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DISCIPLINA: LITERATURA BRASILEIRA II
Conteudista: Luiz Fernando Medeiros de Carvalho e Fabio Marchon Coube
Aula15
A dobra do corpus: sobre a narrativa contemporânea brasileira
Meta
Expandir a discussão em torno do corpus das narrativas contemporâneas no Brasil e
suas representações.
Objetivos
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:
1. Reconhecer a disseminação do corpus literário no contemporâneo;
2. Desenvolver conceitos referentes a diferentes tipos de narrativas contemporâneas;
3. Reconhecer a relevância de um realismo afetivo e sua representação na ficção
contemporânea;
4. Realizar uma atividade que mapeie a temática do contemporâneo através da literatura
brasileira contemporânea e da crítica literária dessa época.
Introdução 
Esta aula vai privilegiar escritores que preferem embaralhar a lógica naturalista-realista,
uma vertente constante da literatura brasileira e enveredar pela linguagem do paradoxo e
do olhar para o tempo em sua vinda, como escrita da contingência, formulando uma
literatura que movimenta-se na brecha para o imprevisível. Se não se é aberto ao tempo
em sua vinda, como escreve Lyotard, fica-se enredado numa perspectiva de acúmulo do
tempo percorrido pela ação, pelo perfil construído dos personagens e pelo argumento.
Forma-se um leitor que deduz, na usura do tempo acumulado, o que vai acontecer,
como algo previsto pelo tempo decorrido e lido na trama, pelo que já passou. Acostumar
o leitor ao desafio de uma mudança desse olhar esquadrinhador seria um
posicionamento proposto por algum tipo de literatura que se inscreve como
contemporânea. Ou seja, aquela capaz de acostumar o leitor a caminhar em meio a uma
vasta neblina.
1. Breves considerações sobre o contemporâneo
Para marcamos como objeto de estudo certo repertório de textos que permeia a narrativa
brasileira contemporânea, inicialmente torna-se desafiador criarmos algo considerado
como corpus, ou seja, como uma coletânea ou conjunto. Isso se deve porque essa zona
de convergência é vaga ou escassa, através da imensa tessitura textual composta em um
mundo cada vez mais fragmentado.
Podemos definir como contemporâneo aquele ou aquilo que viveu ou existiu em uma
mesma época. Apesar dos mais diversos autores serem influenciados por um mesmo
período ou geração, a disseminação das informações não nos permite dizer que há um
único corpus capaz de estar em harmonia com as diversas formas de representação. Pois
compartilhar ao mesmo tempo de um período não quer dizer que temos as mesmas
informações ou acontecimentos.
É nesse sentido que o Schollhammer, em Ficção Brasileira Contemporânea nos leva a
pensar justamente o que significa ser contemporâneo. Para o crítico, trata-se de uma
tarefa que exige não somente captar o tempo, mas também de enxergá-lo. “Por não se
identificar, por sentir-se em desconexão com os presentes, cria um ângulo do qual é
possível expressá-lo” (SCHOLLHAMMER, K. 2012, p. 9-10), diz o autor. 
Logo, Schollhammer nos diz que “a literatura contemporânea não será necessariamente
aquela que representa a atualidade, a não ser por uma inadequação, uma estranheza
histórica que a faz perceber as zonas marginais e obscuras do presente, que afastam de
sua lógica” (SCHOLLHAMMER, K. 2012, p.10). 
Notem que o que o autor procura trazer ao leitor é que o papel do escritor vai ao
encontro do ato de escrever no escuro, sem saber o está traçando, uma vez que não é
possível simplesmente se comprometer fielmente com aquilo que está presente. É um
risco que se correr, por exemplo, quando se projeta a uma realidade histórica, sem saber
especificamente como se dá o tempo atual.
BOXE DE CURIOSIDADE
 Retrato de Giorgio Agamben feito em grafite no
Museu L’Organe, na França. 
Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Giorgio_Agamben#
mediaviewer/File:Giorgio_Agamben,_wall_portrait.jp
g
Nascido em Roma, em 1942, o filósofo italiano
Giorgio Agamben influenciou muitos autores com seu
livro de ensaios intitulado O que é o contemporâneo?
e outros ensaios. (AGAMBEN, 2009). Trata-se de
uma discussão que procuram indagar a ação humana em relação ao seu tempo.
A pergunta “o que é ser contemporâneo” foi lançada pelo autor em seu curso de
filosofia da Universidade de Veneza. Segundo o escritor “A contemporaneidade é, pois,
uma relação singular com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo,
toma distância dele. Mais exatamente, é "essa relação com o tempo que adere a este, por
meio de uma defasagem e de um anacronismo". Os que coincidem de um modo
excessivamente absoluto com a época, que concordam perfeitamente com ela, não são
contemporâneos, porque, justamente por essa razão, não conseguem vê-la, não podem
manter seu olhar fixo nela.” (AGAMBEN, 2009).
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
Logo, o contemporâneo pode ser entendido como uma inscrição de leitura, uma
invenção em torno da aporia. Uma forma de contornar a cegueira que somente olha o
instante. Por estarmos muito próximos do acontecimento vivido, forma-se uma cegueira
para sínteses maiores e totalizantes que, por serem totalizantes, congelam a capacidade
de se pensar nas irrupções. Mas o acontecimento ou o evento sempre se reveste de um
caráter contingencial. 
Para o crítico Alberto Pucheu, a arte condiz com uma ética da “cedência” que
disponibiliza seus materiais na direção de uma abertura para além das expectativas do
esperável, um trilhamento incondicional, sem guias prévios. 
