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A VOCAÇÃO ESPIRITUAL DO PASTOR Eugene Peterson


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A vocação espiritual do pastor - Eugene Peterson 
 
 
PETERSON, Eugene. A vocação espiritual do pastor. 1ª Edição. São Paulo: Mundo 
Cristão, 2006. p. 21-40. 
 
1 
 
Comprando a passagem para Társis 
 
Jonas se dispôs, mas para fugir da presença do Senhor para Tarsis; e, tendo 
descido a Jope, achou um navio que ia para Társis; pagou, pois, a sua passagem e 
embarcou nele, para ir com eles para Tarsis, para longe da presença do Senhor. Jonas 
1:3 
 
Fiz muitas coisas em minha vida que atrapalharam os grandes alvos que eu tinha 
estabelecido — e algo sempre me trouxe de volta ao verdadeiro caminho. Alexander 
Solzhenitsyn 
 
Jonas é um personagem querido por todos. As crianças em geral adoram sua 
história, e os adultos também ficam fascinados. Pessoas de fora que têm um mínimo de 
conhecimento ou interesse pelas Escrituras sabem o suficiente sobre Jonas para rirem de 
uma piada baseada na história. Os estudiosos, estufados de tanta erudição, escrevem 
artigos e livros sobre ela. Sua influência pode ser vista em descendentes tão diferentes 
quanto Pinóquio e Moby Dick. Convivi com o livro em ambas as extremidades de meu 
espectro educacional: lembro-me das apresentações com flanelógrafo em minha classe 
de escola dominical em Montaria; vinte anos depois, na cidade de Nova York, foi o 
primeiro livro que li inteiro em hebraico. Foi tão interessante em hebraico quanto no 
flanelógrafo. 
Uma das razões da longa popularidade de Jonas é que ele convida ao bom humor. 
O livro de Jonas, tanto no conteúdo quanto no estilo, é alegre, e ele evoca a alegria em 
nós. 
Essa história, embora alegre, não é frívola, pois aqui não existe nada de fútil, 
apenas a mais séria verdade. Alguns aspectos da vida e da verdade podem ser melhor 
explorados por meio da diversão imaginativa. Existe uma honrosa camada de 
hermenêutica em nossa tradição que provoca esse texto. 
Os rabinos se deram ao luxo de fazer isso e o disfarçavam sob o pomposo nome de 
mídrash. Eu também gostaria de fazer isso: levar o texto a sério, mas de maneira 
divertida. 
 
O Jonas desobediente 
 
Existem dois movimentos amplos na história de Jonas que localizam sua vocação, 
bem como as vocações daqueles que lêem a história, na espiritualidade. Esses 
movimentos se combinam para desfechar um golpe fatal contra a pretensão. Há uma 
enorme quantidade de romantismo pretensioso na vocação pastoral. Ele se acumula 
como mariscos no casco de um navio. A história de Jonas nos leva até à doca seca e 
raspa nossa pomposa falsa dignidade e nossas ambições inchadas pela fantasia. 
O primeiro movimento na história mostra um Jonas desobediente; o segundo o 
mostra como profeta obediente. Em ambos, Jonas fracassa. Nós nunca vemos um Jonas 
bem-sucedido. Ele nunca acerta. Acho isso um tanto reconfortante. Jonas não é um 
modelo a ser seguido, um modelo que mostra minha ineficiência; esse é um treinamento 
de humildade, uma humildade bem alegre, em vez de servil. 
 
