Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
5 Conclusão O Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias consagrou-se nos anos 90 como um valioso instrumento de investigação colocado à disposição da CDH. Herdando de seus antecessores temáticos características importantes como o perfil técnico de seus membros, escolhidos por suas habilidades pessoais, e o caráter eminentemente apolítico de suas opiniões, o Grupo conseguiu destacar-se num regime que sofre constantemente com acusações de seletividade e parcialidade, mesmo na figura de seu principal órgão, a CDH. O Grupo pauta-se, de fato, por critérios técnicos e objetivos ao investigar os casos sob análise, considerando essencialmente o respeito ou não aos preceitos contidos nos documentos jurídicos internacionais que tem por base. Assim, no caso de uma detenção praticada em resposta à manifestação de opiniões contrárias ao governo, por exemplo, o Grupo não terá dúvidas em opinar pela arbitrariedade da mesma, incluída na categoria II já apresentada, qualquer que seja o país objeto da comunicação. Aliás, é característica inerente a todo grupo temático a possibilidade de atuar em qualquer país, diferentemente do que ocorre com os grupos geográficos, designados e limitados em sua atuação às fronteiras de determinado Estado. Com efeito, nos seus doze anos de atuação, o Grupo Sobre Detenções Arbitrárias alcançou uma grande variedade de países, em todos os continentes. É certo, contudo, que devido à maior concentração de comunicações procedentes da Ásia e América Latina, a incidência do Grupo nessas regiões é bem maior do que na Europa e América do Norte. Da mesma forma, por ser composto por especialistas que não representam seus países ou governos, mas que atuam com base em seus conhecimentos e entendimentos pessoais, o Grupo assegura certa impermeabilidade a pressões e disputas políticas. Note-se, ademais, que existe orientação expressa para os membros do Grupo se declararem impedidos no caso de seu país de origem ser objeto de investigação ou na existência de conflitos de interesses (ver item 4.2. do capítulo 4). DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 131 Quanto a seu método de trabalho, vale notar que o Grupo se baseia em comunicações individuais, seguindo a linha inaugurada pelo procedimento 1503 de 1970, com a vantagem de que com isso não se busca apenas caracterizar um padrão sistemático e consistente de violações, mas também proteger individualmente as pessoas interessadas. Ao emitir suas opiniões, o Grupo requer expressamente a libertação das pessoas detidas arbitrariamente, visando essencialmente ao bem estar das mesmas. Além disso, o Grupo conta também com o mecanismo de ações urgentes, que se destina a reverter os riscos imediatos incidentes sobre determinado indivíduo. Neste caso, em tomando conhecimento de que a manutenção da detenção pode resultar em graves danos à integridade física ou a saúde do interessado, o Grupo emite ao governo solicitação urgente de soltura, sem, contudo, prejulgar o caráter arbitrário ou não da detenção. Pode-se dizer, então, que a partir de 1991, a Comissão de Direitos Humanos buscará a responsabilização internacional dos Estados não apenas com base na “situação geral de direitos humanos”, mas também pela “violação de direitos de indivíduos específicos”. Ainda sobre o método de trabalho, verifica-se que o Grupo conta com a possibilidade de realizar missões de campo, permitindo desta forma uma análise dos fatos e uma investigação muito mais próximas da realidade, não ficando sujeito apenas ao depoimento de exilados e ONG’s, como ocorria com alguns procedimentos da Comissão nos anos 70. Cumpre ressaltar, no entanto, que estas visitas dependem de convites dos governos interessados, o que tem ocorrido com certa regularidade no caso específico do Grupo Sobre Detenções Arbitrárias. Vale notar, outrossim, que durante as investigações se procura garantir um equilíbrio e igualdade de oportunidade entre as partes. Diferentemente do que ocorre no procedimento 1503, por exemplo, no Grupo de Trabalho está assegurada a possibilidade da parte autora se manifestar acerca da resposta governamental, acrescentando informações, se necessário. Isto não apenas sinaliza para a lisura do procedimento, como descarta a incidência de acusações de favorecimento ou condescendência com as soberanias, como ocorre com outros instrumentos. Ainda DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 132 nesse sentido, a publicidade é a tônica de todo o mecanismo, havendo livre acesso aos relatórios do Grupo e mesmo às opiniões tomadas em cada caso, com a indicação dos países envolvidos e dos indivíduos interessados. Num sistema em que se critica muitas vezes a falta de cooperação entre os diversos órgãos e instrumentos, é louvável a atuação do Grupo, sempre em consonância com o trabalho desenvolvido por outros relatores ou grupos de trabalho, atuando conjuntamente quando necessário, mas também declinando de sua competência para evitar a duplicidade de funções, sempre que a situação o exigir. É notável, igualmente, a relação do Grupo com as ONG’s. Em que pesem todas as críticas e pressões políticas sofridas por estas organizações no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, o Grupo de Trabalho não duvidou em alçá-las à categoria de aliadas. As ONG’s atuam tanto na emissão de comunicações iniciais, quanto na realização de observações e