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1 Kai Ambos 
DIREITO PENAL DO INIMIGO* 
 
CRIMINAL LAW FOR THE ENEMY 
 
 
 
Kai Ambos 
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Göttingen, Alemanha. 
 
 
 
Tradução: 
Pablo Rodrigo Alflen+ 
 
 
 
Resumo: O presente trabalho constata, após uma aproximação histórica ao conceito 
de inimigo, que o discurso de Jakobs passou de uma mera descrição a um programa 
político-criminal no qual reside o aspecto alarmante e perigoso da doutrina. Assim, o 
autor contrapõe ao modelo de Jakobs o modelo de um direito penal adequado ao ser 
humano que, apesar de não ser novo, volta a ser importante. 
Palavras-chave: Direito penal do inimigo; Direito penal do ser humano; Contra-
modelo. 
 
Abstract: The present work notices after a historical approximation to the concept of 
enemy that the discourse of Jakobs crossed over from a mere description to a 
political-criminal program in which resides the dangerous and alarming aspect of the 
Jakobs’ doctrine. Thus, the author confront to the Jakobs’ model the model of a 
criminal law adequate to the human being which one, in spite to not being new, stills 
important. 
Keywords: Criminal law for the enemy; Criminal law for the human being; Contra-
model. 
 
 
 
Introdução 
 
A retomada do direito penal do inimigo por parte de Günter Jakobs tem gerado 
ondas altíssimas não só no debate jurídico-penal de língua alemã, senão, 
 
* Título original: «Feindstrafrecht», publicado na “Schweizerische Zeitschrift für Strafrecht”, tomo 124 
(2006), 1-30: publicado em espanhol em Cancio Meliá/Gómez-Jara Díez (coord.), Derecho penal del 
enemigo. El discurso penal de la exclusión, Madrid/Buenos Aires 2006, vol. 1, p. 119-162. Agradeço 
ao ajudante científico Sr. Nils Meyer-Abich pelo importante auxílio prestado na coleta de materiais e 
pela conformação do artigo original; tradução do original de Carlos Gómez-Jara Díez. Atualização e 
revisão pelo autor, com a colaboração de Miguel Lamadrid, doutorando pela Universidade Pompeu 
Fabra e bolsista do DAAD no Departamento de Direito Penal Estrangeiro e Internacional do Instituto 
de Ciências Criminais da Universidade de Göttingen. Todas as traduções do original alemão são de 
Gómez-Jara, de Lamadrid ou do próprio autor. Tradução da versão espanhola atualizada ao 
português. 
+ Professor da Universidade Luterana do Brasil. 
 2 Kai Ambos 
principalmente, de língua espanhola, portuguesa e italiana1. Como ocorre de forma 
tão habitual, o pensamento de Jakobs tem sido introduzido rapidamente por seus 
talentosos discípulos nos países dominantes do âmbito jurídico da Europa 
continental – o chamado “direito continental”. Na versão espanhola de minha “Parte 
general del Derecho penal internacional”, já havia me pronunciado sobre as novas 
teses de Jakobs, afirmando que: “Prescindindo de que tal concepção dificilmente 
possa se mover hoje no terreno de nossa ordem constitucional, centrado na 
dignidade humana, é mais preocupante o fato de que possa conceder a futuros 
regimes injustos, uma legitimação teórica, pense-se só na propagação em massa 
das teses jakobsianas no ambiente latino-americano.”2 “Trata-se (…) de estar 
conscientes e atentos frente à periculosidade intrínseca de uma concepção que, 
segundo seu próprio autor, de um mero instrumento de análise crítica do estado do 
direito penal, foi radicalizada e convertida em uma concepção que não se limita mais 
à mera descrição, senão que, ao contrário, postula e exige a exclusão e 
marginalização dos inimigos do sistema (dominante), o qual pode perfeitamente 
servir como base teórica ou fundamentação de um regime (penal) de corte 
autoritário3. Esta volta da concepção de Jakobs do direito penal do inimigo não foi 
percebida nem sequer por todos seus discípulos (…) e não pode ser defendida 
invocando simplesmente os méritos da concepção global do citado pensador. Enfim, 
o que merece ser criticado na nova posição de Jakobs é sua ambigüidade até 
mesmo na utilização de certos termos, uma ambigüidade que pode dar lugar a 
abusos.”4 
 
Continuo considerando que esta crítica, de cuja essência compartilham vários 
autores5, é correta. No entanto, agora considero que deve distinguir-se entre a 
 
1 Sobre o italiano “diritto penale da emergenza” Donini, in: Terradillos Basoco/Acale Sánchez, Temas, 
p. 214 s. com outras indicações; o mesmo, El Derecho penal frente al “enemigo” in Cancio 
Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 603-684; Cornacchia, La moderna hostis iudicatio. 
Entre norma y Estado de excepción, in: ibidem, p. 415-456; Manna, Erosión de las garantías 
individuales en nombre de la eficacia de la acción de lucha contra el terrorismo: la privacy, in: ibidem, 
p. 257-298; Moccia, Seguridad y sistema penal, in ibid., p. 299-320; Resta, Enemigos y criminales. 
Las lógicas del control, in ibidem, p.735-780. 
2 Ambos, Parte General, p. 57. 
3 Criticando esta afirmação Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 202 ss. Segundo este autor 
“as considerações de Jakobs são … descritivas de uma realidade existente, feitas por um observador 
que não modifica substancialmente o objeto de valoração … passa por alto que qualquer norma, 
inclusive a –aparente, formal, materialmente – mais garantista e democrática de todas é, nas mãos de 
um insensato, de um corrupto ou ditador, absolutamente manipulável”. Veja também Pastor, in: 
Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 515: “…as idéias de um professor não tem 
na prática um poder tão grande, como o que na discussão se atribui, de legitimar ou de deixar de 
legitimar de forma tão contundente preceitos e usos penais” (no mesmo sentido a citação infra nota 
178). 
4 Ambos, Parte General, p. 58. 
5 Conforme Muñoz Conde, in: Losano/Muñoz Conde, Globalización, p. 161, 170 ss.; 
fundamentalmente idêntico idem, RECJ Nr. 2/2005, 22 ss.; idem, RP 16 (2005), 123 ss.; Demetrio 
Crespo, RDPC 14 (2004), 88 ss., 109 (= in: Fernando Pérez Álvarez (ed.), Serta in memoriam 
Alessandro Baratta, p. 1027-1054, 2004, NDP 2004/A, p. 47-76); idem, ZIS 2006, p. 433 ss; 
Velásquez, RDPC 15 (2005), 215; Aponte, Feindstrafrecht, p. 126 ss. (131, 134 s.); idem, Guerra, p. 
210 ss; Portilla Contreras, JpD 49 (2004), 43 ss. = FS Bacigalupo, tomo 1, p. 693 ss.; Greco, GA 
2006, 113; Feijóo Sánchez, Derecho Penal Contemporáneo (DPC) 2006, p. 134 ss; Fernández, in: 
Schöne, Estado de derecho, p. 132; Mir Puig, Homenaje Rodríguez Mourullo, p. 675; Ramírez, 
Derecho penal del enemigo, p. 45 ss.; Gössel, FS Schroeder, 33 ss.; Streng, in Uwer, Ruhe, 244 ss.; 
Schneider/Morguet, in Uwer, Ruhe, 335 ss.; Albrecht, ZStW 117 (2005), 856 ss.; Kindhäuser, in: 
Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 159 ss.; Lascano,in: ibidem, p. 204 ss. 218; 
 3 Kai Ambos 
aplicação do direito penal do inimigo como categoria analítico-descritiva para criticar 
o direito penal expansivo6 de caráter nacional e internacional e sua postulação e 
legitimação no sentido de um programa político-criminal7. A Jakobs só se pode 
reprovar o último na qualidade de protagonista da discussão atual. Portanto, no que 
segue me proponho demonstrar – depois de uma aproximação histórica ao conceito 
de inimigo (infra I) – que o discurso de Jakobs passou de uma mera descrição a um 
programa político-criminal (especialmente infra II.2.b)) e que é nesse ponto em que 
reside o aspecto alarmante e perigoso (II.). A isso lhe contraponho o modelo de um 
direito penal adequado ao ser humano, que apesar de não ser novo, volta a ser 
importante. 
 
1. O inimigo – uma aproximação ao conceito 
 
1.1. O inimigo na filosofia do direito e do Estado 
 
Em seus escritos sobre o Estado ideal, Aristóteles exige que suas cidades se 
preparem para tempos de guerra e para tempos de paz. Deve-se evitar que os 
inimigos conquistem a cidade e isso atravésde mecanismos reforçados e zonas e 
formas de construção de difícil acesso8. Quando trata o tema do inimigo externo, as 
reflexões de Aristóteles sobre aqueles cidadãos do Estado que «deveriam ter se 
comportado como as partes de um todo ao qual pertencem» fazem referência ao 
inimigo interno: aquele que não pode ou não deve viver em comunidade não é 
«membro do Estado e portanto nem um animal, nem um Deus»9. Mais claro ainda se 
manifesta Zeus a Hermes no mito de Prometeo: «a quem não pode fazer seus os 
costumes e o direito, pode-se matar como se mata a um membro enfermo do 
Estado»10. Cícero, ao contrário, adverte sobre somente levar em consideração os 
conterrâneos e não os estrangeiros; e isso devido ao fato de que, nesse caso, a 
sociedade comum ao gênero humano desaparece e com ela «o bem fazer, a 
generosidade, a bondade, e a justiça»11. Não obstante, este ideal de respeito mútuo 
referido ao estrangeiro tem certos limites em relação aos inimigos: «se um bom 
homem pudesse roubar as roupas do cruel e desumano tirano Parláis para não 
morrer de frio, ¿não o faria?»12. O próprio Cícero proporciona a resposta a esta 
pergunta retórica; assim, não o considera reprovável quando o bem social restringe 
os direitos «de quem não resulta de modo algum como útil»13. Mais ainda: neste 
 
Modolell in: ibidem, p. 333; Müssig in: ibidem, p.371; Sacher, ZStW 118 (2006), p 606-610; mostra-se 
igualmente crítico o discípulo e tradutor de Jakobs Cancio, DPC 2003, 39 ss.; idem, ZStW 117 (2005), 
282 ss. No entanto, há também autores que tratam de “salvar” a Jakobs, veja por exemplo Aponte, in 
Uwer, Ruhe, 131 ss. com referência à várias conferências de Jakobs na Colômbia, nem todas 
publicadas; Zaffaroni, El enemigo, p. 155 ss. Por último estão os férreos defensores ver Polaino-Orts, 
Derecho penal del enemigo, p. 187 ss. 
6 Fundamental Silva Sánchez, Expansión. 
7 Sobre a instrutiva distinção de Greco (GA 2006, 102 s.) entre um conceito de Direito penal do 
inimigo descritivo que denuncia criticamente e um legitimador afirmante veja infra nota 142 e o texto 
correspondente. 
8 Aristoteles, Politik, n.m. 1330 b-1331 a, p. 260 ss. 
9 Aristoteles, Politik, n.m. 1253 a, p. 5. 
10 Platon, Protagoras/Theaitetos, p. 26. 
11 Cicero, Vom rechten Handeln, III, § 28 s., p. 139 s.; p. 140: posto que assim se destruiria a 
sociedade humana, que se baseia na idéia de que resulta preferível lesionar-se corporal ou 
espiritualmente do que restringir os direitos de outro para o próprio bem. 
12 Cicero, Vom rechten Handeln, III, § 29, p. 140. 
13 Cicero, Vom rechten Handeln, III, § 30, p. 140. 
 4 Kai Ambos 
âmbito resultam necessárias a separação e a exclusão: “Com tiranos não existe 
sociedade alguma, senão a mais enérgica das separações e não é contrário à 
natureza roubar a quem é honroso matar. Toda esta estirpe que traz consigo a 
desgraça e encontra-se afastada de Deus, deve ser excluída da comunidade dos 
seres humanos, pois do mesmo modo que algumas partes do corpo tem que ser 
amputadas quando elas mesmas perdem o sangue e de certa forma o sopro da vida, 
prejudicando às demais partes do corpo, assim mesmo esta bestialização com forma 
humana, este monstro horroroso, deve ser excluído da comum humanidade do 
corpo”14. 
 