Fuga para Társis 
 
Veremos primeiro o Jonas desobediente. Ao receber seu chamado profético para 
pregar em Nínive, Jonas foi em direção a Társis. Társis é Gibraltar, ou Espanha — 
algum lugar nessas redondezas ou em direção a ela. O fim do mundo. Os portões da 
aventura. 
A viagem de Jonas até Társis é iniciada com a palavra de Deus. Isto é 
vocacionalmente significativo. Ele não apenas ignora a palavra. Sai em Jope. Não volta 
ao seu velho emprego, qualquer que seja, anestesiando sua consciência vocacional com 
rotinas familiares. Ele vai, um ato de desobediência ou algo assim. Portanto, escolhe seu 
destino: Társis. 
Ironias são numerosas na vocação pastoral, e eis uma das mais irônicas, uma 
ironia repetida geração após geração. Jonas usa o mandamento do Senhor para evitar a 
presença do Senhor. "Para ir com eles para Társis, para longe da presença do Senhor" 
(Jn 1:3). A fim de que a ironia não nos escape, existe uma repetição da frase "Társis, 
para longe da presença do Senhor", a sentença começa e termina com ela. 
Entretanto, por que alguém fugiria da presença do Senhor? A presença do Senhor 
é um lugar maravilhoso: uma consciência da bênção, uma afirmação pessoal. 
"Presença" em hebraico significa literalmente "face" [paneh], uma metáfora carregada 
de experiências complexas e íntimas. Na infância, à medida que nossos olhos 
gradualmente se focalizam, a face é nossa primeira visão. Por meio dos rostos paternos, 
nós nos conhecemos, e, em sua expressão, aprendemos nosso lugar no mundo. 
Adquirimos confiança e afeto (ou, em alguns casos terríveis, rejeição e maus tratos) 
através da face. Nossos anos de formação são passados olhando para uma face, e 
crescemos em direção àquilo que olhamos com respeito. Assim, a metáfora derrama 
percepções baseadas na experiência. A face é a nossa fonte e o nosso sol sob o qual nos 
percebemos como intimamente concebidos e beneficentemente iluminados. Estes fatos 
se desenvolvem na metáfora da face de Deus. Os sentimentos e respostas que começam 
no berço desenvolvem-se no adulto, sob a influência da fé, e assumem a forma de atos 
de adoração: aventuras deliberadas na adoração de Deus e compromisso com Cristo, por 
meio dos quais escapamos do isolamento narcisista de contemplar os espelhos do nosso 
ego e de obter nossa própria visão da realidade, definida por nossos olhos vesgos e 
nossa mandíbula cerrada. Por que alguém escaparia da presença/face de Deus para 
contemplar isso? 
Por mais incoerente que pareça, existe um motivo. Uma coisa curiosa acontece 
quando experimentamos Deus. Ela aconteceu pela primeira vez no jardim do Éden e 
continua acontecendo. A experiência com Deus — êxtase, a totalidade dele — é 
acompanhada por uma tentação de reproduzir a experiência como Deus. O gosto por 
Deus torna-se numa ambição de tornar-se Deus. O ser amado por Deus é distorcido a 
ponto de se tornar uma cobiça de agir como Deus. Vislumbro um mundo onde Deus 
está no controle e acho que também posso assumir o controle. Abandono minha 
preferência pessoal por Deus e me associo à serpente despersonalizada e astuta. Fujo da 
face resplandecente de Deus para um mundo sinuoso da religião que me dá licença para 
manipular as pessoas e adquirir atributos quase divinos. Assim que começo a cultivar a 
possibilidade de adquirir esse tipo de poder e glória, certamente vou evitar olhar para a 
face de Deus, fugir da presença do Senhor e procurar um lugar onde eu possa 
desenvolver meu orgulho e adquirir poder. 
Todos são tentados dessa forma — uns, mais; outros, menos —, mas pastores têm 
a tentação aumentada por sua vocação. Nós não somos sujeitos a essa tentação de 
imediato. Começamos nossa vocação regozijando-nos na presença do Senhor. Jonas 
certamente se regozijava. Caso contrário, ele não seria um profeta. Podemos deduzir 
que Jonas tinha uma vida bem estabelecida ministrando a Palavra de Deus. O início do 
livro mostra uma história já em andamento. Esta tentação específica só aparece depois 
de estarmos bem envolvidos com nossa vocação e, devido a esse envolvimento, já não 
estarmos, talvez, tão vigilantes como costumávamos estar nos anos de nossa formação 
pastoral, quando éramos postos à prova com as tentações básicas do ministério, as 
mesmas enfrentadas por Jesus no deserto (Mt 4:1-11). 
Além disso, os pastores têm a seu dispor uma platéia substancial diante da qual 
devem agir de modo semelhante a Deus. Diferente de outras tentações que estão 
associadas a elementos de imoralidade, e por isso têm penalidades sociais e fisicamente 