Sair de si, de sua própria formação, do seu lugar próprio, de sua tendência a formular
sínteses de compreensão do que se passa, para uma terra desconhecida, a própria terra
prometida pelo ficcional em sua natureza mesma, a de ser iterante ou itinerante, a
constituir-se como a natureza da própria viagem. Abertura à terra prometida do ficcional
como um gesto de se inscrever como passante na errância e fazer da escrita e de sua
recepção o ser nômade em que se constitui. A saúde da literatura é tornar nômade quem
a escreve e quem a experimenta:
“Há outro modo de os encontros se darem, há outros temperamentos, para os quais não
há destruição de um plano por já não haver a construção rígida de um projeto único e
delineado a ser esgotado, para os quais não há a derrocada de qualquer totalização,
porque já não há a tentativa de estabelecimento dela, para os quais o inesperado é o que
se espera e o imprevisto é o que se prevê, para os quais se trata “portanto de um outro
gênero/que não o trágico”, para os quais no transverso , na obliquidade do que se dá
através do verso, “só cabe acatar”, para os quais a arte condiz com uma ética da
cedência e, assim sendo, a “arte de ceder” é essa lírica, para a qual “ o super-homem
será /não o mais forte/ não o mais duro/ não o mais livre/será/apenas/ o extremamente
entregue”, para os quais, como disse Andy Warhol, “ I never fall apart because I never
fall together” Não pela ingenuidade de não se permitirem frequentar as ambiências em
que o perigo sempre ronda, esquivando-se delas, mas, ao contrário , pela familiaridade
com ele que, desde cedo, desde sempre, esteve presente, tais pessoas fazem com que o
bordão do perigo do viver se transforme em outro que estranhamente mantém aquele em
suas entranhas: “viver é muito confortável”, nos disse um dia Roberto Corrêa dos
Santos. Apesar do perigo , é confortável viver, ou, talvez, melhor, mesmo com o perigo,
é confortável viver, ou talvez melhor – uma lição de fortes- porque há o perigo, é
confortável viver. Viver confortavelmente no perigo de um contemporâneo sem haver
um solo histórico determinado, único e completo a dar a sustentação almejada e
garantida por um sistema.Viver no perigo de um contemporâneo com o chão do
presente, do passado e do futuro, amplamente erodido, movediço, a nos dar sinalizações
de caminhos apenas entrevistos a serem trilhados. Viver no contemporâneo de um
presente que é uma vasta neblina. Viver no contemporâneo, ou seja, “tornar-se, do
agora, a dobra, para poder mostrar que há a dobra, que não cessa seus desdobramentos
infindos sem jamais perder o dobramento” (PUCHEU, 2012, p. 2-3)
Não se trata agora de construir uma literatura do sentido, ou da paródia aos sentidos
constituídos, como fez o modernista Oswald com o romance Serafim Ponte Grande.
Diante de uma saturação dos sentidos, as narrativas do escritor João Gilberto Noll, por
exemplo, exploram o vazio, o deslizamento por entre espaços num trabalho de
desenraizamento.
Não quer dizer que os escritores que vão ser citados realizem este projeto por inteiro,
mas entram em cena com o inconcluso. Em seu artigo Literatura e vida, Deleuze aponta
para este caráter inacabado da trajetória do escritor. Para ele, a literatura é inquietação
de procura. Citemo-lo:
“Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em vias de fazer-se, e que
extravasa qualquer matéria vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de
Vida que atravessa o vivível e o vivido. A escrita é inseparável do devir; ao escrever,
estamos num devir-mulher, num devir-animal ou vegetal, num devir molécula, até num
devir-imperceptível. [...] Devir não é atingir uma forma (identificação, imitação,
Mímese), mas encontrar a zona de vizinhança, de indiscernibilidade ou de
indiferenciação tal que já não seja possível distinguir-se de uma mulher, de um animal
ou de uma molécula: não imprecisos nem gerais, mas imprevistos, não-preexistentes.
[...] Quando Le Clezio devém índio, é um índio sempre inacabado, que não sabe cultivar
o milho nem talhar uma piroga”: mais do que adquirir características formais, ele entra
numa zona de vizinhança” (DELEUZE, 2008, p.11-12).
BOXE DE CURIOSIDADE
Gilles Deleuze em 1987. 
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commo
ns/d/de/Gilles_Deleuze_in_1987.png
Uma das principais marcas dos pensadores
contemporâneos era a não delimitação de seu campo de conhecimento. Assim como
Agamben, que escreveu sobre arte, teoria literária, política e filosofia, Deleuze (1925-
1995) foi um filósofo contemporâneo que se dedicou a escrever sobre as mais diversas
áreas do conhecimento. A literatura foi uma dessas áreas desenvolvidas em seu
pensamento, como a discussão feita pelo filósofo acerca de Kafka, Proust, e ator e poeta
Antonin Artaud.
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
Como falar do acontecimento literatura contemporânea sem cair na lógica do exemplo,
da citação estatística dos componentes dessa escrita chamada contemporânea? Como
citar sem congelar na sequência das enumerações a imagem que configura novamente
sentidos estratificados? Como dizer o acontecimento?
Mas se o evento é algo inantecipado, como se pode escrever o evento, ou deixar que ele
emerja? Como se pode fazer literatura ou experimentar literatura, sem o mínimo de
elaboração de síntese contextual e de experiência vivida? 
Aí é que está. Essa literatura que se pretende aqui comentar parece que salta para fora
dos modelos já previstos.
Somente pela investigação da escrita paradoxal, dedicada a acolher o instante em um
gesto de hospitalidade, é que se pode entrar numa zona de vizinhança e tangenciar um
corpus que se aproxime de um clima para o experimento. Ceder o lugar a algo que está
fora de você, na sensação do experimento da própria viagem, é assim que se expressa o
narrador no romance de Fabrício Corsaletti, Golpe de ar. Como primeira aragem dessa
busca pelo contemporâneo, este primeiro fio narrativo constitui-se como foco desta
aula, a que se seguirão outras modalidades, outras variações do mesmo nomadismo da
escrita.
A proposta dos primeiros capítulos do livro Golpe de Ar, de Fabrício Corsaletti é
retomar a lembrança de alguns meses de imersão em Buenos Aires para registrar
“aquelas horas em que você cede lugar a algo que está fora de você e é a própria
viagem”. Nesse contexto é que o narrador funciona como anfitrião e guia para outros
brasileiros e, ainda mais especialmente, para uma turma de moças/musas/ninfas com
idade em torno de 19 anos, “meninas inacreditáveis” criadas à base de “muito
Danoninho e muita Folha de S. Paulo”. 
Quase à maneira de um guia turístico da cidade, somos apresentados ao longo da
narrativa a um sem-número de bares, restaurantes, praças e livrarias de Buenos Aires.
