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Morfofisiologia do Sistema Endócrino Fisiologia dos Hormônios Tireoidianos A tireoide é uma das maiores glândulas endócrinas do corpo, pesando 20 gramas e estando localizada anteriormente a traqueia. Sua principal secreção consiste nos hormônios T3 e T4, triiodotironina e tiroxina, respectivamente, embora ela também secrete calcitonina em quantidades menores. O T3 e o T4 estão relacionados diretamente à intensidade metabólica do organismo, sendo eles hormônios estimulantes do metabolismo. Sem sua ação, o metabolismo basal pode cair em até 50% nos humanos, sendo necessário, inclusive, sua administração por via exógena em caso de retirada da tireoide. O principal mecanismo de controle da secreção tireoidiana consiste no Hormônio Estimulante da Tireoide (TSH), como será explicado adiante. - Síntese e secreção dos hormônios tireoidianos: A tireoide é histologicamente composta por uma repetição milhar das mesmas unidades funcionais: os folículos tireoidianos. Cada folículo contém várias células secretoras envolvendo uma esfera coloidal, onde fica o coloide repleto da secreção na forma da proteína tireoglobulina. Essa proteína contém os hormônios T3 e T4. Ademais, a glândula possui milhares de células produtoras de calcitonina espalhadas entre os folículos, denominadas Células C. Cerca de 93% da secreção tireoidiana circula em forma de tiroxina, que é menos potente e mais estável, enquanto que 7% circula na forma de triiodotironina, mais potente e instável. No entanto, praticamente todo o T4 é convertido em T3 nos tecidos. A células secretoras utilizam o iodo, introduzido por meio da alimentação, para a formação dos hormônios, e precisam reabsorver a secreção do coloide para introduzi-la no sangue. O primeiro passo para a síntese dos hormônios tireoidianos é a captação do iodeto, mecanismo de aumento significativo na concentração de iodo intracelular na tireoide. Dessa forma, a bomba de iodeto, presente nas membranas celulares das células secretoras, trabalham promovendo um simporte do íon iodo juntamente com dois íons sódio (NIS) para o interior celular, o que gera uma concentração de iodo 30 vezes maior que no sangue. A energia para esse transporte vem da bomba de sódio-potássio-ATPase, que bombeia sódio para fora da célula instituindo gradiente de difusão facilitada para o meio intracelular. O fator que mais influencia o aumento da captação de iodeto é o hormônio TSH. O íon iodo, uma vez dentro da célula, é transportado para fora dela na membrana apical, onde se depositará no coloide, com a ajuda da proteína transportadora pendrina, que expulsa um íon iodo ao passo que introduz um íon cloreto provindo do coloide. Seguidamente, inicia-se a produção dos hormônios tireoidianos com a síntese da tireoglobulina pela célula secretora. Essa proteína contém 70 aminoácidos tirosina ligados em cadeia e são lançadas no coloide do folículo por exocitose. São esses aminoácidos que, ligados ao iodo, formarão os hormônios T3 e T4. Ou seja, os hormônios são formados no interior da molécula de tireoglobulina e lá ficam armazenados até o momento que forem requisitados para secreção. No entanto, o íon iodeto precisa passar primeiramente pelo processo de oxidação para que assuma a forma de iodo nascente e seja capaz de ligar-se com a tirosina. Essa oxidação é promovida pela ação da enzima peroxidase, que está presente na membrana apical no local de exocitose da tireoglobulina, causando oxidação do aminoácido tirosina e do iodo ligante. Quando há qualquer bloqueio na ação da peroxidase a produção dos hormônios tireoidianos cai a zero. O próximo estágio na formação desses hormônios é a organificação da tireoglobulina, que consiste na ligação do iodo oxidado com os aminoácidos dessa grande glicoproteína. Esses íons possuem uma ligação bastante lenta com a tirosina, mas, na tireoide, a presença da peroxidase reduz o tempo de ligação o suficiente para alcançar o tempo fisiológico necessário. Nesse contexto, cada tirosina recebe inicialmente um iodo, passando à condição de monoiodotirosina (MIT); logo após, outro iodo é ligado no anel desse aminoácido, formando a diiodotirosina (DIT). Cada vez mais iodo vai sendo acoplado na molécula de tireoglobulina, que vai liberando as unidades MIT e DIT. Uma molécula MIT pode se ligar com uma DIT para formar a triiodotironina (T3), mas o produto principal dessa cadeia de reações é a tiroxina (T4), quando duas moléculas DIT estão ligadas. Boa parte da tireoglobulina permanece armazenada nos folículos, tornando a tireoide capaz de secretar seus hormônios por vários meses subsequentes a uma eventual interrupção na síntese. A fase da secreção é iniciada então pelo mecanismo de reabsorção do coloide, realizado pelas células da tireoide que emitem pseudópodes responsáveis por que cercar pequenas porções de coloide formando vesículas pinocíticas. Essas vesículas são então introduzidas por endocitose e fundidas com lisossomos no interior da célula. Os lisossomos possuem enzimas digestivas que quebram as moléculas de tireoglobulina presentes no coloide introduzido, liberando