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DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA II
Conteudista: Luiz Fernando Medeiros de Carvalho e Fabio Marchon Coube
Aula 13 - A dobra do corpus: sobre a narrativa contemporânea brasileira
Meta
Expandir a discussão em torno do corpus das narrativas contemporâneas no Brasil e 
suas representações.
Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
1. Reconhecer a disseminação do corpus literário no contemporâneo;
2. Desenvolver conceitos referentes a diferentes tipos de narrativas contemporâneas;
3. Reconhecer a relevância de um realismo afetivo e sua representação na ficção 
contemporânea; 
4. Elaborar uma atividade que mapeie a temática do contemporâneo através da 
literatura brasileira contemporânea e da crítica literária dessa época.
Introdução 
Esta aula vai privilegiar escritores que preferem embaralhar a lógica naturalista-realista, 
uma vertente constante da literatura brasileira e enveredar pela linguagem do paradoxo 
e do olhar para o tempo em sua vinda, como escrita da contingência, formulando uma 
literatura que movimenta-se na brecha para o imprevisível. Se não se é aberto ao tempo 
em sua vinda, como escreve Lyotard, fica-se enredado numa perspectiva de acúmulo do 
tempo percorrido pela ação, pelo perfil construído dos personagens e pelo argumento. 
Forma-se um leitor que deduz, na usura do tempo acumulado, o que vai acontecer, como 
algo previsto pelo tempo decorrido e lido na trama, pelo que já passou. Acostumar o 
leitor ao desafio de uma mudança desse olhar esquadrinhador seria um posicionamento 
proposto por algum tipo de literatura que se inscreve como contemporânea. Ou seja, 
aquela capaz de acostumar o leitor a caminhar em meio a uma vasta neblina.
1. Breves considerações sobre o contemporâneo
Para marcamos como objeto de estudo certo repertório de textos que permeia a narrativa 
brasileira contemporânea, inicialmente torna-se desafiador criarmos algo considerado 
como corpus, ou seja, como uma coletânea ou conjunto. Isso se deve porque essa zona 
de convergência é vaga ou escassa, oriunda da imensa tessitura textual composta em um 
mundo cada vez mais fragmentado.
Podemos definir como contemporâneo aquele ou aquilo que viveu ou existiu em uma 
mesma época. Apesar dos mais diversos autores serem influenciados por um mesmo 
período ou geração, a disseminação das informações não nos permite dizer que há um 
único corpus capaz de estar em harmonia com as diversas formas de representação. Pois 
compartilhar ao mesmo tempo de um período não quer dizer que temos as mesmas 
informações ou acontecimentos.
É nesse sentido que o Schollhammer, em Ficção Brasileira Contemporânea nos leva a 
pensar justamente o que significa ser contemporâneo. Para o crítico, trata-se de uma 
tarefa que exige não somente captar o tempo, mas também de enxergá-lo. “Por não se 
identificar, por sentir-se em desconexão com os presentes, cria um ângulo do qual é 
possível expressá-lo” (SCHOLLHAMMER, K. 2012, p. 9-10), diz o autor. Logo, 
Schollhammer nos diz que “a literatura contemporânea não será necessariamente aquela 
que representa a atualidade, a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica 
que a faz perceber as zonas marginais e obscuras do presente, que afastam de sua 
lógica” (SCHOLLHAMMER, K. 2012, p.10). Notem que o que o autor procura trazer 
ao leitor é que o papel do escritor vai ao encontro do ato de escrever no escuro, sem 
saber o está traçando, uma vez que não é possível simplesmente se comprometer 
fielmente com aquilo que está presente. É um risco que se correr, por exemplo, quando 
se projeta a uma realidade histórica, sem saber especificamente como se dá o tempo 
atual.
BOXE DE CURIOSIDADE
Figura 13.1: Retrato de Giorgio Agamben feito em grafite no Museu L’Organe, na 
França. 
Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Agamben#mediaviewer/File:Giorgio_Agam
ben,_wall_portrait.jpg
Nascido em Roma, em 1942, o filósofo italiano Giorgio Agamben influenciou muitos 
autores com seu livro de ensaios intitulado O que é o contemporâneo? e outros ensaios. 
(AGAMBEN, 2009). Trata-se de uma discussão que procuram indagar a ação humana 
em relação ao seu tempo. A pergunta “o que é ser contemporâneo” foi lançada pelo 
mesmo em seu curso de filosofia da Universidade de Veneza. Segundo o escritor “A 
contemporaneidade é, pois, uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este 
e, ao mesmo tempo, toma distância dele. Mais exatamente, é "essa relação com o tempo 
que adere a este, por meio de uma defasagem e de um anacronismo". Os que coincidem 
de um modo excessivamente absoluto com a época, que concordam perfeitamente com 
ela, não são contemporâneos, porque, justamente por essa razão, não conseguem vê-la, 
não podem manter seu olhar fixo nela.” (AGAMBEN, 2009).
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
O contemporâneo pode ser entendido como uma inscrição de leitura, uma invenção 
aporética. Uma forma de contornar a cegueira do instante. Por estarmos muito próximos 
do acontecimento vivido, forma-se uma cegueira para síntesesmaiores e totalizantes 
que, por serem totalizantes, congelam a emergência das irrupções. O evento sempre se 
reveste de um caráter contingencial. 
