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Aula 14 IED2 texto

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Aula – IED2 – texto
A Universalidade do Fenômeno Jurídico – Tércio Ferraz
Direito: origem, significados e funções
Direito
Significado vulgar:
	Por um lado protege-nos do poder arbitrário, dá a todos oportunidade iguais e ampara os desfavorecidos. Por outro, é um instrumento manipulável que frustra as aspirações dos menos privilegiados e permite o uso de técnicas de controle e dominação que, por sua complexidade, é acessível apenas a uns poucos especialistas.
Significado a partir da palavra
	Direito guarda tanto o sentido do jus como aquilo que é consagrado pela justiça (em termos de virtude moral), quanto o de derectum como um exame da retidão da balança, por meio do ato da Justiça (em termos do aparelho judicial).
= ordenamento vigente
= possibilidade concedida pelo ordenamento de agir e fazer valer uma situação
Uso moral da expressão
Busca de uma compreensão universal; concepções de língua e definição de direito
Teoria essencialista = crença de que a língua é um instrumento que designa a realidade, donde a possibilidade de os conceitos linguísticos refletirem uma presumida essência das coisas. As palavras são veículos desses conceitos.
Visão conservadora da teoria da língua = sustenta a ideia de que a definição de um termo deve refletir, por palavras, a coisa referida.
= objeto de estudo
= nome da ciência
= conjunto de normas ou instituições
Direito objetivo
Direito subjetivo
Definições de direito ou são demasiado genéricas e abstratas e imprestáveis para traçar-lhe os limites; ou são muito circunstanciadas, o que faz que percam sua pretendida universalidade.
Concepção convencionalista – língua é vista como um sistema de signos, cuja relação com a realidade é estabelecida arbitrariamente pelos homens. O que deve ser levado em conta é o uso dos conceitos, que podem variar. 
	Convencionalismo se propõe a investigar os usos linguísticos.
Definição lexical = a definição de uma palavra se reporta a um uso comum, tradicional e constante. Admite os valores verdadeiro/falso.
Definição estipulativa = propomos um uso novo para o vocábulo, fixando-lhe arbitrariamente o conceito.
Redefinição = quando essa estipulação, em vez de inovar totalmente, escolhe um dos usos comuns, aperfeiçoando-o.
	As estipulações e as redefinições não podem ser julgadas pelo critério da verdade, mas por sua funcionalidade. 
Diferentes ângulos de uma análise linguística:
Sintática – preocupação em definir o uso do termo tendo em vista a relação formal dele com os outros vocábulos.
Semântica – quer se definir o uso do termo tendo em vista a relação entre ele e o objeto que comunica.
Pragmática – tem em vista a relação do termo por quem e para quem o usa.
	O termo direito é sintaticamente impreciso, pois pode ser conectado com verbos, substantivos, adjetivos, ser substantivo, advérbio, adjetivo. 
	Do ponto de vista semântico, se reconhecermos uma denotação e uma conotação, o direito é denotativo e conotativamente impreciso ambiguidade e vagueza semânticas. 
Ambiguidade – é impossível enunciar uniformemente as propriedades que devem estar presentes em todos os casos em que a palavra se usa.
Vagueza – tem muitos significados.
	Pragmaticamente, direito é uma palavra com grande carga emotiva.
	A definição por que se optou é no caminho de uma redefinição. Mas toda a definição é persuasiva porque é muito difícil uma definição neutra, em que a carga emotiva tivesse sido totalmente eliminada.
Problema dos diferentes enfoques teóricos: zetético e dogmático
	O objeto de estudo do jurista é um resultado que só existe e se realiza numa prática interpretativa.
Sentido informativo – quando a linguagem é utilizada para descrever certo estado das coisas.
Sentido diretivo – quando a língua é utilizada para dirigir o comportamento de alguém, induzindo-o a adotar uma ação.