visíveis, essa tentação é quase puramente espiritual e comumente recebe um reforço 
social. Se nós pregarmos a Palavra de Deus por muito tempo e com freqüência, não é 
necessário um grande salto da imaginação para assumirmos uma postura típica do deus 
que está falando a palavra. Se a postura é reforçada pela credibilidade admiradora daspessoas a meu redor, benefícios de poder e bajulação começarem a ser desfrutados, eu 
certamente continuarei a fugir da presença do Senhor, pois lá fica o lugar onde 
certamente serei exposto como um enganador. 
Existe uma longa e bem documentada tradição de sabedoria na fé cristã que indica 
que qualquer aventura como líder, quer seja leigo ou clérigo, é perigosa. É necessário 
que haja líderes, mas ai daqueles que se tornam líderes. A simples pressuposição da 
liderança — até mesmo os mais modestos avanços em direção a ela —, possibilita o 
aparecimento de pecados que eram então inacessíveis. Essas novas possibilidades são 
extremamente difíceis de serem reconhecidas como pecado, pois cada uma delas surge 
como virtude. Os descuidados abraçam essas novas "oportunidades" para o serviço do 
Senhor, sem perceberem a realidade de que estão mordendo a isca uma promessa que se 
transforma, mais cedo ou mais tarde, em maldição. "Não vos torneis muitos de vós 
mestres", alertou Tiago, que conhecia bem os perigos. 
Os pecados que enfrentamos nos primeiros anos de nossa fé, se não são facilmente 
resistidos, são, pelo menos, facilmente reconhecidos. Se eu matasse um homem, 
reconheceria meu erro. Se eu adulterasse, pelo menos teria o bom senso de não o 
anunciar. Se eu roubasse, iria esforçar-me diligentemente para não ser descoberto. Os 
chamados "pecados menores", os pecados da carne como foram outrora categorizados, 
são óbvios, e não existem apenas na comunidade religiosa, mas também na comunidade 
civil que protesta contra sua proliferação. Os pecados maiores, "os pecados do espírito", 
não se discerne tão facilmente. O diagnóstico é difícil. O que será esse arroubo de zelo? 
Obediência enérgica ou presunção humana? O que será essa confiança exuberante? 
Santa ousadia inspirada pelo Espírito Santo ou arrogância alimentada por um ego 
ansioso? O que será essa liderança agressiva? Fé corajosa ou auto-exaltação? E este 
pregador subitamente importante, com uma grande legião de seguidores apaixonados? 
Será ele um descendente espiritual de Pedro com seus cinco mil convertidos 
arrependidos ou de Arão, satisfazendo o desejo de suas dezenas de milhares com danças 
e cânticos religiosos em volta de um bezerro de ouro? 
Não é fácil dizer. Nem um pouco fácil. Em nenhum outro lugar o engano é mais 
comum do que na religião. E as pessoas mais sujeitas ao engano são os líderes. Aqueles 
que enganam outros, enganam primeiramente a si, pois não muitos, eu acho, começam 
com um propósito maligno. O Diabo, afinal, é um ser espiritual. Seu modo comum de 
tentação não é por meio de um mal óbvio, mas por meio de um bem aparente. A forma 
mais comum de adoração inspirada pelo Diabo não ocorre furtivamente, com rituais de 
magia negra e galinhas decapitadas, mas sob as luzes brilhantes da aclamação e glória, 
acompanhada por belas músicas ao órgão. 
Gerações mais sábias do que a nossa cercavam os líderes de conselhos e 
orientação. Não mandavam homens e mulheres para esse território perigoso sem antes 
fazer uma descrição minuciosa dos perigos e das constantes avaliações feitas ao longo 
de sua caminhada. Mesmo assim, o naufrágio espiritual era bastante comum. É difícil 
discernir se a insensatez dos nossos dias é mais óbvia quando ingenuamente enviamos 
pessoas a essas missões perigosas ou quando inocentemente confiamos em sua 
sinceridade. O líder religioso é o mais indigno de confiança dentre todos os líderes; em 
nenhuma outra posição temos tantas oportunidades de exercer orgulho, ambição e 
cobiça, nem temos tantas máscaras diferentes a nosso alcance para impedir que tal 
ignomínia seja descoberta e confrontada. 
E por que Társis? Bem, para começar, é bem mais empolgante do que Nínive, que 
era um lugar antigo coberto por uma história arruinada e infeliz. Ir à Nínive para pregar 
não era uma missão cobiçada por um profeta hebreu com boas recomendações. Társis, 
entretanto, era outra história. Era um lugar exótico. Uma aventura. Társis tinha o 
encanto do desconhecido enfeitado com detalhes barrocos de fantasia e imaginação. Nas 
referências bíblicas, Társis era "um porto distante e às vezes idealizado". O livro de 
1Reis 10:22 relata que a frota de Salomão ia a Társis pegar ouro, prata, marfim, 