Ritualmente embebedando-se a cada noite e voltando brevemente à tona no dia
seguinte, o narrador hospeda as meninas na sua casa, vendo-se então, por um lado,
“muito próximo da felicidade” e, por outro, ainda “pouco à vontade com aqueles de
quem mais gostaria de ser íntimo”. Cansado de sustentar qualquer identidade, ele segue
resoluto e aleatório, buscando qualquer coisa que o ajudasse a não esquecer que “estava
vivo mas um dia estaria morto” e que o impedisse de se acostumar “com o que quer que
fosse”. 
Ecoa, nesse sentido, um tanto do andarilho bêbado e iluminado de Rimbaud, assim
como do projeto fundamental e impossível formulado por Oswald de Andrade na
alvorada da nossa poesia modernista: “Ver com olhos livres”. Não por acaso o narrador
encontra, nessa busca, um poema. Vejamos:
“Mas foi na página 126 que encontrei o que estava buscando. O título era “Aire libre”.
Fiquei interessado. Alguém que escreve um título assim deve saber exatamente o que
está fazendo, ou pelo menos o que está querendo dizer. Apaguei o que restava do
cigarro no cinzeiro de metal e li o poema:
Si algo me gusta, esvivir./ Ver mi cuerpoenlacalle,/ hablar contigo como un
camarada,/mirar escaparates/y sobre todo, sonreirlejos/a losárboles.../También me
gustanloscamiones grises/y muchíssimo más los elefantes./Besartuspechos,/ echarmeen
tu regazo y despeinarte,/tragar agua de mar como cerveza/amarga, espumeante.Todo lo
que seasalir/de casa, estornudar de tarde en tarde,/escupircontraelcielo de los tundras/ y
lasmedallas de los similares,/ salir/ de esta espaciosa y triste cárcel,/ aligerarlos rios y
los soles,/salir, saliral aire libre, al aire. (Blas Otero)
Depois de ler um poema como esse, ou você tem uma crise de bronquite ou passa a
respirar melhor. Cada um dos versos vai direto para os pulmões e provoca um tipo de
sensação quase insuportável; deve ter gente que abandona o livro no bar e sai correndo
até alcançar a rua, e críticos que fazem um esforço enorme pra não colar sobre o poema
uma etiqueta com ‘exagerado’ ou ‘fácil’ ou ‘Lorca é melhor’”. (CORSALETTI, 2009,
p. 72- 73)
Toda essa leveza sólida de “rocha que alguém tivesse desenhado numa janela” ganha
outra dimensão no rapaz que fica “bancando o descompromissado”. Desinteressado de
uma aproximação mais visível com rodas literárias na cidade onde pousou e fincou o pé,
é, no entanto, a própria poesia o astro em torno do qual o narrador se move através de
trajetórias sinuosas. 
Nesse sentido, a narrativa de Corsaletti é também um romance de formação, no qual o
narrador aprende o que lhe será crucial ao mesmo tempo que abre as portas para que o
leitor faça o mesmo através dele. 
E essa aprendizagem se dá menos até pelo encontro com um poema específico, que, no
entanto, concentra e redireciona a ação do livro, produzindo a energia necessária para a
entrega amorosa. Acontece muito mais, de fato, pela experimentação concreta do que
constitui o cerne da linguagem poética: uma prática de se colocar atentamente“à espera
de tudo”, entre o mais orgânico e o mais impalpável, oscilando entre a graça da
dissolução de si e o imperativo da escolha de cada gesto, entre a aceitação da deriva e a
capacidade de assumir um ângulo concreto a partir do qual “um amontoado de ecos fora
do apartamento” por algum instante imenso se reorganiza – e o que se preparava há
tanto tempo enfim acontece, sempre imprevisivelmente.
Atividade 1 (Atende ao objetivo 1)
A partir da leitura sobre o que é o contemporâneo, explique qual é a dificuldade
encontrada quando enquadrarmos as narrativas de literatura contemporânea em um
mesmo corpus.
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Resposta comentada
Como podemos ver, a grande capacidade de temas abrangentes no contemporâneo nos
leva a um cenário difícil de preenchermos em sua totalidade. Por mais que se
classifiquem os autores por um período ou geração, as fontes e as disseminações do
conhecimento são ininterruptas. Logo, qualquer corpus que carregue a alcunha de
contemporâneo, já carrega em si essa dispersão temática. Justamente porque o
acontecimento denominado contemporâneo requer o que Schollhammer nos diz em
Ficção Brasileira Contemporânea, algo similar a uma escrita produzida em um período
sem saber ao certo do que se trata. E essa dúvida ou incerteza nada mais seria do que o
tempo presente.
Fim da Atividade 1
2. A literatura contemporânea e suas impurezas
Segundo Roberto Acízelo de Souza, no prefácio de Ficção Impura: prosa brasileira
dos anos 70, 80 e 90, de Therezinha Barbieri, uma das tarefas mais árduas no campo
dos estudos literários é justamente a busca ou o enfrentamento analítico sobre a
produção da literatura contemporânea. Isso se deve, segundo o autor, pela fluidez da
própria noção de contemporaneidade que temos hoje. Além do mais, há sempre uma
“dose” de arbítrio do processo seletivo quando se procura identificar, logo, selecionar
certos autores para um estudo analítico. Nesse caso, paira-se também no “fato de não
haver suficiente distanciamento histórico em relação aos objetos estudados, traduzidos
em tradição interpretativa e judicativa mais ou menos consolidada, o que na pior das
hipóteses sempre fornece ao estudioso um confortável ponto de partida (BARBIERI, T.
2003, p. 9)
É nesse sentido que pensamos na ficção contemporânea com relação à impureza de seu
estado mais natural. A presença de corpos e elementos estranhos a ela, uma vez que não
se está escrevendo em uma zona de conforto. No entanto, é essa falta de certezas que se
insere num instante de fertilidade sem igual, e é nessa esteira que caminha Barbieri
quando afirma que o almejo do diálogo contextual com as linguagens das narrativas
contemporâneas: “ao me deter no momento de encontro da palavra com a imagem, não
quero perder de vista o contexto da contemporaneidade em que esse encontro se
processa. Por isso, minha atenção se volta, de saída, para uma visão de conjunto que dê
visibilidade às obras dentro de um horizonte aberto (BARBIERI, T. 2003, p. 9)
Em relação ao escritor João Gilberto Noll, a hipótese do projeto é a de que o romance
Lorde apresenta um tipo mais avançado de ruptura que propõe um ponto de chegada
sem parâmetros em relação ao acumulado, aberto a uma identidade nova, que
desenharia uma configuração inominada, em nada semelhante às representações
culturais mais reconhecíveis de que se tem notícia para experiências de viagem (talvez
um radical desejo de ser outro), diferente das representações propostas para latinos e
imigrantes de modo geral. 