críticas relativas ao método de trabalho, muitas vezes levadas em consideração pelo Grupo. São, ainda, importante fonte de informações, durante o processo de investigação. No tocante às contribuições dadas pelo Grupo de Trabalho, cumpre ressaltar, em primeiro lugar, sua atuação como mecanismo de coleta de dados e informações. Estas, repassadas anualmente à Comissão de Direitos Humanos, se inserem no conceito de “compliance strategies” desenvolvida por Chayes & Chayes. De fato, mediante a clara e inelutável identificação de países inadimplentes com os direitos humanos, o Grupo facilita a transparência do regime e incentiva, conseqüentemente, um maior comprometimento com o mesmo, para evitar exposições públicas danosas à imagem e reputação dos Estados. Aliás, vale dizer que este tipo de incentivo à aquiescência, baseado na pressão e no temor à publicidade, constitui o grande trunfo dos mecanismos de proteção aos direitos humanos, carentes de instrumentos dotados de maior força e coerção, ainda mais em tempos de crescente preocupação com a legitimidade internacional, como no pós-Guerra Fria. “If a government becomes a pariah because of human rights abuses, it is likely to find its foul reputation becoming entwined with other aspects of its bilateral and multilateral relationships”1 1 Patrick J. Flood, op. cit., p. 127. DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 133 Outra relevante contribuição do Grupo de Trabalho, já indicada anteriormente, é o fato de reiterar a possibilidade da consideração de violações a direitos de determinado indivíduo, prática antes restrita aos instrumentos de caráter convencional. Neste ponto, tendo em vista a demora e relutância na ratificação de instrumentos convencionais, percebe-se que a extensão da referida competência aos procedimentos da Comissão representa um claro avanço na proteção a direitos. “(...) esses mecanismos suprem, no estágio atual do Direito Internacional, a ausência de sistemas convencionais aceitos por todos os Estados, aos quais o indivíduo teria acesso”.2 Por fim, considerando-se o número de Estados que vem aceitando ações deste mecanismo, é sintomática a contribuição doGrupo de Trabalho para o fortalecimento do instituto da “responsabilidade costumeira internacional do Estado” por violações de direitos humanos.3 De fato, diferentemente dos mecanismos extraconvencionais clássicos, baseados num “dever genérico de cooperação” e sujeitos a uma constante incerteza da vinculação dos Estados às suas decisões, o Grupo de Trabalho, favorecido pelos novos conceitos e idéias do pós-Guerra Fria, tem contado crescentemente com o apoio dos governos sob análise, recebendo informações e convites para missões in situ, e contando, igualmente, com um razoável respeito e atenção às recomendações feitas. Na verdade, conforme apresentado no capítulo 3 (item 3.6.4.2.), os Estados teriam aprendido com essas novidades conceituais do pós-Guerra Fria que, influenciando o processo de formação de interesses e preferências, teriam ensejado a adoção de posturas e práticas mais afins com o respeito e promoção dos direitos humanos. Em suma, percebe-se que o Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias constitui um importante avanço na evolução dos mecanismos extraconvencionais. Deixando de lado os ranços políticos e preconceitos culturais de alguns de seus antecessores, o Grupo se assenta em princípios de objetividade, imparcialidade e não- seletividade, capazes de assegurar um alcance geográfico amplo e uma presença inconteste em qualquer país, por mais poderoso que seja. Ademais, novas concepções e ideologias consagradas com o fim da Guerra Fria, como o reconhecimento da 2 André de Carvalho Ramos, op. cit., p. 165. 3 Ibid., pp. 164-165. DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA 134 universalidade dos direitos humanos e da legitimidade da atuação internacional na sua proteção, compeliram a comunidade internacional a colaborar mais ativamente com os mecanismos de proteção a direitos humanos, entre os quais se destaca o Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias, criado justamente em 1991. Assim, mesmo no plano dos mecanismos temáticos, o Grupo se destacou de seus pares por contar com uma cooperação crescente dos Estados, vindo a ensejar até uma responsabilidade costumeira internacional dos mesmos. Em relação aos comitês e outros mecanismos convencionais, a principal vantagem do Grupo centra-se justamente no fato de poder incidir sobre qualquer país membro das Nações Unidas, sem depender da assinatura de quaisquer compromissos ou tratados, o que lhe assegura inegavelmente uma maior efetividade. Por todas essas vantagens, pode-se afirmar que o Grupo de Trabalho Sobre Detenções Arbitrárias representa um importante modelo para futuros mecanismos da Comissão de Direitos Humanos, constituindo, ao lado de outros procedimentos temáticos igualmente desenvolvidos, e, juntamente com a figura do Alto Comissário das Nações Unidas para Direitos Humanos, o que há de mais moderno em termos de proteção a direitos humanos. “As an integral part of the growing constellation of international institutions (...), these mechanisms constitute an increasingly influential deterrent to human rights abuse by states. To this constellation has now been added the High Commissioner for Human Rights, (…)”4 4 Patrick J. Flood, op. cit., p. 130. DBD PUC-Rio - Certificação Digital Nº 0210271/CA
Compartilhar