macacos e pavões. O estudioso de línguas semíticas, Cyrus H. Gordon, diz que na 
imaginação popular ela era "um paraíso distante". Shangri-lá. 
Esse escapismo exótico é bem familiar. Deus oferece a homens e mulheres uma 
vocação e os chama para realizarem uma obra. Nós respondemos a essa iniciativa 
divina, mas humildemente pedimos para escolher o destino. Seremos pastores, mas não 
em Nínive, faça o favor! Vamos experimentar Társis. Em Társis, podemos ter uma 
carreira religiosa sem termos de lidar com Deus. 
É necessário que de vez em quando surja alguém que tente captar a atenção dos 
pastores na fila da agência de viagens em Jope para comprar uma passagem para Társis. 
Neste momento, estou fazendo isto. Se eu conseguir captar a atenção de alguém, o que 
quero dizer é que a vocação pastoral não é uma vocação glamourosa, e Társis não passa 
de uma mentira. O trabalho pastoral consiste de tarefas modestas, diárias e 
determinadas. É como o trabalho de um fazendeiro. O trabalho pastoral envolve rotinas 
semelhantes a limpar o curral, o estábulo, coletar o esterco e arrancar as ervas daninhas. 
Isso não é, em si, um trabalho ruim, mas, se esperamos cavalgar diariamente num 
desfile, num imponente cavalo preto, e então voltarmos para um estábulo limpo onde 
um empregado escova e alimenta nossa montaria, ficaremos extremamente 
desapontados e viveremos cheios de horríveis ressentimentos. 
Existem muitas coisas gloriosas no trabalho pastoral, mas a congregação, como 
tal, não é gloriosa. A congregação é semelhante a Nínive: um lugar de trabalho duro 
sem muita expectativa de sucesso, pelo menos do modo como é medido pela sociedade. 
Porém, alguém tem de fazê-lo, alguém tem de fielmente dar visibilidade pessoal à 
continuidade da Palavra de Deus no lugar de adoração e oração, nos locais de trabalho e 
lazer, e nos congestionamentos da virtude e do pecado. 
Qualquer pessoa que idealize a congregação presta um grave desserviço aos 
pastores. Ouvimos histórias de igrejas entusiásticas e cheias de charme e nos 
perguntamos o que estamos fazendo de errado, pois nossa congregação não tem nada a 
ver com isso como resultado de nossa pregação. Contudo, se examinarmos de perto, não 
existe uma congregação perfeita. Permaneça em um templo por algum tempo e você 
descobrirá fofocas intermináveis, equipamentos que não funcionam, discípulos que 
desistiram, corais que desafinam — e coisas piores. Toda congregação é uma 
congregação de pecadores. Se isso não fosse ruim o bastante, todas elas têm pecadores 
como pastores. 
Não nego que existam momentos esplêndidos na congregação. Eles existem. 
Muitos e freqüentes. Entretanto, também existem condições de penúria. Por que negá-
lo? E como não ser assim? Não existe um pastor sincero no mundo que não esteja 
profundamente consciente das precárias condições que existem na congregação e, 
conseqüentemente, da tarefa interminável de limpar o lixo, encontrar um espaço para 
respirar, fornecer alimento adequado, sair às ruas dia após dia, noite após noite, 
arriscando sua vida com atos de fé e amor. Nós experimentamos isso semana após 
semana, ano após ano. Algumas semanas são um pouco melhores; outras, piores. Porém 
essa tarefa está sempre presente. Essas condições são idênticas às que Moisés enfrentou 
no Sinai; Jeremias, nas ruas de Jerusalém; Paulo, na lasciva igreja de Corinto; e João, 
entre as canas quebradas de Tiatira. Negar isso nos incapacita para nosso verdadeiro 
trabalho. Evitar isso nos separa das percepções espirituais de Isaías e da dor de Davi, da 
fome e da sede que nos atraem à justiça do Cristo crucificado. 
Propagandistas estão por aímentindo para nós a respeito de como as congregações 
são e devem ser. Eles estão mentindo por dinheiro. Querem nos deixar descontentes 
com o que estamos fazendo a fim de que compremos deles uma solução que, prometem, 
irá restaurar a energia de nossas congregações. O lucro entre os que negociam essas 
fórmulas espirituais indica que a credulidade pastoral nesse assunto é interminável. 
Pastores, que enfrentam o fracasso dessas fórmulas adquiridas, tipicamente jogam a 
culpa na congregação e a deixam por outra. O Diabo, que está por trás de toda essa 
falcatrua maquiada e engomada, tão facilmente nos deixa descontentes com o que 
estamos fazendo que levantamos as mãos, angustiados, e vamos para uma outra 
congregação que apreciará nossos dons no ministério e nossa devoção ao Senhor. Todas 
as vezes que um pastor abandona uma congregação por outra devido ao tédio, à raiva ou 
à inquietação, a vocação pastoral de todos nós é enfraquecida. 
 
