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RepresentaçõesSociaisdaComida noMeioUrbano

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Artigo publicado no Vol. II / 1994 da Revista Cadernos de Debate, uma publicação do 
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP, páginas 12-40. 
 
 
Representações Sociais da Comida no Meio Urbano: 
algumas considerações para o estudo dos 
aspectos simbólicos da alimentação1 
Rosa Wanda Diez Garcia2 
 
Introdução 
 
 Este trabalho pretende explorar a dimensão da comida no modo de 
vida urbano, tendo em vista as implicações que este modo de vida tem nos 
hábitos alimentares, nos valores relacionados à alimentação e nas representações 
simbólicas envolvidas, e conhecer como é comer no centro da cidade de São 
Paulo. Nesta exposição inicial estaremos propondo o uso do conceito de 
representações sociais para entendermos o convívio de aspectos simbólicos 
presentes nas práticas alimentares. Estas são as principais preocupações com as 
quais pretendemos nos ocupar. 
 A alimentação está envolta nos mais diversos significados, desde o 
âmbito cultural até as experiências pessoais. Há momentos mais propícios para o 
doce, o salgado, a bebida, a fartura ou a restrição alimentar, que são impregnados 
de significados culturalmente determinados. Nas práticas alimentares, que vão 
dos procedimentos relacionados à preparação do alimento ao seu consumo 
propriamente dito, a subjetividade veiculada inclui a identidade cultural, a 
condição social, a religião, a memória familiar, a época, que perpassam por esta 
experiência diária. 
 Na literatura, na religião, nas artes culinárias, no cinema, estão 
presentes histórias, exemplos do simbolismo alimentar. Em torno da mesa, são 
consagradas as confraternizações, são transmitidos valores culturais, são 
rememoradas nossas raízes, reforçadas as relações afetivas e de parentesco. De 
caráter abstrato, este simbolismo é constantemente ressuscitado pela experiência 
visceral e pelos orgãos dos sentidos, enquanto, no plano concreto, é 
reinterpretado a cada momento segundo as condições disponíveis constituindo-se 
 
1 Estamos apresentando aqui a introdução, com algumas modificações adaptadas para esta publicação, da dissertação 
de mestrado: Representações sociais da comida no meio urbano: um estudo no centro da cidade de São Paulo, a qual 
foi defendida no Departamento de Psicologia Social da USP em março de 1994. 
2 Departamento de Nutrição da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo. 
1 
em instância que veicula e reproduz também a realidade. A comida é "grande 
fonte de prazer, um mundo complexo de satisfação, tanto fisiológica quanto 
emocional, que guarda grande parte das lembranças de nossa infância". 
(ACKERMAN, 1992) Meio de prazer e de desejo, no primeiro caso atende ao 
corpo e, no segundo, à memória; através da alimentação mergulhamos nos 
recônditos da subjetividade como ilustra o episódio clássico da literatura, "o 
episódio das madalenas", do romance Em busca do tempo perdido - No 
caminho de Swann, de PROUST (1981). Esse episódio descreve como uma 
experiência do paladar pode ser encharcada pela memória. 
 
"Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama 
do meu deitar não mais existia para mim, quando por um dia de inverno, ao 
voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que 
era contra meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei porque, terminei 
aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados 
madalenas e que parecem moldados na valva estriada da concha de São Tiago. 
Em breve, maquinalmente, acabrunhado com aquele triste dia, e a perspectiva 
de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de 
chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas no instante em que 
aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, 
estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um 
prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara 
indiferentes as vissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória sua 
brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou 
antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir 
medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? 
Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava 
infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que 
significava? Onde apreendê-la? Bebo um segundo gole em que não encontro 
nada de mais que no primeiro, um terceiro que me traz um pouco menos que o 
segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida". 
(pp. 45-46) 
 
 Outro exemplo impregnado de simbolismo, relatado por 
ACKERMAN (1992), é o costume no Japão, bastante excêntrico mas sugestivo 
em seu conteúdo simbólico, de comer baiacu, um peixe com partes extremamente 
venenosas que é consumido sob forma de sashimis raros pois colocam em risco 
2 
a vida de seus comensais. Devem ser preparados por cozinheiros especializados 
que retiram o veneno, e conseguem deixar no prato resquícios desse veneno em 
quantidade apenas suficiente para que, ao sentirem os lábios adormecidos, 
sintoma da presença do veneno, seus degustadores entrem em contato com a 
possibilidade da morte (pp. 208-209). 
 Ambígua, a palavra comer é revestida de duplo sentido, de 
satisfação de dois instintos: alimentação e sexo, estendendo assim o simbolismo 
a outras esferas (QUEIROZ, 1988). 
 A comida da lembrança, do trabalho, da sobrevivência, são outros 
exemplos dos envolvimentos simbólicos da vida social. Através dela são 
experimentadas e expostas as condições sociais, conforme ilustra a citação de 
ZALUAR, que diz ser a comida "um dos principais veículos, através do qual os 
pobres urbanos pensam sua condição" (1985, p. 105). 
 Na intersecção entre a natureza e a cultura, "o comer não satisfaz 
apenas as necessidades biológicas, mas preenche também funções simbólicas e 
sociais" ( WOORTMANN, 1978, p. 4). 
 Com relação a essa intersecção entre a natureza e a cultura, 
traçaremos, no decorrer deste capítulo, algumas observações que permitirão 
reforçar e esclarecer o motivo pelo qual optamos pelo uso do conceito de 
representação social neste estudo, bem como apontaremos as possíveis limitações 
que iremos encontrar. 
 Na definição de LÉVI-STRAUSS (1981, p. 41) "O homem é um 
ser biológico ao mesmo tempo que um indivíduo social". Sendo assim, responde 
ou essencialmente pela sua natureza, ou pela sua condição de ser social. No 
entanto, nessa sobreposição ou justaposição, a natureza e a cultura podem estar 
de tal forma interligadas que comprometem, na prática, a análise do princípio: 
onde acaba a natureza e onde começa a cultura. Apesar do fracasso em 
estabelecer o ponto de passagem entre os fatos da natureza e os fatos da cultura, 
LÉVI-STRAUSS (1981) indica elementos que permitem chegar aos mecanismos 
de articulação entre essas duas ordens. 
 Em nosso objeto de estudo: a comida no centro urbano, 
consideramos como pressuposto encontrarmo-nos diante deste imbricamento, 
que acreditamos, poderá ser delineado através das representações sociais. 
 O estudo da alimentação perpassa várias áreas de conhecimento que 
podem delineá-la sob vários aspectos. Os próprios motivos que despertaram 
nosso interesse para esta pesquisa foram as fronteiras da ciência da nutrição, 
onde o objeto de estudo, a nutrição humana, detêm-se essencialmente nos 
3 
aspectos biológicos da alimentação no organismo humano, suas necessidades de 
nutrientes, seus efeitos no corpo humano e a relação de certos padrões 
alimentares com doenças. Encontrar a alimentação mais adequada para permitir 
ao homem maior tempo de sobrevivência com a melhor qualidade possível de 
vida, isto é, a melhor alimentação para a espéciehumana, é o objetivo dessa área 
de conhecimento. Nesse enfoque, a natureza humana é a referência central, 
natureza essa idealizada num padrão normativo tido por ideal. Mas entre as 
necessidade biológicas e a alimentação há a intermediação do homem que, em 
condições disponíveis, exerce seu arbítrio na escolha alimentar. 
 Por outro lado, outras áreas de conhecimento abordam a 
alimentação por prismas diferentes. Justificamos este trabalho por entendermos 
que a interdisciplinaridade poderá indicar-nos caminhos mais elucidativos para a 
compreensão do comportamento alimentar. Esta compreensão requer uma 
melhor análise da relação entre o homem e o alimento. 
 MARX (1983) estabelece a relação entre o homem e a natureza 
através do trabalho, o qual é definido como: "...atividade deliberada... para 
adaptação das substâncias naturais aos desejos humanos; é a condição geral 
necessária para que se efetue um intercâmbio entre o homem e a natureza; é a 
condição permanente imposta pela natureza à vida humana e, por 
conseguinte...comum a todas as formas sociais" (p.149-150). Da mesma forma, é 
necessário buscarmos um melhor entendimento de como se dá a intermediação 
entre o homem e o alimento. ACKERMAN (1990) diferencia a respiração da 
alimentação pelo involuntarismo da primeira ação e o voluntarismo da segunda, 
"exigindo planejamento e energia que nos faz abandonar nosso torpor natural em 
busca da dieta" (p.163). 
 Neste âmbito, onde a mescla das necessidades biológicas, culturais 
e sociais está contida, interessa-nos explorar as representações sociais 
relacionadas com o universo do comer e da comida, particularmente no centro da 
cidade de São Paulo. Esta temática faz parte do interesse maior que são os 
aspectos simbólicos relacionados com a alimentação. 
 Em suma, na organização teórica do presente estudo considerou-se 
relevante os seguintes aspectos: 
- A interdisciplinaridade que o tema alimentação sugere. 
Neste sentido, foram levantados trabalhos de várias áreas 
onde encontramos referências ao tema em abordagens que 
julgamos pertinentes. Acreditamos que tais pesquisas 
4 
possam contribuir para elucidação e compreensão 
psicossocial do objeto de estudo em questão; 
- Como o nosso objetivo é explorar a dimensão da comida no 
meio urbano, este estudo foi desenvolvido no centro da 
cidade de São Paulo. Levamos em conta o modo de vida 
urbano propriamente dito, ou seja, características e 
aspectos da vida urbana que nos alertaram para algumas 
observações que interferem nas práticas alimentares, quer 
sejam: o ritmo da cidade, as relações com o tempo e o 
espaço, a associação tempo/espaço com lazer/trabalho, a 
diversidade incluindo tendências a homogeneidade e 
heterogeneidade que convivem nos centros urbanos; 
- A vinculação da alimentação com a saúde difundida em 
nossa sociedade e, os reflexos desta preocupação atual nos 
valores relacionados ao corpo e na busca de vida regrada, 
como tentativa de escapar às doenças tidas como 
ocidentais, repercutem na relação com a comida3. Esta 
vinculação faz com que o aspecto nutricional prepondere 
no âmbito da alimentação, substituindo pela regra um 
espaço que antes era ocupado pelo prazer. Nos interessa 
entender melhor, como esses novos valores vão permear o 
cotidiano e imprimir um novo modelo; 
- Buscamos o conceito de representação social como 
referência teórica para análise, por entendermos que ele 
considera o imbricamento entre natureza e cultura. 
Utilizamos MOSCOVICI (1978 e 1988), como o autor 
principal, já que é ele quem resgata o conceito de 
representação coletiva de DURKHEIM (1970) e constrói 
a teoria das representações sociais. Outros autores que 
utilizam este conceito também nos ajudaram a esboçar a 
fundamentação teórica do estudo pretendido. 
 
