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O legado de Nise da Silveira

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Universidade Veiga de Almeida
	Curso: Psicologia
	Matéria: Psicologia e Profissões
	Profa: Elizabete Paiva
	Aluna: Cristina Amorim (20172102013)
	Data: 20-09-2017
	
Nise – o coração da loucura
Ambientado nas décadas de 1940-50, o filme “Nise – o coração da loucura” (Brasil, 2016) mostra a dura trajetória que a psiquiatra Nise da Silveira percorreu para mudar os rumos do tratamento de pacientes portadores de transtornos mentais. O que mais chama a atenção é uma postura adotada – e repetida como um mantra por ela – nunca utilizada pelos demais médicos do então manicômio: a escuta – tornando Nise a grande referência para a profissão do psicólogo, mesmo sendo ela uma psiquiatra. Afinal, se fosse possível resumir toda a psicologia em uma só palavra, sem dúvida, seria escutar. Tanto que ela passou a chamar os pacientes de clientes, trazendo um conceito de inclusão muita além de sua época. “Nós é que temos que ser pacientes com eles”, ressaltou Nise no filme, orientando os profissionais que com ela trabalhavam. A proposta era promover reintegração da pessoa à sociedade sempre que possível. A instituição, que hoje leva o nome da médica, mantém essa abordagem junto às pessoas que lá chegam: usuários dos serviços de saúde mental, o que é bem semelhante ao conceito de cliente até mesmo em áreas como administração e marketing. 
Essa visão se corroborou com sua interface com o psiquiatra suíço Carl G. Jung, o antigo discípulo de Sigmund Freud e dissidente das teorias do mestre ao criar a psicologia analítica. Nise foi a responsável por introduzir esse amplo manancial de conhecimentos sobre a psique humana que só está sendo verdadeiramente compreendido no século 21 – tamanha a sua complexidade e profundidade até para os acadêmicos. As mandalas produzidas pelos usuários que participavam das atividades do ateliê de arte representaram a confirmação da teoria de Jung sobre a dinâmica do inconsciente. Ele considerava o círculo a forma perfeita e dizia que o inconsciente induzia a expressão dessa forma em busca de equilíbrio junto ao consciente. “A experiência nos ensina que o ‘círculo protetor’, a mandala, é o antídoto tradicional para os estados mentais caóticos.” (JUNG, 2000, pág. 22) De fato, as mandalas pintadas pelos clientes de Nise exibiam cada vez simetria com o passar do tempo e demonstravam uma destreza crescente de seus autores. “Apesar de a mandala ser apenas um símbolo do si-mesmo como totalidade psíquica, é ao mesmo tempo uma imagem de Deus, uma imago dei (...)” (JUNG, 2000, pág. 319)
Ao trazer essa visão da psicologia junguiana, revolucionária à época, para o Brasil, Nise contribuiu fortemente (embora não se tenha indícios de que foi intencional) para as bases do que seria a profissão do psicólogo, somente reconhecida no Brasil em 1962, por meio da lei 4.119 (Presidência da República, 1962). Na Classificação Brasileira de Ocupações – documento que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro –, a profissão figura na seção Psicólogos e psicanalistas, cujo código genérico é 2515. A profissão se desdobra em mais 11 títulos, que podem ser compreendidos como 11 grandes segmentos de atuação da psicologia: educacional, clínico, do esporte, hospitalar, jurídico, social, do trânsito, do trabalho, neuropsicólogo, psicanalista e acupunturista.
Um ponto que chama atenção também na película foi a colaboração de pessoas cuja importância somente hoje é possível mensurar. O desenhista e artista plástico Almir Mavignier era um rapaz pobre que estava no lugar certo na hora certa. Foi ele que montou o ateliê de artes – sabe-se lá com que recursos, pois o hospital não os tinha – e levou o maior crítico da arte da época para dentro dos muros do então hospício: Mário Pedrosa. A articulação político-social que resultou da amizade e parceria do crítico com a médica mudou o rumo da história manicomial do país e deixou heranças profundas na forma como as pessoas com transtornos mentais são tratadas. As exposições promovidas fora do hospital com o prestígio de Pedrosa criaram uma nova visão sobre a pessoa portadora de transtorno mental, já que, naquele momento, estava em voga “tratamentos” invasivos e agressivos como a lobotomia e o eletrochoque, que levava o paciente a estados de apatia, com perda da expressividade, já que se preconizava a total impossibilidade de retorno desta pessoa ao convívio social. E mais: o que se desejava era uma adequação comportamental deste paciente aos padrões aceitos socialmente, eliminando sua subjetividade e os supostos riscos decorrentes para quem estava à sua volta, bem como os sistemas e costumes vigentes.
A arteterapia, originada na Áustria a partir da antroposofia de Rudolf Steiner no século XIX, ganhou neste momento em Nise uma forte aliada no Brasil – embora não se conheça influência direta do austríaco junto à médica. Hoje existem associações regionais de Arteterapia em 11 estados do Brasil congregados pela União Brasileira de Associações de Arteterapia (UBAAT), entidade fundada em 2006. Os objetivos da UBAAT são: unificar e definir parâmetros curriculares mínimos e comuns para cursos; estabelecer critérios para a qualificação de docentes, supervisores, coordenadores e orientadores de cursos; estabelecer critérios nacionais para o cadastro de cursos de Arteterapia e para o reconhecimento de arteterapeutas; trabalhar em prol do reconhecimento legal da Arteterapia; zelar pelo Código de Ética do arteterapeuta; entre outros. De acordo com a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), desde 2013, este profissional está inserido no código 2263 - Profissionais das terapias criativas, equoterápicas e naturológicas, com o título 2263-10 – Arteterapeuta.