Também no Digesto15 se distingue entre inimigos externos e internos: inimigos são 
aqueles com os quais entramos em guerra; via de regra, ladrões e piratas16. 
Também é inimigo aquele que, com má intenção e espírito traiçoeiro, abandona a 
pátria17; mas não o é, no entanto, aquele com o qual existe uma relação de amizade, 
hospitalidade ou análogas18. 
 
Para Locke, a violência de um membro da, em si mesma, “pacífica” comunidade 
natural19 conduz ao estado de guerra20, o qual anula todas as obrigações 
fundamentadas no contrato social e outorga a cada indivíduo o direito de opor-se ao 
agressor.21 Locke diferencia entre este estado de guerra limitado que se 
desencadeia mediante uma violação da lei e a rebelião contra a ordem 
estabelecida22. Enquanto neste caso depende de em que medida a autoridade 
estatal tem provocado a rebelião23, no estado de guerra é “razoável e justo que eu 
tenha o direito de eliminar aquele que ameaça me eliminar. Posto que, assim como a 
lei fundamental da natureza é a de que a humanidade perdure tanto quanto seja 
possível, deve preferir-se a segurança do inocente quando não puder perdurar a 
segurança de todos”. 
 
Ao homem que declara guerra a outro, se deve matar assim como a um animal 
carnívoro, posto que “este tipo de seres humanos não estão vinculados mediante a 
lei comum da razão, e não conhecem outras regras que não sejam as da força bruta 
 
14 Cicero, Vom rechten Handeln, III, § 32, p. 141; lat.: De officiis, III, § 32, p. 106-107: “Etenim ut 
membra quaedam amputantur, si et ipsa sanguine et tamquam spiritu carere coeperunt, et nocent 
reliquis partibus corporis, sic ista in figura hominis feritas et inmanitas beluae a communi tamquam 
humanitate corporis segreganda est.” 
15 Parte central do Corpus Iuris Civiles, compêndio dos escritos dos juristas clássicos a respeito do 
Direito romano, conforme Wesel, 1997, p. 157 s. 
16 Pomponius, Dig. L, 16, 118 (citado segundo a edição de Mommsen, Corpus Iuris Civiles, n.m. 943, 
18):“Hostes hi sunt, qui nobis aut quibus nos publice bellum decrevimos: ceteri latrones aut praedores 
sunt”; Cfe. Ulpianus, Dig. XLIX, 15, 24 (ibidem, n.m. 892, 5); Gaius, Dig. L, 16, 234 (ibid., n.m. 954, 
28): “Quos nos hostes apellamus, eos veteres perduelles apellabant, per eam adiectionem iudicantes, 
cum quibus bellum esset.” 
17 Paulus, Dig. XLIX, 15, 19 (segundo Mommsen, CIC, n.m. 890, 18): “qui malo consilio et proditoris 
animo patriam reliquit, hostium numero habendus est.” 
18 Pomponius, Dig. XLIX, 15, 5 (según Mommsen, CIC, n.m. 886, 10): “In pace quoque postliminium 
datum est: nam si cum gente aliqua neque amicitiam neque hospitium neque foedus amicitiae causa 
factum habemus, hi hostes quidem non sunt.” 
19 Locke, Abhandlungen, II, §§ 95 ss., p. 260 ss. 
20 Locke, Abhandlungen, II, § 19, p. 211 que se afasta expressamente do estado de natureza em paz. 
21 Locke, Abhandlungen, II, § 232, p. 345. 
22 Locke, Abhandlungen, II, § 17 s, p. 210 s. 
23 Locke, Abhandlungen, II, § 18, p. 211. 
 5 Kai Ambos 
e da violência. Portanto, deve-se-lhes tratar como a animais carnívoros, como a 
qualquer criatura perigosa e lesiva que aniquila alguém quando cai em seu poder” 24. 
 
Enquanto que neste ponto se trata da vida em comum de uns cidadãos com os 
outros e da exclusão daqueles que abandonam o pacífico estado natural – e que 
portanto devem ser tratados como animais carnívoros – em outro lugar Locke se 
refere à vulneração dos direitos políticos e ao conseqüente direito de resistência do 
povo25 frente ao inimigo comum: “Quem usurpa violentamente, quer seja senhor ou 
súdito, os direitos do príncipe ou do povo, que conduzam a um golpe de estado à 
constituição e à totalidade da estrutura de um governo justo, é culpado pelo pior dos 
delitos que, na minha opinião, um homem pode cometer. Deve responder por todos 
os males de derramamento de sangue, roubos e devastação que provoca em um 
país a destruição do governo. E quem se comporta desta maneira é considerado, 
com razão, como o inimigo comum, como parasita da humanidade e deve ser 
tratado, em correspondência, como tal”26. 
 
Na concepção de Rousseau – que se fundamenta igualmente no contrato social –, o 
homem que vive na comunidade política tem deveres como súdito e direitos como 
cidadão27. Converte-se em inimigo aquele que só persegue sua própria ambição de 
poder e posse, menosprezando, com isso, as normas sociais e, desta forma, o bem-
estar dosdemais28. A ruptura do contrato social eqüivale à renúncia as qualidades 
relativas à pessoa moral e representa uma traição à pátria: “À medida que infringe 
suas leis, deixa de ser um membro desta e lhe faz guerra. (…) Ao culpável se lhe 
deixa morrer mais por inimigo do que por cidadão” 29. 
 
Como tal não “é uma pessoa moral, é um indivíduo e neste caso constitui um direito 
de guerra matar ao derrotado” 30. A ruptura do contrato social e a conseqüente 
exclusão de quem o rompe como inimigo interno deve diferenciar-se da situação de 
guerra entre dois Estados, na qual os soldados se enfrentam a limine como 
inimigos31, porém somente enquanto dure a guerra: “à medida em que se depõem 
 
24 Locke, Abhandlungen, II, § 16, p. 209 s., conforme também ibidem, § 19, p. 211, segundo o qual 
também a morte de um agressor poderia justificar-se, posto que este não proporciona a segurança de 
que se possa viver; pelo contrário, ao ladrão só “se deve lesionar apelando à lei”. Em outro lugar 
(ibidem, § 18, p. 210 s.) Locke fala da morte legítima de um ladrão que intenta “atrair para seu 
domínio uma vítima utilizando a violência para privá-la (…) de seu dinheiro”. Isso só resulta coerente 
se se considera que o furto com violência se converta em roubo. Uma análise da legítima defesa 
contra inimigos em Locke encontramos em Palermo in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del 
enemigo, p. 454 ss. 
25 Locke, Abhandlungen, II, §§ 232 ss., p. 345 ss. 
26 Locke, Abhandlungen, II, § 230, p. 344 (grifo do autor). 
27 Rousseau, Staat, p. 30; conforme Pérez del Valle, Estudios, p. 57. 
28 Conforme Pérez del Valle, Estudios , p. 61. 
29 Rousseau, Staat, p. 33 (grifo de K.A.). Zaffaroni, El enemigo, p. 120 y 121 coloca em evidência a 
contradição de Rousseau em sua obra já que no capítulo IV do livro I afirma que “um Estado não 
pode ter por inimigo senão a outro Estado, e não a homens, pois não podem estabelecer-se 
verdadeiras relações entre coisas de natureza diversa”. 
30 Rousseau, Staat, p. 34; em outro lugar (ibidem, p. 14 s.) Rousseau se expressa de maneira crítica 
e nega tal direito; conforme Brandt, Rousseaus Philosophie, p. 87. O fato de que se trata de uma 
chamada ao direito penal ou de uma justificação fundamental da pena de morte é controvertido; 
conforme Pérez del Valle, Estudios, p. 58. 
31 Conforme Rousseau, Staat, p. 14, esta é a única possibilidade na qual os seres humanos podem 
opor-se entre si como inimigos; nem no estado de natureza, nem no estado de sociedade são os 
seres humanos, inimigos. 
 6 Kai Ambos 
[as armas] e se entregam, convertem-se novamente em homens por antonomásia – 
dado que já não são nem inimigos, nem instrumentos dos inimigos”32. A exclusão do 
inimigo fundamentada no contrato social se converte em manifesto político da 
revolução francesa: “Depuis le peuple francais a manifesté sa volonté tout ce qui lui 
est opposé est hors le souverain; tout ce qui est hors le souverain est ennemi. (…) 
Entre la peuple et ses ennemis il n´y a plus rien de commun que le glaive.”33 
 
Também merecem ser mencionados Hobbes e Fichte, os quais partem – assim 
como Locke e Rousseau sobre a base do contrato social – de uma recaída no 
estado de natureza, quando se produzem delitos qualificados como a rebelião etc. 
Como conseqüência disso não se castiga a um súdito, senão a um inimigo 
(Hobbes)34, isto é, ao autor se lhe proclama como “uma coisa, um pedaço do 
rebanho” e se lhe relega ao estado da proscrição (Fichte), que autoriza qualquer um 
– não só ao Estado – a “prendê-lo, torturá-lo e matá-lo arbitrariamente”35. De 
maneira similar, segundo Kant36, pode-se tratar como inimigo o homem ou o povo 
em estado de natureza que através da falta presumida da Lei deste estado 
representam uma ameaça37. No entanto, não se deve perder de vista que para 
filósofos do iluminismo como Kant o conceito de inimigo foi estreitamente vinculado à 
doutrina da guerra justa.38 
 
A compreensão moderna do conceito de inimigo, de cunho jurídico, deve vincular-se 
decididamente a Carl Schmitt39. Para Schmitt o inimigo é a medida central, poder 
definitório e essência do político: “Todo antagonismo ou oposição religiosa, moral, 
econômica, étnica ou de qualquer classe se transforma em oposição política quando 
ganha força suficiente para agrupar de um modo efetivo os homens em amigos e 
inimigos” 40. 
 