Interdisciplinaridade 
 
 
3 HEALTHY ... (1988). 
5 
 Principalmente para situar o estudo da alimentação no âmbito da 
interdisciplinaridade, defendendo este modelo como a possibilidade explicativa 
mais coerente para exploração deste objeto de estudo, a título ilustrativo, 
apresentamos em seguida alguns trabalhos que, direta ou indiretamente, referem-
se à alimentação e que contribuem para elucidar a amplitude em que estão 
mergulhadas as práticas alimentares. 
 ELIAS (1990), em sua obra sobre costumes, estuda as mudanças na 
estrutura do comportamento e da constituição psíquica, demonstrando o quão 
doloroso foi e é o processo "civilizador" e que, portanto, os costumes não são 
expressões puramente da natureza humana. Como ocorreu e quais as causas que 
motivaram o processo "civilizador" do Ocidente são as principais questões desse 
estudo. O autor aborda uma série de costumes, entre os quais as mudanças do 
comportamento à mesa, dos hábitos alimentares e das atitudes em relação às 
funções corporais, apontando para as modificações do sentimento e do 
comportamento que ocorreram lentamente após a Idade Média. A leitura dessa 
obra nos foi muito útil e recorreremos a ela no decorrer deste trabalho, 
principalmente na discussão dos rituais relacionados à alimentação e das práticas 
relacionadas ao consumo de carne. 
 A partir da constatação de que a família contemporânea enfrenta 
hoje um impasse que a coloca numa posição fragilizada de incapacidade para 
resolver seus problemas, por ter perdido suas funções e valores estando à mercê 
de todos os tipos de terapias para reabilitação familiar, COSTA (1983) busca a 
origem dessa mudança de comportamento no movimento higienista. Iniciado no 
século XIX com a intenção de impor os preceitos sanitários da época, resultou na 
imposição da educação física, moral, intelectual e sexual. Hoje, sob o invólucro 
do "cientificismo", perpetuam-se valores e normas em nome da saúde física e 
mental, mascarando o caráter político e sócioeconômico imposto pela ação da 
norma educativo- terapêutica, através da normalização de condutas e sentimentos 
que despolitiza o cotidiano com preocupações que giram em torno do corpo, do 
sexo e do intimismo psicológico. É dentro dessa perspectiva que o estudo faz 
referências ao corpo, à doença, à alimentação, entre outras. Envoltas em preceitos 
higiênicos, nas prescrições alimentares feitas à família colonial, as concepções 
médicas sobre alimentação tinham a intenção de demonstrar a ignorância dos 
pais, de impor valores morais, garantindo também a penetração dos costumes 
europeus no Brasil. Essa imposição colocava os costumes europeus como 
superiores aos brasileiros. Muitos dos exemplos utilizados pelo autor, 
encontramos hoje, com um outro verniz de linguagem, mesclados no discurso 
6 
técnico e difundidos nas representações sociais sobre assuntos relacionados à 
saúde. 
 Uma das citações utilizadas pelo autor diz ser a alimentação 
equilibrada capaz de tornar os homens mais "dóceis e saudáveis" (COSTA, 1983, 
p. 177). Hoje recorremos a outros adjetivos, mas a alimentação equilibrada é tida 
como requisito de salvação contra as principais doenças ocidentais, como 
garantia de longevidade e juventude. Guardadas as devidas proporções, aquele 
que não adere às práticas saudáveis é visto atualmente como um herege o era 
pela Inquisição. 
 Sob o ângulo da Sociologia e da Antropologia, em seu estudo das 
transformações na organização social decorrentes dos ajustes aos meios de 
subsistência na passagem de uma economia de auto-suficiência para uma 
economia capitalista, numa comunidade de parceiros do interior paulista (Rio 
Bonito), CANDIDO (1987) detêm-se na alimentação para ilustrar o íntimo 
vínculo das relações do grupo com o meio. Da necessidade da alimentação 
emerge a organização social e cultural para obtenção dos recursos alimentares. 
Nesta direção, o autor combina a estatística para o estudo do nível de vida, o 
ponto de vista biológico, através da qualidade nutritivada dieta, para analisar a 
forma de exploração do meio, a economia e os aspectos sócio- culturais neste 
estudo sociológico que trata da alimentação. 
 Estudos antropológicos sobre alimentação focalizam 
principalmente aspectos culturais: os hábitos, os tabus alimentares, a 
organização de sociedades em torno do ciclo de produção alimentar, entre outros. 
 HARRIS (1978), antropólogo americano, estuda a lógica subjacente 
a estilos de vida aparentemente irracionais e inexplicáveis. Certos hábitos 
alimentares, aparentemente incompreensíveis, são explorados na procura de uma 
explicação científica que os justifique. Por que na Índia recusam-se a comer 
carne de vaca?, ou qual o motivo do tabu judaico contra a carne de porco, são, 
entre outros, alguns dos aspectos de estilo de vida abordados nesse estudo. Outra 
publicação mais recente do mesmo autor (1989) e mais específica sobre hábitos 
alimentares, pretende desmistificar as atuais concepções sobre o consumo de 
carnes. Aprofundar-nos-emos nos argumentos do autor na análise das 
representações sociais da carne encontradas nos resultados deste trabalho. 
 Outros estudos antropológicos, com diferentes enfoques, abordam 
direta ou indiretamente a alimentação. Comendo como gente (VILAÇA, 1992), 
tese que trata das formas de canibalismo entre os Wari', descreve e analisa como 
essa sociedade traz, na experiência alimentar, esquemas conceituais fundamentais 
7 
à sua organização, consolidando nessa prática uma essência metafísica. As 
noções de wari' e karawa significam ao mesmo tempo predador e presa, humano 
e não humano, sujeito e objeto, em posições mutantes, ou seja, o karawa presa, 
alimento, pode ser um wari' quando passa a ser o predador. Wari' é o que come e 
karawa o que é comido. O ato da devoração é atravessado pela idéia essencial a 
essa prática: tornar-se gente. Através da devoração é construído o wari', isto é, 
come-se para tornar-se gente. Nessa sociedade ameríndia, a predação representa 
troca e luta, reversíveis e recíprocas, onde valores da humanidade e as relações 
sociais estão intrinsecamente associados. Para este nosso trabalho, recolhemos 
como exemplo a profundidade filosófica que atravessa os procedimentos 
relacionados à alimentação entre os Wari'. 
 Não enfocando propriamente os costumes alimentares, mas através 
do estudo das modificações que se deram nas classes proletárias inglesas nos 
últimos quarenta anos, HOGGART (1973) chega a tratar também de aspectos dos 
hábitos alimentares ligados ao cotidiano, ao lazer, aos valores associados, às 
relações com a saúde e o corpo. 
 No estudo feito entre lavradores urbanizados de uma sociedade 
rural de Mato Grosso, BRANDÃO (1981), dentro de uma perspectiva teórica de 
antropologia cognitiva, focaliza, entre outros aspectos, as condições concretas da 
relação do agricultor com a natureza e as relações sociais que permitem o acesso, 
o uso e a definição dos valores dos alimentos, constituindo assim os hábitos 
alimentares. 
 Propondo uma interpretação histórica, evolucionista, RITCHIE 
(1988) situa a alimentação como protagonista da história social, percorrendo 
desde a revolução da caça até o século XX. A preocupação do autor é discutir 
como os investimentos da humanidade foram organizados também em função da 
obtenção da comida. 
 Também com enfoque histórico, TOUSSAINT-SAMAT (1991) 
mostra como, desde os primórdios da civilização, para saciar a fome, 
desenvolveu-se o conhecimento, foram travadas guerras, criadas comunidades e, 
no decorrer do tempo, transformações ocorreram nos produtos comestíveis. 
Todas essas questões são tratadas pelo autor, associadas ao comportamento, aos 
mitos e símbolos que acompanharam essas transformações. 
 DUARTE (1986) indica a história das mentalidades para 
estabelecer o cruzamento entre história econômica, história social e história dos 
sistemas culturais. Reconhece a importância da psicologia na explicação de 
comportamentos alimentares que a demografia e a economia não conseguem 
8 
esgotar. Por estar a alimentação ligada a valores, critérios de gosto, símbolos de 
distinção social, enfim, envolta num sistema complexo de significação, os 
hábitos alimentares adquirem relativa autonomia em relação aos fatores 
econômicos e constituem traços essenciais da identidade cultural. 
 Do mesmo modo que as disposições culturais adotadas por uma 
sociedade são influenciadas pelo ambiente físico (clima, topografia, etc), a 
configuração do modo pelo qual as pessoas se alimentam no meio urbano 
conjuga os valores existentes com as condições objetivas encontradas. 
 Alguns estudos sobre o impacto das mudanças sociais no padrão 
alimentar exemplificam como as condições objetivas impõem novos hábitos 
alimentares. A renda familiar, a migração rural-urbana, a terceirização e a 
publicidade são apontadas por TAGLE (1988) como fatores responsáveis pelas 
mudanças ocorridas na alimentação em estudos realizados na América Latina. 
FIDANZA e FIDANZA (1983) pesquisaram as alterações ocorridas no padrão 
alimentar italiano, que acompanharam a passagem de uma sociedade agrícola-
familiar para a industrializada. 
 
