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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA FACULDADE DE DIREITO HERMENÊUTICA JURÍDICA PROF. JOSEMAR ARAÚJO – josemar@josemararaujo.com FOLHA DE APOIO 02 O Sentido da Lei Há questões capitais na hermenêutica jurídica, que exigem opção doutrinária do intérprete e entre elas destaca-se a indagação sobre o sentido da lei: o intérprete deve pesquisar a vontade do legislador ou o pensamento da lei? O estudo da presente questão deu origem aos chamados métodos de interpretação. Na Antiguidade, quando predominava o pensamento teológico, a lei era a vontade dos deuses. As leis, que possuíam valor sacramental, eram consideradas imutáveis, porque sendo obra divina somente poderiam ser reformuladas por quem as fizera. Criava-se um forte impasse: o imobilismo da lei e a dinâmica dos fatos sociais. A solução que os antigos encontravam era a de fraudar a letra da lei, mediante artifícios. Nesta abordagem surgiram a teoria subjetiva, que tinha a preocupação com o estudo da vontade do legislador e a teoria objetiva, cuja preocupação era o estudo da vontade da Lei. Métodos de Interpretação do Direito Quanto ao resultado: a interpretação pode ser declarativa, restritiva ou extensiva. Interpretação Declarativa - Nem sempre o legislador bem se utiliza dos vocábulos, ao compor os atos legislativos. Muitas vezes se expressa mal, utilizando com impropriedade os termos. Quando dosa as palavras com adequação aos significados que deseja imprimir na lei, diz-se que a interpretação é declarativa. O intérprete chega à constatação de que as palavras expressam, com medida exata, o espírito da lei. Interpretação Restritiva - Quando ocorre, porém, que o legislador é infeliz ao redigir o ato normativo, dizendo mais do que queria dizer, a interpretação é restritiva, pois o intérprete elimina a amplitude das palavras. Exemplo: a lei diz descendente, quando na realidade queria dizer filho. Interpretação Extensiva - É a hipótese contrária à anterior. O intérprete constata que o legislador utilizou-se com impropriedade dos termos, dizendo menos do que queria afirmar. Ocorrendo tal hipótese, o intérprete alargará o campo de incidência da norma, em relação aos seus termos. O Art. 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro A Obrigatoriedade do art.. 5º da LINDB estabelece que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". A doutrina se divide em duas grandes correntes ao examinar a questão da obrigatoriedade das normas de interpretação: O primeiro grupo considera que o assunto pertence à doutrina, pois a esta cabe orientar sobre os princípios e critérios da interpretação, normas com tais determinações têm valor apenas de aconselhamento, não passam de simples critério de orientação, sem impedir ao intérprete a procura de outros meios de interpretação. Paulo Nader considera que essas normas têm o mesmo poder de vincular o aplicador do Direito em igualdade de condições com as demais normas. O sistema jurídico brasileiro rompeu com a exegese tradicional, que impedia o intérprete de conciliar os textos com as exigências dos casos concretos. O juiz deixaria assim aquela condição de "ente inanimado", e observaria os fins sociais da norma. O novo dispositivo consagrou os métodos teleológico e histórico-evolutivo. O primeiro porque o intérprete deve examinar os fins que a lei vai realizar, sem considerar a vontade do legislador, e esses fins devem atender aos interesses da coletividade. Métodos de Interpretação quanto aos Meios Na interpretação do Direito Positivo o técnico recorre a vários elementos necessários à compreensão da norma jurídica, entre eles o gramatical, também chamado literal ou filológico, o lógico, o sistemático, o histórico e o teleológico. Na decodificação da mensagem o intérprete alcança o seu objetivo adotando, às vezes, apenas o elemento gramatical e o lógico. Outras vezes, a complexidade normativa leva-o a esgotar os recursos de que dispõe. Os elementos, ajudam-se uns aos outros, combinam-se e controlam-se reciprocamente, e assim todos contribuem para a averiguação do sentido Legislativo. Todo o esforço deve ser feito, no sentido de se alcançar a máxima individualização da regra geral. Ao tratar dos elementos de interpretação do direito, Paulo Nader lista o Elemento Gramatical, o Elemento lógico, o Elemento Sistemático, o Elemento Histórico e o Fator Teleológico. Elemento Gramatical