Para o crítico Alberto Pucheu, a arte condiz com uma ética da cedência que 
disponibiliza seus materiais na direção de uma abertura para além das expectativas do 
esperável, um trilhamento incondicional, sem guias prévios. Sair de si, de sua própria 
formação, do seu lugar próprio, de sua tendência a formular sínteses de compreensão do 
que se passa, para uma terra desconhecida, a própria terra prometida pelo ficcional em 
sua natureza mesma, a de ser iterante, itinerante, a constituir-se como a natureza da 
própria viagem. Abertura à terra prometida do ficcional como um gesto de se inscrever 
como passante na errância e fazer da escrita e de sua recepção o ser nômade em que se 
constitui. A saúde da literatura é tornar nômade quem a escreve e quem a experimenta:
“Há outro modo de os encontros se darem, há outros temperamentos, para os quais não 
há destruição de um plano por já não haver a construção rígida de um projeto único e 
delineado a ser esgotado, para os quais não há a derrocada de qualquer totalização, 
porque já não há a tentativa de estabelecimento dela, para os quais o inesperado é o que 
se espera e o imprevisto é o que se prevê, para os quais se trata”portanto de um outro 
gênero/que não o trágico”, para os quais no transverso , na obliquidade do que se dá 
através do verso, “só cabe acatar”, para os quais a arte condiz com uma ética da 
cedência e, assim sendo, a “arte de ceder” é essa lírica, para a qual “ o super-homem 
será /não o mais forte/ não o mais duro/ não o mais livre/será/apenas/ o extremamente 
entregue”, para os quais como disse Andy Warhol, “ I neverfall apart because I 
neverfalltogether” Não pela ingenuidade de não se permitirem frequentar as ambiências 
em que o perigo sempre ronda, esquivando-se delas, mas, ao contrário , pela 
familiaridade com ele que, desde cedo, desde sempre, esteve presente, tais pessoas 
fazem com que o bordão do perigo do viver se transforme em outro que estranhamente 
mantém aquele em suas entranhas: “viver é muito confortável”, nos disse um dia 
Roberto Corrêa dos Santos . Apesar do perigo , é confortável viver, ou, talvez, melhor, 
mesmo com o perigo, é confortável viver, ou talvez melhor – uma lição de fortes- 
porque há o perigo, é confortável viver. Viver confortavelmente no perigo de um 
contemporâneo sem haver um solo histórico determinado, único e completo a dar a 
sustentação almejada e garantida por um sistema. Viver no perigode um contemporâneo 
com o chão do presente, do passado e do futuro, amplamente erodido, movediço, a nos 
dar sinalizações de caminhos apenas entrevistos a serem trilhados. Viver no 
contemporâneo de um presente que é uma vasta neblina. Viver no contemporâneo, ou 
seja, “tornar-se, do agora, a dobra, para poder mostrar que há a dobra, que não cessa 
seus desdobramentos infindos sem jamais perder o dobramento” (PUCHEU, 2012, p. 2-
3)
Não se trata agora de construir uma literatura do sentido, ou da paródia aos sentidos 
constituídos, como fez o modernista Oswald com o romance Serafim Ponte Grande. 
Diante de uma saturação dos sentidos, as narrativas do escritor João Gilberto Noll, por 
exemplo, exploram o vazio, o deslizamento por entre espaços num trabalho de 
desenraizamento.
Não quer dizer que os escritores que vão ser citados realizem este projeto por inteiro, 
mas cenarizam o inconcluso. Em seu artigo Literatura e vida, Deleuze aponta para este 
caráter inacabado da trajetória do escritor. Para ele, a literatura é inquietação de 
procura. Citemo-lo:
“Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em vias de fazer-se, e que 
extravasaqualquer matéria vivível ou vivida . É um processo , ou seja, uma passagem 
de Vida que atravessa o vivível e o vivido. A escrita é inseparável do devir; ao escrever, 
estamos num devir-mulher, num devir –animal ou vegetal, num devir molécula, até num 
devir-imperceptível.[...]Devir não é atingir uma forma(identificação , imitação, 
Mímese), mas encontrar a zona de vizinhança, de indiscernibilidade ou de 
indiferenciação tal que já não seja possível distinguir-se de uma mulher, de um animal 
ou de uma molécula: não imprecisos nem gerais, mas imprevistos, não-preexistentes.
[...]Quando Le Clezio devém índio, é um índio sempre inacabado, que não sabe” 
cultivar o milho nem talhar uma piroga”: mais do que adquirir características formais, 
ele entra numa zona de vizinhança” (DELEUZE, 2008, p.11-12).
BOXE DE CURIOSIDADE
Figura 13.2: Foto de Gilles Deleuze em 1987. 
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/de/Gilles_Deleuze_in_1987.p
ng 
Uma das principais marcas dos pensadores contemporâneos era a não delimitação de 
seu campo de conhecimento. Assim como Agamben, que escreveu sobre arte, teoria 
literária, política e filosofia, Deleuze (1925-1995) foi um filósofo contemporâneo que 
dedicou a escrever sobre as mais diversas áreas do conhecimento. A literatura foi uma 
dessas áreas desenvolvidas em seu pensamento, como a discussão feita pelo filósofo 
acerca de Kafka, Proust, e ator e poeta Antonin Artaud.
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
Como falar do acontecimento literatura contemporânea sem cair na lógica do exemplo, 
da citação estatística dos componentes dessa escrita chamada contemporânea. Como 
citar sem congelar na sequencia das enumerações a imagem que configura novamente 
sentidos estratificados. Como dizer o acontecimento?
Mas se o evento é algo inantecipado, como se pode escrever o evento, ou deixar que ele 
emerja? Como se pode fazer literatura ou experimentar literatura, sem o mínimo de 
elaboração de síntese contextual e de experiência vivida? 
Aí é que está. Essa literatura que se pretende aqui comentar parece que salta para fora 
dos modelos já previstos.
Somente pela investigação da escrita paradoxal, hospitaleira ao instante e sua dobra, é 
que se pode entrar numa zona de vizinhança e tangenciar um corpus que se aproxime de 
um clima para o experimento. Ceder o lugar a algo que está fora de você, na sensação 
do experimento da própria viagem, é assim que se expressa o narrador no romance de 
Fabrício Corsaletti, Golpe de ar. Como primeira aragem dessa busca pelo 
contemporâneo, este primeiro fio narrativo constitui-se como foco desta aula, a que se 
seguirão outras modalidades, outras variações do mesmo nomadismo da escrita.
A proposta dos primeiros capítulos do livro Golpe de Ar, de Fabrício Corsaletti é 
retomar a lembrança de alguns meses de imersão em Buenos Aires para registrar 
“aquelas horas em que você cede lugar a algo que está fora de você e é a própria 
viagem”. Nesse contexto é que o narrador funciona como anfitrião e guia para outros 
brasileiros e, ainda mais especialmente, para uma turma de moças/musas/ninfas 
comidade em torno de 19 anos, “meninas inacreditáveis” criadas à base de “muito 
Danoninho e muita Folha de S. Paulo”. 
Quase à maneira de um guia turístico da cidade, somos apresentados ao longo da 
narrativa a um sem-número de bares, restaurantes, praças e livrarias de Buenos Aires. 