	Quando o jurista define a posse, mesclam-se as duas funções. Ele não informa apenas sobre como se entende a posse, mas também como ela deve ser entendida. Assim, suas definições teóricas superam-se à medida que deixam de ser guia para a ação. A ciência jurídica não apenas informa, mas também conforma o fenômeno que estuda, faz parte dele. A posse é não apenas o que é socialmente, mas também como é interpretada pela doutrina jurídica.
Duas possibilidades de proceder à investigação de um problema: 
Acentuando o aspecto pergunta – os elementos que constituem a base para a organização de um sistema de enunciados que explica um fenômeno, conservam seu caráter hipotético e problemático, não perdem sua qualidade de tentativa, permanecendo abertos à crítica. Os elementos servem para delimitar o horizonte dos problemas a serem tematizados, mas, ao mesmo tempo, ampliam esse horizonte, ao trazerem esta problematicidade para dentro deles mesmos. enfoque zetético: visa saber o que é uma coisa. Questões infinitas. 
Acentuando o aspecto resposta – determinados elementos são subtraídos à dúvida, postos fora de questionamento, assumidos como insubstituíveis, postos de modo absoluto. Dominam as demais respostas. enfoque dogmático: preocupa-se em possibilitar uma decisão e orientar a ação.
Investigações zetéticas – constituídas de um conjunto de enunciados que visa transmitir informações verdadeiras sobre o que existe, existiu ou existirá. Esses enunciados são constatações. Tem como ponto de partida uma evidência. 
	Enquanto a zetética deixa de questionar certos enunciados porque os admite como verificáveis e comprováveis, a dogmática não questiona suas premissas porque elas foram estabelecidas como inquestionáveis.
A zetética parte de evidências, a dogmática parte de dogmas.
	O fenômeno jurídico admite tanto o enfoque zetético como o dogmático em sua investigação.
Zetética jurídica
	A investigação zetética tem sua característica principal na abertura constante para o questionamento dos objetos em todas as direções – questões infinitas.
Nível empírico – nos limites da experiência;
Nível formal da lógica, da teoria do conhecimento ou da metafísica – ultrapassam esses limites.
Limites
Zetética empírica – investigação com vista na realidade social, política, econômica, no plano da experiência.
Zetética analítica – investigação de seus pressupostos lógicos, endereçando-os para uma pesquisa no plano da lógica das prescrições.
Zetética aplicada – fim de conhecer o objeto, cujos resultados podem ser aplicados no aperfeiçoamento de técnicas de solução de conflitos.
Zetética pura – tem uma motivação desligada de qualquer aplicação, forma prescritiva fundamental.
 
Zetética analítica pura: desse ponto de vista, o teórica ocupa-se com os pressupostos últimos e condicionantes bem como com a crítica dos fundamentos formais e materiais do fenômeno jurídico e de seu conhecimento.
Zetética analítica aplicada: o teórico ocupa-se com a instrumentalidade dos pressupostos últimos e condicionantes do fenômeno jurídico e seu conhecimento, quer nos aspectos formais, quer nos materiais;
Zetética empírica pura: o teórico ocupa-se do direito enquanto regularidades de comportamento efetivo, enquanto atitudes e expectativas generalizadas que permitam explicar os diferentes fenômenos sociais;
Zetética empírica aplicada: o teórico ocupa-se do direito como um instrumento que atua socialmente dentro de certas condições sociais.
Dogmática jurídica
	Uma disciplina pode ser definida como dogmática à medida que considera certas premissas, em si e por si arbitrárias, como vinculantes para o estudo, renunciando-se, assim, ao postulado da pesquisa independente. As dogmáticas tratam de questões finitas. São regidas pelo princípio da proibição da negação, da não-negação dos pontos de partida de séries argumentativas, ou ainda princípio da inegabilidade dos pontos de partida.
Dupla abstração do estudo dogmático: isolar normas e regras de seus condicionamentos zetéticos. O jurista elabora num grau de abstração ainda maior, com risco de distanciamento progressivo da própria realidade social.
