo de vantagem ilícita, para ser partilhada entre seus integrantes. O autor explica que o conceito adotado pela nova lei 12.850/2013 que não trouxe muita diferença, pois prevê em seu artigo 1º § 1º o seguinte: Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente com objetivo de obter direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, os que sejam de caráter transnacional. Veloso 2007, divide alguns dos elementos que nos são fornecidos pelo contexto legal, assim sendo, logo temos: a associação de quatro ou mais pessoas, o número exigidos de pessoas para a formação de uma organização criminosa, é apenas resultado de uma política criminal. Nas palavras de Nucci: [...] duas pessoas podem organizar-se, dividir tarefas e buscar um objetivo ilícito comum. Por certo, não é comum que assim ocorra, embora não seja impossível. Tanto que a Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) no seu art. 35, prevê associação de duas ou mais pessoas para fim de praticar, reiteradamente ou não, os crimes previstos nos artigos 33 e 34, (tráfico). (NUCCI, 2013, p. 20) Estruturalmente organizada, Veloso explica que é necessário que esse conjunto de pessoas seja controlado de maneira organizada, faz-se necessário inclusive que existe uma espécie de hierarquia, a relação de subordinação é a responsável pela ordem. Para o autor a divisão de tarefas é consequência dessa organização hierárquica, haja vista que cada membro realiza a função que lhe é designada e responde por seu desempenho em seu cargo. Por fim, o autor explica que a obtenção de vantagem de qualquer natureza, é o principal objetivo dessas organizações, que na maioria das vezes será a vantagem financeira. 5 Meios de combate 5.1 Protocolos, convenções e tratados. 5.1.1 Aspectos Históricos Segundo Castilho (2007) a legislação internacional a partir do ano de 1814, com o Tratado de Paris entre Inglaterra e França, ocupou-se do tráfico de negros, que eram objetos de comércio na época. Todo o esforço diplomático empenhado por este tratado resultou na Convenção firmada pela Sociedade das Nações de 1926, que acabou sendo reafirmada em 1953 pela ONU. A fim de elucidar o que se tinha por tráfico de escravos, assim dispunha a convenção: Compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo para vende-lo ou troca-lo; todo ato de cessão por venda ou câmbio de um escravo adquirido para vende-lo ou trocá-lo, e em geral todo o ato de comércio ou transporte de escravos. Conceituava também a escravidão como: “estado ou condição de um individuo sobre o qual se exercitam os atributos do direito de propriedade ou de algum deles”. Explica a autora que a Convenção de Genebra de 1956, trouxe novamente esses conceitos, porém ampliou seu foco para instituições e também práticas análogas a de escravidão, nomeando expressamente: a imobilização por dívidas e a servidão; bem como o casamento forçado de uma mulher em troca de vantagem econômica para seus pais ou terceiros; a entrega, onerosa ou não, de uma mulher casada a terceiro pelo seu marido, sua família ou seu clã; os direitos hereditários sobre uma mulher viúva; a entrega onerosa ou não, de menor de 18 anos a terceiro para exploração. Piovesan (2007) conta que surge no ano de 1904 o primeiro documento internacional destinado a tratar sobre a prática do tráfico internacional de pessoas. O documento tinha como propósito acabar com a troca de escravos brancos que ocorria na época. Mulheres brancas oriundas de países europeus migravam ou então eram traficadas para países árabes ou orientais, para lá servirem como concubinas ou exercerem a prostituição. O documento, no entanto não surtiu efeitos, uma vez que preocupava tão somente as autoridades e povos de origem europeias. Já no ano de 1910, segundo Rodrigues (2013) surge outro documento para tratar sobre o tráfico internacional de pessoas, agora reconhecendo a prática do tráfico de pessoas como um problema global, incluindo inclusive penalidades para os envolvidos neste crime. Outro documento que não logrou êxito, obtendo tão somente 13 ratificações. Outras tentativas apareceram nos anos de 1921 e 1933, ambos os documentos basearam-se no contexto da Liga das Nações, definindo que o tráfico independia do consentimento da mulher (vítima). Ocorre então no ano de 1949 a Convenção para Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição, onde foram