Ritualmente embebedando-se a cada noite e voltando brevemente à tona no dia 
seguinte, o narrador hospeda as meninas na sua casa, vendo-se então, por um lado, 
“muito próximo da felicidade” e, por outro, ainda “pouco à vontade com aqueles de 
quem mais gostaria de ser íntimo”. Cansado de sustentar qualquer identidade, ele segue 
resoluto e aleatório, buscando qualquer coisa que o ajudasse a não esquecer que “estava 
vivo mas um dia estaria morto” e que o impedisse de se acostumar “com o que quer que 
fosse”. Ecoa, nesse sentido, um tanto do andarilho bêbado e iluminado de Rimbaud, 
assim como do projeto fundamental e impossível formulado por Oswald de Andrade na 
alvorada da nossa poesia modernista: “Ver com olhos livres”. Não por acaso o narrador 
encontra, nessa busca, um poema. Vejamos:
“Mas foi na página 126 que encontrei o que estava buscando. O título era “Aire libre”. 
Fiquei interessado. Alguém que escreve um título assim deve saber exatamente o que 
está fazendo, ou pelo menos o que está querendo dizer. Apaguei o que restava do cigarro 
no cinzeiro de metal e li o poema:
Si algo me gusta, esvivir./ Ver mi cuerpoenlacalle,/ hablar contigo como un 
camarada,/mirar escaparates/y sobre todo, sonreirlejos/a losárboles.../ También me 
gustanloscamiones grises/y muchíssimo más los elefantes./Besartuspechos,/ echarmeen 
tu regazo y despeinarte,/tragar agua de mar como cerveza/amarga, espumeante. Todo lo 
que seasalir/de casa, estornudar de tarde en tarde,/escupircontra elcielo de los tundras/ y 
lasmedallas de los similares,/ salir/ de esta espaciosa y triste cárcel,/ aligerarlos rios y 
los soles,/salir, salir al aire libre, al aire. (Blas Otero)
Depois de ler um poema como esse, ou você tem uma crise de bronquite ou passa a 
respirar melhor. Cada um dos versos vai direto para os pulmões e provoca um tipo de 
sensação quase insuportável; deve ter gente que abandona o livro no bar e sai correndo 
até alcançar a rua, e críticos que fazem um esforço enorme pra não colar sobre o 
poemauma etiqueta com ‘exagerado’ ou ‘fácil’ ou ‘Lorca é melhor’”. (CORSALETTI, 
2009, p. 72- 73)
Toda essa leveza sólida de “rocha que alguém tivesse desenhado numa janela” ganha 
outra dimensão no rapaz que fica “bancando o descompromissado”. Desinteressado de 
uma aproximação mais visível com rodas literárias na cidade onde pousou e fincou o pé, 
é, no entanto, a própria poesia o astro em torno do qual o narrador se move através de 
trajetórias sinuosas. 
Nesse sentido, a narrativa de Corsaletti é também um romance de formação, no qual o 
narrador aprende o que lhe será crucial ao mesmo tempo que abre as portas para que o 
leitor faça o mesmo através dele. 
E essa aprendizagem se dá menos até pelo encontro com um poema específico, que, no 
entanto, concentra e redireciona a ação do livro, produzindo a energia necessária para a 
entrega amorosa. Acontece muito mais, de fato, pela experimentação concreta do que 
constitui o cerne da linguagem poética: uma práticade se colocar atentamente “à espera 
de tudo”, entre o mais orgânico e o mais impalpável, oscilando entre a graça da 
dissolução de si e o imperativo da escolha de cada gesto, entre a aceitação da deriva e a 
capacidade de assumir um ângulo concreto a partir do qual “um amontoado de ecos fora 
do apartamento” por algum instante imenso se reorganiza – e o que se preparava há 
tanto tempo enfim acontece, sempre imprevisivelmente.
Atividade 1: Atende ao objetivo 1
A partir da leitura sobre o que é o contemporâneo, explique qual é a dificuldade 
encontrada quando enquadrarmos as narrativas de literatura contemporânea em um 
mesmo corpus.
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Resposta comentada
Como podemos ver, a grande capacidade de temas abrangentes no contemporâneo nos 
leva a um cenário difícil de preenchermos em sua totalidade. Por mais que se 
classifiquem os autores por um período ou geração, as fontes e as disseminações do 
conhecimento são ininterruptas. Logo, qualquer corpus que carregue a alcunha de 
contemporâneo, já carrega em si essa dispersão temática. Justamente porque o 
acontecimento denominado contemporâneo requer o que Schollhammer nos diz em 
Ficção Brasileira Contemporânea, algo similar a uma escrita produzida em um período 
sem saber ao certo do que se trata. E essa dúvida ou incerteza nada mais seria do que o 
tempo presente.
FIM DA RESPOSTA
2. A literatura contemporânea e suas impurezas
Segundo Roberto Acízelo de Souza, no prefácio de Ficção Impura: prosa brasileira dos 
anos 70, 80 e 90, de Therezinha Barbieri, uma das tarefas mais árduas no campo dos 
estudos literários é justamente a busca ou o enfrentamento analítico sobre a produção da 
literatura contemporânea. Isso se deve, segundo ao autor, pela fluidez que temos hoje da 
própria noção de contemporaneidade. Além do mais, há sempre uma “dose” de arbítrio 
do processo seletivo quando se procura identificar, logo, selecionar certos autores para 
um estudo analítico. Nesse caso, paira-se também no “fato de não haver suficiente 
distanciamento histórico em relação aos objetos estudados, traduzidos em tradição 
interpretativa e judicativa mais ou menos consolidada, o que na pior das hipóteses 
sempre fornece ao estudioso um confortável ponto de partida (BARBIERI, T. 2003, p. 
9)
É nesse sentido pensamos na ficção contemporânea com relação à impureza de seu 
estado mais natural. A presença de corpos e elementos estranhos a ela, uma vez que não 
se está escrevendo em uma zona de conforto. No entanto, é essa falta de certezas que se 
insere um instante de fertilidade sem igual, e é nessa esteira que caminha Barbieri 
quando afirma que o almejo do diálogo contextual com as linguagens das narrativas 
contemporâneas: “ao me deter no momento de encontro da palavra com a imagem, não 
quero perder de vista o contexto da contemporaneidade em que esse encontro se 
processa. Por isso, minha atenção se volta, de saída, para uma visão de conjunto que dê 
visibilidade às obras dentro de um horizonte aberto (BARBIERI, T. 2003, p. 9)
Em relação ao escritor João Gilberto Noll, a hipótese do projeto é a de que o romance 
Lorde apresenta um tipo mais avançado de ruptura que propõe um ponto de chegada 
sem parâmetros em relação ao acumulado, aberto a uma identidade nova, que 
desenharia uma configuração inominada, em nada semelhante às representações 
culturais mais reconhecíveis de que se tem notícia para experiências de viagem (talvez 
um radical desejo de ser outro, mas diferente das representações propostas para latinos e 
imigrantes de modo geral. 