As representações sociais 
 
 Antes de delinearmos o conceito de representação social adotado 
como referencial teórico para este trabalho, vale introduzirmos alguns 
comentários sobre este conceito que trata, em termos amplos, da interpretação da 
realidade. 
 GEERTZ (1973) situa a cultura como teias de significados e sua 
análise "não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma 
ciência interpretativa, à procura de significados" (p. 15). Buscando um sistema 
explicativo em sua base social, estaremos interpretando a realidade, construída 
culturalmente através de um sistema de símbolos peculiar aquela cultura. 
 A realidade é constituída como tal pela significação que lhe é 
conferida ao ser interpretada. Através da linguagem, a interpretação é, portanto, o 
instrumento que constrói a realidade a partir da atividade simbólica. 
 Familiar à antropologia e à psicanálise, embora seja também objeto 
de preocupação de outras áreas do conhecimento, a representação é a forma pela 
qual é concebido o real, intermediado pela operação de simbolização. Assim, o 
real existe pela constituição subjetiva e simbólica do sujeito, compartilhada 
histórica e coletivamente. 
9 
 Ao estudarmos a alimentação na perspectiva simbólica, 
enfatizamos que além da sua natureza biológica, o corpo é também realidade 
simbólica, tal como concebe BIRMAN (1991)4 . 
 No estudo das representações sociais ligadas à alimentação, para 
além da relação do homem com suas necessidades enquanto ser biológico, 
através das práticas alimentares é estabelecida relação com o universo psíquico e 
cultural. É preciso esclarecer que um mapeamento delineando esses espaços 
psíquicos e culturais ultrapassa os limites deste trabalho. Em nosso estudo que 
trata das representações sociais ligadas à alimentação no meio urbano, 
procuraremos apontar alguns indícios nesta direção. 
 As questões até aqui apontadas fazem parte da preocupação com os 
envolvimentos simbólicos que circundam a alimentação e que pretendemos 
aprofundar na dissertação a partir do conceito de representação social. Por ser 
este um conceito em discussão, compartilhado, como já foi dito anteriormente, 
por diversas áreas de conhecimento e, portanto, com interpretações diferenciadas, 
acreditamos ser relevante explicitar as bases às quais estaremos recorrendo para 
sua utilização. 
 Trataremos do assunto apoiando-nos principalmente em 
MOSCOVICI (1978 e 1988), que foi quem teorizou o conceito de representação 
social, e recorreremos também a outros autores que utilizam este conceito, 
principalmente JODELET (1988), HERZLICH (1972), KAÉS (1968) e 
BOURDIEU (1983). 
 Como o objeto social é apreendido, interpretado e reconstituído: eis 
a questãosobre a qual se debruçam pesquisadores na intenção de desvendar 
melhor o problema. 
 A partir do enunciado de DURKHEIM (1970) sobre 
"representações coletivas", MOSCOVICI (1978), apontando a insuficiência desse 
conceito para explicar a pluralidade dos modos de organização do pensamento, 
elabora, sob a ótica da psicologia social, o conceito de "representação social". 
 Situado no ponto de intersecção entre o social e o psicológico, este 
conceito faz parte do universo de preocupação de várias ciências: psicologia 
social, antropologia, história, sociologia do conhecimento, filosofia, fugindo ao 
domínio de uma única disciplina, pois trata de uma forma de conhecimento 
social. 
 