Em se tratando de Direito escrito é pelo elemento gramatical que o intérprete toma o primeiro contato com a proposição normativa. É bem verdade que a palavra se revela, às vezes, um instrumento rude de manifestação do pensamento, pois nem sempre consegue traduzir as ideias, constitui a forma definitiva de apresentação do Direito, pelas vantagens que oferece do ponto de vista da segurança jurídica. Cumpre ao legislador aperfeiçoar os processos da técnica legislativa, objetivando sempre uma redação simples, clara e concisa. O elemento gramatical compõe-se da análise do valor semântico das palavras empregadas no texto, da sintaxe, da pontuação etc. Elemento Lógico Por ser estrutura linguística que pressupõe vontade e raciocínio, o texto legislativo exige os subsídios da lógica para a sua interpretação. Atualmente existe a chamada lógica interna, que explora os elementos fornecidos pela lógica formal e se limita ao estudo do texto, e a lógica externa, que investiga as razões sociais que ditaram a formação dos comandos jurídicos. Modernamente se fala na lógica do razoável, doutrina desenvolvida por Recaséns Siches, que visa a combater o apego às fórmulas frias e matemáticas da lógica formal, em favor de critérios flexíveis, mais favoráveis à justiça. Lógica Interna - Pela lógica interna o intérprete submete a lei à ampla análise, considerando a própria inteligência do texto legislativo, alheando-se dos elementos de informação exteriores à lei. A lei é estudada dentro de sua unidade de pensamento, através dos métodos dedutivo, indutivo e dos raciocínios silogísticos. A lógica formal, aplicada com exclusividade, imobiliza o Direito, pois considera tão somente os elementos fornecidos pela legislação, não levando em conta a evolução dos fatos sociais. Seguindo-se os critérios da lógica interna, o intérprete pode examinar a economia geral da lei, verificando o lugar onde se situa a norma jurídica, em que seção, capítulo e título, o que pode favorecer a fixação do seu sentido e alcance. Pode-se recorrer também ao emprego de regras lógicas, enunciadas normalmente no idioma latino e que, bem empregadas, favorecem a elucidação dos textos. Entre as mais adotadas, destacamos: ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não devemos distinguir); excepciones sunt strictissime interpretationis (as exceções são da mais estrita interpretação); cessant legis rationis, cessat eius dispositio (desaparecendo a razão ou o motivo da lei, cessa o que ela dispõe). Lógica Externa - Visando a completar o sentido da lei, sem contrariá-la, essa lógica se guia na lição dos fatos; orienta-se pela observação dos acontecimentos que provocaram a formação do fenômeno jurídico, indagando, ainda, os fins que ditaram as regras jurídicas. Estudam-se, portanto, a occasio legis (circunstâncias da lei)e a ratio legis (razão da lei. Pode o intérprete descer ao exame da história dos institutos e ainda ao Direito Comparado. O trabalho de interpretação não pode desprezar qualquer subsídio que venha esclarecer os motivos que determinaram a promulgação da lei. A Lógica do "Razoável" - Recaséns Siches, que expõe a doutrina da lógica do razoável, julga que foi um erro maiúsculo cometido pela teoria e prática jurídica do Século XIX o emprego, em assuntos jurídicos, dos métodos da lógica tradicional, tambémchamada matemático-física, silogística, que se originou com o Organon de Aristóteles, isto porque ela ajusta-se à matemática, física e outras ciências da natureza, mas não ao direito. A lógica do razoável, que é uma "razão impregnada de pontos de vista estimativos, de critérios de valoração, de pautas axiológicas". O Direito, como toda obra humana, é circunstancial, dependendo das condições, das necessidades sentidas e dos efeitos que se trata de produzir mediante uma lei. A interpretação do Direito deve levar em consideração as finalidades das normas jurídicas. A solução satisfatória, extraída da lei e da realidade dos fatos, não pode ser contra legem. Elemento Sistemático Paulo Nader ressalta que a norma jurídica somente pode ser interpretada e ganhar efetividade quando analisada no conjunto de normas que dizem respeito a determinada matéria. Quando um magistrado profere uma sentença, não aplica regras isoladas; projeta toda uma ordem jurídica ao caso concreto. O ordenamento jurídico compõe-se de todos os atos legislativos vigentes, bem como das normas costumeiras válidas, que