A narrativa de Noll no romance em questão enfoca um eu que se desfaz de qualquer 
decalque identitário ao viajar na condição de estrangeiro, com um olhar que tudo 
instabiliza, sem origem e perspectiva de retorno. Situa-se como um viajante sob o risco 
do não retorno. A viagem é traçada pela escrita, como não lugar aberto ao laboratório de 
metamorfoses já ensaiado em outros livros, e que, neste romance, atinge o ápice do 
experimentalismo. Cada frase é experiência de transformação. O regime da frase 
configura-se como lacunar. Um eu afirma e sai de si, apagando suas lembranças numa 
experiência amnésica, aberto à contingência em seu relato de incertezas.
Não há saber acumulado na narrativa de Noll –- como está descrito por 
Benjamin no ensaio sobre o narrador –-; há somente um processo de estranhamento de 
cenários habituais levados ao limite do crível. A viagem acontece como inscrição e 
apagamento, não como acumulação de vestígios para serem reconhecidos a posteriori 
como sabedoria.
BOXE DE CURIOSIDADE
O escritor João Gilberto Noll possui dois livros adaptados para o cinema. O primeiro foi 
Harmada, feito em 2005, sob direção de Maurice Capovilla. O segundo livro adaptado 
foi Hotel Atlântico, feito em 2009, dirigido por Suzana Amaral, a mesma diretora de A 
Hora da Estrela, adaptação do livro homônimo de Clarice Lispector.
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
O romance de Noll constrói cenários de instante que disparam alterações que implicam 
vasculhar territórios indelimitados e indeterminados, sem contexto próprio, sem 
segurança de trilhas já percorridas pela memória ou pela cultura. É deriva para 
umasituação que já não repete o mesmo mundo de partículas anteriormente evocadas, 
segue um rumo errático porque não responde a um testemunho nem a uma resposta. 
Embora não confirme um perfil identitário, a frase abre o caminho enquanto sulca novo 
espaço para o texto continuar.
Não por acaso, a cena final de Lorde é, de certa forma, uma luta entre duas tatuagens (a 
tatuagem simbólica representada pela identidade socialmente identificável do 
“professor” e a tatuagem física do marinheiro), que parece se resolver com a 
sobreposição da última sobre a primeira –- escrita sobre escrita alterando, borrando e 
complexificando o desfecho da narrativa.
Um exemplo desse tipo de incorporação da cultura contemporânea para exibir a 
ondulação de possibilidades à qual nos referimos pode ser observado, por exemplo, em 
relação ao modo como é tematizada a questão da tatuagem. Vive-se uma cultura da 
tatuagem – o desenho dos marinheiros e outsiders veio para o centro do corpo e da 
moda. Apropriando-se desse traço da cena contemporânea e dando-lhe um rendimento 
muito próprio, a narrativa de Noll cenariza a tatuagem, trazendo simultaneamente o 
desconforto e a aceitação de um estado em que um corpo se metamorfoseia noutro sem 
retorno, sem explicação causal e sem possibilidade de apagamento, numa exposição 
cruel de um imaginário de decalque pelo lado culto nobre (pois o personagem estava 
destinado a ser professor de universidade). 
Após uma noite em um Pub, o narrador personagem leva o estivador para seu 
apartamento. Pela manhã, constata o desaparecimento do corpo do outro, e ao se olhar 
no espelho, depara-se com seu novo estado corporal. A tatuagem marca a presença do 
outro enquanto acontecimento que ocorre apenas uma vez e de uma vez por todas. 
Em sua terra natal, o professor não disporia de tantas possibilidades como o futuro que 
despontava para ele como professor de língua e literatura portuguesaem Liverpool – e, 
no entanto, de súbito ei-lo transformado em estivador, lorde somente no corpo tatuado 
como marinheiro. Nesse contexto, a ascensão sonhada do imaginário culto como 
estrutura lacunar corresponde no romance em questão à frase lacunar – eis a oferta da 
narrativa. Assim, ao final, pergunta-se o narrador que vive essa metamorfose abrupta: 
“E quem ensinaria português? E a loja de ferramentas fecharia? No duro, nessa história 
qual dos dois de fato vingaria?” Já num ponto logo adiante, no entanto, novos 
desdobramentos mostram o narrador assumindo o novo estado: “Era bom andar com um 
novo calibre muscular” (Noll, 2004, p.110).
Considerando esse grau de instabilidade e metamorfose identitária, fica a pergunta, ao 
fim da narrativa: por que este escritor continua escrevendo? Para se repetir ou para 
repetir os desenhos esboçados em livros anteriores? 
João Gilberto Noll talvez seja o escritor brasileiro que assume mais consistentemente os 
riscos de uma deriva. Mas como se dá e de que tipo é essa deriva? Em termos de 
resposta narratológica, é a interrupção da narrativa de reconstituição, como também é a 
suspensão da hipótese narratológica pertinente ao discurso paranóico.
 
A narrativa de Noll apresenta-se como modo de ser da literatura enquanto exposição do 
segredo do “como se” suspensivo das regras e classificações lógicas. Segredo enquanto 
retirada do suporte argumentativo que rege a trama na qual se move a linguagem linear. 
Segredo enquanto incompletude e resposta através do silêncio lacunar, que aponta o 
lugar do vazio ou da formulação do como se que é a expressão que encerra o romance: 
“Como se de repente numa floresta encantada, às vésperas da primavera, eu fosse ter o 
meu lugar” (Noll. 2004, p. 111).
 Esse lugar a que se refere o personagem, no entanto, não corresponde mais a um 
retorno à origem identitária. O término do romance interrompe uma expectativa pelo 
retorno a qualquer paisagem conhecida.
Os personagens do Noll deambulam por espaços inóspitose a narrativa também. Seu 
último romance Solidão continental retoma Lorde. Começa em outro espaço americano, 
Chicago, vai para o México, volta ao Brasil. A deambulação é uma perdição que abre 
caminho também. Em linguagem médica é sintoma de que o paciente encontra o seu 
próprio ritmo, seu próprio futuro, no furo da existência.
