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Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 1 FAMENE NETTO, Arlindo Ugulino. MICROBIOLOGIA BACTÉRIAS ANAERÓBICAS DE MAIOR SIGNIFICADO CLÍNICO (Professora Socorro Vieira) As bactrias anaerbias so encontradas em todo o corpo humano – pele, superfcie das mucosas, trato gastrointestinal, microbiota normal. Infec es causadas por bactrias anaerbicas patognicas causam patologias como: botulismo, ttano, gangrena gasosa. A dissemina o do ttano se d por objetos ou pelo solo contaminado com esporos, mas no se trata de uma doen a contagiosa. Estudaremos neste captulo as bactrias anaerbicas do gnero Clostridium. CLOSTRIDIUM TETANI O C. tetani um bacilo Gram-positivo (o que se diferencia da maioria dos outros bacilos Gram-negativos), sendo eles anaerbios estritos mveis (apresentam vrios flagelos em sua superfcie). A presen a de esporos terminais faz com que esses bacilos sejam extremamente importantes para a clnica. O habitat natural desse bacilo o solo, estando presente na pele de alguns animais (como o cavalo). Estes microrganismos crescem em meio de cultura enriquecidos (como, por exemplo, o gar-Sangue), 37C, sendo necessria a condi o de anaerobiose: uso de jarras de anaerobiose (Mtodos Gaspack), que so materiais completamente fechados e vcuo que condicionam a anaerobiose para a cultura desse bacilo. TOXINA Este bacilo em relato apresenta a produ o de duas importantes toxinas biologicamente ativas: a neurotoxina chamada de tetanospasmina e uma hemolisina. Tetanospasmina: esta neurotoxina a responsvel por toda a sintomatologia do ttano. uma exotoxina produzida por esta bactria e liberada para o meio ambiente. O bacilo, porm, s libera esta neurotoxina quando sofre lise (morte). A tetanospasmina um polipeptdio de alto peso molecular codificada em um gene plasmidial. Sua maior fun o atua o no SNC: ela impede o processo de relaxamento, ligando-se a gangliosdeos do SNC, causando a inibi o dos neurnios medulares ps-sinpticos. Esse fato bloqueia a libera o de um mediador inibidor o que resulta na hiper-reflexia e espasmos musculares. Hemolisina: PATOGENIA O C. tetani no um microrganismo invasor. A infec o, por tanto, permanece estritamente localizada na rea do tecido desvitalizado (ferida, queimadura, leso, coto umbilical ou sutura cirrgica). No mesmo local da leso, o bacilo produz toxinas, sendo estas as responsveis por circular no organismo e causar as toxemias (que culmina no ttano), o que significa a presen a da toxina na corrente sangunea. Para a germina o do esporo e o desenvolvimento do microrganismo para a produ o de toxinas, necessrio duas condi es: presen a de tecido necrtico (para atender a sua anaerobiose) e infec es piognicas associadas. Tétano: causada por uma toxemia por meio da dissemina o da tetanospasmina no sistema sanguneo ou SNC. Quando h a introdu o completa dos esporos na leso, atendendo as devidas condi es de anaerobiose, haver a germina o e multiplica o do bacilo. apenas uma questo de morte deste bacilo para que a toxina seja liberada e ligue-se a jun es neuromusculares para ser endocitada. Atravs do transporte axnico, ou mesmo pela corrente sangunea, a toxina atinge o sistema nervoso central. A toxina causa a inibi o do γ- aminobutrico (Gaba) e glicina pelos neurnios, o que gera a paralisia espstica. O perodo de incuba o pode variar de 2 a 14 dias (sendo o mais comum 8 dias). Na maioria dos casos, quanto mais afastada do sistema nervoso estiver a ferida, mais longo o perodo de incuba o. O perodo de incuba o e a probabilidade de morte so inversamente proporcionais. Tétano generalizado: O ttano caracteriza-se pelos espasmos musculares e suas complica es. Eles so provocados pelos mais pequenos impulsos, como barulhos e luzes, e continuam durante perodos prolongados. O primeiro sinal de ttano o trismus, ou seja, contra o dos msculos mandibulares, no permitindo a abertura da boca. Isto seguido pela rigidez do pesco o, costas, riso sardnico (riso causado pelo espasmo dos msculos em volta da boca), dificuldade de degluti o, rigidez muscular do abdmen. O paciente permanece lcido e sem febre. A rigidez e espasmos dos msculos estendem-se de cima para baixo no corpo. Sinais tardios tpicos de ttano incluem uma eleva o da temperatura corporal de entre 2 a 4C, diaforese (suor excessivo), aumento da tenso arterial, taquicardia (batida rpida do cora o). Os espasmos duram de 3 a 4 semanas, e recupera o completa pode levar meses. Cerca de 30% dos casos so fatais, por asfixia devido a espasmos contnuos do diafragma. A maioria das mortes ocorre com pacientes idosos. Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 2 Tétano localizado: afetam principalmente a área da lesão (mal-higienizada) e pode preceder ao tétano generalizado. O paciente apresenta-se consciente e a dor pode ser intensa. Em geral a morte resulta da interferência na mecânica da respiração. Tétano neonatal: contaminação do coto umbilical. A manifestação se dá com cerca de 3 a 12 dias. A criança apresente dificuldade de sugar o leite e diminuição ou paralisia dos movimentos. Manutenção de práticas inadequadas é a principal causa de mortes por tétano neonatal (cordão umbilical é recoberto com materiais como terra, argila, esterco de vaca). Apesar de facilmente evitável por meio da vacinação materna, o tétano neonatal - que acomete bebês com até 28 dias - ainda é causa de mortes no Brasil e em outros países. Os óbitos acontecem principalmente em áreas rurais e carentes, onde são mantidas práticas inadequadas de corte e tratamento do coto umbilical (resíduo do cordão umbilical). DIAGNÓSTICO O diagnóstico é clínico, feito por meio da observação clínica da lesão e do histórico do paciente. Recolhimento de amostras de líquido da ferida rico em toxina e inoculação em animal de laboratório (rato). Observação de sinais de tétano no animal. É feito ainda o diagnóstico diferencial do tétano por meio do envenenamento por estricnina (veneno alcalóide retirado da planta Nux vomica). EPIDEMIOLOGIA O tétano, de uma forma geral, ocorre em indivíduos no mundo todo e é associado com a injúria traumática com objetos contaminados com esporos: pregos enferrujados, usuários de drogas injetáveis, explosões de fogos de artifício. O bacilo de Clostridium tetani podem ser encontrados ainda no solo (especialmente aquele utilizado para agricultura), nos intestinos e fezes de cavalos, carneiros, gado, ratos, cachorros, gatos e galinhas. Os esporos são encontrados também em solos tratados com adubo animal, na superfície da pele e em heroína contaminada. Hoje em dia, com os programas de vacinação universais, o tétano é raro nos países desenvolvidos. Há, contudo, 300 mil casos mundiais por ano, com mortalidade de 50%. PREVENÇÃO E TRATAMENTO A prevenção do tétano depende: Toxóide tetânico: uso do mecanismo de imunização ativa de todas as crianças por meio de uma vacina tríplice: a DTP (difteria, tétano e pertussis). Antitoxina: preparada em animais ou humanos que pode neutralizar a toxina apenas antes da sua fixação ao SNC. Medidas cirúrgicas: desbridamento cirúrgico e remoção do tecido necrótico. Antibióticos: a penicilina causa a inibição do C. tetani e interrompe a liberação de toxina tetânica. A ferida deve ainda ser limpa. É administrado antídoto, um anticorpo que se liga à toxina e inibe a sua função. São também administrados fármacos relaxantes musculares. A penicilina e o metronidazol eliminam as bactérias mas não têm efeito no agente tóxico que elas produzem. Os depressores do sistema nervoso central Diazepam e DTP também são dados, reduzindo a ansiedade e resposta espásmica aos estímulos. CLOSTRIDIUM PERFRINGENS O C. perfringens é um gram-positivo, anaeróbico, produtorde esporos. A doença é produzida pela formação de toxinas no organismo. Ele é o responsável por realizar a gangrena gasosa, doença de prognóstico ruim. É uma espécie de Clostridium que produz infecções invasivas. O Clostridium perfringens apresenta um subtipo designado como subtipo A que produz toxina chamada de lecitinase, que causa danos a membrana citoplasmática das células humanas. Além de produzir esta lecitinase, este bacilo produz uma enterotoxina podendo provocar intoxicações alimentares. PATOGENIA Gangrena gasosa: Os esporos dos clostridios podem ser encontrados no solo e nas fezes. Tecidos com baixo teor de oxidação-redução facilita a germinação de células vegetativas e a multiplicação das mesmas. Com isso, há a produção de gás (dióxido de carbono e hidrogênio) e de toxina necrotizante (que causa fermentação do tecido muscular, resultando em odor pultrido) e hialuronidase (fator de propagação). A infecção generalizada leva a uma anemia hemolítica e toxemia grave, resultando facilmente em morte. Como manifestações clínicas, destacam-se a ferida contaminada (de 1 a 3 dias), com secreção de odor fétido, necrose, febre e hemólise devido a toxemia, o que pode gear o choque e a morte. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Amostras: material colhido feridas, pus e tecidos. Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 3 Esfregaços: grandes bastonetes Gram-positivos sero observados. Cultura: Meios Tioglicolato e gar sangue sob incuba o anaerbica. TRATAMENTO Desbridamento cirrgico imediato e exciso de todo o tecido desvitalizado. Administra o de agentes antimicrobianos: penicilina. Administra o de antitoxinas. Clostridium botulinum e Intoxicao Alimentar O botulismo uma forma de intoxica o alimentar rara mas potencialmente fatal, causada por uma toxina produzida pela bactria Clostridium botulinum, presente no solo e em alimentos contaminados e mal conservados. Os C.botulinum so grandes bacilos Gram-positivos, com cerca de 8 m por 3, produtores de esporos e toxinas, relacionados com o gnero Bacillus, cujo habitat normal a gua. So mveis, possuindo flagelos em toda a sua superfcie. So bacilos formadores de esporos que podem sobreviver