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Universidade de Bras´ılia Departamento de Matema´tica Prof. Celius A. Magalha˜es Ca´lculo III Notas da Aula 15∗ Domı´nios Rx e Ry Um exerc´ıcio bem conhecido, relacionado a`s integrais sim- ples, e´ o de calcular a a´rea de regio˜es limitadas pelos gra´ficos de duas func¸o˜es. Veja a figura. Esse tipo de regia˜o e´ impor- tante no contexto das integrais duplas, e tando que recebem um nome especial, de regio˜es ou domı´nios na forma Rx. a x b h(x) g(x) Um Primeiro Exemplo Suponha que, ate´ o momento, so´ se conhec¸a a integral de func¸o˜es definidas em retaˆngulos. A partir da´ı, e com a, b e c > 0 constantes, como calcular o volume V abaixo do gra´fico da func¸a˜o f : D → R, onde D = {(x, y); x2+ y2 ≤ 1} e´ o disco unita´rio e f(x, y) = ax+ by+ c? 1 1 c O problema, claro, e´ que o domı´nio na˜o e´ um retaˆngulo, e o volume na˜o pode ser calculado imediatamente. No entanto, a partir do gra´fico da func¸a˜o ilustrado ao lado, pode-se fazer a seguinte infereˆncia: a a´rea do domı´nio, o disco unita´rio, e´ A = pi; se a = b = 0, o gra´fico da func¸a˜o e´ um plano horizontal pelo ponto (0, 0, c), e o volume e´ V = A× altura = pic; se a 6= 0 ou b 6= 0, o gra´fico da func¸a˜o e´ um plano inclinado pelo ponto (0, 0, c), mas o que se retira abaixo do plano z = c e´ o que se acrescenta acima deste plano. Assim, em qualquer caso, o volume deve ser igual a V = pic. Para de fato calcular o volume, desse e de outros exemplos, a ideia e´ usar o que ja´ se sabe para o caso de domı´nios retangulares. Nesse sentido, o domı´nio D pode ser inclu´ıdo dentro do retaˆngulo D̂ = [−1, 1]× [−1, 1], e pode-se definir uma nova func¸a˜o fˆ : D̂ → R dada por fˆ(x, y) = { f(x, y) , se (x, y) ∈ D 0 , se (x, y) 6∈ D A figura ao lado ilustra o gra´fico de fˆ . Ela coincide com f no domı´nio D, e se anula fora dele. Assim, e´ claro que os volumes abaixo dos gra´ficos de f e de fˆ sa˜o os mesmos. A vantagem e´ que fˆ esta´ definida em um retaˆngulo, e pode-se usar as integrais iteradas, como visto anteriormente. Supondo enta˜o que fˆ seja integra´vel tem-se que 1 c 1 V = ∫∫ D̂ fˆ(x, y) dxdy = ∫ 1 −1 (∫ 1 −1 fˆ(x, y) dy ) dx (1) e o problema fica reduzido a se calcular uma integral iterada, o que ja´ e´ muito bom! Vale agora ressaltar o seguinte: o disco D e´ limitado pela circunfereˆncia x2 + y2 = 1, de onde segue-se que |y| = √1− x2. Da´ı conclu´ı-se que D e´ a regia˜o limitada pelos gra´ficos das func¸o˜es y1(x) = − √ 1− x2 e y2(x) = √ 1− x2, conforme ilustra a figura abaixo. ∗Texto digitado e diagramado por Deivid Vale a partir de suas anotac¸o˜es de sala 1x−1 1 y2(x) y1(x) −1 De fato, D pode ser descrito na forma D = {(x, y) ∈ R2; −1 ≤ x ≤ 1 e y1(x) ≤ y ≤ y2(x)} (2) e por isso D e´ dito uma regia˜o do tipo Rx, que e´ uma regia˜o entre os gra´ficos de duas func¸o˜es na varia´vel x. Da figura segue-se ainda que, para cada x ∈ [−1, 1] ao longo do eixo Ox, o intervalo [−1, 1] ao longo do eixo