O inimigo não constitui um contrário geral ou privado no sentido de um competidor 
ou um antagonista; este somente o é o inimigo aberto: “Hostis is est cum quo publice 
bellum habemus”41. “Existencialmente” o inimigo é, “em um sentido especialmente 
 
32 Rousseau, Staat, p. 15. 
33 Notícia do Comité de salut public, Rapport del 10 de octubre de 1793: Choix de rapports etc. Paris 
1818 ss, T. XIII, p. 119, citado conforme Friesenhahn, Der politische Eid, p. 16 [Em francês no 
original: NT]. 
34 Hobbes, Leviathan, 28. Kap, p. 242; idem, Vom Menschen, II., Kap. 14, par. 22, p. 233. Sobre 
Hobbes neste contexto, porém crítico, Bung, in Uwer, Ruhe, 265 s. 
35 Fichte, Grundlage des Naturrechts, p. 272: “não se pode aduzir causa alguma sobre a base dos 
direitos externos do porquê deste não poder tomar o primeiro que mais lhe agrade e torturá-lo e matá-
lo arbitrariamente; porém tampouco existe motivo para fazê-lo”. Sobre Fichte neste contexto, porém 
crítico Frommel, in Uwer, Ruhe, 62 ss. 
36 Kant, Frieden, 2.ª parte com nota p. 24. 
37 Sobre estes autores Jakobs, HRRS 3/2004, 89 ss. (= Ritsumeikan Law Review 21 (2004), 93-107 e 
in: Jakobs/Cancio, Enemigo, 19-56); Gracia Martín, RECPC 07-02 (2005), 13 ss. 
38 Conforme Schünemann, FS Nehm, 222 s. para quem, por esta razão, a posição de Kant não pode 
ser invocada como justificação de um direito penal do inimigo. De modo similar Bung, iin Uwer, Ruhe, 
263; Albrecht, ZStW 117 (2005), 857 s. 
39 Sobre seu significado para a ideologia nacional-socialista veja, crítico, Rüthers, Entartetes Recht, p. 
101-180 com outras referências; sobre Schmitt neste contexto veja Uwer, in: Uwer, Ruhe, 41 ss.; 
Kaleck, in: Uwer, Ruhe, 290 ss.; Müssig, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 
381 ss. 
40 Schmitt, Begriff, p. 26 ss, 37 [El concepto de lo político, 1991, p. 67]. 
41 Forcellini, Lexicon Totius Latinitatis III, 320 y 511, conforme a citação completa de Schmitt, Begriff, 
p. 29, nota 5, como sigue: “Hostis is est cum quo publice bellum habemus (…) in quo ab inimico 
 7 Kai Ambos 
intensivo, algo diferente e alheio”; com o inimigo podem dar-se conflitos “que não 
podem decidir-se nem mediante uma norma geral adotada com precedência, nem 
através da hipótese de um terceiro ‘indiferente’ e neste sentido ‘imparcial’”42. 
Enquanto que com o inimigo privado se pode acordar a paz43; a resposta que, em 
última instância, se pode dar ao inimigo público é sempre a guerra. Portanto, inimigo 
e luta não constituem de modo algum conceitos que pertencem a uma discussão 
puramente espiritual ou a uma luta simbólica: “Os conceitos de amigo, inimigo e luta 
adquirem seu sentido real pelo fato de que estão e se mantém em conexão com a 
possibilidade real de matar fisicamente. A guerra procede da inimizade, já que esta é 
uma negação ótica de um ser distinto. A guerra não é senão a realização extrema da 
inimizade”44. 
 
Portanto, a guerra deve continuar sendo uma possibilidade real “para que o conceito 
de inimigo tenha sentido”45, posto que tampouco “a guerra adquire seu sentido para 
referir-se a ideais ou normas jurídicas, senão para dirigir-se contra um inimigo real” 
46. Portanto, no sistema de Schmitt não há lugar para o “inimigo da humanidade” no 
sentido de Locke, posto que a humanidade e o agrupamento em amigos e inimigos 
se excluem mutuamente47. O conceito de humanidade implica um estado no qual 
desaparece “a distinção entre amigo e inimigotambém pela mera eventualidade”48. 
Quem deva ser considerado no caso concreto como um inimigo, virá determinado, 
ao menos em situações críticas, pelo Estado49; isto é, por quem detenha o poder 
fático de decisão no Estado: o soberano50. 
 
1.2. O inimigo na praxis política 
 
Até hoje, na prática política, a qualificação do contrário como “inimigo” serve para 
justificar qualquer forma de medidas repressivas, desde sanções econômicas até a 
guerra interna ou externa51. 
 
Na Alemanha a “justiça política”52 perseguiu a esquerda radical ou extrema no 
começo do século XX e durante a guerra fria dos anos 60, como inimigos do sistema 
 
differt, qui est is, quocum habemus privata odia. Distingui etiam sic possunt, ut inimicus sit qui nos 
odit; hostis qui oppugnat”. 
42 Schmitt, Begriff, p. 27. 
43 Schmitt, Begriff, p. 30. 
44 Schmitt, Begriff, p. 33 [El concepto de lo político, 1991, p. 63]. 
45 Schmitt, Begriff, p. 33. 
46 Schmitt, Begriff, p. 50 s.; é através da guerra que o inimigo adquire o status de oponente e, com 
isso, a possibilidade de obter um acordo de paz ou a anistia, ibidem, p. 11, 46 ss.; veja também 
Schmitt, Partisanen, p. 87 (declaração de guerra como “Feind-Erklärung”), 91 (“…Unterscheidung der 
Feindschaft, die dem Kriege seinen Sinn und Charakter gibt”); de modo similar Schmitt, Feind, p. 82: 
“Der totale Krieg aber erhält seinen Sinn durch den totalen Feind”. Compare também a diferenciação 
de Rousseau, Staat und Gesellschaft, p. 14 s. 
47 Schmitt, Begriff, p. 54 p. e p. 56: “A humanidade (…) é (…) um sistema de relações em indivíduos 
concretos que se converte em realidade quando se exclui a possibilidade real de uma luta e resulta 
impossível qualquer agrupamento de amigos e inimigos.” 
48 Schmitt, Begriff, p. 54 e p. 55: neste sentido o conceito de humanidade é um “instrumento 
ideológico”; quem o utiliza quer defraudar. 
49 Schmitt, Begriff, p. 46 s. 
50 Conforme Schmitt, Politische Theologie, p. 11, 20; Schmitt, Partisanen, p. 87. 
51 Conforme também Muñoz Conde, RECJ 2/2005, 17 ss.; Demetrio Crespo, RDPC 14 (2004), 90; 
Gracia Martín, RECPC 07-02 (2005), 3 s.; Zaffaroni, El enemigo, p. 147 ss. 
52 Assim o famoso estudo de Otto Kirchheimer, Politische Justiz, Frankfurt 1981. 
 8 Kai Ambos 
(capitalista).53 Na Espanha de Franco, se denominava inimigo a quem permitia 
comunicar publicamente uma oposição ao regime franquista ou quem exigia direitos 
fundamentais54. Os militares argentinos, durante os anos da ditadura, qualificaram 
como inimigos – com base na doutrina da segurança nacional55 – aos “ideólogos que 
envenenam as almas de nossos jovens em nossas Universidades”56, e ameaçam 
com que “os inimigos destroçariam as almas dos argentinos”57. O antigo presidente 
de Ruanda, Jean Kambada, que em outras questões tem sido condenado por 
genocídio, aplaudia o trabalho de uma emissora de rádio que incentivava à 
persecução e morte de membros da tribo Tutsi e dos Humus moderados, como 
“arma imprescindível na luta contra o inimigo”58. Nos conflitos no e ao redor do 
Oriente Médio o conceito já se encontra desde há muito. Hamas estigmatiza o 
“inimigo sionista”59; o presidente da Palestina, Abbas, denomina a “Israel” 60 como 
Ariel Sharon o fazia com o antigo presidente da Palestina, “Arafat”61: como inimigo. 
No Islâ os inimigos são os não-crentes, que serão excluídos da Umma 
(comunidade).62 A mídia norte-americana qualifica os rebeldes iraquianos de “força 
inimiga” 63, e esta denomina a Bush como “inimigo do Islâ, inimigo de Alá, inimigo 
dos muçulmanos” 64. O próprio Bush tem estilizado habilmente o conceito de inimigo 
como conceito de luta desde o 11 de setembro de 2001: “We are the target of 
enemies who boast they want to kill: kill all Americans, kill all Jews and kill all 
Christians” 65. Em seu discurso à nação três dias antes do começo da guerra contra 
o Iraque, Bush declarou as possíveis conseqüências de continuar com uma política 
de paz como “destruction never before seen on this Herat” e justificou desta maneira 
o ataque preventivo: ao “evil man” ou a “Duch enemies” não se deve dar a 
oportunidade de atacar primeiro66. Recentemente Bush confirmava que “Against 
 