mantêm entre si perfeita conexão. Entre as diferentes fontes normativas, não pode haver contradições. De igual modo, deve haver completa harmonia entre os dispositivos de uma lei, a fim de que haja unicidade no sistema jurídico, ou seja, uma única voz de comando. Para que a ordem jurídica seja um todo harmônico, é indispensável que a hierarquia entre as fontes formais seja preservada. Se os dispositivos de uma lei se interdependem e se as diferentes fontes formais do Direito possuem conexão entre si, a interpretação não pode ter por objeto dispositivos ou textos isolados. O trabalho de exegese tem de ser feito considerando-se todo o acervo normativo ligado a um assunto. O elemento sistemático, que opera considerando os elementos gramatical e lógico, consiste na pesquisa do sentido e alcance das expressões normativas, considerando-as em relação a outras expressões contidas na ordem jurídica, mediante comparações. O intérprete, por este processo, distingue a regra da exceção, o geral do particular. A natureza da norma jurídica revela-se também pelo elemento sistemático. O estudo leva à conclusão se a norma jurídica é cogente ou dispositiva, principal ou acessória, comum ou especial. Paulo Nader destaca que Pratica uma condenável imprudência o profissional que, sem visão do conjunto da lei e de outros dispositivos concernentes à matéria, interpreta artigos isolados, afirmando que Tal procedimento é anticientífico. Elemento Histórico Muitas vezes o conhecimento gramatical e lógico do texto legislativo não é suficiente à compreensão do espírito da lei, sendo necessário o recurso à pesquisa do elemento histórico. Como força viva que acompanha as mudanças sociais, o Direito se renova, ora aperfeiçoando os institutos vigentes, ora criando outros, para atender o desafio dos novos tempos. Em qualquer situação, o Direito se vincula à história e o jurista que almeja um conhecimento profundo da ordem jurídica, forçosamente deverá pesquisar as raízes históricas do Direito Positivo. O Direito atual, manifesto em leis, códigos e costumes, é um prolongamento do Direito antigo. A evolução da ciência jurídica nunca se fez mediante saltos, mas através de conquistas graduais, que acompanharam á evolução cultural registrada em cada época. Quase todos os institutos jurídicos atuais têm suas raízes no passado. Como a finalidade da interpretação moderna não é a de desvendar a mens legislatoris, deve-se dar apenas relativa importância às discussões das comissões técnicas do Congresso e debates parlamentares. Quanto mais antigo for o trabalho preparatório, menos valor oferecerá, pois terá retratado fatos de uma sociedade mais distante. O Elemento Teleológico Na moderna hermenêutica o elemento teleológico assume papel de primeira grandeza. Tudo o que o homem faz e elabora é em função de um fim a ser atingido. A lei é obra humana e assim contém uma ideia de fim a ser alcançado. Na fixação do conceito e alcance da lei, sobreleva de importância o estudo teleológico, isto é, o estudo dos fins colimados pela lei. Enquanto que a occasio legis ocupa-se dos fatos históricos que projetaram a lei, o fator teleológico investiga os fins que a lei visa a atingir. Quando o legislador elabora uma lei, parte da ideia do fim a ser alcançado. Os interesses sociais que pretende proteger, inspiram a formação dos documentos legislativos. Assim, é natural que no ato da interpretação se procure avivar os fins que motivaram a criação da lei; pois nessa descoberta estará a revelação da mens legis. Como se revela o elemento teleológico? Os fins da lei se revelam através dos diferentes elementos de interpretação. A ideia do fim não é imutável. O fim não é aquele pensado pelo legislador, é o fim que está implícito na mensagem da lei. Como esta deve acompanhar as necessidades sociais, cumpre ao intérprete revelar os novos fins que a lei tem por missão garantir. Esta evolução de finalidade não significa ação discricionária do intérprete. Este, no afã de compatibilizar o texto com as exigências atuais, apenas atualiza o que está implícito nos princípios legais. O intérprete não age contra legem, nem subjetivamente. De um lado tem as coordenadas da lei e, de outro, o novo quadro social e o seu trabalho se desenvolve no sentido de harmonizar os velhos princípios aos novos fatos. Fonte: NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002.
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