Um livro tão radical quanto Lorde, de Noll, é o romance de Daniel Galera, intitulado 
Cordilheira, que narra a experiência de uma escritora que viaja até a Patagônia. Assim 
como o romance Lorde constitui a radical corrosão dos estereótipos do intelectual, 
Cordilheira trabalha a corrosão do relacionamento amoroso.
Cordilheira é a narrativa vertiginosa de uma escritora que aproveita o convite para o 
lançamento do seu romance em Buenos Aires para sair de perto do companheiro que 
não fecha com ela o pacto de ter um filho. O lançamento acontece e em seguida ela faz 
amizade com um grupo que vai excursionar até a Patagônia. A narrativa alterna primeira 
pessoa e terceira pessoa e tem o seu clímax no momento em que a personagem relata o 
sangramento que resulta na morte de um filho ainda em gestação, acidente motivado 
pelo extremo frio que experimentou subindo a cordilheira. As cinco últimas páginas do 
romance são narradas em terceira pessoa e se passam no espaço do Brasil, na casa do 
antigo casal, em São Paulo. O relato abre-se para o discurso indireto livre deixando fluir 
o pensamento ora do ex-marido, Danilo, ora de Anita. Ela pediu para ficar algum tempo 
na casa, despertando a ilusão no ex-marido de que haveria reconciliação. A narrativa 
sucede neste simulacro com o marido repetindo estereótipos da restituição até mesmo 
no momento em que Danilo a convida para juntos irem até à cobertura. Este é um 
momento central do romance, porque abre para alternativas oferecidas pela contingência 
enquanto configuradora do relato. A narrativa chega ao seu máximo de enigma. O que 
acontecerá no final desta subida de uma minimalista cordilheira? Mas a proposta de 
subida da cordilheira minimalista é do ex-marido: porque ele precisa de um cenário alto 
para pronunciar mais uma vez que a ama e para dizer
“---Fique para sempre dessa vez.”
[...]
“Lá em Ushuaia”, ela começou, “há um museu dedicado aos índios que viviam na 
região antes da colonização dos europeus. Museu Yámana. Por incrível que pareça, eles 
não usavam roupas naquele frio horrível. Parece que a gordura dos animais e a 
oleosidade natural da pele bastavam. Eles dormiam ao relento e mergulhavam na água 
congelante sem dar muita bola[...] Mas enfim, não era disso que eu queria falar. É que lá 
no museu fiquei sabendo que a língua dos yámanas contém a palavra mais sucinta que 
existe. Como era mesmo? É.... mapihna ...não. Mamihlapinatapai. É o olhar que duas 
pessoas trocam quando cada uma fica esperando que a outra inicie uma coisa que as 
duas querem, mas que nenhuma tem coragem de começar” Ela o encarou. “Era bom que 
houvesse muitas palavras sucintas desse tipo. Sei que essa não se encaixa exatamente no 
nosso caso, mas imagine uma palavra bem parecida que definisse o olhar que duas 
pessoas trocam quando uma delas quer iniciar algo que as duas querem, mas a outra põe 
tudo a perder porque defende que não é o momento certo, que se puderem esperar só 
mais um pouquinho...” Ele desviou o olhar. “É uma pena que o português não tenha essa 
palavra, não acha?” Ele imaginou uma palavra que descrevesse a situação em que uma 
pessoa já sabe o que a outra vai dizer, mas se cala porque é essencial que a outra o diga, 
para que suas palavras tornem inquestionável a verdade indesejada que os dois já 
conhecem (...). Tarde demais, Danilo. A gente teve um problema de sincronia”. Ainda 
não era bem isso que ele precisava ouvir. Fingiu que não tinha entendido bem, pediu 
outras explicações. Só a deixaria em paz, quando dissesse nos termos mais simples , 
sem rodeios nem palavras indígenas, que não o amava mais. (GALERA: 2008, p. 174-
175).
Cordilheira não é uma narrativa de restituição, mas de ganho linguístico em torno do 
termo indígena que sintetiza a experiência da viagem. Há uma ressonância 
marioandradina na tensão dramática que esse elemento aporta ao relato, à semelhança 
do amuleto muiraquitã. Na rapsódia Macunaíma, de Mário de Andrade, a perda da 
pedra gera a narrativa. No romance de Daniel Galera, falta o termo, o gesto da 
incompletude fica gritante pela materialidade do nome indígena, gerando um tipo de 
dissonância como efeito de leitura. 
INÍCIO DE BOXE DE CURIOSIDADE 
O anti-herói Macunaíma é o protagonista do romance em rapsódia homônimo escrito 
por Mário de Andrade em 1928. Nascido no fundo da mata virgem, Macunaíma tem um 
filho com Ci. Essa, antes de morrer lhe dá o muiraquitã, que o mesmo a perde, 
descobrindo que a pedra está sob domínio de Venceslau Pietro Pietra. A partir dessa 
descoberta, Macunaíma parte para São Paulo atrás de seu amuleto. Para ilustrarmos essa 
passagem, leiamos um trecho de Macunaíma: “Terminada a função a companheira de 
Macunaíma toda enfeitada ainda, tirou do colar uma muiraquitã famosa, deu-a pro 
companheiro subiu pro céu por um cipó. É lá que Ci vive agora nos trinques passeando, 
liberta das formigas, toda enfeitada ainda, toda enfeitada de luz, virada numa estrela. É a 
Beta do Centauro. No outro dia quando Macunaíma foi visitar o túmulo do filho viu que 
nascera do corpo uma plantinha. Trataram dela com muito cuidado e foi o guaraná. Com 
as frutinhas piladas dessa planta é que a gente cura muita doença e se refresca durante 
os calorões de Vei, a Sol. Nooutro dia bem cedo o herói padecendo saudades de Ci a 
companheira pra sempre inesquecível, furou o beiço inferior e fez da muiraquitã um 
tembetá. Sentiu que ia chorar. Chamou depressa os manos, se despediu das icamiabas e 
partiu.”
FIM DE BOXE DE CURIOSIDADE
A partir da frase “fique para sempre dessa vez”, há uma dissonância com o rumo incerto 
do casal; a frase ganha um tom de promessa enquanto desejo de apropriação daquilo que 
não se pode domar, que é o outro, o amor do outro. Anita não é mais a mesma mesmo 
dentro de sua própria casa, está em processo de desterritorialização uma vez que habita 
o não-lugar, sua cabeça ainda responde pelos acontecimentos da viagem embora a 
viagem por si só já tenha cessado. Isso faz com que Anita recorra ao inominável, o 
evento ocorrido uma só vez, mas marcado de uma vez por todas de maneira exaurível 
em sua relação.