Oy pode ser decomposto na forma [−1, 1] = [−1, y1(x)) ∪ [y1(x), y2(x)] ∪ (y2(x), 1]. Essa decomposic¸a˜o e´ importante porque a func¸a˜o fˆ se anula nos intervalos [−1, y1(x)) e (y2(x), 1], uma vez que eles na˜o esta˜o contidos no domı´nio D. Volte a olhar o gra´fico de fˆ acima. Destas observac¸o˜es segue-se que∫ 1 −1 fˆ(x, y) dy = ∫ y1(x) −1 fˆ(x, y) dy + ∫ y2(x) y1(x) fˆ(x, y) dy + ∫ 1 y2(x) fˆ(x, y) dy = ∫ y2(x) y1(x) fˆ(x, y) dy e substituindo esse resultado em (1) obte´m-se que V = ∫∫ D̂ fˆ(x, y) dxdy = ∫ 1 −1 (∫ 1 −1 fˆ(x, y) dy ) dx = ∫ 1 −1 (∫ y2(x) y1(x) fˆ(x, y) dy ) dx O lado direito da u´ltima igualdade so´ inclui pontos (x, y) que esta˜o na regia˜o D e, nessa regia˜o, a func¸a˜o fˆ coincide com a func¸a˜o f . Assim, pode-se “tirar o chape´u” e obter que V = ∫ 1 −1 (∫ y2(x) y1(x) f(x, y) dy ) dx (3) O´timo, como no caso de retaˆngulos, o volume V pode ser calculado por meio de integrais iteradas. A diferenc¸a e´ que, na integral da varia´vel y, os extremos de integrac¸a˜o sa˜o as func¸o˜es y1(x) e y2(x) que limitam a regia˜o D, conforme a expressa˜o em (2). Ja´ foi visto que o valor esperado do volume e´ V = pic, o mesmo de um cilindro de a´rea da base pi e altura c. Esse valor pode agora ser comparado com a expressa˜o de V em (3). Para isso, lembrando das expresso˜es das func¸o˜es f , y1 e y2, segue-se que∫ y2(x) y1(x) f(x, y) dy = ∫ y2(x) y1(x) (ax+ by + c) dy = ( axy + b 2 y2 + cy )∣∣∣y2(x) y1(x) = 2ax √ 1− x2 + 2c √ 1− x2 e substituindo esse resultado em (3) segue-se que V = ∫ 1 −1 (∫ y2(x) y1(x) f(x, y) dy ) dx = ∫ 1 −1 ( 2ax √ 1− x2 + 2c √ 1− x2 ) dx Essa u´ltima integral pode se calculada a partir dos gra´ficos das func¸o˜es h(x) = x √ 1− x2 e g(x) = √ 1− x2, conforme figuras abaixo. Com efeito, a partir do gra´fico de h conclui-se que ∫ 1 −1 h(x) dx = 0, pois esta e´ uma func¸a˜o impar, isto e´, h(−x) = −h(x). O gra´fico de g e´ uma semi-circunfereˆncia, e portanto ∫ 1 −1 g(x) dx = pi/2, igual a` metade da a´rea do disco de raio 1. Usando esses resultado obte´m-se o valor esperado, isto e´, V = ∫ 1 −1 ( 2ax √ 1− x2 + 2c √ 1− x2 ) dx = 2c pi 2 = pic Ca´lculo III Notas da Aula 15 2/6 h(x) = x √ 1− x2 g(x) = √ 1− x2 −1 1 −1 1 O Caso Geral Em geral, um domı´nio D ⊂ R2 esta´ na forma Rx se for um domı´nio limitado acima e abaixo por gra´ficos de func¸o˜es deriva´veis na varia´vel x. De outra forma, in- dicando as func¸o˜es por y1(x) e y2(x), com x ∈ [a, b], o domı´nio D esta´ na forma Rx se puder ser descrito na forma (veja a figura ao lado). D = {(x, y) ∈ R2; a ≤ x ≤ b e y1(x) ≤ y ≤ y2(x)} (4) Por exemplo, foi visto acima que o disco x2+ y2 ≤ 1 e´ um domı´nio Rx, em que as func¸o˜es sa˜o y1(x) = − √ 1− x2 e y2(x) = √ 1− x2 e x ∈ [−1, 1]. a x b y1(x) y2(x) Considere agora f : D → R uma func¸a˜o dada, e suponha que D ⊂ R2 seja um domı´nio Rx. Nesse caso, seguindo os passos do exemplo anterior, pode-se definir o que seja a integral de f sobre D, mesmo que essa integral na˜o represente um volume. a