Fique onde você está 
 
Quando iniciei meu ministério pastoral em minha atual congregação, decidi que 
iria permanecer ali durante todo meu ministério. Eu tinha trinta anos de idade. Não 
havia nada de muito atraente no local; na verdade, naquela época, não existia nada, a 
não ser um milharal. Eu vinha lendo sobre São Benedito e estava ponderando sobre uma 
inovação radical que ele introduziu em sua ordem e que chamou minha atenção por ser 
extremamente sábia. No mosteiro do qual ele era o abade, acrescentou às três normas 
evangélicas — pobreza, castidade e obediência — uma quarta: um voto de estabilidade. 
Na sua época, no século vi, os monges estavam sempre de mudança. O movimento 
monástico tinha começado no deserto egípcio há 350 anos entre alguns homens e 
mulheres solitários que buscavam uma vida santa. Durante anos, o movimento atraiu 
centenas de homens e mulheres que estavam cônscios de uma vocação religiosa e 
queriam viver de tal maneira que Deus pudesse usá-los para redimir esse século e salvar 
o mundo. Desde seus primórdios como agrupamentos pouco organizados de eremitas 
em torno de uns poucos indivíduos notáveis por sua austeridade e oração, o movimento 
se desenvolveu em comunidades de oração e trabalho com sedes espalhadas por toda a 
Europa, Síria e norte da África. Os monges não eram essencialmente pessoas gregárias; 
eram anarquistas espirituais que não gostavam muito de regras. No século III, Pacômio 
escreveu uma regra para a vida comunitária. Ele deu uma aparência de ordem para os 
bandos de ardentes devotos que buscavam a Deus. Os votos de castidade, pobreza e 
obediência disciplinaram homens e mulheres que os abraçaram, fazendo deles 
poderosos agentes de ação social e oração contemplativa. À medida que aprenderam a 
viver juntos, eles desenvolveram fortes comunidades. Entretanto, um anarquismo 
latente combinado com uma busca de alcançar o melhor tornou-os sujeitos a um tipo de 
peregrinação espiritual. Podemos reconhecer algo similar à mentalidade do faroeste 
americano combinado aos elementos da livre iniciativa norte-americana. Era comum 
para os monges saírem de um mosteiro e irem para outro, achando estarem atendendo a 
um desafio maior, tentando atingir uma santidade mais austera. Porém, essas 
peregrinações eram sempre um pouco suspeitas: eles estariam realmente buscando 
conhecer mais sobre Deus, ou evitando o Deus que estava se revelando a eles? 
Na época de Benedito, essa inquietação mascarada como uma jornada espiritual 
era intensa. Quando o mosteiro mostrava-se menos do que ideal, os monges sempre 
procuravam um melhor, com um abade ou uma abadessa mais santos e monges mais 
justos. Eles tinham certeza de que, se entrassem na comunidade certa, teriam um 
ministério mais eficiente. Benedito pôs um fim nisso. Ele introduziu o voto da 
estabilidade: fique onde você está. 
Quando eu, nos primeiros anos de vocação pastoral, fiquei sabendo disso, pareceu-
me ser um sábio conselho para mim como pastor americano, e o aceitei. Anteriormente, 
eu havia sido conduzido ao sistema de carreira pastoral: alistar-se para aconselhamento 
vocacional, estabelecer padrões de carreira, galgar degraus na escada vocacional. Na 
época fiquei chocado com a imaturidade disso; o tipo de coisa feita pelo cônjuge que 
nunca amadurece, deixando seu parceiro quando ele ou ela não mais o satisfaça. 
De alguma maneira, nós, pastores, sem percebermos o que estava acontecendo, 
tivemos nossas vocações redefinidas pelos termos da carreira empresarial. Paramos de 
pensar na igreja como um lugar para a espiritualidade pastoral e passamos a vê-la como 
uma oportunidade para avançarmos. Társis, e não Nínive, era o destino. No momento 
que fizemos isto, começamos a agir erroneamente, pois a vocação de um pastor tem a 
ver com viver as implicações da Palavra de Deus numa comunidade, sem velejar pelos 
mares exóticos da religião em busca de fama e fortuna. 
Um dia, enquanto lia um relato da espiritualidade intensa e vocacional que tinha 
sido desenvolvida pelos monásticos, que a essa altura eu admirava consideravelmente, 
encontrei um texto que ancorava os votos beneditinos num porto de profunda sabedoria, 
sabedoria que eu via confirmada em minha própria experiência. O assunto era a vocação 
espiritual de um monge, mas, enquanto eu lia, substituía "monge" por "pastor" e 
"mosteiro" por "congregação". Com estas substituições, o texto ficou assim: 
O que é inútil e destrutivo é imaginar que iluminação ou virtude podem ser 
encontradas na busca de um estímulo novo. A vida pastoral é uma negação de 
qualquer ponto de vista que torne a maturidade humana perante Deus dependente de 
estímulos externos, "bons pensamentos", boas impressões, influências e idéias 
edificantes. Ao contrário, um pastor deve aprender a viver com sua própria 
escuridão, com o horror ou tentação interior e com a fantasia. A salvação atinge 
toda a psique; tentar escapar ao tédio, à frustração sexual, à inquietação, aos desejos 
insatisfeitos buscando tarefas e idéias novas é tentar descartar estas áreas da graça. 
Sem as experiências humilhantes e totalmente "não espirituais" da vida eclesiástica 
— a rotina limitada de tarefas triviais, o tédio e a solidão —, não haveria maneira 
de confrontar boa parte da natureza humana. Trata-se de uma disciplina de destruir 
ilusões. O pastor veio até sua igreja para escapar à ilusória identidade cristã 
proposta pelo mundo; ele agora tem de ver as raízes interiores da ilusão, a busca de 
um controle dramático e satisfatório de sua vida, o velho e conhecido imperialismo 
do ego apoiado pelo intelecto. 
Ao usar "mosteiro" como metáfora para "igreja", encontrei uma maneira de me 
desapegar da mentalidade de carreira que tem sido tão prejudicial às vocações pastorais 
e comecei a ver minha congregação como um local de amadurecimento espiritual para 
minha vida e meu ministério. Não insisto na metáfora para todos. Talvez ela só funcione 
para mim. Insisto, todavia, que a congregação não é mero local de trabalho a ser 
abandonado quando surge uma oferta melhor. 
A congregação é o local onde o pastor desenvolve sua santidade vocacional. É 
desnecessário dizer que se trata do local de ministério: pregamos a Palavra, ministramos 
os sacramentos, oferecemos cuidado e ministração pastoral para a vida comunitária, 
ensinamos e damos direção espiritual. Além de ser o local onde desenvolvemos 
virtudes, aprendemos a amar, progredimos em nossa esperança — e nos tornamos o que 
pregamos. Ao mesmo tempo que proclamamos o Evangelho, desenvolvemos uma vida 
santa. Não nos atrevemos a separar o que fazemos do que somos. Paulo revela essa 
congruência necessária entre eleição (como santos) e vocação (como ministros) quando 
coloca "o desempenho do seu serviço" junto "à perfeita varonilidade, à medida da 
estatura da plenitude de Cristo" (Ef 4:12,13). A congregação oferece os ritmos, as 
associações, as tarefas, as limitações, as tentações— as condições — para esse 
crescimento "em tudo naquele que é o cabeça, Cristo" (Ef 4:15). Essas condições talvez 
não sejam nem mais nem menos favoráveis à vida de fé em Jesus do que a de um 
fazendeiro, professor, engenheiro, artista, balconista —, mas elas são nossas. 
Precisamos levá-las a sério. 
 