4 "...o corpo simbólico não é delineado apenas por características inerentes ao desenvolvimento neurofuncional da 
espécie humana, mas principalmente construídos pelas modalidades de relações sociais que instituem os sujeitos 
como individualidades e pelos códigos culturais que as comunidades sociais constituem como sujeito, na sua 
história." (p.21). 
10 
 A representação social é a construção mental da realidade, que 
possibilita a compreensão e organização do mundo, bem como orienta o 
comportamento. Os elementos da realidade, os conceitos, as teorias e as práticas 
são submetidos a uma reconstituição a partir das informações colhidas e da 
bagagem histórica (social e pessoal) do sujeito, permitindo, dessa forma, que se 
tornem compreensíveis e úteis. Nesse processo, as representações sociais tornam 
um objeto significante, introduzindo-o num espaço comum, digerindo-o de forma 
a permitir sua compreensão e sua incorporação como recurso peculiar ao sujeito. 
 O objeto, quer seja humano, social, material ou uma idéia, será 
apreendido através da comunicação, a partir de uma lente impregnada de valores 
e conceitos significantes já existentes; ou seja, ele é triado e integrado numa rede 
que traduz algo significante para o sujeito. A aproximação da realidade externa, 
de modo a torná-la próxima e perceptível, é uma facilidade proporcionada pelas 
representações, trazendo o mundo externo para um convívio próximo. 
 Segundo MOSCOVICI, a representação "não é uma instância 
intermediária, mas sim um processo que torna o conceito e a percepção 
intercambiáveis, uma vez que se engendram reciprocamente." (1978, p. 57) 
Assim, um conceito, uma abstração passam a ter uma existência real para o 
sujeito através da apropriação destes pelas representações sociais. 
 As representações sociais são uma forma de conhecimento do senso 
comum, elaborado e compartilhado socialmente. Na construção das 
representações sociais estão presentes o conteúdo (informações, imagens, 
opiniões, atitudes), o objeto (um trabalho, um acontecimento, uma pessoa) e o 
sujeito (o indivíduo, a família e o grupo social). 
 O constante movimento pelo qual um objeto torna-se representação 
supõe a reprodução estilizada do conteúdo representado, através de uma 
"digestão" que possibilita a experiência sobre o objeto e sua reconstituição a 
partir da atividade simbólica do sujeito. Para MOSCOVICI (1978), "o sujeito e o 
objeto não são congenitamente distintos", há um movimento constante entre o 
sujeito e o objeto, promovendo uma interação onde ambos se modificam 
mutuamente. 
 Quando recorremos ao conceito de representações sociais 
formulado por MOSCOVICI (1978), em seu estudo sobre representações sociais 
da psicanálise, prevíamos algumas dificuldades. 
 Nesse estudo, o sujeito incorpora ao senso comum conceitos 
psicanalíticos com recursos significantes próprios e, na prática, tais conceitos, 
que foram constituídos enquanto representações sociais, são utilizados para 
11 
interpretar a realidade. No caso do presente estudo, as representações sociais da 
alimentação não são conformadas apenas pela informação científica, incorporada 
às práticas através da transformação em senso comum. Adensam tais 
representações também a propaganda de produtos alimentícios, as condições 
concretas disponíveis, os costumes alimentares, a origem cultural, os aspectos 
subjetivos veiculados através da alimentação e a experiência orgânica 
propriamente dita, que irão compor a teia de significantes impressa nas 
representações sociais sobre alimentação. Lembrando que a experiência física 
vivida através do paladar e os demais envolvimentos simbólicos incluídos nessa 
prática são um forte componente de tais representações. 
 A dificuldade de percebermos as fronteiras entre o imaginário e a 
experiência física acarreta a oscilação, que observaremos no desenvolvimento 
deste trabalho, entre representações ligadas à construção mais simbólica e as 
representações dos hábitos alimentares. Na própria definição de ideologia 
alimentar feita por WOORTMANN (1978), encontramos uma estreita relação 
entre aspectos simbólicos e a experiência orgânica.5 
 A utilização das representações sociais para o estudo dos aspectos 
simbólicos ligados à alimentação partiu da própria caracterização do conceito: 
como uma idéia ou modelo abstrato passa a fazer parte da experiência direta, por 
ser a representação um modo de pensamento sempre ligado à ação. Podemos 
dizer que não existe nitidez nas fronteiras entre o simbólico e as práticas, mas um 
engendramento dialético de ambas construindo significantes que passam a fazer 
parte da gênese das práticas, bem como tais práticas orientam os significantes. É 
essencialmente através das práticas que pretendemos observar o convívio com os 
aspectos simbólicos. Talvez, comparando com o ponto de partida do estudo de 
MOSCOVICI (1978), que toma como objeto a psicanálise, abstrações que 
através das representações sociais tornam-se, utilizando as próprias palavras do 
autor, "entidades quase tangíveis" (MOSCOVICI, 1978, p. 41), podemos destacar 
que nosso ponto de partida são mais as práticas, não observadas, mais retratadas 
pelo discurso, onde é impossível discernir com clareza as representações sociais 
da comida no meio urbano, sem considerar o imbricamento da mesma com a 
experiência da população estudada. Acreditamos ser portanto este conjunto de 
substratos, formado por práticas construídas simbolicamente, a amálgama que 
 