53 Conforme Kaleck, in Uwer, Ruhe, p. 285 e ss. que, ademais, considera que a criminalização de 
movimentos de resistência ou protesto constitui uma prática do direito penal do inimigo (294 ss.). 
54 Muñoz Conde, in: Losano/ Muñoz Conde, Globalización, p. 175; idem, RECJ 2/2005, 30. 
55 A fundamentação teórica desta doutrina se pode remontar à Schmitt, Partisanen, p. 30, 40 ss., 85 s. 
e passim, quando ele caracteriza o guerrilheiro como combatente irregular e ilegítimo, como “Träger 
der absoluten Feindschaft” [“portador da inimizade absoluta”, N.T.] (91) que pode ser combatido 
somente “na forma de guerrilha” (“Partisanenart”) (83). 
56 Coronel Juan Carlos Moreno, citado de acordo com Serrano-Piedecasas, FS-Cerezo Mir, p. 1508: 
“São inimigos (…) os ideólogos que envenenam em nossas universidades a alma de nossos jovens.” 
57 General Luciano Menéndez, citado segundo Serrano Piedecasas, FS-Cerezo Mir, p. 1508: “Os 
inimigos da alma argentina serão destruídos”. Conforme também Velásquez, RDPC 15 (2005), 211, 
que faz referência à política “correta” da limpeza de “inimigos” do continente latino-americano. 
58 Prosecutor v. Kambanda, Judgement and sentence 4.9.1998 (ICTR-97-23-S), para. 39 (vii). 
59 Scheich Ahmad Yassin, (am 22.3.2004 dirigente falecido [por ordem de Sharon] de HAMAS), 
Interview vom 1. Juli 2003, www.rebelion.org/palestina/030710mhuammad.htm. 
60 Mahmoud Abbas, USA TODAY, 1.4.2005, www.usatoday.com/news/world/2005-01-04-
abbas_x.htm?csp=34 
61 Ariel Sharon, CNN World, 29.3 2002, //archives.cnn.com/2002/WORLD/meast/03/28/mideast/. 
62 Conforme Thiée, in Uwer, Ruhe, 195 ss. que demonstra (223 s.) que a distinção entre amigo e 
inimigo tem um significado constitutivo nas sociedades islâmicas mais relevante que nas sociedades 
ocidentais. 
63 Washington Times, 17. 7 2003, //washingtontimes.com/national/20030717-121015-6169r.htm. 
64 Abdel Aziz al-Rantissi, (dirigente falecido de HAMAS el 17.4. 2004), BBC News, 28.3.2004, 
//news.bbc.co.uk/2/hi/middle_east/3576563.stm. 
65 Wahlkampfrede, Atlanta/Georgia, 8.11.2001, “a única resposta possível é confrontá-lo e vencê-lo. 
Este novo inimigo busca destruir nossa liberdade e impor suas visões. Nós valoramos a vida, os 
terroristas a destróem sem piedade”, CNN.com, 8.11.2001, 
http://archives.cnn.com/2001/US/11/08/rec.bush.transcript/. 
66 Bush, Discurso à Nação, CNN World, 17.3.2003: 
www.cnn.com/2003/WORLD/meast/03/17/sprj.irq.bush.transcript/. 
 9 Kai Ambos 
such enemy there is only one effective response: We will never back down, never 
give in and never accept anything less than complete victory”67. No marco desta 
retórica, o direito penal terrorista vem se convertendo cada vez mais em um direito 
penal do inimigo68. Um exemplo sobre a utilização do conceito de inimigo no debate 
político interno proporciona recentemente um líder sindical quando qualificou de 
“inimigos” determinadas empresas que deviam ser “aniquiladas”69. 
 
O direito internacional contempla a anacrônica cláusula sobre Estados inimigos no 
artigo 107 dos estatutos da ONU70, que se refere ao eixo de potências da Segunda 
Guerra Mundial e que, hoje em dia, praticamente carece de significado71. Desde o 
ponto de vista do direito penal (internacional) resulta muito mais importante a 
tradicional teoria sobre o hostis humani generis, que remonta fundamentalmente a 
Cícero, e que pode ver-se como um precursor da persecução mundial dos delitos do 
direito penal internacional sobre a base do denominado Princípio da Justiça 
Universal72. Se bem queno começo se denominavam, neste sentido, como inimigos 
da humanidade, os piratas – “pirata hostes humani generis” –, possibilitando desta 
maneira que qualquer Estado pudesse perseguí-los, hoje em dia este conceito se 
refere a qualquer autor de um delito de direito penal internacional (delicta iuris 
gentium) 73. 
 
1.3. Resumo: inimigo interno e externo 
 
Após este histórico tour d’horizon, resulta evidente que se deve distinguir entre 
inimigos “internos” e “externos”. O inimigo “externo” ameaça o próprio desde fora da 
própria sociedade. Aparece assim, principalmente, na guerra clássica entre Estados 
e instituições pré-estatais. O inimigo aqui é o contrário do da guerra, que, em virtude 
do seu status, concede determinados direitos e com quem, inclusive, pode-se 
celebrar acordos de paz e de anistia. A “declaração de inimizade”, isto é, a 
exposição e caracterização do inimigo, advém da situação de guerra. Meu inimigo é 
 
67 Bush, Discurso de 6.10. 2005, www.cnn.com/2005/POLITICS/10/06/bush.transcript/. Sobre os EUA 
ver também Cole, in Uwer, Ruhe, 165 ss.; Sinn, ZiS 2006, 109 s. 
68 Conforme Ambos, PVS 2006 com referências de direito comparado à Espanha, França, Itália, 
Inglaterra e EUA; Portilla Contreras, in: LH-Bacigalupo, tomo 1, p. 708 ss.; Asua Batarrita in: Cancio 
Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 248 ss.; Donini in: ibidem, p. 645 ss.; Orce in: 
ibidem, p. 414 ss.; Sánchez García De Paz in: ibidem, p. 861 ss.; Scheerer/Böhm /Víquez, in: ibidem, 
p. 929 ss.; Zaibert in: ibidem, p. 1166 ss.; sobre a Espanha Cancio, DPC 3 (2003), 43 ss.; Polaino-
Orts, Derecho penal del enemigo, p. 71 ss.; sobre o plano internacional veja também Sinn, ZiS 2006, 
111 s.; quanto à Guantanamo Schünemann, FS Nehm, 221; Müssig in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, 
Derecho penal del enemigo, p. 390; quanto ao desenvolvimento legislativo norte-americano logo 
após o 11 de setembro Manna in: ibidem, p. 255 ss.; quanto ao desenvolvimento policial norte-
americano demarcado dentro da guerra contra o crime Dubber in: ibidem, p. 687 ss. 
69 Assim o Presidente do IG-Bau Wiesehügel, 5.10. 2005, www.n-tv.de/587492.html. 
70 “As medidas que (…) os governos adotaram ou permitiram como conseqüência da Segunda Guerra 
Mundial em relação ao Estado que durante esta constituía o inimigo de um dos Estados signatários, 
estão derrogadas e proibidas por esta Carta” (grifo do autor). Conforme também a referência contida 
no Art. 53 UNS: “…estão excluídas as medidas contra um Estado inimigo, no sentido do parágrafo 2”. 
O Art. 53, par. 2 define como “Estado inimigo” “qualquer Estado que durante a Segunda Guerra 
Mundial tivesse sido inimigo de algum Estado signatário”. 
71 A favor da derrogação veja o Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, citado segundo Fassbender, 
UN-Reform und kollektive Sicherheit, p. 29: “é um momento adequado para eliminar as anacrônicas 
“cláusulas” do inimigo”. 
72 Neubacher, Strafgerichtsbarkeit, p. 111 com outras referências. 
73 Conforme Mü-Ko-Ambos, §§ 3-7, n.m. 47 ss. com outras referências. 
 10 Kai Ambos 
aquele ser humano que se encontra em uma situação de confronto bélico comigo. 
No entanto, quando cessa o confronto bélico, os inimigos podem se converter em 
amigos ou, no mínimo, em parceiros em alianças políticas.74 O inimigo externo pode 
ter também, precisamente, (algum) direito; em todo caso, possui determinados 
direitos mínimos – hoje em dia garantidos pelo direito internacional dos direitos 
humanos 75 – a um tratamento humano; o inimigo não perde estes direitos, não se 
converte em um “sem lei”. 
 
Diferentemente resulta a questão relativa ao inimigo interno. Ele é um “desviante” 
em sua própria sociedade. Inimigo é aquele que não quer vincular a uma 
comunidade sua existência como indivíduo e não quer integrar-se à esta; é aquele 
que não quer ou não pode acatar os valores sociais fundamentais dominantes. A 
clássica guerra entre Estados se converte em uma “guerra interna” entre seres 
humanos ou grupos de seres humanos soltos que, assemelhando-se aos animais no 
estado de natureza ou em qualquer caso desvinculados dos valores dominantes, 
colocam em perigo o ser da sociedade, a convivência pacífica76. Porém, quem é 
concretamente o inimigo interno? Quando se produz um desvio dos valores 
fundamentais de uma determinada sociedade de tal magnitude que justifique a 
exclusão do desviante? Deve manifestar-se externamente o comportamento 
desviante? A filosofia não dá uma resposta exata a estas questões. O aspecto da 
ameaça ocupa um papel predominante77: a negação do outro que ameaça a 
identidade e a existência própria é um critério constitutivo para o inimigo. Inimigo é, 
portanto, quem pode me questionar no sentido cultural-espiritual ou físico-real – isto 
é: de quem temo que possa fazer isto78. O inimigo interno assim definido nunca 
poderá ter direito algum79. 
 
O hostis humanis generis pode ser tanto um inimigo externo como um inimigo 
interno; não depende de uma questão fática. Os delitos internacionais podem ser 
cometidos tanto em uma guerra – concretamente: em um conflito armado – como em 
tempos de paz. Os inimigos da humanidade sempre existem, na medida em que se 
cometem esse tipo de delitos. O hostis humanis generis se distingue, no entanto, do 
mero conceito de inimigo interno por sua referência a delitos internacionais – a 
referência ao fato proporciona, em todo caso, uma determinação relativa. 
 
Ao passo em que ao conceito de inimigo externo não se pode negar uma certa 
legitimidade, a do inimigo interno só serve para desacreditar o contrário e a 
 
74 Isto reconhece também Schmitt, Partisanen, 16: acordo de paz como fim natural da guerra. 
75 Conforme <www.icrc.org> 
76 Conforme também Hohmann, Geschichte von Feindbildern, p. 40; Brandt, Rousseaus Philosophie, 
p. 87 com outras referências. 
77 Conforme Kant, Frieden, 2.ª parte com nota na p. 24 e s. “no estado de natureza puro” se ameaça 
sua segurança já por sua situação a-legal, pelo que resulta legítimo obrigar-lhe a um “estado sócio-
jurídico” ou expulsar-lhe da “vizinhança”, isto é “tratá-lo como inimigo”. 
78 Schmitt, Ex captivitate salus, p. 88. 
79 Em relação à distinção inimigo interno/inimigo externo aqui estabelecida, Polaino-Orts, Derecho 
penal del enemigo, p. 86, 87, pá da página 20, assinala que esta distinção não se pode aplicar ao 
conceito que Jakobs maneja sobre o inimigo, já que quando nos referimos ao inimigo interno, 
excluímos totalmente a juridicidade. Inclui Polaino-Orts, p. 96, ao pé da página 34: “alguns críticos de 
Jakobs absolutizam seu conceito de inimigo, desnaturalizando-o mediante uma interpretação sui 
generis que não diz respeito às características originais … não obstante a despersonalização do 
inimigo, mantém substancialmente seus direitos fundamentais, sendo restringidas unicamente 
algumas garantias …” 
 11 Kai Ambos 
justificação da forma de proceder própria, sem proporcionar uma fundamentação 
material para a exclusão do outro. Este conceito de inimigo não tem limites. Isso 
resulta, sobretudo de forma evidente, da posição de Schmitt, que, por um lado, 
exclui qualquer questionamento das causas do conflito apelando ao Estado livre de 
valores como máquina neutra e, por outro lado, postula a guerra como única 
conseqüência possível da inimizade, subtraindo desta forma qualquer fundamento 
para possibilidades alternativas de solução a limine80. A falta de contornos se vê 
acompanhada do exagero: o super-dimensionamento da ameaça aparente, junto 
com a negação simultânea das características boas, desfiguram a realidade e fazem 
com que o confronto se torne inevitável. Com o inimigo (interno) não se tem nada em 
comum; representa uma ameaça para a própria existência de qualquer um e, neste 
sentido, se encontra sempre fora da própria identidade– individual ou coletiva. Sob 
esta perspectiva o inimigo nunca é um conceito sem importância ou inócuo: sempre 
lhe é imanente uma ameaça que deve ser esclarecida ou eliminada. Posto que já 
não pode acontecer uma comunicação com o inimigo, somente resta o confronto 
militar: a guerra. Em inúmeras ocasiões se cria o inimigo – no verdadeiro sentido de 
«derivado do conceito»81 – que há que eliminar mediante sua denominação como tal 
– no sentido exato do labelling approach82. 
 