Pornografia eclesiástica 
 
Existe uma tendência generalizada de nos esquivarmos das condições; mais 
comumente, essa fuga é alcançada ou por um encantamento artificial da igreja ou por 
seu repúdio. Fico muito ressentido quando pessoas tentam me atrair até Társis, pintando 
o trabalho pastoral como servir de sacerdote para os turistas do Mar Religioso — 
admirando as paisagens das Ilhas Gregas, parando em Roma para um tour pelas ruínas e 
museus, e finalmente chegando à lendária Társis. 
Esse encantamento artificial da igreja é pornografia eclesiástica — tirando fotos 
ou pintando quadros de congregações que não têm mancha ou mácula, algo que só 
existe em umas poucas igrejas por alguns curtos anos. Estes quadros exibidos de 
maneira provocante não possuem relacionamentos pessoais. Os quadros atiçam a cobiça 
por domínio, gratificação e por uma espiritualidade impessoal e sem envolvimento. 
Minha própria imagem de uma congregação desejável era lapidada por tal pornografia 
um templo com uma torre alta e uma congregação banal. Fico espantado e alarmado 
que, mesmo tendo parado há muito de olhar as revistas e cartazes nas paredes da minha 
imaginação vocacional, ainda estou vulnerável à sedução. 
O repúdio da paróquia ocorre mais repentinamente, muitas vezes pela imaginação 
de estruturas alternativas. Quantos de nós, no final de um longo dia de trabalho, 
sonhamos em começar um centro de retiro para ser freqüentado apenas por famintos e 
sedentos, ou em formar comunidades onde apenas pessoas muito motivadas podem 
entrar, ou em escapar para um seminário ou universidade onde as complexidades do 
pecado e os mistérios da graça não sejam mais uma preocupação vocacional, trocados 
pelas categorias formidáveis, porém mais manejáveis de ignorância e conhecimento? 
Tamanha fantasia retira a energia da realidade e nos torna petulantes. 
Nem todos são chamados para ser pastor. Existem diversos ministérios na Igreja 
de Cristo. Entretanto, nós que fomos designados para a vocação pastoral, devemos 
compreender e aceitar a natureza e as condições de nosso trabalho, e não do trabalho de 
outro. 
Congregações normais são a escolha de Deus para a forma da igreja num local, e 
os pastores são as pessoas designadas para dirigi-las no ministério. O apóstolo Paulo 
falou sobre a loucura da pregação; eu quero falar sobre a loucura da congregação. De 
todas as maneiras com as quais podemos nos comprometer no empreendimento da 
igreja, este deve ser o mais absurdo — este conjunto aleatório de pessoas que de alguma 
forma se ajuntam nos bancos das igrejas aos domingos, cantam sem entusiasmo 
algumas músicas das quais muitos não gostam, atentam ou não para os sermões de 
acordo com seu estado de digestão e os decibéis do pregador, além de serem 
desajeitadas em seus compromissos e atabalhoadas em suas orações. 
Entretanto, as pessoas que se sentam nestes bancos também sofrem 
profundamente e encontram a Deus em seus sofrimentos. São homens e mulheres que 
assumem compromissos de amor, são fiéis a eles em meio às lutas e tentações, 
produzem frutos de justiça, frutos espirituais que abençoam outros a sua volta. Bebês, 
cercados de pais e amigos esperançosos e alegres, são batizados em nome do Pai, do 
Filho e do Espírito Santo. Adultos, convertidos pelo Evangelho, surpresos e 
surpreendendo a todos que os conhecem, também são batizados. Os mortos são 
entregues a Deus nos funerais que dão um testemunho solene e alegre da ressurreição 
em meio às lágrimas de dor. Pecadores que honestamente se arrependem e 
confiantemente tomam o corpo e o sangue de Jesus e recebem uma nova vida. 
Estas, no entanto, estão misturadas a outras, que freqüentemente não são 
diferentes delas. Não acho, biblicamente, nenhuma outra forma de igreja. Nada em 
Israel me impressiona como sendo maravilhosamente atraente. Se eu estivesse buscando 
uma igreja no século vii a.C., acho que os templos egípcios e zigurates babilônicos ou 
os belos bosques dedicados a Asera nos verdes montes da Samaria seriam muito mais 
atraentes. Se eu estivesse em busca de uma religião no século i a.d., tenho certeza de 
que tanto a pureza da sinagoga quanto os rumores intrigantes das religiões de mistério 
gregas, ou até mesmo o humanismo helenístico com uma pitada de mitologia, 
ofereceriam muito mais atrativos para minha alma de consumidor. 
Apenas sessenta ou setenta anos após o Pentecostes, temos um relato sobre sete 
igrejas que exibiam mais ou menos a mesma qualidade de santidade e profundidade de 
virtude encontrada em congregações comuns hoje em dia. Em dois mil anos de prática, 
não melhoramos nada. Você poderia pensar que sim, mas a resposta é não. Todas as 
vezes que abrimos uma porta de igreja e damos uma cuidadosa olhada lá dentro, os 
encontramos novamente — os pecadores. Também encontramos Cristo. E nas 
pregações, nos sacramentos, mas inconveniente e embaraçosamente misturado a uma 
congregação de pecadores. 
É de se esperar nestas situações que com alguma freqüência certas pessoas se 
manifestem com algum novo projeto para melhorar as coisas. Elas querem purificar a 
igreja. Propõem torná-la algo que proclame ao mundo a beleza atraente do Reino. Com 
poucas exceções, essas pessoas são, ou logo se tornam, hereges, tomando apenas a 
porção do Evangelho que são capazes de administrar e aplicar às pessoas a sua volta, 
tentando construir uma versão de igreja que é tão bem-comportada e tão eficientemente 
organizada que não tem necessidade de Deus. 
Elas detestam tanto o escândalo da cruz quanto o da igreja. Não têm nada a ver 
com a congregação em Nínive. Elas vão velejar até Társis e começar de maneira nova, 
limpa e gloriosa. 
Entretanto, é da própria natureza do trabalho pastoral abraçar esse escândalo, 
aceitar essa humilhação e trabalhar diariamente com ela. Sem desprezar a vergonha e 
tampouco negá-la. 
Ao ouvir muitos pastores conversando com outros pastores quando estão longe de 
suas igrejas, você não acreditaria em nada disso. Todos contam histórias maravilhosas 
sobre programas de sucesso e conversões notáveis. Eu costumava ler esses livros e 
ouvir essas histórias, e ficava impressionado. Após alguns anos de cuidadosa leitura 
bíblica e observação de igrejas, não fico mais impressionado. Acho bem mais provável 
que esses pastores, à medida que dizem a verdade, estão dirigindo alguma forma de 
religião de mistério grega, ou um santuário de Baal, ou um desfile religioso babilônico. 
 