consolidados os 4 documentos anteriores, tornando-os um documento único para o combate da prática do tráfico deseres humanos, até o surgimento do Protocolo de Palermo. Com isso os Direitos Humanos em conjunto com seus sistemas de proteção internacionais foram aprimorando-se ao longo do tempo, para então no ano de 1993, durante a Conferência Mundial de Direitos Humanos, fora apresentada a Declaração e o Programa de Ação Viena, o qual trazia em um dos seus 18 itens: “os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. (CASTILHO, 2007) Percebe-se que o combate ao tráfico de seres humanos enfrentou ao longo dos anos muita resistência e dificuldades para que o direito das pessoas traficadas fossem enfim reconhecidos, estabelecidos e protegidos, em documentos internacionais. 5.1.2 Declaração Universal dos Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos fora adotada pela ONU (Organizações das Nações Unidas) no mês de dezembro do ano de 1948, estabelecendo que os chamados direitos humanos fundamentais, assim como a liberdade, dignidade, e igualdade devem ser uma garantia para todos. A positivação internacional dos direitos mínimos dos seres humanos é tida como uma das principais preocupações, dessa forma a Declaração, veio com o propósito de resguardar e proteger os direitos humanos. (MAZZUOLI, 2010) Mazzuoli (2010) explica que a declaração veio para nós com uma espécie de código de conduta internacional para reforçar que os direitos humanos são universais, garantido a todos. Basta tão somente a condição de pessoa para que os seus direitos sejam reivindicados em qualquer situação e em qualquer lugar. Por não ter sido submetida aos procedimentos de celebração dos tratados não pode ser considerada como um tratado, tratando-se assim de uma “mera recomendação” das Nações Unidas, para que os Estados possam respeitar, e fazer valer, a fim de que seja perpetuada uma nova maneira de lidar com a proteção internacional dos direitos humanos, protegendo principalmente a dignidade da pessoa humana. Tem-se a dignidade humana como princípio mor a ser protegido, segundo Alexandre de Moraes. (2006): O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. (MORAES, 2006, p.57) 5.1.3 Convenção de Palermo Fora adotada no ano de 2000 a Assembleia da ONU, onde institui-se a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado, universalmente conhecida como convenção de Palermo. O documento foi assinado 147 países, que se comprometeram em criar medidas para erradicar de uma vez o crime organizado transnacional. (CASTILHO, 2007) Segundo a UNODC a Convenção de Palermo junto de seus protocolos adicionais tratam-se de vários tratados cujo o objetivo é combater o crime organizado transnacional, portanto é importante que seja usado em conjunto a outros tratados que versem sobre os direitos humanos, uma vez que a maioria das práticas adotadas pelas organizações criminosas, acabam por ferir diretamente os direitos humanos básicos, tal como a prática do tráfico internacional de seres humanos que é uma das piores formas de degradar a dignidade humana de alguém. Sobre a prática do tráfico de seres humanos, o protocolo define em seu artigo 3º a prática como: [...] o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou a à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamento ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. Ainda sobre o tráfico de pessoas, traz em seu artigo 2º, um dos principais objetivos propostos pela Convenção, que é o de: “proteger e ajudar as vítimas do tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos”. Dessa forma, o Protocolo deixa claro que sua preocupação vai além do combate ao crime organizado transnacionais e suas práticas que incluem o tráfico internacional de pessoas, traz também em seu texto a demonstração de preocupação também com as vítimas, buscando proteger seus direitos e manter sua dignidade. (PIOVESAN, 2007) Conforme apontam os dados da UNODC, o Protocolo de Palermo, adotado no ano de 2000, continuou sendo ratificado por países durante anos até dezembro de 2007. 