5 "...define-se por ideologias alimentares um sistema cognitivo simbólico que define qualidades e propriedades dos 
alimentos e dos que se alimentam, qualidades e propriedades estas que tornam um alimento indicado ou contra-
indiciado em situações específicas, que definem seu valor como alimento, em função de um modelo pelo qual se 
conceptualiza a relação entre o alimento e o organismo que o consome e que define simbolicamente a posição 
social do indivíduo". (WOORTMANN, 1978, p. 4). 
12 
intermedia a relação do homem com a alimentação. Ora um, ora outro 
componente irá ter mais ou menos determinação sobre as representações sociais 
da comida, mas, indubitavelmente, a alimentação é uma prática organicamente 
experimentada e, nessa experiência orgânica, o convívio imbricado das questões 
culturais e psicológicas tem ressonâncias no comportamento alimentar que 
merecem ser aprofundadas. 
 As características fundamentais das representações sociais são: 
- Sempre são a representação de um objeto, a partir da 
construção simbólica e com alguns recursos informativos; 
reproduzem criativamente com propriedades estilizadas, 
têm portanto caráter simbólico e significante. 
- Têm um caráter de imagem, isto é , recorrem à imagem 
para mediar entre o conceito e a percepção, tornando 
intercambiáveis a percepção e a idéia . 
- Têm um caráter construtivo, autônomo e criativo, pois 
reconstróem a partir da interpretação, com recursos 
individuais e/ou coletivos, recorrendo a um repertório 
disponível, através de várias combinações e 
deslocamentos que permitirão integraruma nova 
representação numa rede de significados. 
 Se, por um lado, as representações sociais contribuem para 
orientação e formação de condutas e comunicações sociais, por outro, expressam 
a interpretação da realidade social. São, ao mesmo tempo, instrumento e produto 
dessa comunicação, ou seja, geram e simultaneamente são geradas. BOURDIEU 
(1983), ao definir habitus de classe, considera esse movimento dialético de 
interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade, pois, para ele, o 
habitus é: "um sistema de disposições duráveis, estruturas estruturadas 
predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio 
gerador e estruturador das práticas e das representações..." (p. 61). 
 As representações sociais garantem coesão, controle e a 
continuidade do grupo social. São utilizadas como meio de identificação do 
grupo, na medida em que, através delas, o grupo encontra-se "sinalizado", 
recorrendo às representações sociais para reconhecer e ser reconhecido. 
MOSCOVICI (1988) ressalta que a representação social não pode ser confundida 
com uma superestrutura ideológica que atravessa o sujeito, pois, neste caso, 
pressupõe-se um receptor passivo. KAÉS (1968), em seu estudo sobre imagens 
da cultura de operários franceses, afirma serem as representações operárias 
13 
resultantes das representações dominantes da cultura, das tradições operárias ou 
de outras classes sociais. As representações são produto ativo com influência da 
cultura dominante. 
 O grupo, a classe social e a cultura permeiam indiscutivelmente as 
representações sociais: história pessoal e situação econômica e social são 
fundamentais enquanto contexto das mesmas. 
 Partindo-se da premissa de que a bagagem que subsidia a 
construção da representação social leva em conta a classe social, o grupo, a 
cultura e os padrões cognitivos, estéticos e éticos, a representação, enquanto 
produto resultante de um processo criativo e autônomo, reproduz 
metaforicamente padrões onde estão contemplados as condições de classe social. 
Essa reprodução metafórica das condições de classe em instâncias da vida social 
foram levadas em conta por ARANTES (1985) na definição de cultura popular. 
 Os modos como o social transforma um conhecimento em 
representação e como uma representação transforma o social, compreendem dois 
processos, o da objetivação e o da ancoragem. 
 A objetivação é o processo que transforma abstrações em imagens, 
idéias em coisas palpáveis, ou seja, é um maneira de proximidade com o objeto 
em questão, materializando o que metaforicamente poderíamos designar como 
volátil. 
 Nesse processo de objetivação, temos uma seleção e uma 
descontextualização que permitem deslocar as informações de sua origem 
trazendo-as para um repertório familiar. Essa passagem da informação para um 
contexto familiar é acompanhada por uma essência figurativa, que torna o 
abstrato concreto, tornando palpável uma estrutura conceitual, de modo a 
permitir que tal informação faça parte dos recursos disponíveis, tornando-se 
então uma representação, que é o senso comum. A familiarização dessa 
reconstituição de um conceito ou abstração é chamada de naturalização. 
 A objetivação é, portanto, a seleção de informações e sua 
estilização para tornar-se instrumento próprio de categorização de pessoas, 
comportamentos, enfim da realidade externa. 
 O segundo processo é o da ancoragem, que é o enraizamento da 
representação, isto é, a integração cognitiva do objeto representado dentro do 
sistema de pensamento pré-existente, onde há transformações na representação 
derivadas deste sistema, bem como modificações que ocorrem no sistema pré-
existente pela representação social. É um processo de continuidade da 
objetivação e ao mesmo tempo ocorre simultaneamente a ela. Já está formada a 
14 
rede de significação que orienta a conduta e presta-se a organizar novas 
informações e, com essas representações, estabelecer relações sociais. 
 Está constituído aqui um sistema de interpretações que permite ao 
sujeito transitar num universo externo, antes desconhecido, tendo-o agora para si, 
tornando assim os objetos "entidades quase tangíveis" (MOSCOVICI, 1978, 
p.41). 
 A função da ancoragem é de integração da novidade num esquema 
significante, que permite interpretar a realidade e orientar as condutas e relações 
sociais. 
 As representações sociais não são estanques. O tempo e o grupo 
social, entre outros, vão orientar as mudanças nas representações, incluindo nelas 
marcos anteriores de pensamento, classificação, explicação, etc. A classificação 
não é neutra, poderá ser positiva ou negativa, pressupondo inclusive uma 
sinalização compartilhada coletivamente. 
 A causalidade é um outro aspecto importante da representação 
social. A causalidade pode ser por atribuição, quando há uma relação de causa e 
efeito. A causalidade por imputação ocorre quando um ato não concorda com a 
representação do observador. Este último busca a causa nas intenções que podem 
estar por trás dos atos, buscando uma ancoragem que defenderá sua 
representação (JODELET, 1988). 
 
O meio urbano 
 
 Acreditamos que certas práticas são delineadas pela própria 
dinâmica da vida urbana, tal qual encontramos no centro da cidade de São Paulo. 
Ao pensar sobre representações sociais no meio urbano, levou-se em conta as 
noções de tempo/espaço e a diversidade contida nos centros urbanos. 
 Muito embora não haja uma única diretriz teórica entre os diversos 
autores aqui citados, alguns concordam com o caráter urbano como categoria 
explicativa básica, e destes retiramos algumas noções expositivas sobre o modo 
de vida urbano e metropolitano. Outros entendem a dinâmica dos adensamentos 
urbanos como conseqüentes a uma ordem política, econômica e social e, através 
deles, apontamos para alguns indicativos causais das práticas sociais no meio 
urbano. 
 Merece maior detalhamento a escolha deste recorte no centro da 
cidade de São Paulo, para representar o meio urbano metropolitano. Não basta 
justificá-lo pela localização: alguns quarteirões que ficam próximos à praça do 
15 
Patriarca. Num contexto mais amplo, a cidade constitui-se como um "conjunto de 
diferentes usos da terra justapostos entre si", "espaço fragmentado e articulado, 
reflexo e condicionante social, é a própria sociedade em uma de suas dimensões, 
materializada em formas espaciais." Sendo o centro da cidade "local de 
concentração de atividades comerciais, de serviços e de gestão" (CORRÊA,1989, 
pp. 7-10). Por tudo o quanto distingue a cidade de São Paulo, adotamos a 
seguinte definição: 
"Metrópoles são essas hipertrofiadas aglomerações urbanas. E 
serão metrópoles também em seu sentido etimológico -cidade mãe-, 
embora do caráter maternal retenham menos a ternura que a 
posse, pois é a partir delas que o mercado internacional é 
controlado, as ingerências política nos territórios articuladas, e o 
comércio de bens e valores determinado. A centralização, efetuada 
a partir das metrópoles, do processo de internacionalização da 
economia, da política e da cultura, fá-las cidades, por excelência, 
cosmopolitas" (AZEVEDO, 1993, p. 20) 
 
 Caracterizamos o recorte do meio urbano através de imagens de 
cidades, recolhidas de alguns autores que ilustram e captam o espírito urbano, 
integrante de sua significação: 
"...a cidade é um estado de espírito, um corpo de costumes e 
tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a 
esses costumes e transmitidos por essa tradição" (PARK, 1987, 
p.26) 
 
 Há várias maneiras de se reconhecer o centro de um meio urbano, 
discernido pelo próprio tamanho da cidade, pelo contingente de pessoas que nele 
circulam, pelas fronteiras territoriais que delimitam onde é o centro da cidade, 
por suas características econômicas, sociais e culturais. Por tais características,seria diferente estudarmos o meio urbano de uma cidade como São Paulo e de 
qualquer outra cidade do interior do Estado de São Paulo ou ainda de outra 
capital do Brasil. 
 FERRARA (1990) propõe o uso da imagem enquanto 
representação e linguagem para o estudo das cidades. Para a autora, as imagens 
traduzem valores, hábitos e costumes que fazem parte do cotidiano do homem. 
Buscamos imagens de cidades reproduzidas por diferentes autores e de diferentes 
16 
escolas, sem nos determos nelas, com o exclusivo interesse de retratar, através 
destas imagens, o que se define como meio urbano. 
 A cidade, por suas imagens, é definida por FERRARA (1990, p.3) 
como uma "robusta realização humana, uma forma distinta de civilização", "um 
cenário cultural caracterizado pelo movimento, pelos adensamentos humanos, 
barulho, tráfego, verticalização das construções, vida fervilhante que assinalam 
um certo modo de vida e certo tipo de relações sociais." 
 A imagem utilizada por RABAN (citado por HARVEY) é a de uma 
"enciclopédia" ou "empório de estilos", tornando-se a cidade um "livro de 
rabiscos de um maníaco, cheio de itens coloridos sem nenhuma relação entre si, 
nenhum esquema determinante, racional ou econômico." (HARVEY, 1993, p.16) 
 "O segredo de uma metrópole é que a soma de problemas é 
relativamente proporcional à soma de soluções". Assim, para LIMA (1990, p.41), 
as cidades não se deterioram pela falta de esgoto, de asfalto, de arborização. 
Deterioram-se quando deixam de responder ao desejo. Partindo da idéia de que 
toda nação tem uma cidade que representa o desejo nacional, São Paulo é, para o 
século XX, o que o Rio de Janeiro foi para o fim do século XIX e início do 
século XX. 
 LÉVI-STRAUSS (1981, p. 92) em Tristes Trópicos, retrata a 
cidade de São Paulo e o que ele define como o "famoso Triângulo", "tão vaidoso 
quanto Chicago de seu Loop", a zona de comércio situada entre as ruas Direita, 
São Bento e 15 de Novembro, como "vias congestionadas de placas em que se 
espremia uma multidão de comerciantes e de empregados proclamando, nas suas 
roupas escuras, a fidelidade aos valores europeus ou norte- americanos, ao 
mesmo tempo em que seu orgulho dos 800 metros de altitude que os libertava 
dos langores do trópico." 
 Outra descrição do espírito da cidade é apresentada por Edgar 
BRASIL citado por KRUCHIN (1989, p. 42): 
"Frenética seqüência de cenas num jorro 
de closes e sinais. Música. Ruídos. 
Buzinas. Arranha-céus. Arranha-céus. 
Arranha-céus. Pare. Siga. Placas. Multidão. 
Um acionar tenso de buzinas. Mãos. 
O braço estendido de César, o monumento. 
Triunfo e poder. 
Vapor. Multidão. Edifício. Edifícios. 
Edifícios. " 
17 
 