2. O conceito de inimigo em Jakobs 
 
2.1. A transformação do conceito de inimigo 
 
Nas jornadas de professores de direito penal que tiveram lugar em Frankfurt am 
Main no ano de 1985, Jakobs utilizava, todavia, o conceito de direito penal do 
inimigo como um topos para a análise crítico-descritiva do direito penal alemão 
vigente83. Este compreendia disposições que transformavam o autor punível em uma 
mera «fonte de perigos», em um «inimigo do bem jurídico»84, privando-lhe assim de 
sua esfera privada e de seu status como cidadão. Posto que quando o Estado 
penetra na esfera privada, na «esfera cidadã interna», «acaba a privacidade e com 
ela a posição do sujeito como cidadão; sem seu âmbito privado não pode existir o 
cidadão»85. O destinatário das denominadas regras do direito penal do inimigo – que 
se caracterizam por uma antecipação da intervenção jurídico-penal, uma legislação 
de luta no lugar de uma legislação penal e pela supressão de garantias 
 
80 Schmitt, Begriff, p. 33: “a guerra é o resultado da inimizade, posto que esta é a negação essencial 
de outro ser. A guerra só é a realização externa da inimizade.” Deve existir a possibilidade da guerra 
“se é que o conceito de inimigo deve seguir tendo sentido”. Quando, conforme Schmitt, a inimizade é 
a essencial da política, porém dita inimizade só deve entender-se a partir da guerra, a guerra se 
converte na essência da política, conforme Laufer, Kriterium des politischen Handelns, nota 69, p. 
156. Uma análise interessante da obra de Schmitt neste ponto faz Zaffaroni, El enemigo, p. 135 ss. e 
Aponte, Guerra, p. 113 ss. 
81 Laufer, Kriterium politischen Handelns, p. 150 ss., fala, neste sentido, da distinção entre 
conhecimento do inimigo e determinação do inimigo. 
82 Conforme a “labeling approach” tanto o delito como o delinqüente são resultados de uma definição 
social; isto é, se conformam no marco da imputação social, conforme Schneider, Kriminologie, p. 551. 
Sánchez García De Paz in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 855. 
83 Jakobs, ZStW 97 (1985), 753; conforme idem, Strafrecht, 2. Aufl. 1991, 2/25c. De outra opinião 
Bung, in Uwer, Ruhe, 251 ss. para quem esse texto de Jakobs é, pelo menos, ambíguo. 
84 Jakobs, ZStW 97 (1985), 753. 
85 Jakobs, ZStW 97 (1985), 755. 
 12 Kai Ambos 
processuais86 – se converte em um inimigo que não goza do status de cidadão87. A 
“desprivatização” permite o acesso a um “elemento interno diferenciado”, mais 
concretamente à relação típica de planejamento na qual se situa o comportamento88. 
Portanto, não goza do privilégio de cidadão “quem realiza um complô junto com 
outra pessoa que, por sua vez, não goza, com relação ao Estado, de um direito à 
privacidade – por exemplo, com o representante de uma potência estrangeira”89. 
Resumidamente: o direito penal do cidadão se impõe com regras de direito penal do 
inimigo e nesta contaminação do “puro” direito penal do cidadão é onde se situa o 
verdadeiro perigo do direito penal do inimigo90. 
 
Este nível puramente analítico-descritivo foi abandonado posteriormente por Jakobs, 
especialmente com seu discurso nas jornadas berlinenses organizadas por Eser, 
Hassemer e Burckhardt no ano de 1999 sob o título “A ciência do direito penal ante a 
virada do milênio”91. Nesse momento, Jakobs fala de algumas “leis de luta”92, com as 
 
86 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 51. Em concreto, segundo 
Jakobs (ZStW 97 (1985), 757; idem, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, 2000, 51; idem, HRRS 3/2004, 93) 
também se incluem todos os preceitos que criminalizam os comportamentos prévios na esfera 
privada (§§ 30, 129, 129a do StGB), assim como os delitos de falsidade documental em sua 
modalidade de criação e confecção (§ 267 do StGB), assim como os §§ 30 I, Nr. 1, 31 I, Nr. 1 da 
BtMG, §§ 211 I, 49 I Nr. 1 do StGB, §§ 31 ss. EGGVG, como §§ 112, 112 a, 81 a, 100a, 100c, 110 do 
StPO. 
87 Jakobs, ZStW 97 (1985), 756, 761. 
88 Jakobs, ZStW 97 (1985), 773. 
89 Jakobs, ZStW 97 (1985), p. 776 com referência aos §§ 98, 99 do StGB. 
90 Conforme Jakobs, ZStW 97 (1985), 757, 784; também idem, Staatliche Strafe, p. 45 s.; idem, HRRS 
3/2004, 93 p. Conforme também Díez Ripollés, RECPC 7-01 (2005), 24; Aponte, Guerra, p. 190; 
Mana, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 285–289; Perez del Valle, in: 
ibidem, p. 569; Feijóo Sánchez, DPC 2006, p. 134 critica o argumento de Jakobs da coexistência de 
um direito penal do inimigo com o direito penal do cidadão para conservar este último. Por sua parte 
Scheerer/Böhm /Víquez in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 925-926 
consideram mais habitual a existência do direito penal do inimigo que a do direito penal do cidadão na 
história. Zaffaroni, El enemigo, p. 155, 157 apóia a idéia de Jakobs no sentido de que se faz para 
evitar que todo o direito penal se contamine. Igualmente Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 
183, 261, pé da página 20 considera possível a convivência de ambos os tipos de direitos, e de fato a 
vê como algo real e vantajoso já que evita abusos, porque o direito penal do inimigo está bem 
delimitado e, ademais, a política criminal é incidental e conjuntural. Hörnle, GA 2006 dá vários 
exemplos de uma contaminação do direito penal “ordinário” (82 ss.) e admite que é inevitável que 
existam lugares onde influi um pensamento de segurança no direito penal de cidadãos 
(“Einbruchstellen eines sicherheitsbezogenen Denkens… in ein Bürgerstrafrecht”, p. 93). Ver também 
Sinn, ZiS 2006, 108 s. e Krauß, in Uwer, Ruhe, 88 ss. considerando em particular o direito penal das 
drogas como direito penal do inimigo; sobre o “Intensivtäter” (“autor intensivo”) na prática (policial) 
Jasch, in: Uwer, Ruhe, 268. Exemplos do direito penal europeu encontram-se em Scheffler, FS 
Schwind, 127 ss. que, no entanto, emprega um conceito demasiadamente amplo de direito penal do 
inimigo. Para Silva Sánchez in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 984-1010, 
a legislação e prática do aborto constitui um exemplo de direito penal do inimigo, porque implica que 
não se reconhece o status do embrião como ser humano; ver também Orce in: ibidem, p. 425 ss.; 
Palermo in: ibidem, p. 437 ss., dá exemplos relacionados com a legítima defesa. 
91 O grande conhecedor de Jakobs, Cancio, ZStW 117 (2005), 277 com nota 32, observa um 
desenvolvimento em três fases: 1985/1991, 1999/2000 e 2003/2004; de modo similar Saliger, JZ 
2006, 757 ss.; Aponte, in Uwer, Ruhe, 131 ss.; idem, Guerra, p. 183, 192; Portilla Contreras, JpD 49 
(2004), 44 fala de uma “mudança qualitativa”; Prittwitz, in: Mir/Corcoy, Politica criminal, pp. 112 ss. de 
uma “mudança de sentido”. Conforme também Donini, in: Terradillos Basoco/Acale Sánchez, Temas, 
p. 214 com nota 33 (“função de legitimação”); Greco, GA 2006, 99 (“O tom … mudou 
substancialmente”); Díez Ripollés, RECPC 7-01 (2005), 20; Kaleck, in: Uwer, Ruhe, 283. Feijóo 
Sánchez, DPC 2006, p 139 ss.; Müssig, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 
384; Pastor, in: ibidem, p. 504. Modolell in: ibidem, p. 325 ss. acredita ser necessário diferenciar 
 13 Kai Ambos 
quais se combatem indivíduos: “que em sua atitude (delitos sexuais), em sua vida 
econômica (criminalidade econômica, relativa às drogas e outras modalidadesde 
criminalidade organizada) ou por seu envolvimento em uma organização criminosa 
(terrorismo, criminalidade organizada) tem se afastado, provavelmente, de modo 
permanente, porém, em todo caso, com certa seriedade, do direito, dito de outro 
modo: que não prestam a garantia mínima que é imprescindível para ser tratado 
como pessoa em direito”93. 
 
Aí se encontra algo mais que a mera descrição da lex lata de direito penal do 
inimigo; concretamente, a criação de um conceito de inimigo sobre a base da 
compreensão jakobsiana da finalidade da pena: o inimigo é um indivíduo “que, não 
só de maneira incidental, no seu comportamento (...) ou em sua ocupação 
profissional (...) ou, principalmente, através de sua vinculação a uma organização 
(...), isto é, em qualquer caso de forma presumidamente duradoura, tem abandonado 
o direito, e por conseguinte já não garante o mínimo de segurança cognitiva do 
comportamento pessoal e o manifesta através de sua conduta”94 
 
Se bem que parece possível, evidentemente, tratar o “delinqüente habitual” “não 
como um indivíduo perigoso, senão como uma pessoa que atua equivocadamente” – 
isto é: como pessoa e como cidadão –, o certo é que resulta mais difícil fazê-lo no 
caso de “autores por tendência ou com o autor que se torna membro de uma 
organização.”95 Em todo caso, quem deve ser tratado como inimigo é o terrorista, 
que nega de fato a “legitimidade do ordenamento jurídico por princípio” e “pretende 
destruí-lo” 96. 
 