5.1.4 Pacto de São José da Costa Rica A Convenção Americana de Direitos Humanos, internacionalmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, firmado em 1969 pelos países integrantes da OEA (Organização de Estados Americanos), procura consolidar entre os países americanos, um regime de liberdade pessoal e justiça social que funda-se sobretudo no respeito aos direitos humanos essenciais de cada individuo independentemente do país ou região onde a pessoa resida ou tenha nascido. (PIOVESSAN, 2007) O pacto tem como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que por sua vez busca compreender o ideal do ser humano livre, isento de temor da miséria, da fome, da falta de oportunidades, sob condições que lhe permitam gozar de seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos todos estes por ela resguardados. Segundo Piovessan (2007), o Pacto é de suma importância ainda mais no tocante à prática do tráfico de seres humanos, uma vez que a Corte Internacional Interamericana de Direitos Humanos, criada pelo Pacto, tem como finalidade, julgar casos de violação dos direitos humanos ocorridos em países que integram a Organização dos Estados Americanos e que reconheçam sua competência. O documento é composto por 81 artigos, incluindo ainda suas disposições transitórias as quais estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana, tais como: o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade pessoal e moral, à educação, entre outros. O Pacto trata de assuntos como a escravidão e a servidão humana, proibindo ambas as práticas em todas suas formas, trata ainda das garantias judiciais, da liberdade de consciência e religião, de pensamento e expressão, bem como a liberdade de associação e da proteção à família. Acerca da prática do tráfico de seres humanos, assim dispõe em seu artigo 6º: [...] 1. Ninguém pode ser submetido à escravidão ou a servidão, e tanto estas como o tráfico de escravos e o tráfico de mulheres são proibidos em todas as formas. 2. Ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório. 5.1.5 Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas No ano de 2006 o Brasil deu um grande e importante passo em relação ao combate da prática do tráfico de pessoas aprovando uma política nacional de enfrentamento ao tráfico. Através do Decreto nº 5.948, de 26 de outubro de 2006. Ressalta Ribeiro (2006) além de aprovar o Decreto, o governo federal brasileiro organizou-se em inúmeras iniciativas acerca deste tema, tornando-se um forte combatente do tráfico de pessoa. O documento fora elaborado por representantes do Poder Executivo Federal e convidados do Ministério Público Federal e contou ainda com a participação do Ministério Público do Trabalho. Conforme explica a autor, depois de muitos debates acerca do tema, finalmente fora possível chegar a um consenso sobre qual seria o conteúdo da nova política nacional. Assim sendo,nos termos do Plano, o enfrentamento ao tráfico de pessoas deve ser considerado em todas suas modalidades, a exploração sexual comercial, a prática do trabalho escravo, ou análogo ao de escravo, trouxe também em seu texto às políticas de defesa voltadas às mulheres, crianças e adolescentes, para que assim se possa combater a todas e proteger um maior número de vítimas, resguardando seus direitos. Segundo o texto do próprio Plano, quanto ao enfrentamento ao tráfico de seres humanos, procura-se dar atenção a três pontos considerados de maior importância: prevenção ao tráfico, repressão ao crime e por fim responsabilização dos seus autores, sem deixar de lado atenção total às vítimas. Esses pontos são denominados “eixos estratégicos”. Explica Piovessan 2006, que na prevenção, a intenção é tentar conscientizar e neutralizar a vulnerabilidade que cerca alguns grupos sociais, trabalhando com essas pessoas para que assim, sintam-se menos fragilizadas e suscetíveis a caírem nas mãos desses criminosos. Tudo isso acompanhada de uma forte política pública, que visa além de combater as reais causas deste problemas, perpetuar a igualdade social. No tocante a repressão e responsabilização dos envolvidos nesta prática, a fiscalização juntamente com o controle e a investigação de redes e organizações criminosas responsáveis por estes crimes, é uma das principais armas para o combate. Finalmente em relação à atenção às vítimas, um dos focos principais para esta tarefa está no tratamento justo, não-discriminatório e seguro dessas vítimas, que no momento do resgate encontram-se totalmente fragilizadas, por essa razão é necessário garantir-lhes além de proteção especial, acesso ao judiciário e assistência consular, não só com brasileiro, mas também com estrangeiros em situação de vítimas em território brasileiro. 