em gua fervendo por at 5h. Produzem uma neurotoxina que funciona como uma enzima metaloprotease, destruindo as protenas envolvidas na exocitose (Exocitose o para o ambiente aqutico, por modifica o da membrana celular, ou seja, sem ser por difuso) do neurotransmissor acetilcolina na placa nervosa motora. A sua a o resulta da paralisia dos msculos, e se for extensa a paralisia do diafragma pode impedir a respira o normal e levar morte por asfixia. O botulismo (botulus = salsicha) , por tanto, uma intoxica o alimentar (e no uma infec o, pois causada pela toxina secretada pelo C. botulinum). A toxina botulnica apresenta sete variedades antignicas (classificadas de A – G) das quais a sequncia A, B, E e F so as principais causadoras da doen a em humanos, estando sempre presentes no alimento. A toxina botulnica uma protena neurotxica com alto peso molecular (PM 150.000), sendo ela codificada no por um gene prprio da bactria, mas por genes virais de bacterifagos intermitentes a este microrganismo. A dose letal para o ser humano mnima: 1-2 g. Esta toxina, como um efeito inverso ao da protena tetnica, bloqueia a passagem da acetilcolina na fenda sinptica, causando o relaxamento generalizado. PATOGENIA Botulismo: uma intoxica o alimentar causada pela neurotoxina secretada pelo C. botulinum. Os esporos sobrevivem em alimentos comuns codimentados, defumados embalados a vcuo ou enlatados ingeridos sem cozimento. Os esporos do Clostridium botulinum germinam em anaerobiose. Quando as formas vegetativas crescem, h o incio da produ o de toxinas. A toxina bloqueia a libera o de acetilcolina (responsvel pela contra o muscular) nas sinapses e jun es neuromusculares resultando em uma paralisia flcida. Dessa forma, o paciente acometido ter dificuldade de realizar movimentos bsicos como a degluti o, queda das plpebras (ptose), viso dupla (diplopia), etc. So relatados trs tipos de botulismo: Botulismo clássico: ingesto das neurotoxinas juntamente com o alimento contaminado. Botulismo de lesões: o esporo penetra pelo ferimento mal-tratado e, ao encontrar condi es ideais para a sua sobrevivncia, produz a toxina. Botulismo infantil: ingesto de esporos de Clostridium botulinum (toxignese intestinal). O botulismo de origem alimentar caracterizado por um perodo de incuba o de 12 a 36h. A sintomatologia inicial bastante semelhante a uma intoxica o alimentar comum: problemas intestinais, nuseas, vmitos e diarria. Porm, a a o neurotxica da toxina causa: fadiga e fraqueza muscular, queda de plpebras, viso dupla, dificuldade de degluti o, musculatura respiratria paralisada. A morte acontece de 3 a 5 dias por parada respiratria. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Pesquisa da toxina no soro do paciente por meio da hemaglutina o Isolamento do Clostridium botulinum de resto de alimentos TRATAMENTO Soroterapia: anti-toxina trivalente (anula o efeito das toxinas A, B, E) pela via intravenosa Lavagens: restabelecimento da fun o respiratria O butulismo trata-se de uma emergncia que requer administra o de anti-toxina (antdoto) imediata. Se o doente apresenta dficit respiratrio deve ser usada uma mquina de respira o artificial at a paralisia terminar, o que pode demorar alguns dias. So usados enemas para remover todos os restos de comida contaminada ainda no absorvidos do intestino. Se possvel deve ser dado a anti-toxina especfica. Caso no identificada, administrado o soro polivalente. Arlindo Ugulino Netto – MICROBIOLOGIA – MEDICINA P3 – 2008.2 4 EPIDEMIOLOGIA É uma doença de baixa ocorrência, mas de alta letalidade. Ocorre no mundo todo, em geral conservas caseiras são os alimentos envolvidos. Muito raramente ocorre em conservas industrializadas. O C. botulinum e seus esporos estão amplamente disseminados no solo, pelo qual contaminada os alimentos. São anaeróbios estritos, por isso só se desenvolvem em alimentos hermeticamentes fechados, onde não há oxigênio. No Brasil se registraram casos nos últimos anos (1995-2007) em conserva de palmito, torta de frango, patê de fígado e tofu em conserva (importação da China, clandestina). Desenvolve-se nas conservas, produz a toxina, a qual é destruída pelo calor. Por isso ocorre sempre em conservas não aquecidas. Na América Latina (Brasil e Argentina), os principais surtos de botulismo estão relacionados com a toxina botulínica do tipo A; na Europa, os principais surtos são decorrentes da toxina botulínica do tipo E (presente, comumente, em frutos do mar); nos EUA, os principais surtos acontecem mediante a preparação de alimentos caseiros (mel e legumes de maneira geral). MEDIDAS DE CONTROLE Microbiota competitiva: a própria microbiota intestinal compete com o clostridio a fim de impedir a sua colonização. Microrganismos fermentativos que produzem o ácido lático (forte inibidor do botulismo) Nitritos e nitratos: servem como conservantes de carne Tratamento térmico elevado: 80 ºC a 30 minutos.
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