O agente de viagens em Jope 
 
Quatro anos após minha ordenação, fui abençoado com uma tarefa missionária 
como pastor organizador de uma nova congregação. Em 1962, minha esposa, minha 
filha de dois anos e eu chegamos a Maryland, nos arredores de uma pequena cidade que, 
com o passar dos anos, se transformaria em um bairro nobre da cidade de Baltimore. Eu 
estava decidido a desenvolver uma congregação que seria pura e intensa. Nós iríamos 
evitar toda a pompa da religião idólatra e da cultura hedonista e viver o Evangelho com 
compromisso e paixões profundas. 
Não demorou muito até me vi envolvido em algo bem diferente. Eu estava em 
Nínive. Estava com pessoas preocupadas, doentes de ilusão, inconstantes, entediadas, 
instáveis em sua devoção. Eu tinha ingenuamente suposto que na nova congregação que 
estava organizando — que se reunia no porão de nossa casa para adorar, realizando a 
Escola Dominical nas salas de estar da casa e porões por toda a vizinhança, e com um 
prédio a ser financiado e construído — que toda essa inconveniência filtraria os 
indecisos, os superficialmente religiosos, os turistasda devoção a Deus. Em um ano, eu 
tinha reunido algo bem mais semelhante à congregação em Ziclague. Quando Davi 
estava no deserto, persona non grata para com a corte do rei Saul, reunindo a sua volta 
um bando de foragidos para sobreviver, "ajuntaram-se a ele todos os homens 
insatisfeitos e sem valor de Israel" (1Sm 22:2; grifo do autor). Por fim, uma base em 
Ziclague (1Sm 27:6; 30:1). Ziclague era a identificação bíblica daquilo de que eu 
cuidava aos domingos pela manhã. Peguei as pessoas que não se encaixavam em 
congregações já estabelecidas, os desajustados e insatisfeitos. 
Tive de revisar minha imaginação: estas eram as pessoas das quais eu era pastor. 
Não eram as pessoas que eu teria escolhido, mas eram as pessoas que me haviam sido 
entregues. O que poderia fazer? "Mestre, alguém semeou o joio durante a noite." Eu 
queria arrancar as ervas daninhas daquele campo. A resposta do Mestre foi apontada 
diretamente para mim: "Deixe-as para a colheita. Deixe que cresçam juntas." Sábio 
conselho, pois meu olho destreinado não conseguiria então discernir a diferença entre a 
erva daninha e a planta boa que cresciam juntas. Ainda agora, depois de todos esses 
anos, na maioria das vezes não consigo ver a diferença. Aos poucos, abandonei minhas 
ilusões de Társis e me ajustei à realidade de Nínive. 
Não foi fácil, e não foi de uma vez só. Eu gostaria de poder me gabar de ter 
mantido meu voto de estabilidade, mas não posso. Eu o quebrei três vezes. Três vezes 
nos últimos 29 anos, fui ao agente de viagens em Jope para comprar uma passagem para 
Társis. Em cada uma dessas vezes, cheguei a um lugar onde achava que não agüentaria 
ficar mais do que uma semana. Estava entediado. Deprimido. Não havia mais desafio. 
Não havia estímulo para fazer o meu melhor. As pessoas não tiravam de mim o que eu 
tinha de melhor. Meus dons não eram reconhecidos ou valorizados. Espiritualmente, eu 
sentia que estava num pântano — essa cultura dos bairros nobres era uma terra 
improdutiva, esponjosa e encharcada. Sem idéias firmes. Sem convicções fortemente 
defendidas. Sem compromisso sacrificial. Pregar para aquelas pessoas era como falar 
com meu cachorro — elas respondiam a minha voz com gratidão, aproximavam-se de 
mim, seguiam-me, demonstravam afeto. Porém, o conteúdo de minhas palavras 
significava muito pouco. A direção de minha vida era inútil. Eles eram facilmente 
distraídos, correndo atrás de idéias novas ou mirabolantes que prometiam mudança ou 
empolgação. 
Em cada uma dessas ocasiões, eu sabia sem dúvida que estava no lugar errado 
com a congregação errada. Eu era um pastor, pelo amor de Deus, com o Evangelho 
eterno em minha língua e um amor radical para com Cristo em meu coração, e aqui 
estava cercado por "primos distantes". Eles eram primos muito bons — gentis para 
comigo, amigáveis, apreciadores de meu trabalho — mas suas vidas eram moldadas por 
comparação de preços e por confortos materiais. Eles não combinavam com nenhuma 
das imagens nos cartões postais de viagem que eu tinha visto em outras igrejas mais 
atraentes. 
Então decidi partir para Társis. Li os prospectos de viagem (em minha 
denominação, eles eram chamados de formulários de informação sobre a igreja). 
Comprei a passagem (isto é chamado de "ativação de seu dossiê"). Entrei na fila do 
barco no cais de Jope que me levaria a Társis. Eu não estava negando meu chamado ao 
pastorado, mas respeitosamente afirmei meu direito de determinar o local. Afirmação 
era uma palavra-chave em meu vocabulário naquela época. 
Fiz isto três vezes. Três vezes, quebrei meu voto de estabilidade. 
Cada vez, após fazer inúmeras pesquisas e escrever cartas urgentes sem obter 
resposta, desisti e voltei ao trabalho ao qual já tinha sido designado, Nínive. Nunca 
cheguei a Társis, mas não posso reivindicar qualquer crédito. Tentei várias vezes e com 
muita vontade. Todas as vezes, minha passagem me foi negada. Não havia nada que eu 
pudesse fazer, a não ser voltar para meu próprio lugar. 
Algo interessante aconteceu a cada vez. Após engolir meu orgulho e acomodar-me 
a minhas frustrações, encontrei profundezas de minha própria vida emergindo até o 
nível consciente e, com elas, a profundidade na congregação que eu sequer suspeitava 
que existissem. Cada vez, eu crescia um pouco mais. Cada vez, eu desenvolvia mais 
respeito por essa estranha entidade, "a congregação". Pelo menos parte desse 
crescimento e desenvolvimento foi "em Cristo". 
Às vezes, fico imaginando se o apóstolo Paulo não tinha ocasionalmente algumas 
febres de Társis. Sabemos que ele queria ir para Társis (a "Espanha" de Rm 15:24) e fez 
planos para isso. Porém, ele também não chegou lá; ao contrário, passou dois anos 
numa prisão em Cesaréia e depois, após uma tempestade no mar, semelhantemente à 
história de Jonas, ficou preso em Roma por mais dois anos. O lugar distante onde ele 
achava que faria sua obra mais gloriosa tornou-se na verdade uma pista falsa, uma 
ilusão de Társis; as realidades ninivescas de seu ministério foram uma prisão e um 
naufrágio. 
Procurar e aceitar o convite para outra congregação não e errado em si, ou um ato 
escapista de covardia e irresponsabilidade. Deus nos chama para realizarmos diferentes 
tarefas em novos lugares. A estabilidade geográfica não é um alvo bíblico. O povo de 
Deus e seus pastores mudaram-se várias vezes: de Ur para Canaã, para o Egito, para o 
Sinai, para Cades, só para começar. Daí, para a Babilônia e de volta a Canaã. 
Locomovendo-se entre a Galiléia e Jerusalém. Para Antioquia, até Atenas, atravessando 
até Roma. Depois "para os confins da terra". 
São várias as vezes em que o pecado, a neurose ou uma mudança tornam difícil 
para o pastor e a congregação permanecerem juntos, fazendo com que seja necessário 
que o pastor mude de congregação. São várias as vezes em que Deus, em sua sabedoria 
e soberania, escolhe um pastor por seus motivos, presumivelmente estratégicos. O 
pastor que, em tais circunstâncias, insiste em ficar, usando o falso argumento de 
"compromisso e fidelidade", provoca feridas desnecessárias no Corpo de Cristo. 
A norma para o trabalho pastoral, no entanto, é a estabilidade. Pastorados de vinte, 
trinta e quarenta anos deveriam ser comuns (como costumavam ser), e não exceções. 
Muitos pastores mudam de congregação, pois estão com tédio de adolescente, não como 
uma conseqüência de maturidade e sabedoria. Quando isso acontece, nem o pastor nem 
a congregação têm acesso às condições que são propícias para a maturidade na fé. 
 