Jakobs já não define o inimigo somente em atenção ao direito penal especial em 
concreto – de certo modo como produto do legislador –, senão se afasta dos tipos 
concretos e se abstrai: o inimigo é “o encosto perturbador” conformado por aqueles 
que “não se deixam vincular a, nem tampouco separar-se de” um estado cidadão97. 
Esse indivíduo “não pode desfrutar parcialmente dos benefícios do conceito de 
pessoa”98, posto que “quem continuamente se comporta como Satã, ao menos não 
poderá ser tratado como pessoa em direito, no que diz respeito à confiança de que 
cumprirá com seus deveres”99. Ademais, se se “parte de sua orientação com base 
 
entres versões e significados nas afirmações de Jakobs. Contrário à existência de uma mudança de 
discurso Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 47, considera que “as sucessivas contribuições 
do autor alemão, desde a sua primeira conferência em 1985 até a última (ainda inédita) de 2006, são 
produto de uma análise coerente em seu sistema funcionalista, de maneira que entre uma e outra 
não há rupturas nem mudanças, senão plena evolução lógica”. 
92 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, com 10 ss.: assim, por exemplo, as 
leis de luta contra a criminalidade econômica, o terrorismo, o tráfico ilícito de drogas e outras formas 
de manifestação da criminalidade organizada, e de delitos sexuais e outros fatos delitivos perigosos. 
93 Jakobs, Staatliche Strafe, p. 42 [=La pena estatal. Significado y finalidad, 2006 (grifo de K.A.)]; de 
modo similar com referência à “terroristas” Jakobs, ZStW 117 (2005), 842 ss. 
94 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 52 (sem grifo no original) 
[=Dogmática de Derecho penal y la configuración normativa de la sociedad, 2004, pp. 44 s.]. 
95 Jakobs, HRRS 3/2004, 92. 
96 Jakobs, HRRS 3/2004, 92. 
97 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 53. Em outro lugar, (Prólogo, in: 
Jakobs/Cancio, Enemigo, p. 14) Jakobs o formula de maneira ainda mais decisiva: “há que separar-se 
de quem não admite ser incluído sob uma constituição civil.” 
98 Jakobs, HRRS 3/2004, 92. 
99 Jakobs, Staatliche Strafe, p. 41. 
 14 Kai Ambos 
no lícito e no ilícito”, também esta “expectativa normativa deve encontrar-se 
alicerçada no fundamental, de maneira cognitiva, e isso com tanto maior clareza 
quanto maior for o peso que corresponda às normas em questão”100. Quanto ao 
tratamento de terroristas em particular, Jakobs propõe examinar se a (criticada) 
“contaminação” é necessária na luta contra eles.101 E, em sua conclusão, afirma esta 
necessidade ao considerar admissível que, por um lado, cidadãos inocentes possam 
ser sacrificados para evitar um atentado terrorista (concretamente: através de um 
avião seqüestrado por terroristas)102 e, por outro, que o Estado pode (inclusive: tem 
que) usar métodos proibidos de interrogar supostos (sic!) terroristas.103 
 
2.2. Considerações críticas 
 
2.2.1. Quem é o inimigo? 
 
Se anteriormente já se criticou a insegurança a efeitos de delimitação conceptual 
que existia104, agora a distinção entre pessoa/cidadão e inimigo desaparece 
totalmente quando a argumentação se afasta dos tipos concretos como o único 
critério apreensível e se passa a definir abstratamente o inimigo. Assim, já não só se 
determina o “inimigo” à luz de uma classificação legal – em qualquer caso reativa –, 
senão se determina, independentemente disso, com base em um postura “inimiga” a 
respeito da ordem estatal e – possivelmente – com base na decisão, a oposição 
duradoura aos valores deste ordenamento (criminalidade organizada), isto é, como 
conseqüência da suposta incapacidade de orientar-se no futuro em conformidade 
com tais valores (autor por tendência). Portanto, de acordo com isso, os 
“Hangtäter”NT1 e os criminosos organizados são inimigos “potenciais”, enquanto que 
os terroristas são inimigos “seguros” – sem ter em conta a dificuldade que é definir 
corretamente o terrorista105 e, da prática conhecida, e já referida, denominar como 
 
100 Jakobs, HRRS 3/2004, 91 [=“Derecho penal del ciudadano y Derecho penal del enemigo“ 
(Tradução de Manuel Cancio Meliá), in: Jakobs / Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, 2003, p. 
38]. 
101 Jakobs, ZStW 117 (2005), 841, 851. 
102 Jakobs, ZStW 117 (2005), 848 refere-se à lei alemã para a segurança do tráfego aéreo 
(“Luftsicherheitsgesetz” del 11.1.2005, BGBl. I 2002, 78) que foi declarada inconstitucional pelo 
Bundesverfassungsgericht na sentença de 15 de fevereiro de 2006 (1 BvR 357/05), publicada, inter 
alia, in: NJW 2006, 751-761; EuGRZ 2006, 83-97; JZ 2006, 408-417. 
103 Jakobs, ZStW 117 (2005), 849 refere-se ao § 136a do StPO que, inter alia, proíbe a tortura. Em 
relação ao uso da tortura nestes casos Zaibert, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del 
enemigo, p. 1168 ss 
104 Conforme, já em 1985, a crítica de Puppe, Schmidhäuser, Lampe, Hirsch y Köhler, reproduzida por 
Gropp, ZStW 97 (1985), 920 ss., 924, 926. Crítico também Schüler-Springorum, 1991, 240; Muñoz 
Conde, in: Losano/Muñoz Conde, Globalización, p. 174; Portilla Contreras, JpD 49 (2004), 45 com a 
nota 17; Hörnle, GA 2006, 89 ss.; Uwer, in: Uwer, Ruhe, 51; Aponte, in Uwer, Ruhe, 141 ss.; Streng, 
in Uwer, Ruhe, 246. Uma boa revisão do estado da discussão o proporciona Greco, GA 2006, 99 ss.; 
Zaffaroni, El enemigo, p. 157 ss. faz referência a um conceito limitado de um hostis limitado. Polaino-
Orts, Derecho penal del enemigo, p. 222 ss. considera que assim como não se exige aos autores que 
delimitem conceitos como inimputável ou criminalmente perigoso quando os utilizam, tampouco cabe 
exigir-lhe a Jakobs que delimite e defina aqueles que são os inimigos. - Sobre críticas similares à 
Schmitt veja Laufer, 1962, 138, 150, 153: não se esclarece o alheio, quando um se converte em 
inimigo. Schmitt evita a questão de por que e como um ser humano ou um grupo de seres humano 
nega o ser de outro ser humano ou grupo de seres humanos. 
NT1 O substantivo composto Hangtäter, traduz-se como “autor por tendência”. 
105 Conforme Martin, Understanding Terrorism, Challenges, Perspectives, and Issues, p. 9, 35 s., 116: 
“Quem é terrorista para uma pessoa, pode ser o defensor da liberdadepara outra.” Sobre o aspecto 
internacional veja com mais detalhes Ambos, PVS 2006, 417 ss. 
 15 Kai Ambos 
tal a qualquer oponente odiado106. Afinal de contas, a definição depende do poder de 
definição e este poder o tem, o Estado – auctoritas, non veritas facet legem.107 
Desde o ponto de vista processual se estabelece a questão de conforme quais 
regrais procedimentais se produz a “identificação de inimigos”. Realmente só 
existem duas possibilidades: ou se procede conforme as regras do direito penal do 
cidadão e se procura separar a palha (os inimigos) do trigo (os cidadãos), ou se 
procede conforme as regras do direito penal do inimigo e se atribui de maneira 
abstrata o status de inimigo. Quanto ao primeiro caso devemos ter em conta que isto 
se realizaria no marco de um processo jurídico-estatal – onde vige a presunção de 
inocência!108 –, pelo qual se aplicaria o direito penal do cidadão aos inimigos, e 
portanto se desacreditaria o discurso do direito penal do inimigo. Por isso, desde a 
perspectiva do direito penal do inimigo, resulta mais conseqüente a segunda 
possibilidade, a qual significaria, ademais – exatamente no sentido de uma petitio 
principii –, que se pressupõe aquilo que antes de mais nada teria que demonstrar (o 
status como “inimigo” de determinados indivíduos).109 
 
O próprio Jakobs reconhece que a questão da delimitação entre cidadão e inimigo 
“pode contestar-se de diferentes maneiras, dependendo dos pressupostos”110. 
Reconhece que o cidadão e o inimigo são apenas dois “tipos ideais”, que 
“dificilmente serão levados à realidade de modo puro”111. Portanto não pode “tratar-
se de contrapor duas esferas isoladas do direito penal, senão de descrever dois 
pólos de um só mundo ou de mostrar duas tendências opostas em um só contexto 
jurídico-penal”112 E previne: “quem não diferencia com clareza entre inimigo e 
delinqüente civil não deve se surpreender se confunde os conceitos de ‘guerra’ e 
‘processo penal’.”113 Embora em seu último trabalho (publicado) Jakobs postule uma 
distinção exata (“sauber unterscheiden”), não desenvolve critério para ela.114 
 