Outra figura muito importante retratada na película é a enfermeira e assistente social Ivone, ninguém menos que a sambista D. Ivone Lara. À época, com 25 anos, Ivone já compunha há mais 10 anos. Mas como a música ainda não lhe dava rentabilidade suficiente para viver, ela atuava na instituição com esse intuito. Entretanto, mesmo sendo uma segunda profissão, sua dedicação rendeu frutos que mudaram não só a história das pessoas que receberam diretamente sua assistência como também a de muitos outros portadores de transtornos mentais até os dias atuais. Foi ela quem deu robustez ao uso da música dentre as terapias do Instituto D. Pedro II, conseguindo patrocínios e instrumentos musicais para a oficina de música – a raiz do atual bloco carnavalesco Loucura Suburbuna. Uma curiosidade: como assistente social, ela percorreu o Rio de Janeiro e estados vizinhos em busca da família de internos que não recebiam visita, numa luta incansável pela visão que Nise levou para a instituição de que essas pessoas só precisavam ser tratadas como seres humanos. 
Na Semana de Psicologia da Universidade Veiga de Almeida - UVA, no dia 30 de agosto de 2017, foi possível aprofundar o tema com a mesa redonda “Loucura Suburbana: um dispositivo de cultura na saúde mental”, que contou com a presença de pessoas que atuam nos dias atuais junto ao Instituto Nise da Silveira. Esse projeto, que tem 17 anos de existência, começou com um bloco de Carnaval e depois se expandiu para outros tipos de atividades. Essa expansão foi em termos de púbico também: beneficiando funcionários, familiares dos pacientes e até a comunidade do entorno. O que é mais interessante perceber é que as pessoas que hoje lá trabalham não só deram continuidade ao legado de Nise da Silveira como também incorporaram sua forma de agir: um pensar totalmente “fora da caixa”, anticonvencional, que quebra alguns costumes sociais, derruba barreiras e enfrenta preconceitos. 
O modelo de inclusão proposto é o ideal, já que procura despatologizar a condição do usuário dos serviços de saúde mental. Por exemplo, nas aulas de música ou no curso de informática (atualmente desativado por falta de recursos), usuários, familiares e moradores do entorno sentam lado a lado e, tal como no desfile do bloco, todos são tratados de formaigualitária. Os integrantes da mesa ratificaram que trabalhar com pessoas com transtornos mentais significa, ainda hoje, enfrentar uma série de preconceitos da sociedade, primeiramente, e até mesmo da família, dada a cultura arraigada de que a pessoa com transtorno mental é incapaz de atividades sociais ou educacionais; enfim, incapazes do aprendizado de coisas novas. 
Duas das pessoas presentes na mesa como debatedores são exemplo vivo do modelo de inclusão do Instituto Nise da Silveira: usuárias dos serviços que passaram a trabalhar nas áreas administrativo-financeira e de arquivo. Sendo que, uma delas, também se tornou professora de informática. Hoje se sentem empoderadas e plenas e, efetivamente, são produtivas para a sociedade. 
O Loucura Suburbana – cujo desfile acontece na quinta-feira antes do carnaval nas ruas do entorno do Instituto, no Engenho de Dentro, com participação de usuários, funcionários e comunidade do entorno – foi a primeira iniciativa do Brasil a ser contemplada com um edital de fomento que utiliza a cultura para promover a saúde do indivíduo. 
Se na visão de Nise da Silveira não há muita diferença entre um artista e um “louco”, conhecer a produção dos antigos pacientes e atuais usuários se torna uma experiência ímpar. A visita às dependências do instituto, especialmente, ao Museu de Imagens do Inconsciente é quase obrigatória, dado o vanguardismo que ele representa de 1952, quando foi fundado, até os dias atuais. E essa representação se dá não só para as áreas de psicologia e psiquiatria, como também para o campo das ciências sociais. “O Museu é um centro vivo de estudo e pesquisa sobre as imagens e tem caráter marcadamente interdisciplinar, o que permite troca constante entre experiência clínica, conhecimentos teóricos de psicologia e psiquiatria, antropologia cultural, história, arte, educação (...) Com um acervo de mais de 350 mil obras, o Museu tem a maior e mais diferenciada coleção do gênero no mundo. As principais obras são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Guarda também a biblioteca e o arquivo pessoal de sua fundadora, Nise da Silveira e é detentor do Registro Latino-americano do Programa Memória do Mundo da UNESCO.” (MII, 2017) 
Durante o evento na UVA, ficou claro o quão representativa essa instituição é até hoje, porque, além de não receber ajuda financeira – justificável pela crise que assola o município – teve usurpado pelos poderes públicos o seu direito de receber um financiamento de edital do qual foi vencedora. Com seus posicionamentos de vanguarda, essa instituição parece ter se tornado alvo de ação política.
Referências
BERLINER, Roberto filme. Nise – o coração da loucura. Brasil: Imagem Filmes, 2016.
JUNG, Carl G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo [tradução Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva]. Petrópolis: Vozes, 2000, pág. 22.
Ministério do Trabalho. Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Site, online. [Data de consulta: 10 de setembro de 2017] Disponível em: <http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf> 
Museu de Imagens do Inconsciente. Histórico. Site, online. [Data de consulta: 17 de setembro de 2017] Disponível em: http://www.museuimagensdoinconsciente.org.br/
Presidência da República. Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962. [Data de consulta: 19 de setembro de 2017] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4119.htm>
União Brasileira De Associações de Arteterapia. Estatuto Social Da União Brasileira De Associações De Arteterapia (Ubaat). [Data de consulta: 10 de setembro de 2017] Disponível em: <http://www.ubaat.org>

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