A narrativa de Noll no romance em questão enfoca um eu que se desfaz de qualquer
decalque identitário ao viajar na condição de estrangeiro, com um olhar que tudo
instabiliza, sem origem e perspectiva de retorno. Situa-se como um viajante sob o risco
do não retorno. A viagem é traçada pela escrita, como não lugar aberto ao laboratório de
metamorfoses já ensaiado em outros livros, e que, neste romance, atinge o ápice do
experimentalismo. Cada frase é experiência de transformação. O regime da frase
configura-se como lacunar. Um eu afirma e sai de si, apagando suas lembranças numa
experiência amnésica, aberto à contingência em seu relato de incertezas.
Não há saber acumulado na narrativa de Noll –- como está descrito por Benjamin no
ensaio sobre o narrador –-; há somente um processo de estranhamento de cenários
habituais levados ao limite do crível. A viagem acontece como inscrição e apagamento,
não como acumulação de vestígios para serem reconhecidos a posteriori como
sabedoria.
VOCÊ SABIA?
O escritor João Gilberto Noll possui dois livros adaptados para o cinema. O primeiro foi
Harmada, feito em 2005, sob direção de Maurice Capovilla. O segundo livro adaptado
foi Hotel Atlântico, feito em 2009, dirigido por Suzana Amaral, a mesma diretora de A
Hora da Estrela, adaptação do livro homônimo de Clarice Lispector.
FIM DO BOXE DE CURIOSIDADE
O romance de Noll constrói cenários de instante que disparam alterações que implicam
vasculhar territórios indelimitados e indeterminados, sem contexto próprio, sem
segurança de trilhas já percorridas pela memória ou pela cultura. É deriva para uma
situação que já não repete o mesmo mundo de partículas anteriormente evocadas, segue
um rumo errático porque não responde a um testemunho nem a uma resposta. Embora
não confirme um perfil identitário, a frase abre o caminho enquanto sulca novo espaço
para o texto continuar.
Não por acaso, a cena final de Lorde é, de certa forma, uma luta entre duas tatuagens (a
tatuagem simbólica representada pela identidade socialmente identificável do
“professor” e a tatuagem física do marinheiro), que parece se resolver com a
sobreposição da última sobre a primeira –- escrita sobre escrita alterando, borrando e
complexificando o desfecho da narrativa.
Um exemplo desse tipo de incorporação da cultura contemporânea para exibir a
ondulação de possibilidades à qual nos referimos pode ser observado, por exemplo, em
relação ao modo como é tematizada a questão da tatuagem. Vive-se uma cultura da
tatuagem – o desenho dos marinheiros e outsiders veio para o centro do corpo e da
moda. 
Apropriando-se desse traço da cena contemporânea e dando-lhe um rendimento muito
próprio, a narrativa de Noll cenariza a tatuagem, trazendo simultaneamente o
desconforto e a aceitação de um estado em que um corpo se metamorfoseia noutro sem
retorno, sem explicação causal e sem possibilidade de apagamento, numa exposição
cruel de um imaginário de decalque pelo lado culto nobre (pois o personagem estava
destinado a ser professor de universidade). 
Após uma noite em um Pub, o narrador personagem leva o estivador para seu
apartamento. Pela manhã, constata o desaparecimento do corpo do outro, e ao se olhar
no espelho, depara-se com seu novo estado corporal. A tatuagem marca a presença do
outro enquanto acontecimento que ocorre apenas uma vez e de uma vez por todas. 
Em sua terra natal, o professor não disporia de tantas possibilidades como o futuro que
despontava para ele como professor de língua e literatura portuguesa em Liverpool – e,
no entanto, de súbito ei-lo transformado em estivador, lorde somente no corpo tatuadocomo marinheiro. Nesse contexto, a ascensão sonhada do imaginário culto como
estrutura lacunar corresponde no romance em questão à frase lacunar – eis a oferta da
narrativa. Assim, ao final, pergunta-se o narrador que vive essa metamorfose abrupta:
“E quem ensinaria português? E a loja de ferramentas fecharia? No duro, nessa história
qual dos dois de fato vingaria?” Já num ponto logo adiante, no entanto, novos
desdobramentos mostram o narrador assumindo o novo estado: “Era bom andar com um
novo calibre muscular” (Noll, 2004, p.110).
Considerando esse grau de instabilidade e metamorfose identitária, fica a pergunta, ao
fim da narrativa: por que este escritor continua escrevendo? Para se repetir ou para
repetir os desenhos esboçados em livros anteriores? 
João Gilberto Noll talvez seja o escritor brasileiro que assume mais consistentemente os
riscos de uma deriva. Mas como se dá e de que tipo é essa deriva? Em termos de
resposta narratológica, é a interrupção da narrativa de reconstituição, como também é a
suspensão da hipótese narratológica pertinente ao discurso paranóico.
A narrativa de Noll apresenta-se como modo de ser da literatura enquanto exposição do
segredo do “como se”, suspensivo das regras e classificações lógicas. Segredo enquanto
retirada do suporte argumentativo que rege a trama na qual se move a linguagem linear.
Segredo enquanto incompletude e resposta através do silêncio lacunar, que aponta o
lugar do vazio ou da formulação do como se que é a expressão que encerra o romance:
“Como se de repente numa floresta encantada, às vésperas da primavera, eu fosse ter o
meu lugar” (Noll. 2004, p. 111).
 Esse lugar a que se refere o personagem, no entanto, não corresponde mais a um
retorno à origem identitária. O término do romance interrompe uma expectativa pelo
retorno a qualquer paisagem conhecida.
Os personagens de Noll deambulam por espaços inóspitos e a narrativa também. Seu
último romance, Solidão continental, retoma Lorde. Começa em outro espaço
americano, Chicago, vai para o México, e volta ao Brasil. A deambulação é uma
perdição que abre caminho também. Em linguagem médica é sintoma de que o paciente
encontra o seu próprio ritmo, seu próprio futuro, no furo da existência.