 Entre o tilintar das caixas registradoras nos restaurantes, os camelôs 
que dividem o espaço de percurso do pedestre, o amontoado de gente circulando 
nos diversos sentidos e o agrupamento em torno de um sanfoneiro ou de um 
cortador de legumes fazendo demonstrações exóticas, buscamos concentração 
para observar o proposto por esta dissertação. Depois da terceira ou quarta vez 
freqüentando os mesmos locais, engana-se quem pensar ser mais um para 
engordar a multidão. Aos poucos, o jornaleiro é familiar, o garçom já o 
reconhece e o porteiro do Edifício Martinelli oferece-lhe um bom-dia. Antes das 
oito, o cenário da cidade está sendo armado e há familiaridade entre os 
integrantes do centro da cidade. Ao meio-dia, auge do burburinho, são todos 
menos íntimos e diluem-se os conhecidos entre desconhecidos. O concreto 
imóvel das edificações imponentes daquela região aparentemente acompanha o 
movimento, atenuando sua imobilidade. 
 O panorama citadino ilustra o recorte deste trabalho e buscamos as 
categorias teóricas referentes ao meio urbano, entre os diversos autores que direta 
ou indiretamente tratam da cidade. 
 Ao desenvolvermos o aspecto relativo ao meio urbano, 
recorreremos a alguns autores da Escola de Chicago, principalmente WIRTH 
(1987), não para tratar do tema utilizando como diretriz teórica a Ecologia 
Humana, mas essencialmente porque esses autores estudaram a cidade em si 
como um fenômeno capaz de gerar um modo de vida específico, o que permitirá 
recorrer a algumas de suas categorias sobre o modo de vida urbano. Em seu 
ensaio sobre A metrópole e a vida mental dentro desta mesma perspectiva de 
estudar o fenômeno urbano em si, SIMMEL (1987) definiu o modelo pelo qual o 
homem poderia responder psicológica e intelectualmente à diversidade e 
acúmulo de estímulos peculiares ao meio urbano como uma atitude blasé, que 
vem a ser a redução da sensibilidade pelo excesso de estímulo, levando a uma 
falsa individualidade que se apresenta no cultivo de sinais de moda ou de 
excentricidade. 
 A gramática espacial e temporal apresentada por DaMATTA 
(1985) possibilitará reconhecer nas dimensões do comer e da comida a oposição 
dos espaços da casa e da rua. Recorremos a SIMMEL (1987) e DaMATTA 
(1985) para contrapor dois tempos: um como organizador externo da vida 
metropolitana e o outro como tempo subjetivo organizado pela significação 
interna. Ambos configurando os reflexos do ritmo da cidade no modo pelo qual 
as pessoas se relacionam com a comida. 
18 
 HARVEY (1993), ao indicar as modificações sociológicas 
subjacentes à passagem da modernidade à pós-modernidade, recorre à 
experiência do espaço e do tempo enquanto categorias básicas da existência 
humana mas não como concepções naturalizadas. As práticas humanas 
modificam a qualidade objetiva e os significantes de tempo e espaço. Esse autor 
nos indica caminhos para pensarmos as práticas alimentares no meio urbano, 
pois, como expõe, no capitalismo as práticas e processos materiais de reprodução 
social encontram-se em permanente mudança, acompanhadas pelo significado de 
tempo e espaço. O avanço do conhecimento científico, administrativo, 
burocrático e racional, vital para o progresso da produção e do consumo 
capitalista, traz conseqüências materiais para a vida diária decorrentes das 
mudanças conceituais, incluindo as representações de tempo e espaço. 
 Almoçar em casa é uma prática hoje impensável para quem vive e 
trabalha numa cidade das dimensões de São Paulo, ao contrário do que ocorria 
com as gerações passadas, quando tal prática era comumente restrita ao lar. Essa 
passagem da alimentação marcadamente concentrada no reduto familiar ao 
espaço público traz implicações na relação do sujeito com a alimentação. 
 O curto período de tempo que as pessoas têm para comer 
transforma a pressa num dos traços visíveis da caracterização do modo de comer 
no centro urbano, com o abreviamento do ritual alimentar em suas diferentes 
fases, da preparação ao consumo. Nos fins de semana a alimentação representa 
ainda uma ligação mais próxima com o ritual alimentar de uma refeição do 
passado. A comemoração, a confraternização, a hospitalidade, a reunião familiar, 
o lazer e a visita dos amigos marcam as refeições dos fins de semana. 
 HARVEY (1993) recomenda aprendermos com a teoria estética 
sobre o modo como diferentes formas de espacialização inibem ou facilitam os 
processos de mudança social e relacioná-lo com os modos pelos quais, segundo a 
teoria social, as mudanças político-econômicas contribuem para as práticas 
culturais. 
 São exemplos de mudança das práticas, no caso da alimentação, a 
organização do espaço e o estilo imprimido por restaurantes e lanchonetes de 
grandes redes, normalmente franquias que importam a concepção de sua marca. 
Sutilmente montadas para o cliente tardar o menor tempo possível, essas 
lanchonetes são arrojadas na construção, na mobília e no lay out interno e 
externo, numa ambientação combinando em proximidade o nostálgico e o 
moderno, como é o caso da rede de lanchonetes Mc Donald's, que tem se 
dedicado a recuperar antigas mansões e tenta manter o estilo original apenas 
19 
atualizando-o.Não com a mesma eficiência, as réplicas de restaurantes e 
lanchonetes que tentam atualizar seu visual elegem apenas o que interpretam 
esteticamente como "moderno", caracterizado por azulejos, cadeiras e mesas de 
plástico e utensílios do mesmo material com preferência pelas cores berrantes. 
Além do serviço, tudo colabora para que o comer tarde o menor tempo possível: 
as cadeiras são desconfortáveis, as mesas ou balcões apertados, tudo feito na 
medida para o freguês comer rápido: exigência de quem come e vantagem para o 
proprietário. 
 É característica de quem trabalha no centro da cidade dispor de um 
tempo certo para comer. Os próprios deslocamentos, do escritório ao restaurante, 
mesmo sendo percursos métricos pequenos, o enfrentamento de aglomerados de 
pessoas, de vitrines e camelôs, ocupam o percurso e o tempo. A tônica no tempo, 
para quem come na cidade, é emergente e os proprietários de restaurantes e 
lanchonetes têm como preocupação a rapidez do serviço, meta para a manutenção 
da clientela de todo estabelecimento comercial que queira sobreviver naquele 
local. Não é adequado restringir a definição de fast food apenas às grandes redes 
de lanchonetes, pois observamos que a variação de tempo nos serviços prestados 
por estes estabelecimentos é relativa. 
 A dinâmica da cidade, seu ritmo e sua ordenação estão diretamente 
relacionados com o tempo. A pontualidade, a calculabilidade e a exatidão fazem 
parte da complexidade e extensão da vida metropolitana (SIMMEL , 1987). 
 DaMATTA (1985) associa a unidade de tempo a alguma atividade 
social bem marcada. O tempo, bem como o espaço, ordena o conjunto de 