	A disciplina dogmática não deve ser considerada uma prisão para o espírito,mas um aumento da liberdade no trato com a experiência normativa. A dogmática jurídica não se exaure na afirmação do dogma estabelecido mas interpreta sua própria vinculação, ao mostrar que o vinculante sempre exige interpretação, que é a função da dogmática.
	O conhecimento dogmático dos juristas, embora dependa de pontos de partida inegáveis, os dogmas, não trabalha com certezas, mas com incertezas.
O objeto de nossa reflexão será dogmático, mas nossa análise, ela própria, será zetética.
Dogmática Hermenêutica ou a Ciência do Direito como Teoria da Interpretação
Função simbólica da língua
Significar = apontar para algo ou estar em lugar de algo.
Signo = ente que se caracteriza por sua mediatividade, aponta para algo distinto de si mesmo.
Signos linguísticos têm por base sons e fonemas.
Língua = repertório de símbolos inter-relacionados numa estrutura.
Premissas para entender como se organizam as falas:
Os símbolos (nomes ou predicadores) nada significam isoladamente;
O que lhes confere significação é seu uso;
Uma língua admite usos diversos para os símbolos;
A maioria dos símbolos da língua natural é semanticamente vaga e ambígua;
Um símbolo é vago quando seu possível campo de referência é indefinido;
Um símbolo é ambíguo quando é possível usá-lo para um campo de referência com diferente intensão (manifestando qualidades diversas);
Mesmo quando a conotação e a denotação são definidas, o uso dos símbolos exige uma correta combinatória entre eles;
Símbolos admitem usos diferentes em termos de que são diferentes das suas funções pragmáticas, isto é, servem para propósitos distintos.
Falar = dar a entender alguma coisa a alguém mediante símbolos linguísticos. É um fenômeno comunicativo. Exige emissor, receptor e a troca das mensagens.
Relato = mensagem que emanamos;
Cometimento = mensagem que emana de nós.
Interpretar = selecionar possibilidades comunicativas da complexidade discursiva. Toda interpretação é duplamente contingente. Para seu controle precisamos de códigos, fruto de convenções implícitas ou explícitas. Para interpretar é preciso conhecer:
As regras semânticas – de controle da denotação e conotação;
As regras sintáticas – controle das combinatórias possíveis; e
As regras pragmáticas – controle das funções.
Desafio kelseniano: interpretação autêntica e doutrinária
Teoria Pura do Direito – explanação sobre interpretação jurídica: faz a distinção entre:
Interpretação autêntica – realizada por órgãos competentes;
Interpretação doutrinária – realizada por entres que não têm a qualidade de órgãos.
	Quando um órgão se pronuncia sobre o conteúdo de uma norma, produz um enunciado normativo, vinculante. Todo ente que não é órfão, ao interpretar, não produz um enunciado vinculante.
	Quando um órfão interpreta, define o sentido, o que é um ato de vontade, e sua força vinculante depende da competência do órgão.
	Se houver desequilíbrio entre o ato de vontade e o de conhecimento, prevalece aquele e não esse.
O que ocorre quando a interpretação é mero ato de conhecimento?
	Kelsen diz-nos que os conteúdos normativos, objetos de uma interpretação doutrinária, são plurívocos. Por isso trazem a nota da equivocidade.
Por que não dizer que não pode o doutrinador chegar a uma interpretação verdadeira?
	Kelsen responde que essa hipótese é irrealizável porque estaria criando uma ilusão, a ficção da univocidade das palavras da norma.
	Para ele, cumpre à ciência jurídica conhecer o direito, descrevendo-o com rigor. Exige-se método, obediência a cânones formais e materiais. A ciência é um saber rigoroso que caminha numa bitola bem determinada e impõe-se limites.
	Produção teoria fica sem fundamento, pois é possível denunciar de um ângulo zetético, os limites da hermenêutica, mas não é possível fundar uma teoria dogmática da interpretação.
Desafio kelseniano = seria contra-senso falar em verdade hermenêutica?

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