Um livro tão radical quanto Lorde, de Noll, é o romance de Daniel Galera, intitulado
Cordilheira, que narra a experiência de uma escritora que viaja até a Patagônia. Assim
como o romance Lorde constitui a radical corrosão dos estereótipos do intelectual,
Cordilheira trabalha a corrosão do relacionamento amoroso.
Cordilheira é a narrativa vertiginosa de uma escritora que aproveita o convite para o
lançamento do seu romance em Buenos Aires para sair de perto do companheiro que
não fecha com ela o pacto de ter um filho. O lançamento acontece e em seguida ela faz
amizade com um grupo que vai excursionar até a Patagônia. 
A narrativa alterna primeira pessoa e terceira pessoa e tem o seu clímax no momento em
que a personagem relata o sangramento que resulta na morte de um filho ainda em
gestação, acidente motivado pelo extremo frio que experimentou subindo a cordilheira.
As cinco últimas páginas do romance são narradas em terceira pessoa e se passam no
espaço do Brasil, na casa do antigo casal, em São Paulo. 
O relato abre-se para o discurso indireto livre deixando fluir o pensamento, ora do ex-
marido, Danilo, ora de Anita. Ela pediu para ficar algum tempo na casa, despertando a
ilusão no ex-marido de que haveria reconciliação. 
A narrativa sucede neste simulacro com o marido repetindo estereótipos da restituição
até mesmo no momento em que Danilo a convida para juntos irem até à cobertura. Este
é um momento central do romance, porque abre para alternativas oferecidas pela
contingência enquanto configuradora do relato.
A narrativa chega ao seu máximo de enigma. O que acontecerá no final desta subida de
uma minimalista cordilheira? Mas a proposta de subida da cordilheira minimalista é do
ex-marido: porque ele precisa de um cenário alto para pronunciar mais uma vez que a
ama e para dizer
“---Fique para sempre dessa vez.”
[...]
“Lá em Ushuaia”, ela começou, “há um museu dedicado aos índios que viviam na
região antes da colonização dos europeus. Museu Yámana. Por incrível que pareça, eles
não usavam roupas naquele frio horrível. Parece que a gordura dos animais e a
oleosidade natural da pele bastavam. Eles dormiam ao relento e mergulhavam na água
congelante sem dar muita bola [...] Mas enfim, não era disso que eu queria falar. É que
lá no museu fiquei sabendo que a língua dos yámanas contém a palavra mais sucinta
que existe. Como era mesmo? É.... mapihna ...não. Mamihlapinatapai. É o olhar que
duas pessoas trocam quando cada uma fica esperando que a outra inicie uma coisa que
as duas querem, mas que nenhuma tem coragem de começar” Ela o encarou. “Era bom
que houvesse muitas palavras sucintas desse tipo. Sei que essa não se encaixa
exatamente no nosso caso, mas imagine uma palavra bem parecida que definisse o olhar
que duas pessoas trocam quando uma delas quer iniciar algo que as duas querem, mas a
outra põe tudo a perder porque defende que não é o momento certo, que se puderem
esperar só mais um pouquinho...” Ele desviou o olhar. “É uma pena que o português não
tenha essa palavra, não acha?” Ele imaginou uma palavra que descrevesse a situação em
que uma pessoa já sabe o que a outra vai dizer, mas se cala porque é essencial que a
outra o diga, para que suas palavras tornem inquestionável a verdade indesejada que os
dois já conhecem (...). Tarde demais, Danilo. A gente teve um problema de sincronia”.
Ainda não era bem isso que ele precisava ouvir. Fingiu que não tinha entendido bem,
pediu outras explicações. Só a deixaria em paz, quando dissesse nos termos mais
simples , sem rodeios nem palavras indígenas, que não o amava mais. (GALERA: 2008,
p. 174-175).
Cordilheira não é uma narrativa de restituição, mas de ganho linguístico em torno do
termo indígena que sintetiza a experiência da viagem. Há uma ressonância
marioandradina na tensão dramática que esse elemento aporta ao relato, à semelhança
do amuleto muiraquitã.
Na rapsódia Macunaíma, de Mário de Andrade, a perda da pedra gera a narrativa. No
romance de Daniel Galera, falta o termo, o gesto da incompletude fica gritante pela
materialidade do nome indígena, gerando um tipo de dissonância como efeito de leitura.
INÍCIO DE BOXE DE CURIOSIDADE 
O muiraquitã
O anti-herói Macunaíma é o protagonista do romance em rapsódia homônimo escrito
por Mário de Andrade em 1928. Nascido no fundo da mata virgem, Macunaíma tem um
filho com Ci. Essa, antes de morrer lhe dá o muiraquitã, que o mesmo a perde,
descobrindo que a pedra está sob domínio de Venceslau Pietro Pietra. A partir dessa
descoberta, Macunaíma parte para São Paulo atrás de seu amuleto. Para ilustrarmos essa
passagem, leiamos um trecho de Macunaíma: “Terminada a função a companheira de
Macunaíma toda enfeitada ainda, tirou do colar uma muiraquitã famosa, deu-a pro
companheiro subiu pro céu por um cipó. É lá que Ci vive agora nos trinques passeando,
liberta das formigas, toda enfeitada ainda, toda enfeitada de luz, virada numa estrela. É a
Beta do Centauro. No outro dia quando Macunaíma foi visitar o túmulo do filho viu que
nascera do corpo uma plantinha. Trataram dela com muitocuidado e foi o guaraná. Com
as frutinhas piladas dessa planta é que agente cura muita doença e se refresca durante os
calorões de Vei, a Sol. No outro dia bem cedo o herói padecendo saudades de Ci
acompanheira pra sempre inesquecível, furou o beiço inferior e fez da muiraquitãum
tembetá. Sentiu que ia chorar. Chamou depressa os manos, se despediu das icamiabas e
partiu.”
FIM DE BOXE DE CURIOSIDADE
A partir da frase “fique para sempre dessa vez”, há uma dissonância com o rumo incerto
do casal; a frase ganha um tom de promessa enquanto desejo de apropriação daquilo que
não se pode domar, que é o outro, o amor do outro. Anita não é mais a mesma mesmo
dentro de sua própria casa, está em processo de desterritorialização uma vez que habita
o não-lugar, sua cabeça ainda responde pelos acontecimentos da viagem embora a
viagem por si só já tenha cessado. Isso faz com que Anita recorra ao inominável, o
evento ocorrido uma só vez, mas marcado de uma vez por todas de maneira exaurível
em sua relação.