 
106 Conforme, por exemplo, a declaração do general argentino Videla que também considerava que el 
autor por convicção era um terrorista: “o terrorista não só é considerado por matar com uma arma ou 
colocar uma bomba, senão também por ativá-las através de idéias contrárias a nossa civilização 
ocidental e cristã” (citado conforme Serrano-Piedecasas, FS-Cerezo Mir, p. 1508). 
107 O problema do poder de definição também foi advertido por Alejandro Aponte (conferência, 
Congresso IBCCrim, São Paulo, 1.9.2006) com especial referência ao atual processo de paz 
colombiano, onde os paramilitares se converteram de inimigo absoluto em inimigo relativo, inclusive 
amigo; assim o poder de definição vem com as normas, em outras palavras, é eminentemente 
normativo e concede discrição praticamente absoluta ao legislador (ao contrário Mir Puig, Homenaje 
Rodríguez Mourullo, p. 690). 
108 Sobre a importância dela neste contexto veja Schünemann, FS Nehm, 226. 
109 Sobre esta “caixa sem saída” também Gracia Martín, RECPC 2005, Nr. 07-02, 2-28. A 
“circularidade de uma dogmática jurídico-penal que vive da ocorrência já vinha sendo criticada por 
Schünemann, GA 2001, 211. 
110 Citado de acordo com Gropp, ZStW 97 (1985), p. 928. 
111 Jakobs, HRRS 3/2004, 88, 90. Ver também Aponte, Guerra, p. 202-03: “o inimigo é sempre um 
inimigo construído… na diferença de tipos ideais sempre intermedia uma decisão… política por 
natureza”. 
112 Jakobs, HRRS 3/2004, 88 [=“Derecho penal del ciudadano y Derecho penal del enemigo“ 
(tradução de Manuel Cancio Meliá), in: Jakobs/Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, 2003, p. 
22]. 
113 Jakobs, Staatliche Strafe, p. 46, veja sobre isso, também Cancio, ZStW 117 (2005), p. 288: “ou 
ações de guerra em sentido estrito ou delitos, tertium non datur.” 
114 Jakobs, ZStW 117 (2005), 850. 
 16 Kai Ambos 
Apesar das incertezas descritas, a classificação cidadão/inimigo segue constituindo 
a base da argumentação jakobsiana115. Jakobs não se centra na imagem das forças 
opostas que existem dentro de um ser humano (um cidadão ou uma pessoa), senão 
em duas regras de atuação separadas que se dirigem a cidadãos – direito penal do 
cidadão – ou a inimigos – direito penal do inimigo – dependendo do seu 
comportamento. Também a pena se orienta a destinatários diferentes dependendo 
da função: seu efeito confirmador se orienta a pessoas entendidas como «partícipes 
na comunicação, que ponderam sobre o direito», e a dissuasão e o estímulo da 
fidelidade ao direito se orienta a “quem não está, per se, juridicamente disposto”.116 
Gera-se, assim, a impressão de que existem homens que basicamente se 
comportam ou conforme a direito ou contra o direito117. O que decide sobre a 
pertença ao grupo dos inimigos não é o fato (direito penal do fato), senão as 
características do autor (direito penal do autor) 118. Esboça-se uma imagem do 
homem – como cidadão ou como inimigo – que não existe de maneira tão 
absoluta;119 a oposição cidadão/inimigo – de maneira similar à oposição schmittiana 
amigo/inimigo (supra I.1) 120 – postula o inimigo conforme a sua essência, 
remetendo-se, para isso, à realidade: “Em todo caso, aqui não nos interessa saber 
se é rechaçável ou não o fato de que os povos sigam agrupando-se conforme se 
considerem amigos ou inimigos, nem se se trata de um resquício atávico de épocas 
de barbárie; tampouco vamos nos ocupar das esperanças de que algum dia essa 
distinção desapareça da face da terra, nem da possível bondade ou conveniência de 
fazer, com fins educativos, como se já não houvesse inimigos. Não estamos falando 
de ficções nem de normatividades, senão da realidade ôntica e da possibilidade real 
desta distinção.”121 
 
No plano da política social prática, o agrupamento cidadão/inimigo conduz a um 
aumento na pressão sobre os grupos sociais que de todas as maneiras tem que lutar 
contra sua marginalização, como, por exemplo, os imigrantes, os judeus ou os que 
 
115 Por exemplo Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 50; idem, 
Staatliche Strafe, p. 42 s.; idem, HRRS 3/2004, 88 s., 93. 
116 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 50; conforme nota 143. 
117 Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 99 para este autor uma das características do 
conceito de inimigo é que para ele a conversão de inimigo e conseqüente auto-exclusão, é 
potestativa dos cidadãos. Ver também Perez del Valle, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal 
del enemigo, p. 561. 
118 Neste sentido também Gracia Martín, RECPC 07-02 (2005), 22; Cancio, ZStW 117 (2005), 281, 
284, 286 s., 289; Demetrio Crespo, RDPC 14 (2004), 90 e ZIS 2006, p. 435 ss; Hefendehl, StV 2005, 
157; Díez Ripollés, RECPC 7-01 (2005), 21; conforme também Puppe, citado segundo Gropp, ZStW 
97 (1985), p. 920. Crítico também Sinn, ZiS 2006, 116; Seligman de Menezes, Boletim do IBCCrim 
2006, p. 19; Fernández, in: Schöne, Estado de derecho, p. 133; Asua Batarrita in: Cancio 
Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 242; Donini in: ibidem, p. 614 ss.; Garcia Amado, 
in: ibidem, Derecho penal del enemigo, p. 909 ss; Lascano in: ibidem, p. 220 ss, 230 ss; Müssig, in: 
ibidem, p. 388; Pastor Muñoz, in: ibidem, p. 538; Portilla Contreras, in: ibidem, p. 658; 
Scheerer/Böhm/Víquez in: ibidem, p. 919. Polaino-Ort, Derecho penal del enemigo, p. 218 considera 
que inevitável usar o direito penal do autor para adequar as sanções penais. 
119 Crítico também Schünemann, FS Nehm, 225 para quem não existem pessoas que por princípio se 
oponham ao direito. Zaffaroni, El enemigo, p. 158 assinala que todos os humanos se dividem entre 
cidadãos e inimigos, como conseqüência de se ter admitido as medidasde segurança. Portanto isto 
não é nenhuma invenção de Jakobs, que só descreve a realidade do direito penal de duas vias. 
Similar Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 229 ss. 
120 Crítico também em relação à similitude Schulz, ZStW 112 (2001), 659 s.; Greco, GA 2006, 106; 
Uwer, in: Uwer, Ruhe, 42 e passim; Kaleck, in: Uwer, Ruhe, 290; Gomez Martín, in: Cancio 
Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 1031 ss. 
121 Schmitt, Begriff, p. 28 s. [El concepto de lo político, 1991, p. 58] 
 17 Kai Ambos 
pertencem a subculturas que só aparecem de maneira condicionada nas relações de 
reciprocidade que se percebem na sociedade122. Quando Jakobs, além disso, 
recorda o perigo da «pluralidade extrema»123, e a “força explosiva da denominada 
multiculturalidade124”, suas reflexões se dirigem sobretudo contra os outros que 
provém de uma cultura estrangeiro. Se a pena tem que confirmar a identidade da 
cultura dominante – sem ter em conta a realidade multicultural das modernas 
sociedades industriais que, certamente, exclui uma base cultural homogênea para o 
Direito Penal125 –, então o emigrante que permanece em seu próprio meio cultural 
não pode oferecer a segurança cognitiva necessária para estar seguro de sua 
fidelidade ao direito126. 
 
2.2.2. Da descrição ao programa político 
 
Diferentemente de Schmitt127, Jakobs alega que suas declarações devem ser 
entendidas como descritivas e, de fato, em 95%128 ou 98%129. Somente ele quem 
 
122 Conforme Bock, in: Kaiser/Jehle, Opferforschung, p. 180 ss.; Aponte, Feindstrafrecht, p. 135; 
Zaffaroni, Cuestión penal, p. 156 e El enemigo, p. 64. Ramírez, Derecho penal del enemigo, p. 31 ss. 
Em relação à perseguição ao islamismo Quintero Olivares, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho 
penal del enemigo, p. 687-696. 
123 Esta pluralidade, conforme diz Jakobs, ZStW 107 (1995), 868, debilita “a igualdade pessoal”, o 
qual conduz a um “resultado instrumental” na medida em que “alguém se converte reciprocamente 
em natureza”; neste sentido deve levar-se em conta que Jakobs, HRRS 3/2004, 92 descreve o estado 
de natureza como um estado a-jurídico onde falta uma segurança cognitiva: “o estado de natureza é 
precisamente um estado no qual falta a norma, isto é um estado tanto de liberdade excessiva como 
de luta excessiva. Quem ganha a batalha determina que é a norma e quem perde tem que acatar 
esta determinação”. Veja ademais idem, in: Eser/Hassemer/Burckhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 
52: os inimigos proliferam, dado que a sociedade perdeu os apoios de uma religião em conformidade 
com o Estado, a instituição e a família e a consciência de uma nacionalidade comum, pelo que 
aumenta a possibilidade de conformar uma identidade separada do direito”. 
124 Como multiculturismo inócuo de uma cultura ou como convivência perigosa de várias culturas veja 
Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burckhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 52. 
125 De acordo também Martínez, Necesidad, p. 33; veja também Aponte, Feindstrafrecht, p. 135: 
Ciudadano, ¿aquel que se adapta a la “cultura dominante”? Aponte, Guerra, p. 208 ss. alega que esta 
concepção dá lugar a modelos racistas e de persecução de imigrantes, sobretudo pelo fato da falta 
de clareza e ambigüidade manejada por Jakobs ao falar destes temas. Ramírez, Derecho penal del 
enemigo, p. 32, recorda o fato de que dentro das mesmas sociedades, como, por exemplo, na 
Colômbia, a diversidade cultural é patrimônio cultural da Nação. 
126 Conforme Zaffaroni, Cuestión penal, p. 156, que, neste sentido, fala dos excluídos do mundo 
civilizado, isto é, os imigrantes e os parados entre outros, idem, El enemigo, p. 66: “Em todos os 
tempos, desde Roma até a atualidade, o imigrante é um bom candidato a inimigo”. Veja também 
Demetrio Crespo, ZIS 2006, p. 431. 
127 O que neste ponto pode soar como empírico e descritivo (por exemplo, em Schmitt, Begriff, p. 28 
s.: “Se se considera ou não que algo é reprovável e quem sabe considere que é um resto atávico dos 
tempos de barbárie o fato de que os povos tenham se agrupado em amigos e inimigos, ou se espera 
que a distinção desapareça da face da terra algum dia, ou inclusive que, quem sabe, resulta bom e 
acertado fingir, por questão de educação, que no fundo não existem inimigos, pois bem, tudo isso não 
se leva em consideração aqui. Aqui não se está tratando com ficções e normatividade, senão com 
uma realidade essencial e com a possibilidade real desta distinção”), deve estabelecer-se em um 
contexto programático (supra notas 37 e ss. e o texto correspondente) e assim se pretende. 
128 Assim nas jornadas de professores de Direito penal de Frankfurt/Oder em maio de 2005, conforme 
o relatório de discussão em ZStW 117 (2005), 886. 
129 Jakobs no vigésimo nono (XXIX) dia dos advogados defensores em Aachen, citado segundo 
Sauer, NJW 2005, 1704. Críticas em Scheffler, FS Schwind, 124; Schulz, in Uwer, Ruhe, 325; 
Demetrio Crespo, ZIS 2006, p 434. 
 18 Kai Ambos 
trouxe as más notícias, e por elas serem indecorosas, acabou repreendido130. Agora, 
se o próprio Jakobs se auto-considera descritivo assume alguma importância para 
ele a crítica de que o seu pensamento tem se tornado afirmativo e programático.131 É 
descritivo só na medida em que toma como objeto de análise certos preceitos de 
lege lata. No entanto, sua mera caracterização como direito penal do inimigo 
pressupõe uma valoração, posto que o conceito de «inimigo» é um conceito 
normativo por excelência132. A «tese da contaminação»133, perfeitamente 
compreensível, se vê obrigada a pagar um preço muito alto pelo direito penal do 
cidadão – o direito penal do Estado de Direito –, e precisa em razão da carga 
normativa do conceito de inimigo. E isso devido ao fato de que não se pode obter 
uma definição de inimigo que seja tão exata, que não resulte que o dano ao Estado 
de Direito não seja ainda maior do que já é por si de lex lata (contaminada pelo 
direito penal do inimigo). A falta de precisão do conceito de inimigo é, portanto, 
também o argumento decisivo contra sua capacidade de prestação analítica134. 
Apesar disso, o conceito não é nada novo como se depreende de nossa 
reconstrução histórica e política (supra I, 1. e 2). 
 