O Jonas obediente 
 
O primeiro movimento de Jonas é o da desobediência, velejando aventureiramente 
para Társis. A desobediência é abortada. O segundo movimento consiste na obediência, 
atravessando o deserto escaldante para chegar a Nínive. Jonas chega a Nínive obediente. 
Nós, muito naturalmente, esperamos que esse movimento seja coroado de sucesso, 
mas não é. O Jonas obediente acaba por violar a Palavra de Deus tanto quanto o Jonas 
desobediente. Esse é um detalhe da história que é muito negligenciado e que os pastores 
não podem se dar ao luxo de negligenciar. 
Jonas deixou sua desobediência na tempestade do mar e foi resgatado por um 
grande peixe. Salvo, ele vai para Nínive, o lugar aonde Deus tinha ordenado que fosse. 
Ele prega a Palavra de Deus como lhe fora ordenado pregar. O Jonas obediente no 
entanto é ainda pior do que o desobediente. O Jonas obediente é irado e vingativo. Ele 
odeia Nínive. Despreza Nínive. É uma cidade desprezível, e ele não tem amor por ela. 
Jonas obedece ao mandamento de Deus, mas trai o espírito de Deus com sua ira. 
 
Obediência profissionalizada 
 
Jonas, é claro, a essa altura, já é um profissional completo. Se ele não pode ir a 
Társis, onde poderia ser um pastor sem a inconveniência da presença de Deus, ele 
pregará com ortodoxia dogmática profissional, de maneira tal que não precise viver napresença do Senhor. 
Quando os ninivitas se arrependem perante Deus e são misericordiosamente 
perdoados por ele, o desgosto enfadado de Jonas trai sua completa indiferença para com 
Deus, para com a maneira de Deus agir, e para com o povo que acaba de se tornar povo 
de Deus. Agora Jonas tem uma reputação profissional a manter. Ele não quer saber nada 
de sua congregação, está interessado apenas na autoridade literal e dominante de sua 
pregação. Ele pregou a destruição em quarenta dias, e, por Deus, haveria destruição. 
Acho este detalhe muito alarmante nessa história. Aqui ela se torna mais 
autobiográfica do que no primeiro movimento, pois eu com maior freqüência obedeço a 
meu chamado do que sou desobediente a ele. Eu faço meu trabalho. Cumpro minhas 
responsabilidades como ministro da Palavra e dos sacramentos. Visito os doentes e 
consolo os enlutados. Apareço na igreja a tempo de dirigir o culto dominical, oro 
quando sou convidado a fazê-lo durante os jantares da igreja, e fico na segunda base nos 
jogos de beisebol nos piqueniques da igreja. Entretanto, nessa vida de obediência, existe 
uma diminuição constante da satisfação do ego, pois, enquanto realizo meu trabalho, 
percebo que as pessoas respondem cada vez menos a mim e respondem cada vez mais a 
Deus. Elas escutam coisas diferentes nos sermões que preguei tão cuidadosamente, e 
fico ofendido com sua falta de atenção. Elas encontram maneiras de reagir 
positivamente ao Espírito de Deus que não se encaixam nos planos que eu tenho para a 
congregação — planos que, com a cooperação delas, não só serviriam para glorificar a 
Deus, mas resultariam em meu crédito como um de seus grandes líderes. 
Em mim, e também em meus colegas, descubro que este ressentimento para com a 
congregação é o "pecado que jaz à porta" todas as vezes que entro ou saio da igreja. 
Aqui está novamente uma das verdades mais antigas sobre a espiritualidade, com 
variações especiais no ministério pastoral: é no nosso virtuoso comportamento que 
estamos sujeitos aos pecados mais graves. É enquanto estamos sendo bons que temos a 
oportunidade de sermos muito maus. É nesse contexto de sermos responsáveis, 
obedientes, que substituímos a vontade de Deus pela nossa vontade, porque é muito 
fácil achar que elas são idênticas. É quando tentamos ser pastores bons que temos a 
maior chance de desenvolver o húbris pastoral — orgulho, arrogância e insensibilidade 
para com aqueles que Jesus chamou de "o menor destes meus pequeninos irmãos", e 
que Jonas chama de "pessoas que não sabem discernir entre a mão direita e a mão 
esquerda" (4:11). 
Quando estamos sendo pastores obedientes e bem-sucedidos, corremos mais 
perigo do que quando estamos sendo desobedientes e fugitivos. Para dar-nos um alerta 
adequado, a história mostra que o Jonas obediente é muito menos atraente do que o 
Jonas desobediente: em sua desobediência, ele pelo menos teve compaixão da tripulação 
do barco; na obediência, tem apenas desdém para com os habitantes de Nínive. 
 
O tipo de pastor que realmente somos 
 
Há uma nota final de graça, pois existe um final feliz nessa história. A 
maravilhosa e graciosa surpresa aqui é que, em ambos os movimentos da vida de Jonas, 
desobediente e obediente, Deus o usou para salvar vidas. Em sua desobediência 
escapista, os tripulantes do barco oraram ao Senhor e iniciaram uma vida de fé: 
"Temeram, pois, estes homens em extremo ao Senhor; e ofereceram sacrifícios ao 
Senhor, e fizeram votos" (1:16). 
Em sua raivosa obediência, todos os ninivitas foram salvos: "Viu Deus o que 
fizeram, como se converteram do seu mau caminho; e Deus se arrependeu do mal que 
tinha dito lhes faria, e não o fez" (3:10). Nessa história, nunca vemos o tipo de pastor 
que gostaríamos de ver, mas apenas o tipo de pastor que realmente somos. Colocar um 
espelho diante de nós e expor nosso duplo fracasso seriam um fardo severo e 
insuportável, não fosse esta outra dimensão da história: Deus realiza seus propósitos por 
meio de quem realmente somos, com nossa desobediência impetuosa e nossa obediência 
impiedosa, e generosamente usa nossa vida tal como encontra para realizar sua obra. 
Ele faz isso de tal maneira que é quase impossível para nós recebermos crédito por 
ela, mas também de tal maneira que em algum lugar no caminho ficamos surpreendidos 
com as vitórias que ele realizou, no mar e na cidade, onde desempenhamos nosso 
estranho papel de Jonas. 
 
PETERSON, Eugene. A vocação espiritual do pastor. 1ª Edição. São Paulo: Mundo 
Cristão, 2006. p. 21-40.