No entanto, é preciso responder ao agora, a frase dita em uma língua que não é mais a
sua, e em um retorno à viagem recorre à língua estrangeira para responder então o que
vivencia. O desfecho traz o que restou da viagem para o que restou de seu
relacionamento. A falta de sincronia dos personagens traz à tona a errância em eterno
processo de viagem para dentro de si.
A deambulação narrativa percorre a obra da escritora Paloma Vidal com o seu romance
e seus contos em torno dos espaços ambíguos de Brasil e Argentina. Observe:
“Eu me interesso pelo nomadismo, pela narrativa migrante como as aves migratórias
que estão sempre se deslocando. A própria frase já é deslocamento, já é partida para
outro lugar. Como diz a letra de Mocyr Luz outra maré de outro lugar. O reencontro é
sempre em terra estrangeira. A terra prometida é sempre deslocamento provocado,
sempre a iluminação está no ajuntar a matula para a próxima viagem. O surgimento da
Anotação é o surgimento de uma Frase, pulsão, gosto de anotar, pulsão, gosto de
produzir uma frase\Formação das Imagens do euatravés da mediação das Frases.”
(VIDAL, 2008, p. 17) 
No conto “Viagens”, a partir do contato com o avô a narradora reconstrói a memória
dele e dela: “Em minha viagem ao passado, um longo corredor de histórias por trás das
paredes descascadas; a decadência dessa família e de tantas outras; a tristeza pela
partida, o choro das crianças e a avareza dos velhos” (VIDAL, 2008, p. 17)
“Nada daquilo tinha a ver comigo, mas ainda hoje sobrevive em mim como uma zona
escura da memória, um ponto de fuga para onde correm medos que não sei ao certo de
onde vêm, nem se algum dia encontrarão sossego, como se todas as noites me coubesse
percorrer sozinha aquele corredor úmido e sombrio, sem saber aonde vai dar” [...] Como
se recuperam os motivos imaginários da viagem? E como se mede a distancia entre
necessidade e desejo?”(VIDAL, 2009, p.18)
Início da atividade 2
Atividade 2 (Atende ao objetivo 2)
A impureza relacionada à literatura contemporânea tem a ver com diversas estranhezas
relacionadas a seu corpus. Os acontecimentos no interior da narrativa ganham efeitos
para além do que se projetava, ganhando corpos e elementos estranhos a ela. Como
poderíamos observar essa estranheza no interior da narrativa de reconstituição de Noll
ou na narrativa de restituição de Galera?
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Resposta comentada
Na literatura contemporânea, podemos ver essa estranheza, por exemplo, quando se sai
de uma zona de conforto no interior da própria narrativa. Aparentemente algo se perde
ou fica impossível de se concretizar. Sair da zona de conforto na narrativa
contemporânea é se aventurar para além do que pode ser presentificado nela. Nesse
sentido, na narrativa de reconstituição de Noll, há interrupções que impedem a mesma
de se concretizar, lançando-se aos riscos de uma deriva narratológica, conforme ocorre
no romance Lorde. Já em Cordilheira, de Galera, a falta de um gesto de incompletude
impede a restituição almejada em uma narrativa.
FIM DA RESPOSTA
3. Ficção Contemporânea e o Realismo Afetivo
Quando projetamos a ficção contemporânea, as marcas das representações são
características cada vez mais presentes, como se fosse possível reviver ou recontar um
período do realismo. Segundo elabora Pellegrini, em “De bois e outros bichos: nuances
do novo Realismo brasileiro” ao fazermos uma análise da produção contemporânea,
vemos que o processo literário habita entre a ruptura e a continuidade, logo, transforma
o uso e a função, como por exemplo, acontece similarmente com o realismo. 
Para Pellegrini: “Um desses cânones é o Realismo, cujos temas retirados da matéria
social com muita freqüência têm sido elaborados sobre os tons e semitons da violência.
Isso leva a cogitar que continuamente vêm emergindo novas formas de realismo,
multifacetadas e complexas, procurando dar conta de representar ordens reiteradas da
experiência humana, agora peculiares às sociedades contemporâneas. Assim, não há
como negar a presença ainda de condições sociais bastante semelhantes àquelas do
“mundo hostil” do qual surgiu o realismo, tornando o problema da representação menos
simples do que parece.” (PELLEGRINI, 2012, p. 38)
Apesar dessa similaridade, Pellegrini nos chama atenção para o fato de que o realismo
era utilizado simplesmente como definição de uma determinada produção artística capaz
de “reproduzir” fielmente uma análise do mundo concreto. É nesse sentido que a temos,
ao buscar um novo realismo nas narrativas contemporâneas, a violência como pano de
fundo ou até mesmo como representação da realidade, uma vez que ela compõe as
estruturas do discurso e dos segmentos da sociedade contemporânea. 
No entanto, faz-se necessário dizer que, assim como podemos ver na literatura
contemporânea aspectos similares ao realismo, para Pellegrini, a violência encontra
várias formas, como por exemplo, a “violência doce” observada por Bourdieu, agindo
através do consentimento: “Ela age de modo indolor, invisível e eufemizado,
interferindo na formação e transformação dos esquemas de percepção e de pensamento,
nas estruturas mentais e emocionais, ajudando a conformar uma visão de mundo”
(PELLEGRINI, T, 2012, p.39)
INÍCIO DE BOXE DE CURIOSIDADE
 Pierre Bourdieu
Fonte:http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/
c1/Pierre_Bourdieu.jpg?uselang=fr
Nascido em Denguim, França, em 1930, o sociólogo Pierre Bourdieu exerceu uma vasta
influência na teoria sociológica contemporânea e na educação, a partir do momento que
pensa o social como um fato objetivo, e a estruturas objetivas como algo capaz de
limitar os indivíduos.