vivências provadas socialmente e lembradas como parte (ou parcela) do 
patrimônio cultural. 
 Mesmo com um sistema homogêneo e hegemônico, ordenado por 
uma unidade oficial e universal, o tempo diferencia-se pela experiência a ele 
associada. 
 O tempo do relógio, o tempo mecânico, externo põe ordem na vida 
urbana; o tempo percebido, sentido, que pode dar maior ou menor extensão a um 
acontecimento é estabelecido por uma ordem subjetiva. Provavelmente esses dois 
tempos acompanham os diferentes ritmos da comida dos dias da semana e dos 
finais de semana. Citado por DaMATTA (1985), o trabalho de HOLANDA 
aborda a predominância de um tempo sobre o outro. Esses dois tempos, o interno 
e o externo, são experimentados diversamente durante a semana e nos fins de 
semana, sendo o tempo externo, essencialmente regulador dos dias de trabalho. 
20 
 A comida do dia-a-dia e a comida do lazer, dos finais de semana, 
transcorrem em espaços distintos e marcam diferenças simbólicas importantes. 
Como afirma ZALUAR (1985) em sua pesquisa realizada entre os moradores do 
conjunto habitacional Cidade de Deus, na cidade do Rio de Janeiro, "a comida 
'variada' passa a marcar, assim, o tempo de lazer, o tempo do 'não trabalho' que é 
para eles o domingo . E esse também é o dia da reunião de família, quando todos 
comem juntos e o pai deveria estar presente" (p.110). A comida da rua nunca 
poderá substituir a comida de casa e os envolvimentos que nela transcorrem. 
 Na "gramática dos espaços", apresentada por DaMATTA (1985), 
traduzem-se as implicações que os diversos espaços têm na forma de pensar e de 
comportar-se das pessoas. Aos diversos espaços pertencem esferas de 
significação que delineiam uma visão de mundo e éticas particulares que 
constituem a própria realidade e que, portanto, normalizam e moralizam o 
comportamento a partir de perspectiva própria. O espaço se confunde com a 
própria ordem social, de modo que, sem entender a sociedade com suas redes de 
relações sociais e valores, não se pode interpretar como o espaço é concebido. A 
sociedade tem seus espaços organizados com valores e códigos que permitem o 
discernimento entre a rua e a casa, enquanto espaços ocupados e vividos de 
maneiras distintas, de modo que atitudes, papéis sociais, comportamentos e 
gestos são adequados a esses espaços. 
 Dessa forma, um mesmo evento pode ser interpretado através do 
código da casa e da família, pelo código da rua e pelo código do "outro mundo", 
que pertence "à renúncia ritualizada deste mundo", utilizando as palavras do 
autor. Ou seja, neste "outro mundo", cabem os sofrimentos, as ilusões, as 
contradições, falsidades e injustiças. De algum modo o "outro mundo" sintetiza 
os outros dois mundos. Esses códigos são diferenciados, mas nenhum deles é 
exclusivo ou hegemônico, embora, na prática, um impere sobre o outro, de 
acordo com o segmento ou categoria social a que pertence a pessoa. A 
hegemonia de um código sobre o outro está atrelada à espacialidade, na medida 
em que esta contém um ponto de vista ligado à sua rede de significação. 
 A casa/rua é apontada pelo autor como oposição, tanto quanto 
como complementação. A rua pode ser um prolongamento da casa, quando, por 
exemplo, as cadeiras são colocadas na calçada no fim da tarde, reunindo vizinhos 
como numa sala de estar. A casa também pode ter seus espaços fazendo ponte 
com o exterior, como é o caso de janelas, varandas, etc., que põem a casa em 
contato próximo com a rua. Este sentido de complementação entre casa e rua é 
mais característico na vida dos bairros e nas cidades do interior. No centro 
21 
urbano, tal como se apresenta no centro de São Paulo, a oposição entre a casa e a 
rua é marcadamente mais nítida. Na casa cabem as relações harmoniosas, a 
familiaridade e a hospitalidade. A rua é o local da individualização, da luta, onde 
convivem as contradições. No espaço público está o perigo, o negativo, o 
autoritário, onde a regra é a lei a que todos estão subordinados. 
 A aproximação física dos homens nos centros urbanos traduz mais 
o isolamento social do que propriamente maiores e melhores condições para 
trocas (CHOMBART DE LOUWE, 1987). Nos espaços destinados à 
alimentação, os aglomerados expressam mais um somatório de pessoas isoladas. 
Por exemplo, a alimentação tem seu caráter de intimidade garantido quando as 
refeições são feitas em casa. Já no período de trabalho, considerando que quem 
trabalha no centro alimenta-se na rua ou no próprio local de trabalho, essa 
intimidade deve ter outros meios para ser resguardada. 
 É grande o número de estabelecimentos comerciais que possuem 
balcões para as refeições e, mesmo naqueles em que há as duas opções, ou seja, 
mesas e balcões, os espaços destinados às mesas é menor. Em conversas com 
pessoas que trabalham há muitos anos em restaurantes no centro da cidade, foram 
comentadas as mudanças ocorridas nesse sentido. Muitos restaurantes reduziram 
o espaço das mesas e aumentaram os serviços em balcões. Podemos supor que 
essa organização espacial dos restaurantes comporta mais sujeitos isolados do 
que grupos. Provavelmente nas mesas gasta-se mais tempo para comer. Nesse 
sentido, a relação entre comida de casa e comida da rua certamente traduzirá 
contrastes. 
 Para WIRTH (1987), o modo de vida urbano comporta a 
heterogeneidade, decorrente do convívio das várias raças, povos e culturas num 
mesmo espaço, e a homogeneidade, enquanto "tendência niveladora", necessária 
para proporcionar facilidades, considerando primordialmente a necessidade 
média das pessoas. Podemos observar a tendência a homogeneidade na expansão 
de cadeias de restaurantes e lanchonetes, tais como Mc Donald's, Grupo Sérgio, 
Pizza Hut, Almanara, Galeto's, etc. Se, por um lado, observamos aqui a 
homogeneidade, por outro lado a heterogeneidade é apresentada pelas diferentes 
culinárias que essas redes apresentam: comida árabe, americana, italiana. 
Conseqüente à expansão capitalista, a multiplicação desse tipo de comércio nos 
últimos anos, estabeleceu mudanças importantes nos hábitos alimentares e nos 
padrões de consumo (TAGLE, 1988). 
 A diversidade cultural pode ser notada pelo tipo de padronização de 
cardápios, comum nos restaurantes do centro da cidade,que funciona como uma 
22 
convenção social. Em observação realizada no centro da cidade de São Paulo, 
encontramos, de um lado, as várias opções de cardápio, que não fogem a um 
padrão denominado "cabeçário", que é o nome dado ao principal prato do dia. 
Todos os restaurantes que servem essa modalidade seguem esse padrão, que 
exemplificamos com o cardápio do Bar e Restaurante Guanabara, situado na rua 
São Bento: 
 2a. feira - Virado à Paulista 
 3a. feira - Dobradinha 
 4a. feira - Feijoada 
 5a. feira - Nhoque 
 6a. feira - Bacalhau 
 Sábado - Feijoada 
 