No entanto, é preciso responder ao agora, a frase dita em uma língua que não é mais a 
sua, e em um retorno à viagem recorre à língua estrangeira para responder então o que 
vivencia. O desfecho traz o que restou da viagem para o que restou de seu 
relacionamento. A falta de sincronia dos personagens traz à tona a errânciaem eterno 
processo de viagem para dentro de si.
A deambulação narrativa percorre a obra da escritora Paloma Vidal com o seu romance 
e seus contos em torno dos espaços ambíguos de Brasil e Argentina.
Eu me interesso pelo nomadismo, pela narrativa migrante como as aves migratórias que 
estão sempre se deslocando. A própria frase já é deslocamento, já é partida para outro 
lugar. Como diz a letra de Mocyr Luz outra maré de outro lugar. O reencontro é sempre 
em terra estrangeira. A terra prometida é sempre deslocamento provocado, sempre a 
iluminação está no ajuntar a matula para a próxima viagem. O surgimento da Anotação 
é o surgimento de uma Frase, pulsão, gosto de anotar, pulsão, gosto de produzir uma 
frase\Formação das Imagens do eu através da mediação das Frases. (VIDAL, 2008, p. 
17)
No conto “Viagens”, a partir do contato com o avô a narradora reconstrói a memória 
dele e dela: “Em minha viagem ao passado, um longo corredor e s histórias por trás das 
paredes descascadas; a decadência dessa família e de tantas outras; a tristeza pela 
partida, o choro das crianças e a avareza dos velhos” (VIDAL, 2008, p. 17)
“Nada daquilo tinha a ver comigo, mas ainda hoje sobrevive em mim como uma zona 
escura da memória, um ponto de fuga para onde correm medos que não sei ao certo de 
onde vêm , nem se algum dia encontrarão sossego, como se todas as noites me coubesse 
percorrer sozinha aquele corredor úmido e sombrio, sem saber aonde vai dar” [...] Como 
se recuperam os motivos imaginários da viagem ?E como se mede a distancia entre 
necessidade e desejo?” (VIDAL, 2009, p.18)
Atividade 2: Atende ao objetivo 2
A impureza relacionada à literatura contemporânea tem a ver com diversas estranhezas 
relacionadas a seu corpus. Os acontecimentos no interior da narrativa ganham efeitos 
para além do que se projetava, ganhando corpos e elementos estranhos a ela. Como 
poderíamos observar essa estranheza no interior da narrativa de reconstituição de Noll 
ou na narrativa de restituição de Galera?
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Resposta comentada
Na literatura contemporânea, podemos ver essa estranheza, por exemplo, quando se sai 
de uma zona de conforto no interior da própria narrativa. Aparentemente algo se perde 
ou fica impossível de se concretizar. Sair da zona de conforto na narrativa 
contemporânea é se aventurar para além do que pode ser presentificado nela. Nesse 
sentido, na narrativa de reconstituição de Noll, há interrupções que impedem a e mesma 
de se concretizar, lançando-se aos riscos de uma deriva narratológica, conforme ocorre 
no romance Lorde. Já em Cordilheira, de Galera, a falta de um gesto de incompletude 
impede a restituição almejada em uma narrativa.
FIM DA RESPOSTA
3. Ficção Contemporânea e o Realismo Afetivo
Quando projetamos a ficção contemporânea, as marcas das representações são 
características cada vez mais presentes, como se fosse possível reviver ou recontar um 
período do realismo. Segundo elabora Pellegrini, em “De bois e outros bichos: nuances 
do novo Realismo brasileiro” ao fazermos uma análise da produção contemporânea, 
vemos que o processo literário habita entre a ruptura e a continuidade, logo, transforma 
o uso e a função, como por exemplo, acontece similarmente com o realismo. Para 
Pellegrini:
Um desses cânones é o Realismo, cujos temas retirados da matéria social com muita 
freqüência têm sido elaborados sobre os tons e semitons da violência. Isso leva a cogitar 
que continuamente vêm emergindo novas formas de realismo, multifacetadas e 
complexas, procurando dar conta de representar ordens reiteradas da experiência 
humana, agora peculiares às sociedades contemporâneas. Assim, não há como negar a 
presença ainda de condições sociais bastante semelhantes àquelas do “mundo hostil” do 
qual surgiu o realismo, tornando o problema da representação menos simples do que 
parece (PELLEGRINI, 2012, p. 38)
Apesar dessa similaridade, Pellegrini nos chama atenção para o fato de que o realismo 
era utilizado simplesmente como definição de uma determinada produção artística capaz 
de “reproduzir” fielmente uma análise do mundo concreto. É nesse sentido que a temos, 
ao buscar um novo realismo nas narrativas contemporâneas, a violência como pano de 
fundo ou até mesmo como representação da realidade, uma vez que ela compõe as 
estruturas do discurso e dos segmentos da sociedade contemporânea. 
No entanto, faz-se necessário dizer que, assim como podemos ver na literatura 
contemporânea aspectos similares ao realismo, para Pellegrini, a violência encontra 
várias formas, como por exemplo, a “violência doce” observada por Bourdieu, agindo 
através do consentimento: “Ela age de modo indolor, invisível e eufemizado, 
interferindo na formação e transformação dos esquemas de percepção e de pensamento, 
nas estruturas mentais e emocionais, ajudando a conformar uma visão de mundo” 
(PELLEGRINI, T, 2012, p.39)
INÍCIO DE BOXE DE CURIOSIDADE
Figura 13.3: Foto de Pierre Bourdieu
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c1/Pierre_Bourdieu.jpg?
uselang=fr 
Nascido em Denguim, França, em 1930, o sociólogo Pierre Bourdieu exerceu uma vasta 
influência na teoria sociológica contemporânea e na educação, a partir do momento que 
pensa o social como um fato objetivo, e a estruturas objetivas como algo capaz de 
limitar os indivíduos.