FIM DE BOXE DE CURIOSIDADE
No livro Pão e sangue, de Dalton Trevisan, há a representação dessas duas formas de
violência, uma vez que aspectos culturais podem ser notados através do poder patriarcal
exercido pelo homem ante aos membros da família, que sofrem com as noites de
bebedeira e violência doméstica, ou o abandono da afetividade e de cuidados familiares,
como no poema em prosa com tom confessional “Minha vida meu amor”:
Olha minha vida meu amor
Há muito não és mais meu
Toda a loucura que fiz
Foi por você
Que nunca me deu valor
Por isso perdeu tua mulher
E teus filhos
Não posso com esta cruz
Acho muito pesada João
Você vem me desgostandoA ponto de me por no hospício
Uma vez conseguiu
Mas duas não
Aqui ô babaca
De tuas negras
Que nem os filhos se interessou
De batizar na igreja
Você só vai no bar do Luís
Outro boteco não achou
Mais perto da tua família?
Só me operei que você me obrigou
Agora não presto
Já não sirvo na cama?
Quis fazer de mim
A última mulher de rua
Mas não deixei
Por tua causa João
Eu morro pelada
Abraçada com os dois anjinhos
No fundo do poço
Amor desculpe algum erro
E a falta de vírgula
(TREVISAN, 1996, p. 16-17)
Não há suavidade na palavra amor, tampouco há refúgio em um outro na representação
desse sentimento. A realidade crua mostra o desespero humano, agora sobre retratos de
simples pessoas Joãos e Marias. E essa realidade, para Pellegrini, “é a realidade do
vício, violência e desespero para os menos afortunados, de medo explícito ou
inconsciente para os outros, mas de insegurança intensa e geral para todos”
(PELLEGRINI, T, 2012, p. 40). 
Em Pão e Sangue, marido ou mulher costumam dormir com punhal embaixo do
travesseiro, teme-se ter vidro moído no pão, como em “Morre desgraçado”.
Olhinho vesgo, narigão vermelho, aos berros:
_Está rezando, bruxa? Que eu largue da cachaça?
_Olhe as crianças, João.
_Já sei que põe vidro moído no meu pão.
Arrancou o rádio da parede, rebentou no chão, pisou em cima.
_João, não faça isso. É pecado. Oh, meu Deus. 
Pecado foi o murro aqui no olho, nem sei como não furou – em três pedaços o meu
óculo de costura (TREVISAN, 1996, p. 16-17)
Já em O anão e a ninfeta, Trevisan idealiza a impossibilidade de se pensar a
hospitalidade incondicional a partir da fragilidade da confiança e da exposição de um
ente à violência que vai rumo ao desconhecido. É o que ocorre no conto Hóspede,
quando uma mulher separada e mãe de dois filhos recolhe em sua casa o novo amante: 
“Mal sabe que o boa-pinta é foragido da polícia por crime de morte. Instalado bem
quentinho, nada faz além de se regalar, no boteco da esquina, com garrafas de vinho e
carteiras de cigarro” (TREVISAN, 2011, p. 49). O filho pequeno, ao se deparar com
aquele homem que não era seu pai, em trajes menores, logo liga para a avó. Uma tensão
se cria sob o fruto da fragilidade dos filhos diante de um homem formado e
desconhecido, podendo agir com força ou brutalidade a qualquer momento. No entanto,
a avó conversa com a mãe das crianças, que logo liga pro filho o chamando de traíra. A
última conversa acontece entre o jovem e a avó, e o mancebo afirmando que o Paulão já
era seu amigo: “_Vó, o Paulão é meu amigo. Um cara muito legal./ _?/ _Uma conversa
de homem comigo./ _ Tudo explicado. Vá saber, suspira a velhinha. O que esse bandido
falou ao pobre menino” (TREVISAN, 2011, p. 50).
Através dessa referida passagem, podemos observar que falar sobre ao real é um dos
desafios de escritores contemporâneos. Segundo Schollhammer, há uma urgência de
certos autores de falar sobre o real, o que evidencia a “perspectiva de uma reinvenção
do realismo, a procura de um impacto numa determinada realidade social, ou na busca
de se refazer a relação de responsabilidade e solidariedade com os problemas sociais e
culturais de seu tempo.” (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 10), logo, teríamos que ter
cuidado para não cairmos em um reducionismo, conforme Schollhammer cita na
seguinte passagem:
“De um lado, haveria a brutalidade do realismo marginal, que assume seu
desgarramento contemporâneo, e, de outro, a graça dos universos íntimos e sensíveis,
que apostam procura da epifania e na pequena historia inspirada pelo mais dia, menos
dia de cada um. Contudo, essa parece ser ainda uma divisão redutora, uma
reminiscência da divisão tradicional que opunha a ficção “neonaturalista” à
“psicológica” e “existencial”. A literatura que hoje trata dos problemas sociais não
exclui a dimensão pessoal e íntima, privilegiando apenas a realidade exterior; o escritor
que opta por ressaltar a experiência subjetiva não ignora a turbulência do contexto
social e histórico. (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 10)
Em Trevisan, como acontece em Pão e Sangue ou em O anão e a ninfeta, há efeitos
similares ao de “flashes” fotográficos, tamanha é a redução ou “miniaturização” do
conto, assim como em seus haicais, como uma escrita que registra o acontecimento de
maneira instantânea (SCHOLLHAMMER, K. 2009, p. 36), não se baseando em busca
pela afirmação de uma identidade, nem pelo momento histórico em questão.
Já no artigo “Realismo afetivo: evocar realismo além da representação”, Schollhammer
dirá que, por mais que hoje haja o realismo histórico dos romances e biografias, assim
como realidades experimentais da vida tal qual ela é, faz-se importante observar que a
representação e a não-representação podem caminhas juntas, quando torna possível
interferir na realidade performática ou afetiva. Trata-se, sobretudo de registros que tem
“efeitos e afetos que marcam as interseções dos nossos corpos na realidade da qual
todos somos parte” (SCHOLLHAMMER, K. 2012, p. 142)
 É nesse sentido que podemos entender na literatura contemporânea que se debruça sob
aspectos de um realismo afetivo um “Desafio que a representação/ apresentação da
condição contemporânea põe para que a literatura brasileira, se articula sua
especificidade expressiva, aquilo que só a literatura faz, entre uma ampla gama de
outras formas discursivas e outras mídias. 