 As possíveis variações do "cabeçário" limitam-se, por exemplo, ao 
tipo de massa ou a outra preparação à base de peixe, mas nunca alterando essa 
ordem nos dias da semana. 
 Desta maneira, é possível escolher entre o previsível e o 
imprevisível. Este último consiste em pratos opcionais, formados por várias 
outras preparações, que variam segundo o restaurante, o cozinheiro, etc. Assim, 
temos a homogeneidade de um cardápio padrão espalhado pela cidade e, em 
termos mais amplos, um padrão alimentar mais ou menos constante e a 
heterogeneidade explicitada nos cardápios especializados para as diversas 
culinárias: brasileira, indígena, italiana, portuguesa, etc. 
 O mesmo encontramos nas variações de sanduíches. Praticamente 
todos os lugares servem os sanduíches, que aqui denominaremos de 
"convencionais", que são: o hambúrguer e suas variações, o misto quente, 
cachorro-quente, bauru, entre outros. No entanto, alguns locais servem 
sanduíches à base de frios, que permitem ao freguês escolher um sanduíche 
existente no cardápio ou criá-lo na hora, fazendo mistura de frios com outros 
acompanhamentos. Essa opção de sanduíche é mais cara, sendo seu preço médio 
equivalente ao de uma refeição completa. 
 Ilustrando a receptividade da cidade de São Paulo ao peregrino, 
LIMA (1990) apresenta, entre outros exemplos, como as culturas japonesa e 
italiana marcaram sua presença, sendo incorporadas no dia-a-dia do paulistano 
através da culinária. Assim, "o sushi se transformou no kibe das elites", como 
exemplifica o autor. Também é fartamente observável o apetite pela macarronada 
de domingo. 
23 
 As modalidades das preparações culinárias registram em parte a 
história da colonização e as diferentes influências culturais. WEFFORT (1984), 
em seu artigo sobre a construção de uma cultura nacional e popular a partir do 
estudo dos nordestinos em São Paulo, refere-se à permanência de hábitos, e 
particularmente os alimentares, como marca visível da presença cultural do 
nordestino na cidade, tal como os italianos deixaram suas marcas em outra época. 
À medida que a construção de características nacionais se faz no plano social e 
cultural, pelo processo migratório do nordestino para São Paulo, no plano 
econômico ocorre a tendência à desnacionalização. Como símbolo dessa 
configuração econômica, o autor aponta a Avenida Paulista como representante, 
no passado, das oligarquias locais e, hoje, das multinacionais. 
 Literalmente, no concreto vemos representado nesse exemplo o 
poder econômico. Arriscamos extrapolar para o plano alimentar essas 
contradições: a própria internacionalização do capital reflete a tendência de um 
plano alimentar desnacionalizado, que vemos nos lanches e em refeições do tipo 
fast-food de uma maneira geral, e convive no dia-a-dia com preparações mais 
tradicionais, típicas da nossa alimentação. 
 Essa imposição de um modelo alimentar internacionalizado, que 
vem sendo introduzido no Brasil pelas grandes redes principalmente de 
lanchonetes, é acompanhada por medidas de grande impacto devido ao 
marketing associado a esses produtos. Como afirma LIMA (1990, p.41) "tudo o 
que se canoniza na metrópole torna-se moda e modelo" e, assim, sentimos os 
efeitos dessa outra forma sutil de colonização, a dos costumes. 
 A atuação dos meios de comunicação de massa, justifica, segundo 
TAGLE (1988) a redução da influência dos hábitos alimentares familiares em 
crianças e adolescentes. Calcula-se que durante o período que vai da idade de 6 a 
18 anos, eles assistam aproximadamente 20.000 horas entre TV, cinema, discos 
e rádio. 
 Surpreendeu-nos encontrar nesta localidade do centro da cidade de 
São Paulo, conhecida pela diversidade gastronômica, um padrão alimentar de 
certa forma limitado, que vai dos já comentados pratos do dia e opcionais, do 
serviço à la carte aos sanduíches e salgadinhos. A variedade culinária parece 
estar organizada de modo a comportar, por um lado, uma certa homogeneização 
do paladar, associada principalmente à comida do dia a dia e, por outro, a 
diversidade gastronômica influenciada pelas diferentes colônias de imigrantes. 
PARK (1987), ao referir-se à organização física da cidade, apresenta áreas 
ocupadas por diferentes colônias de imigrantes e por segregação racial. 
24 
 A disposição geográfica dos restaurantes desta cidade é 
caracterizada pela existência de restaurantes típicos situados geralmente em 
bairros, segundo a predominância de nacionalidades de imigrantes que se fixaram 
no local. Estes restaurantes estão mais voltados para o lazer. Os restaurante que 
servem a chamada "cozinha internacional", situam-se no centro e espalhados pela 
cidade para atender a população que utiliza restaurantes nos dias de trabalho. 
 Mas, apesar das variações do cardápio, a primeira seleção é 
estabelecida pelo que se pode gastar, ou seja, o leque de opções fica ainda mais 
restrito, pois a maioria da população esbarra nos limites financeiros. 
 "Aquela vontade" terá que adequar-se às condições objetivas. 
"Fome psíquica" é o termo usado por CANDIDO (1987), em seu estudo entre os 
caipiras paulistas, para designar o constante desejo frustrado dos alimentos mais 
prezados: a carne, o pão , o leite, escassos naquele meio. 
 Ao estudarmos as representações sociais da alimentação estaremos 
abordando também o que as pessoas comem no centro da cidade de São Paulo. 
Mais precisamente, interessa-nos conhecer qual o padrão alimentar idealizado em 
suas representações e quais os recursos explicativos utilizados para defini-lo. 
Investigar quais são essas representações e como vem sendo, de fato, a 
alimentação do comensal que trabalha no centro da cidade de São Paulo, 
permitirá esclarecer o padrão alimentar eleito dentro de um leque de opções por 
um lado restrito a uma faixa de possibilidade financeira e, por outro, envolto em 
valores simbólicos. 
 Os apelos do consumo despertam desejos que deverão ser driblados 
e substituídos por aqueles pratos que ficam ao alcance do salário ou atendidos 
por réplicas baratas de preparações desejadas, que eventualmente podem ser de 
qualidade questionável. 
 Em pesquisa realizada entre estudantes universitários americanos 
sobre crenças a respeito dos fast-food restaurants, foram enfatizados como 
vantagens, o aspecto econômico e o tempo (AXELSON, 1983). 
 Quando nos referimos a mudanças nos hábitos alimentares é difícil 
não referir a estreita relação entre a adesão aos lanches e as vantagens 
econômicas que representam. 
 A cidade comporta uma complexidade de ritmos, valores e práticas 
refletidos em todas as modalidades e instâncias da vida metropolitana. A 
tradução dessa diversidade no modo de comer e na comida é um tema vasto para 
compreendermos melhor o modo de vida citadino. 
25 
 Por outro lado, as categorias expostas de análise do meio urbano 
contribuíram para explorarmos as representações sociais da comida. Tais 
categorias, destacadas por seus autores, nortearam a análise e discussão das 
representações sociais das práticas alimentares urbanas encontradas que oscila 
entre representações de hábitos e representação simbólica. Retomaremos essas 
abordagens ao examinarmos o conteúdo das entrevistas nas quais, de forma 
difusa ou referindo-se especificamente à cidade, a populaçãoestudada traz 
representações sociais do meio urbano propriamente dito e da alimentação nesse 
espaço. A continuidade deste trabalho encontra-se em três outros capítulos 
(Repercussões do meio urbano na alimentação, O padrão alimentar e A 
alimentação sob a égide da saúde) e consiste na análise das entrevistas de 
funcionários da Secretaria da Habitação do Município de São Paulo, que 
trabalham e fazem alguma refeição no centro da cidade. A proposta de 
apresentarmos este capítulo introdutório é discutirmos esta outra possibilidade de 
análise da alimentação, considerando seus aspectos simbólicos que agregam a 
dimensão cultural e afetiva . 
 
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6 Estas referências bibliográficas são relativas ao capítulo introdutório desta dissertação. 
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