6 DISCUSSÃO 6.1 Do tráfico de pessoas e da Comercialização de Migrantes ilegais Por muito tempo não foi possível conceituar ou então classificar a prática do tráfico de seres humanos, visto que não havia consenso internacional sobre a referida prática. Durante o passar dos anos muito discutiu-se para que fosse possível chegar a um conceito consensual a nível mundial. (ANDERSON E DAVIDSON 2004, p.16) Observa Kapur (2005, p.115) que o tráfico de seres humanos encontra-se relacionado de forma direta à prática de migração, em especial a que se dá de maneira clandestina, juntamente com o contrabando de migrantes ilegais. Paralelo à isso está a prostituição, seja ela dada de forma forçada, com a exploração de mulheres e crianças que são levadas a trabalharem e exercerem a prostituição em bordéis contra a sua vontade e a prostituição voluntária, mulheres que buscam trabalhar com o sexo em outras regiões ou países com intuito de arrecadar mais dinheiro. Em verdade, nota-se que o tráfico de pessoas se dá na exata medida e direção em que a imigração clandestina ocorre, vale dizer, dos países pobres para os ricos. As pessoas pobres partem em busca do sonho dourado, de melhora d vida. (NUCCI, 2014, p. 52) É necessário, porém destacar os diferentes conceitos entre essas práticas que se assemelham, mas não se confundem. Conforme já dito anteriormente a definição para o crime de tráfico internacional de pessoas encontra-se disposta no artigo 3º do Protocolo de Palermo: “ O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou a aceitação de pagamentos ou benefícios para obter consentimento de uma pessoas que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração” Já o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aéreas, através do Decreto 5.601/04 traz a definição de tráfico de migrantes em seu artigo 3º alíneas a e b. a-) A expressão “tráfico de migrantes” significa a promoção, com o objetivo de obter direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material, da entrada ilegal de uma pessoa num Estado parte do qual essa pessoa não seja nacional ou residente permanente. b-) A expressão “entrada ilegal” significa passagem de fronteiras sem preencher os requisitos necessários para a entrada legal no Estado de acolhimento. Segundo a UNDOC, o contrabando de migrantes ilegais é a prática do crime o qual envolva a obtenção de vantagem financeira ou material pela entrada ilegal de uma pessoa em Estado o qual não seja ela natural ou residente. O comércio de migrantes ilegal afeta de maneira direta a quase todos os países do Globo. É uma pratica que acaba por comprometer a integridade dos países e que custa milhares de vida ao longo dos anos. A comercialização ilegal de migrantes, diferentemente do tráfico de pessoas para fins se exploração, se dá de forma que na maioria das vezes o próprio indivíduo que está a ser contrabandeado (migrante) aceita exercer qualquer tipo de função ou serviço, para que assim possa permanecer em outro país. “O tráfico de pessoas para fins sexuais, pode ser parcela da indústria do sexo, quando vise lucro, promova a escravidão, ou mesmo o abuso pornográfico de pessoas. Entretanto, muito do que se denomina de tráfico de pessoas não passa de imigração ilegal, distante do cenário sexual”. (NUCCI, 2014, p.19) Conforme ressalta Rodrigues (2013) existe a possibilidade de a pessoa que está na condição de migrante ilegal, vir a ser vítima de outros crimes durante o seu processo migratório, alguns como roubos, furtos, violências, abusos, estupros, mas ainda isso, não poderá ser configurada a exploração, para fins de tráfico de pessoas, mas sim, mero “acidente” de percurso. Para Nucci (2013) Errônea é a classificação que muitos fazem de tráfico de pessoas para fins sexuais, quando na realidade se trata de atividade criminosa distinta, se não a migração de pessoas pobres para os países, onde buscam elas melhores condições de vida. O autor acredita que essa visão distorcida em muito tem a ver com o estigma sofrido pela prática da prostituição ainda nos dias de hoje. Ainda conforme Nucci, se uma mulher, jovem, solteira, gozando de boa saúde, decide por entrar clandestinamente em um outro país buscando uma melhoria de vida, logo se deduz que ela irá destinar-se a prática da prostituição