FIM DE BOXE DE CURIOSIDADE
No livro Pão e sangue, de Dalton Trevisan, há a representação dessas duas formas de 
violência, uma vez que aspectos culturais podem ser notados através do poder patriarcal 
exercido pelo homem ante aos membros da família, que sofrem com as noites de 
bebedeira e violência doméstica, ou o abandono da afetividade e de cuidados familiares, 
como no poema em prosa com tom confessional “Minha vida meu amor”:
Olha minha vida meu amor
Há muito não és mais meu
Toda a loucura que fiz
Foi por você
Que nuncame deu valor
Por isso perdeu tua mulher
E teus filhos
Não posso com esta cruz
Acho muito pesada João
Você vem me desgostando
A ponto de me por no hospício
Uma vez conseguiu
Mas duas não
Aqui ô babaca
De tuas negras
Que nem os filhos se interessou
De batizar na igreja
Você só vai no bar do Luís
Outro boteco não achou
Mais perto da tua família?
Só me operei que você me obrigou
Agora não presto
Já não sirvo na cama?
Quis fazer de mim
A última mulher de rua
Mas não deixei
Por tua causa João
Eu morro pelada
Abraçada com os dois anjinhos
No fundo do poço
Amor desculpe algum erro
E a falta de vírgula
(TREVISAN, 1996, p. 16-17)
Não há suavidade na palavra amor, tampouco há refúgio em um outro na representação 
desse sentimento. A realidade crua mostra o desespero humano, agora sobre retratos de 
simples pessoas Joãos e Marias. E essa realidade, para Pellegrini, “é a realidade “do 
vício, violência e desespero para os menos afortunados, de medo explícito ou 
inconsciente para os outros, mas de insegurança intensa e geral para todos” 
(PELLEGRINI, T, 2012, p. 40). Em Pão e Sangue, marido ou mulher costumam dormir 
com punhal embaixo do travesseiro, teme-se ter vidro moído no pão, como em “Morre 
desgraçado”.
Olhinho vesgo, narigão vermelho, aos berros:
_Está rezando, bruxa? Que eu largue da cachaça?
_Olhe as crianças, João.
_Já sei que põe vidro moído no meu pão.
Arrancou o rádio da parede, rebentou no chão, pisou em cima.
_João, não faça isso. É pecado. Oh, meu Deus. 
Pecado foi o murro aqui no olho, nem sei como não furou – em três pedaços o meu 
óculo de costura (TREVISAN, 1996, p. 16-17)
Já em O anão e a ninfeta, Trevisan idealiza a impossibilidade de se pensar a 
hospitalidade incondicional a partir da fragilidade da confiança e da exposição de um 
ente à violência que vai rumo ao desconhecido. É o que ocorre no conto Hóspede, 
quando uma mulher separada e mãe de dois filhos recolhe em sua casa o novo amante: 
“Mal sabe que o boa-pinta é foragido da polícia por crime de morte. Instalado bem 
quentinho, nada faz além de se regalar, no boteco da esquina, com garrafas de vinho e 
carteiras de cigarro” (TREVISAN, 2011, p. 49). O filho pequeno, ao se deparar com 
aquele homem que não era seu pai, em trajes menores, logo liga para a avó. Uma tensão 
se cria sob o fruto da fragilidade dos filhos diante de um homem formado e 
desconhecido, podendo agir com força ou brutalidade a qualquer momento. No entanto, 
a avó conversa com a mãe das crianças, que logo liga pro filho o chamando de traíra. A 
última conversa acontece entre o jovem e a avó, e o mancebo afirmando que o Paulão já 
era seu amigo: “_Vó, o Paulão é meu amigo. Um cara muito legal./ _?/ _Uma conversa 
de homem comigo./ _ Tudo explicado. Vá saber, suspira a velhinha. O que esse bandido 
falou ao pobre menino” (TREVISAN, 2011, p. 50).
Para Schollhammer, há uma urgência de certos autores de falar sobre o real, o que 
evidencia a “perspectiva de uma reinvenção do realismo, a procura de um impacto numa 
determinada realidade social, ou na busca de se refazer a relação de responsabilidade e 
solidariedade com os problemas sociais e culturais de seu tempo. (SCHOLLHAMMER, 
2009, p. 10), logo, teríamos que ter cuidado para não cairmos em um reducionismo, 
conforme cita na seguinte passagem Schollhammer:
De um lado, haveria a brutalidade do realismo marginal, que assume seu desgarramento 
contemporâneo, e, de outro, a graça dos universos íntimos e sensíveis, que apostam 
procura da epifania e na pequena historia inspirada pelo mais dia, menos dia de cada 
um. Contudo, essa parece ser ainda uma divisão redutora, uma reminiscência da divisão 
tradicional que opunha a ficção “neonaturalista” a “psicologica” e “existencial”. A 
literatura que hoje trata dos problemas sociais não exclui a dimensão pessoal e íntima, 
privilegiando apenas a realidade exterior; o escritor que opta por ressaltar a experiência 
subjetiva não ignora a turbulência do contexto social e histórico. (SCHOLLHAMMER, 
2009, p. 10)
Em Trevisan, como acontece em Pão e Sangue ou em O anão e a ninfeta, há efeitos 
similares ao de “flashes” fotográficos, tamanho é a redução ou “miniaturização” do 
conto, assim como em seus haicais, como uma escrita que registra o acontecimento de 
maneira instantânea (SCHOLLHAMMER, K. 2009, p. 36), não se baseando em busca 
pela afirmação de uma identidade, nem pelo momento histórico em questão.
Já no artigo “Realismo afetivo: evocar realismo além da representação”, Schollhammer 
dirá que, por mais que hoje haja o realismo histórico dos romance e biografias, assim 
como realidades experimentais da vida tal qual ela e é, faz-se importante observar que a 
representação e a não-representação podem caminhas juntas, quando torna possível 
interferir na realidade performática ou afetiva. Trata-se, sobretudo de registros que tem 
“efeitos e afetos que marcam as interseções dos nossos corpos na realidade da qual 
todos somos parte” (SCHOLLHAMMER, K. 2012, p. 142)
 É nesse sentido que podemos entender na literatura contemporânea que se debruça sob 
aspectos de um realismo afetivo um:
Desafio que a representação/ apresentação da condição contemporânea põe para que a 
literatura brasileira, se articula sua especificidade expressiva, aquilo que só a literatura 
faz, entre uma ampla gama de outras formas discursivas e outras mídias. De que 
maneira o conteúdo social e cultural amplia as expressões literárias à procura de uma 
compreensão do que às vezes resulta incompreensível, por um lado, e de uma forma 
estética adequada à radicalidade intrínseca, por outro. O desafio literário se coloca, 
assim, em termos de uma “estética do afeto”, em que entendemos o afeto como 
surgimento de um estímulo imaginativo que liga a ética à estética. Se o Realismo 
histórico é um Realismo representativo, que vincula a mimesis à criação da imagem 
verossímil, ou ao efeito chocante ou sublime da sua ruptura, o realismo afetivo, por sua 
vez, se vincula à criação de efeitos sensíveis a realidade que, nas últimas décadas, 
alcançam extremos de concretude que levou teóricos a falar de uma “volta do real” ou 
de “paixão do real”. Nas perspectivas de leitura aqui comentadas, o objetivo era 
entender as experiências performáticas que procuram na obra a potência afetiva de um 
evento e envolve o sujeito sensivelmente no desdobramento de sua realização no 
mundo. (SCHOLLHAMMER, 2012, p. 145)
Atividade 3: Atende ao objetivo 3
Quando nos referimos à literatura contemporânea, quais são suas relações com o que 
podemos considerar por realismo afetivo?