b c d De fato, como ilustra a figura ao lado, se D e´ da forma Rx existem contantes c e d tais que D esta contido no retaˆngulo D̂ = [a, b] × [c, d]. Como no exemplo anterior, define-se em seguida a func¸a˜o fˆ : D̂ → R por fˆ(x, y) = { f(x, y) , se (x, y) ∈ D 0 , se (x, y) 6∈ D Assim, fˆ coincide com f no domı´nio D, e se anula fora dele. O interessante e´ que fˆ esta´ definida em um retaˆngulo, e pode-se usar o que ja´ e´ conhecido nesse caso. A partir dessas observac¸o˜es, a pro´xima definic¸a˜o e´ bastante natural. Definic¸a˜o 1. A func¸a˜o f e´ integra´vel em D se fˆ for integra´vel em D̂ e, nesse caso, define-se∫∫ D f(x, y) dxdy := ∫∫ D̂ fˆ(x, y) dxdy Uma vantagem desta definic¸a˜o e´ que a integral de f tem as mesmas propriedades da integral de fˆ , pro- priedades que ja´ foram estudadas anteriormente e podem ser usadas sem cerimoˆnia! Outra vantagem e´ em relac¸a˜o ao ca´lculo da integral. De fato, para cada x ∈ [a, b], fˆ se anula nos intervalos [c, y1(x)) e (y2(x), d], conforme ilustra a figura ao lado. a x b y1(x) y2(x) c d Logo, se fˆ for integra´vel e sua integral puder ser calculada iteradamente, enta˜o∫∫ D̂ fˆ(x, y) dxdy = ∫ b a (∫ d c fˆ(x, y) dy ) dx = ∫ b a (∫ y2(x) y1(x) fˆ(x, y) dy ) dx Ca´lculo III Notas da Aula 15 3/6 Ale´m disso, o lado direito da u´ltima igualdade so´ inclui pontos (x, y) que esta˜o em D, onde as func¸o˜es fˆ e f coincidem. Da´ı pode-se “tirar o chape´u” e concluir que∫∫ D f(x, y) dxdy = ∫∫ D̂ fˆ(x, y) dxdy = ∫ b a (∫ y2(x) y1(x) fˆ(x, y) dy ) dx = ∫ b a (∫ y2(x) y1(x) f(x, y) dy) dx A conclusa˜o e´ que, como no caso de retaˆngulos, a integral de f sobre D pode ser calculada por meio de integrais iteradas. A diferenc¸a e´ que, na integral da varia´vel y, os extremos de integrac¸a˜o sa˜o as func¸o˜es y1(x) e y2(x) que limitam a regia˜o D, conforme a expressa˜o em (4). Esses passos justificam o Teorema 1. Se D e´ Rx e f : D → R e´ cont´ınua, enta˜o f e´ integra´vel e, ale´m disso,∫∫ D f(x, y) dxdy = ∫ b a (∫ y2(x) y1(x) f(x, y) dy ) dx Antes do pro´ximo exemplo vale introduzir os domı´nios Ry. De fato, na˜o ha´ nada de particular na escolha de x como varia´vel independente. c y d x1(y) x2(y) Dependendo do caso e´ mais conveniente escolher y como varia´vel independente, o que da´ origem aos domı´nios Ry. Assim, um domı´nioD ⊂ R2 esta´ na forma Ry se for limi- tado a` esquerda e a` direita por gra´ficos de func¸o˜es deriva´veis na varia´vel y. De outra forma, e indicando as func¸o˜es por x1(y) e x2(y), D esta´ na forma Ry se puder ser descrito como (veja a figura ao lado) D = {(x, y) ∈ R2; c ≤ y ≤ d e x1(y) ≤ x ≤ x2(y)} Seguindo os passos anteriores pode-se agora enunciar o Teorema 2. Se D e´ Ry e f : D → R e´ cont´ınua, enta˜o f e´ integra´vel e, ale´m disso,∫∫ D f(x, y) dxdy = ∫ d c (∫ x2(y) x1(y) f(x, y) dx ) dy Exemplo 1. Calcule a integral da func¸a˜o f : D → R onde D e´ o triaˆngulo de ve´rtices (0, 0), (2, 0) e (0, 1), e f(x, y) = y. Soluc¸a˜o. As figuras abaixo