e ao comércio sexual. O que nem sempre ocorre, pode essa mulher destinar-se a qualquer outro tipo de serviço ou atividade, mesmo que estando no novo país de forma ilegal. Ademais é preciso esclarecer que mesmo que essa mulher opte pela prática da prostituição como meio de sobrevivência ou então o assuma como atividade laboral, nem sempre estará ela diretamente conectada a rede de tráfico internacional de seres humanos. Uma vez que optou pela prática de forma voluntária, não se encontra presa, não sofre violências por parte de traficantes ou qualquer outra pessoa que possa deter “poder” sobre ela. Dessa forma, importante é perceber as diferenças existentes entre as duas práticas que a primeira vista parecem semelhantes, mas que demonstram diferenças significativas capazes de não se confundirem. Conforme nos traz o Relatório Global da OIT (2005), no tocante ao consentimento, no tráfico de pessoas a vítima na maioria das vezes viaja coagida ou então investida em erro, de forma a ser o seu consentimento viciado, não tendo ela a mínima noção do que está prestes a acontecer em sua vida. Já na comercializaçãode migrantes ilegais, a pessoa que é contrabandeada, pagou por aquele tipo de “serviço”, portanto o seu consentimento é válido para toda a operação. A finalidade do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração por exemplo, busca basicamente a exploração da vítima seja ela de qualquer natureza, trabalho forçado, exploração sexual, entre outros. A exploração tem como objetivo principal o ganho de lucro econômico com a vítima, impondo a pessoa traficada a condição de objeto, uma mercadoria que pode ou não ser comercializada, vendida à outras pessoas, para obtenção de lucro. Já no caso do tráfico ou contrabando de migrantes, o objetivo das redes de traficantes é o lucro econômico também, mas através do auxílio, a promoção da entrada ilegal da pessoa ao país de sua escolha, mediante o pagamento anteriormente combinado entre as partes. Não há, portanto, que se confundir as duas práticas, nas palavras do Professor português Paulo de Souza Mendes: “é preciso entender que no crime de tráfico internacional de pessoas, a pessoa traficada é vítima, ao passo que no tráfico de migrantes a pessoa contrabandeada é cliente”. 6.2 Do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual e da prostituição voluntária. Confunde-se muito a prática do tráfico internacional de pessoas para fins de exploração sexual, com a prática da migração de pessoas, em sua maioria mulheres jovens, que partem em rumo a países estrangeiros a fim de exercerem a prostituição de forma voluntária. Nas palavras de Nucci (2013) o tráfico nada mais é do que um comércio, um negócio, entretanto, uma vez que se encontra inserido na legislação penal, aufere à esta prática um sentido exclusivamente negativo, demonstrativo de ilicitude. Toma- se por exemplo o tráfico de drogas. Segundo o autor, “refere-se o tráfico de pessoas, no campo dos crimes contra a dignidade sexual, ao deslocamento de pessoas dentro do território nacional ou deste para o exterior, evidenciando conduta que pode explorar ou abusar da boa-fé de alguns” (NUCCI, 2013, p.100) . Dessa maneira, através da exploração e do abuso da boa-fé destas vítimas, os traficantes obtém o lucro financeiro através da prostituição da pessoa, que, exerce a prostituição mesmo sem a sua vontade. Para Curiel (2011) a prática do tráfico de seres humanos quando tem por objetivo principal a escravidão, seja ela de qualquer natureza, independe do consentimento da vítima, uma vez que é inviável aceita-lo para gerar uma situação de escravidão, justamente por serem os direitos humanos fundamentais irrenunciáveis. Na visão de Jeffreys (2008) o tráfico internacional para fins de exploração é muito mais prejudicial, uma vez que, em uma situação de tráfico, tem-se uma vítima que é arrancada de seu país, levada a outro totalmente diferente do seu, desconhecendo por vezes a língua, a cultura, os costumes e a legislação local, estando longe da família e amigos em um ambiente totalmente desconhecido a vítima encontra-se em uma situação de vulnerabilidade total, aumentando ainda mais o poder do proxeneta sobre ela. É justamente daí que decorre a escravidão, a crueldade, a servidão e a exploração que compõem o cenário do tráfico internacional de seres humanos. Além da exploração sexual para