De que maneira o conteúdo social e cultural amplia as expressões literárias à procura de
uma compreensão do que às vezes resulta incompreensível, por um lado, e de uma
forma estética adequada à radicalidade intrínseca, por outro. O desafio literário se
coloca, assim, em termos de uma “estética do afeto”, em que entendemos o afeto como
surgimento de um estímulo imaginativo que liga a ética à estética. Se o Realismo
histórico é um Realismo representativo, que vincula a mimesis à criação da imagem
verossímil, ou ao efeito chocante ou sublime da sua ruptura, o realismo afetivo, por sua
vez, se vincula à criação de efeitos sensíveis a realidade que, nas últimas décadas,
alcançam extremos de concretude que levou teóricos a falar de uma “volta do real” ou
de “paixão do real”. Nas perspectivas de leitura aqui comentadas, o objetivo era
entender as experiências performáticas que procuram na obra a potência afetiva de um
evento e envolve o sujeito sensivelmente no desdobramento de sua realização no
mundo.” (SCHOLLHAMMER, 2012, p. 145)
Início da atividade 3
Atividade 3 (Atende ao objetivo 3)
Quando nos referimos à literatura contemporânea, quais são suas relações com o que
podemos considerar por realismo afetivo?
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Resposta comentada
Segundo Pellegrini, há de fato algumas similaridades entre a produção de algumas
narrativas contemporâneas com o período do realismo. Isso se deve a marcas de
representação, transformando o uso e a função e a partir disso, há uma abordagem sobre
a relação entre a violência contemporânea e a experiência humana. Apesardessa
similaridade, Pellegrini nos atenta para o fato de que o realismo era utilizado como
definição de uma determinada produção artística capaz de “reproduzir” fielmente uma
análise do mundo concreto. É justamente nesse sentido que podemos notar o realismo
afetivo ao buscarmos um novo realismo nas narrativas contemporâneas, uma vez que a
violência é introduzida como pano de fundo ou até mesmo como representação da
realidade, uma vez que ela compõe as estruturas do discurso e dos segmentos da
sociedade contemporânea. Nessa abordagem, os contos abordados em torno de Dalton
Trevisan configuram são representações de uma literatura que hoje trata dos problemas
sociais sem excluir a dimensão pessoal e íntima, conforme afirma Schollhammer em
Ficção Brasileira Contemporânea.
FIM DA RESPOSTA
Conclusão
A partir dessa aula, notamos que a narrativa contemporânea brasileira possui um corpus
literário disperso. E essa disseminação temática se deve a própria condição do que é o
contemporâneo, criando diferentes tipos de narrativas, com suas impurezas capazes de
inserir diferentes efeitos de sentido graças à impossibilidade de presentificação do
tempo atual. Nesse sentido, há narrativas que se configuram sem corresponder a um
ideal de identidade. A crise de representação aproxima alguns autores até mesmo de um
novo realismo, só que se apresentando entre a relação da violência contemporânea e da
experiência humana. Logo, o que temos na narrativa de ficção são efeitos e afetos como
marcas inerentes aos corpos em uma realidade na qual estamos inseridos sem ter a
precisão de como os acontecimentos se definem na contemporaneidade.
Início da atividade Final
Atividade Final (Atende ao Objetivo 4)
Através da leitura da aula, aponte a abordagem de pelo menos um crítico literário acerca
da narrativa contemporânea.
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Resposta comentada 
Segundo Pellegrini, na ficção contemporânea as marcas de representação estão cada vez
mais presentes, com similaridade em relação ao realismo. Só que o realismo era capaz
de “reproduzir” a análise de um mundo concreto, algo que não é mais possível dentro da
sociedade contemporânea. É nessa mesma perspectiva fragmentária que Barbieri tece
suas considerações sobre a literatura contemporânea. Através de uma fluidez temática e
de não haver como identificar um distanciamento histórico para decifrarmos a produção
foge-se de uma zona de conforto que nos auxiliaria na definição do corpus literário.
Para Schollhammer, o contemporâneo lança um desafio entre representação/
apresentação capaz de encontrar na literatura uma valiosa ferramenta que absorve as
mais variadas formas discursivas além de diversas mídias. Logo, temos um conteúdo
social similar ao realismo, mas agora atrelamos à narrativa contemporânea a criação de
efeitos e sentidos, como vemos no realismo afetivo.
RESUMO
Ao longo dessa aula procuramos é desenvolver o corpus fragmentário pertencente à
narrativa brasileira contemporânea. Para tanto, faz-se necessário elucidar algumas obras
que marcam esse período e que sejam capazes de demonstrar suas aproximações e
diferenças baseadas na relação entre a capacidade de representação e a similaridade com
um novo realismo, a fluidez temática e a falta de distanciamento histórico para uma
possível definição e os efeitos de sentidos e afetos dentro de uma linguagem paradoxal
composta pelas impurezas e dissonâncias dos discursos atuais. Nesse sentido, torna-se
deveras importante percorrer obras como as de Galera, Noll, Corsaletti e Trevisan,
assim como desenvolver uma relação com o trabalho crítico-literário de Barbieri,
Pellegrini, Schollhammer, entre outros, para enriquecermos a discussão acerca da
literatura e da contemporaneidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBIERE, Therezinha. Ficção Impura: prosa brasileira dos anos 70, 80 e 90. Rio de
Janeiro, Eduerj, 2003.
DELEUZE, Gilles. “A literatura e a vida”. In: Crítica e clínica.São Paulo:Ed.34, 1997.
DERRIDA, Jacques. “Uma certa possibilidade impossível de dizer o acontecimento”.
In: Cerrados: revista do Programa de pós-graduação em Literatura. Brasilia,DF:UNB,
Departamento de Teoria Literária e Literaturas, Vol 21, 2012.
GALERA, D. Cordilheira. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
LYOTARD, Jean-François.L´inhumain: causeries surletemps. Paris, Galilée,1988.
PELEGRINI, T. “De bois e outros bichos: nuances de um novo Realismo
brasileiro”Estudos de literatura brasileira contemporânea, n.39, jan./jun. 2012.
SCHOLLHAMMER, K. Ficção Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009
__________________ “Realismo afetivo: evocar realismo além da representação”.
Estudos de literatura brasileira contemporânea, n.39, jan./jun. 2012
TREVISAN, D. O anão e a ninfeta. Rio de Janeiro: Record, 2011.
_____________Pão e Sangue. Rio de Janeiro: Record, 1996.

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