ilustram o domı´nio e o gra´fico da func¸a˜o. x 2− 2y 2 y 1− x/2 1 L 1 2 1 L Como a func¸a˜o e´ maior ou igual a zero, a integral corresponde ao volume abaixo do gra´fico. Ale´m disso, esse volume e´ igual ao de um tetraedro em que a a´rea da base e´ A = (2×1)/2 = 1 e a altura e´ H = 1. Segue-se que V = (A×H)/3 = 1/3, e esse e´ o valor esperado da integral. Ca´lculo III Notas da Aula 15 4/6 Para o ca´lculo da integral, da figura percebe-se que o domı´nio esta´ tanto na forma Rx como na forma Ry. Para ilustrar os domı´nios Ry os ca´lculos sera˜o feitos nesta forma. E´ claro que D e´ limitado pelos eixos coordenados e pela reta L que passa por (0, 1) e (2, 0). A equac¸a˜o desta reta e´ x+2y = 2 e, isolando x como func¸a˜o de y, obte´m-se x = 2−2y. Consultando a figura percebe-se enta˜o que D pode ser descrito na forma D = {(x, y) ∈ R2; 0 ≤ y ≤ 1 e 0 ≤ x ≤ 2− 2y} Usando essa descric¸a˜o obte´m-se o valor esperado, isto e´,∫∫ D f(x, y) dxdy = ∫ 1 0 (∫ 2−2y 0 y dx ) dy = ∫ 1 0 ( yx ∣∣∣2−2y 0 ) dy = ∫ 1 0 y(2− 2y) dy = ( y2 − 2 3 y3 ) ∣∣∣1 0 = 1− 2 3 = 1 3 � Ate´ aqui os domı´nios sa˜o tanto Rx quanto Ry, e na˜o e´ muito diferente fazer os ca´lculos usando-se uma forma ou outra. No entanto, como ilustra o pro´ximo exemplo, isso na˜o e´ sempre assim. Tem situac¸o˜es em que uma escolha apropriada facilita muito os ca´lculos. Exemplo 2. Calcule ∫∫ D f(x, y) dxdy, onde f(x, y)= √ y sen(x √ y) e D e´ o domı´nio limitado por baixo pela para´bola y = x2, por cima pela reta y = pi/2 e pela esquerda pelo eixo Oy. Soluc¸a˜o. As figuras ilustram o domı´nio e o gra´fico da func¸a˜o, que e´ maior ou igual a zero, e a integral corresponde ao volume abaixo do gra´fico. No entanto, agora na˜o e´ poss´ıvel obter um valor esperado, e o u´nico instrumento para o ca´lculo do volume e´ mesmo a integral. √ y x √ pi/2 y x2 pi/2 √ pi/2 pi/2 Da figura segue-se que D e´ da forma Rx, e pode ser descrito como D = {(x, y) ∈ R2; 0 ≤ x ≤ √ pi/2 e x2 ≤ y ≤ pi/2} Assim, a integral pode ser escrita como∫∫ D f(x, y) dxdy = ∫ √pi/2 0 (∫ pi/2 x2 √ y sen(x √ y) dy ) dx Ora! Tentando resolver a integral na varia´vel y percebe-se que ela e´ terr´ıvel!! Essa e´ daquela que qualquer um quer evitar! No entanto, resta ainda tentar o ca´lculo com a forma Ry. Para isso, consultando novamente a figura acima segue-se que D pode ser descrito como D = {(x, y) ∈ R2; 0 ≤ y ≤ pi/2 e 0 ≤ x ≤ √y} Assim, a integral pode tambe´m ser escrita como∫∫ D f(x, y) dxdy = ∫ pi/2 0 (∫ √y 0 √ y sen(x √ y) dx ) dy Ca´lculo III Notas da Aula 15 5/6 Ora! Tentando resolver a integral na varia´vel x percebe-se que ela e´ trivial!! Basta usar a substituic¸a˜o u = x √ y, uma vez que du = √ y dx, e portanto √ y sen(x √ y) dx = sen(u) du! Usando essa substituic¸a˜o segue-se que∫∫ D f(x, y) dxdy = ∫ pi/2 0 (∫ √y 0 √ y sen(x √ y) dx ) dy = ∫ pi/2 0 (∫ y 0 sen(u) du ) dy = ∫ pi/2 0 (1− cos(y)) dy = pi/2− 1 � Ca´lculo III Notas da Aula 15 6/6
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