ganho de lucro econômico, o que agrava ainda mais a prática do tráfico é a violência com a qual são tratadas as vítimas, a falta de liberdade de escolha e as punições severas e cruéis as quais elas são submetidas caso desobedeçam as ordens daqueles a quem estão submetidas. [...] os crimes de tráfico de pessoas, quando cometidos com violência, grave ameaça ou fraude, deveriam constar da relação dos delitos hediondos. Se por um lado, o tráfico consentido, sem qualquer violência, ameaça ou fraude, nem mesmo deveria ser criminalizado, a mesma conduta, quando cometida de maneira abusiva (violenta, ameaçadora ou fraudulenta), além de tipificada, merece ser considerada hedionda. (GONÇALVES, 2010, p.191-192) Entretanto, sugere Nucci (2013) que existe um certo exagero, uma vez que muitas vezes, o que se denomina “tráfico de pessoas”, não passa do auxílio prestado de uma pessoa para outra, para que essa, entre em outro território, de maneira espontânea e de livre vontade, com o intuito de exercer a prostituição como profissão, ou então ingressar na indústria do sexo. Esse tipo de atividade, na maioria das vezes é individualmente realizada, a pessoa que se desloca, por vezes consegue ajuda de uma única pessoa, ou grupo de amigos, não precisando recorrer à organizações criminosas, não passa pela privação de liberdade, não se encontra em situação de submissão, divida, servidão e muito menos de exploração. Pilar Rodríguez Martínez diz que “o suposto ‘tráfico de pessoas’ constitui, claramente, uma das consequências da negativa de permitir que os pobres transitem pelo mundo, que se constituam cidadãos do mundo em iguais condições com os cidadãos de países ricos”. Muitos classificam como tráfico de pessoas, para fins sexuais, logo, atividade criminosa, a migração de pessoas pobre para os países ricos, onde buscam melhores condições de vida. A visão é distorcida e faz parte do estigma sofrido pela prostituição. Se a mulher é jovem e solteira, deduz- se, de pronto que sua clandestina viagem a um país rico destina-se ao comércio sexual. nem sempre isso é realidade, podendo ser fruto da política contrária ao trânsito livre de pessoas pobres por outros lugares do mundo. Ademais, mesmo que a mulher siga para outro país buscando a prostituição, nem sempre está inserida no tráfico de pessoas, pois segue voluntariamente ao seu destino e não é presa, nem violentada e muito menos controlada ao chegar no seu ponto de origem. (NUCCI, 2013, p.101) Dorchen (2003) traz a seguinte indagação, qual é a relação entre a prostituição e o tráfico de pessoas? Ao que o próprio autor explica que, na realidade, aquilo que chamamos de tráfico de pessoas não passa de prostituição globalizada. A indústria do sexo, que nos dias atuais é uma das mais crescentes, é quem explora o transporte de jovens mulheres, (na maioria das vezes) por todos os cantos do mundo, lançando-as a prática da prostituição em locais onde suas vítimas tem menores condições de resistir a coação por partes dos traficantes e onde há um maior número de clientes. Para o autor, pouco se tem a prática do tráfico de pessoas se não para a exploração sexual e prostituição. Por isso, o tráfico nada mais seria do que outra face da prostituição, que devido o fenômeno da globalização é apenas mais uma atividade econômica assim como qualquer outra. Conforme explica Dolores Juliano (2008), a prostituição ainda nos dias de hoje é considerada como um problema social, uma vez que a maioria das pessoas acredita que ela só se dá devido a fatores negativos, tais como: desigualdade, falta de oportunidade, pobreza, baixa escolaridade, entre outros, o que na realidade não passa de preconceitos revestidos de “preocupação social”. A pessoa que escolhe exercer a prostituição voluntária, seja em seu pais ou no estrangeiro, o faz como bem quer, não sofrendo nenhum tipo de violência, coação, não encontra-se em situação de escravidão e muito menos de servidão. Aqui, a pessoa expressa livremente a sua liberdade, dispondo do seu corpo da maneira que bem desejar, não cabendo ao estado e nem a qualquer outra pessoa a intervir em sua intimidade e poder de escolha, desde que esta não afete a terceiros, o que não ocorre no caso da prostituição. Eis o liame entre a intervenção mínima e a prostituição, comerciar o sexo, entre adultos, nada
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