O salto qualitativo da descrição à programação pode comprovar-se em inúmeras 
declarações dos últimos tempos e culmina na postulação de um «tratamento para 
inimigos» que Jakobs considera adequado135: resulta – ao contrário – precisamente 
«desonesto abusar da evidência do direito penal do cidadão declarando como 
cidadãos os inimigos136». Ademais, “hoje em dia não existe nenhuma alternativa 
visível ao direito penal do inimigo”137. De fato, “pode muito bem perguntar-se” se não 
 
130 Jakobs, in: Jakobs/Cancio, Enemigo, p. 15: “se mata o mensageiro que traz uma má notícia por 
ser indecorosa sua mensagem”. Assim mesmo Jakobs, no prólogo ao livro de Polaino-Orts, Derecho 
penal del enemigo, p. 18 
131 No entanto, para Frommel, in Uwer, Ruhe, 72 a reconstrução jakobsiana é somente “dogmática”; 
para Saliger, JZ 2006, 757 a Jakobs não interessa a distinção entre normativo e descritivo, pois seu 
discurso flui entre ambos os lados. 
132 Conforme também Greco, GA 2006, 107 s.; Prittwitz, in: Mir/Corcoy, Política criminal, p. 114; Kunz, 
in: Barton, 2006, 77: “A valoração, em seu resultado ... depende de uma pluralidade de precedentes 
normativos” (“Bewertung, deren Ergebnis ... von einer Vielzahl normativer Vorentscheide abhängt“). 
Veja também Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 212 
133 Conforme supra, nota 90 e o texto correspondente. 
134 Igualmente crítico Greco, GA 2006, 110 e Saliger, JZ 2006, 759 ss., 762 que duvida do valor 
crítico-analítico do conceito. De outra opinião Hörnle, GA 2006, 81 que quer usar a terminologia para 
descrever “Elementos e pontos comuns transcendentes das mudançaspolítico-criminais dos últimos 
anos” (“übergreifende Elemente und Gemeinsamkeiten von kriminalpolitischen Veränderungen der 
letzten Jahre …”) ; também Streng, in Uwer, Ruhe, 231; Neumann, in Uwer, Ruhe, 300 s., 314. Ante 
esta situação Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 102 propõe uma definição de inimigo: 
“Inimigo é quem, inclusive mantende intactas suas capacidades intelectiva e volitiva, e dispondo de 
todas as possibilidades de adequar seu comportamento à norma, decide motu propio auto-excluir-se 
do sistema, rechaçando as normas dirigidas à pessoas razoáveis e competentes, e 
despersonalizando a si mesmo mediante a manifestação exterior de uma ameaça em forma de 
insegurança cognitiva, que – precisamente por colocar em perigo os pilares da estrutura social e o 
desenvolvimento integral do resto dos cidadãos («pessoas em direito») – tem de ser combatida pelo 
ordenamento jurídico de forma especialmente drástica, com uma reação garantidora mais eficaz. Esta 
reação se circunscreve a garantir e restabelecer o mínimo respeito para a convivência social: o 
comportamento como pessoa no direito, o respeito às demais pessoas e – em conseqüência – a 
garantia da segurança cognitiva dos cidadãos na norma”. 
135 Jakobs, Staatliche Strafe, p. 46: “o que resulta adequado frente à traidores, terroristas ou outras 
pessoa contrárias, por princípio, ao ordenamento jurídico” [seu tratamento como inimigos, K.A.]. 
136 Jakobs, Staatliche Strafe, p. 47. 
137 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 53. Aponte, Guerra, p. 194 ss., 
205 ss. Polaino-Orts, Derecho penal del enemigo, p. 193 ss. assinala que é um fato que existe o 
 19 Kai Ambos 
se está impondo ao Estado uma limitação inadequada na luta contra o terrorismo, e 
não se poderia “chamar de outra forma” aquilo “que se deve fazer contra os 
terroristas se não se quer sucumbir” ao “direito penal do inimigo, guerra refreada”138 
Last but not least: “trata-se do restabelecimento de condições de retorno aceitáveis, 
por meio da (…) neutralização daqueles que não oferecem uma garantia mínima 
cognitiva, a qual é necessária para que, para efeitos práticos, possam ser tratados 
atualmente como pessoas. É verdade que o procedimento para tratamento de 
indivíduos hostis está regulado juridicamente, porém trata-se da regulamentação 
jurídica de uma exclusão: os indivíduos são atualmente não-pessoas. Indagando em 
seu verdadeiro conceito, o direito penal do inimigo é, portanto, uma guerra cujo 
caráter limitado ou total depende (também) do quanto se teme o inimigo. Tudo isto 
soa chocante e, certamente, o é, pois se trata da impossibilidade de uma juridicidade 
completa, isto é que contradiz a equivalência entre racionalidade e 
personalidade”139. 
 
A tarefa da ciência do direito penal neste contexto é “identificar as regras do direito 
penal do inimigo”140, “e separá-las daquele que funciona sob a denominação de 
direito penal, isto é, trazer à colação o complemento do direito penal através de um 
direito penal de luta contra o inimigo”. Caso contrário, a ciência do direito penal “se 
verá marginalizada por uma sociedade dominada pela economia, como 
conseqüência de sua falta de efetividade”141. Tudo isso é o programa político-
criminal do direito penal do inimigo e o pedido à ciência do direito penal de que 
contribua ativamente a dar forma a este programa. É a passagem de um conceito 
descritivo e crítico-denunciador a um conceito afirmativo-legitimador do direito penal 
do inimigo142. 
 
direito penal do inimigo, já que como tal existem normas que cumprem estas características, no 
entanto, tais normas não conformam um corpo normativo, senão sua existência advém da aplicação 
do princípio da proporcionalidade que impõe, para esse tipo de ações, um trato diferenciado. 
138 Jakobs, HRRS 3/2004, 92 [=“Derecho penal del ciudadano y Derecho penal del enemigo“ 
(tradução de Manuel Cancio Meliá), in: Jakobs / Cancio Meliá, Derecho penal del enemigo, 2003, p. 
42]; neste sentido deve ter-se em conta que “a Guerra refreada” é a conseqüência de uma concepção 
que, como a de Jakobs, parte de um estado de natureza bélico que se vê dominado por um contrato 
social. Sobre o tratamento dos terroristas como inimigos por Jakobs veja a nota 101 e ss. e texto 
correspondente. Para Krauß, in Uwer, Ruhe, 100, a referência de Jakobs à ruína (“Untergang”) do 
Estado é “palavreado político” (“politisches Geschwafel”); crítico também Fernández, in: Schöne, 
Estado de derecho, p. 129; Portilla Contreras, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del 
enemigo, p. 676 ss. 
139 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 53 [=“La ciencia del Derecho 
penal ante las exigencias del presente” (tradução de Teresa Manso Porto), in: Jakobs, Dogmática de 
Derecho penal y la configuración normativa de la sociedad, 2004, pp. 45 s.]. 
140 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 53. 
141 Jakobs, in: Eser/Hassemer/Burkhardt, Strafrechtswissenschaft, p. 53 s. 
142 Sobre esta terminologia Greco, GA 2006, 104, que considera que Jakobs a utiliza de forma 
legitimadora-afirmativa. O salto qualitativo que aqui se descreve vem sendo reconhecido também 
pelos discípulos de Jakobs; só se discute o momento temporal concreto. Assim, para Cancio, ZStW 
117 (2005), 278 com a nota 34, “o desenvolvimento posterior das teses de Jakobs em tempos 
recentes [denominado “tercer empujón”], supra nota 83] … já não deixa dúvida sobre o fato de que, 
em determinadas circunstâncias, ultrapassa a descrição e considera que o direito penal do inimigo é 
legítimo”. Assim Saliger, JZ 2006, 758 s., 762; Feijóo Sánchez, DPC 2006, p. 140 ss.; Demetrio 
Crespo ZIS 2006, p. 434; Abanto, in: Cancio Meliá/Gómez-Jara, Derecho penal del enemigo, p. 2 ss.; 
Durán, in: ibidem, p. 729 ss.; Gomes/ Bianchini, in: ibidem, p. 963; Gómez-Jara, in: ibidem, p. 979 ss.; 
Gómez Martín, in: ibidem, p. 1007 ss., 1026 ss.; Portilla Contreras, in: ibidem, p. 661; 
Scheerer/Böhm/Víquez in: ibidem, p. 920 ss.; Urquizo, in: ibidem, p. 1034. Contrariando o 
entendimento de que Jakobs está legitimando o direito penal do inimigo Aponte, Guerra, p. 196 ss. 
 20 Kai Ambos 
 
Com o exagero da periculosidade do «inimigo» e do perigo que se ameaça com ele, 
aumenta-se assim mesmo a despersonalização jurídica143. E isso devido à que a 
reação contra o inimigo depende sobretudo «do que se teme dele»144. Ao mesmo 
tempo, parece que aumenta o peso da ameaça com o exagero, posto que na 
aplicação do direito penal do inimigo esgota-se o reconhecimento da capacidade do 
autor de questionar de maneira fundamental – e não só marginal – a vigência da 
norma145. Isso volta a legitimar o próprio rearmamento e a reação do direito penal do 
inimigo146. A linha divisória entre perigo real e o meramente afirmado desaparece, a 
percepção do perigo se determina conforme o direito penal do inimigo, atraindo 
assim o perigo, sem que o discurso do direito penal do inimigo encontre apoio algum 
na realidade147. A guerra preventiva, de qualquer forma, parece converter-se em 
indispensável como reação a essa realidade fictícia. As liberdades dos cidadãos – 
que o direito penal do inimigo pretende garantir – também se vêem afetadas por 
isso; deste modo, estas, em vez de resultarem (apenas) protegidas, se vêem 
debilitadas. 
 
Jakobs argumenta intra-sistematicamente – sobre a base do conceito luhmaniano de 
pessoa como subsistema psíquico-físico148 que se define como tal pela garantia 
cognitiva mínima149 – e sobre a base de um normativismo extremo que inclusive 
sobre-denomina escandalosamente a realidade até nas palavras que escolhe150. 
Assim, em relação ao perigo de reincidência contemplado no § 112 do StPO, trata-
se «do asseguramento

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