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Resposta comentada
Segundo Pellegrini, há de fato algumas similaridades entre a produção de algumas 
narrativas contemporâneas com o período do realismo. Isso se deve a marcas de 
representação, transformando o uso e a função e a partir disso, há uma abordagem sobre 
a relação entre a violência contemporânea e a experiência humana. Apesar dessa 
similaridade, Pellegrini nos atenta para o fato de que o realismo era utilizado como 
definiçãode uma determinada produção artística capaz de “reproduzir” fielmente uma 
análise do mundo concreto. É justamente nesse sentido que podemos notar o realismo 
afetivo ao buscarmos um novo realismo nas narrativas contemporâneas, uma vez que a 
violência é introduzida como pano de fundo ou até mesmo como representação da 
realidade, uma vez que ela compõe as estruturas do discurso e dos segmentos da 
sociedade contemporânea. Nessa abordagem, os contos abordados em torno de Dalton 
Trevisan configuram são representações de uma literatura que hoje trata dos problemas 
sociais sem excluir a dimensão pessoal e íntima, conforme afirma Schollhammer em 
Ficção Brasileira Contemporânea.
FIM DA RESPOSTA
Conclusão
A partir dessa aula, notamos que a narrativa contemporânea brasileira possui um corpus 
literário disperso. E essa disseminação temática se deve a própria condição do que é o 
contemporâneo, criando diferentes tipos de narrativas, com suas impurezas capazes de 
inserir diferentes efeitos de sentido graças à impossibilidade de presentificação do 
tempo atual. Nesse sentido, há narrativas que se configuram sem corresponder a um 
ideal de identidade. A crise de representação aproxima alguns autores até mesmo de um 
novo realismo, só que se apresentando entre a relação da violência contemporânea e da 
experiência humana. Logo, o que temos na narrativa de ficção são efeitos e afetos como 
marcas inerentes aos corpos em uma realidade na qual estamos inseridos sem ter a 
precisão de como os acontecimentos se definem na contemporaneidade.
Atividade Final: Atende ao Objetivo 4
Através da leitura da aula, aponte a abordagem de pelo menos um crítico literário acerca 
da narrativa contemporânea.
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Resposta comentada 
Segundo Pellegrini, na ficção contemporânea as marcas de representação estão cada vez 
mais presentes, com similaridade em relação ao realismo. Só que o realismo era capaz 
de “reproduzir” a análise de um mundo concreto, algo que não é mais possível dentro da 
sociedade contemporânea. É nessa mesma perspectiva fragmentária que Barbieri tece 
suas considerações sobre a literatura contemporânea. Através de uma fluidez temática e 
de não haver como identificar um distanciamento histórico para decifrarmos a produção 
foge-se de uma zona de conforto que nos auxiliaria na definição do corpus literário. 
Para Schollhammer, o contemporâneo lança um desafio entre representação/ 
apresentação capaz de encontrar na literatura uma valiosa ferramenta que absorve as 
mais variadas formas discursivas além de diversas mídias. Logo, temos um conteúdo 
social similar ao realismo, mas agora atrelamos à narrativa contemporânea a criação de 
efeitos e sentidos, como vemos no realismo afetivo.
RESUMO
O intuito dessa aula é desenvolver o corpus fragmentário pertencente à narrativa 
brasileira contemporânea. Para tanto, faz-se necessário elucidar algumas obras que 
marcam esse período e que sejam capazes de demonstrar suas aproximações e 
diferenças baseadas na relação entre a capacidade de representação e a similaridade com 
um novo realismo, a fluidez temática e a falta de distanciamento histórico para uma 
possível definição e os efeitos de sentidos e afetos dentro de uma linguagem paradoxal 
composta pelas impurezas e dissonâncias dos discursos atuais. Nesse sentido, torna-se 
deveras importante percorrer obras como as de Galera, Noll, Corsaletti e Trevisan, 
assim como desenvolver uma relação com o trabalho crítico-literário de Barbieri, 
Pellegrini, Schollhammer, entre outros, para enriquecermos a discussão acerca da 
literatura e da contemporaneidade.
REFERÊNCIAS 
BARBIERE, Therezinha. Ficção Impura: prosa brasileira dos anos 70, 80 e 90. Rio de 
Janeiro, Eduerj, 2003.
DELEUZE, Gilles. “A literatura e a vida”. In: Crítica e clínica. São Paulo: Ed.34, 1997.
DERRIDA, Jacques. “Uma certa possibilidade impossível de dizer o acontecimento”. 
In: Cerrados: revista do Programa de pós-graduação em Literatura. Brasilia,DF:UNB, 
Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Vol 21, 2012.
GALERA, D. Cordilheira. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
LYOTARD, Jean-François. L´inhumain: causeries surletemps. Paris, Galilée,1988.
PELEGRINI, T. “De bois e outros bichos: nuances de um novo Realismo brasileiro” 
Estudos de literatura brasileira contemporânea, n.39, jan./jun. 2012.
SCHOLLHAMMER, K. Ficção Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira, 2009
__________________ “Realismo afetivo: evocar realismo além da representação”. 
Estudos de literatura brasileira contemporânea, n.39, jan./jun. 2012
TREVISAN, D. O anão e a ninfeta. Rio de Janeiro: Record, 2011.
_____________Pão e Sangue. Rio de Janeiro: Record, 1996.

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