então o T3 e o T4 em sua forma livre. Assim, esses hormônios são difundidos pela base da célula até os capilares sanguíneos, onde podem circular atingindo todos os tecidos irrigados do corpo. Ressalta-se que boa parte das moléculas MIT e DIT acabam nunca formando os hormônios, ocorrendo que, no momento de digestão da tireoglobulina, seu iodo é clivado pela enzima deiodinase e disponibilizado para reciclagem. Na ausência da deiodinase, algumas pessoas possuem deficiência de iodo por falha no processo de reciclagem. Uma vez circulantes no sangue, T3 e T4 ligam-se rapidamente à globulinas e albuminas transportadoras, sendo liberados lentamente para os tecidos alvo. Ao penetrarem em uma célula alvo, permanecem novamente armazenados por meio da ligação com proteínas intracelulares, sendo utilizados aos poucos nos dias e semanas seguintes. Pode-se dizer que esses hormônios possuem um longo período de latência e atividade fisiológica progressiva. - Efeitos fisiológicos dos hormônios tireoidianos: Os efeitos produzidos pelos hormônios da tireoide são todos associados ao aumento da taxa metabólica basal do organismo. Assim, eles estão relacionados à diversas funções metabólicas em quase todos os tecidos do corpo, influenciando, por vários meios, o aumento da atividade celular. Esses efeitos são: aumento da transcrição de muito genes, que gera maior atividade funcional do organismo; aumento da atividade metabólica celular; influência sobre o crescimento, principalmente sobre o desenvolvimento do encéfalo nos primeiros anos de vida; estímulo ao metabolismo de carboidratos; estímulo ao metabolismo de lipídios; influência sobre lipídios plasmáticos e hepáticos, reduzindo as taxas de colesterol e fosfolipídios no sangue e sua deposição no fígado; indução à necessidade aumentada de vitaminas, como fonte de energia para maior função metabólica; aumento do metabolismo basal; redução do peso corporal, devido a maior queima de gordura pelo corpo; aumento do fluxo sanguíneo e do débito cardíaco, devido à aceleração das funções orgânicas; aumento da frequência cardíaca; aumento da força cardíaca, estimulando a contração do miocárdio; manutenção da pressão arterial, que permanece inalterada sob efeito desses hormônios; aumento da respiração, pela demanda de mais oxigênio; aumento da motilidade gastrointestinal, pela maior necessidade de ingestão alimentar; excitação do sistema nervoso central, acelerando o pensamento e causando nervosismo e ansiedade em quantidades excessivas; influência sobre a função muscular;influência sobre o sono, aumentando-o devido ao efeito exaustivo; influência sobre outras glândulas, gerando maior secreção de outros hormônios atuantes no metabolismo, e, por fim, influência sobre função sexual, que está relacionada principalmente ao libido e à excitação. - Regulação da secreção dos hormônios tireoidianos: Os hormônios tireoidianos precisam ser secretados em quantidades precisas a todo momento para manterem os níveis fisiológicos da atividade metabólica do organismo, sendo, portanto, precisamente controlado pelo sistema nervoso central, a nível do hipotálamo. Assim, é necessário conhecer os dois hormônios que participam desse controle: a tireotropina (TSH) e o hormônio liberador de tireotropina (TRH). O primeiro é liberado pela adeno-hipófise e conduz a taxa de secreção dos hormônios T3 e T4 pela tireoide, estimulando o aumento da proteólise da tireoglobulina, o aumento da atividade da bomba de iodeto, o aumento da iodização da tirosina, o aumento da quantidade, do volume e da função secretora das células tireoidianas. O TSH influencia, portanto, em todas as atividades secretoras conhecidas na tireoide, aumentando significativamente a concentração de T3 e T4 no sangue. Já o TRH, secretado pelo hipotálamo sob estímulos nervosos, é o controlador do próprio TSH, completando a cadeia de comando que gera esse efeito cascata. A partir dos sinais que ativam o hipotálamo, o TRH é produzido e secretado, alcançando a hipófise rapidamente, onde ele induz à secreção de TSH, que alcança a tireoide e gera a próxima secreção. Tanto o TSH como o TRH agem pelo sistema de segundo mensageiro, que consiste na ativação de AMPc a partir da ligação com o receptor específico de cada célula alvo, gerando fosforilações múltiplas que culminam no efeito esperado em cada célula. Um estímulo conhecido que comprovadamente aumenta a secreção de TRH pelo hipotálamo, e de TSH pela hipófise por consequência, é a exposição do animal ao frio, pois gera uma excitação nos centros hipotalâmicos relacionados ao controle da temperatura corporal, acabando também por incitar a uma maior secreção de TRH. Outro meio de alteração são os estímulos emocionais, que podem afetar as taxas desses hormônios. Sabe-se que ansiedade e agitação tendem a diminuir a secreção de TSH pela hipófise, exercendo um efeito inverso ao controle da temperatura. Por fim, há também um efeito de feedback negativo gerado pela alta concentração de T3 e T4 no sangue, que retorna à hipófise a mensagem de “stop”. A partir de 1,75 vezes a concentração normal dos hormônios tireoidianos no sangue, a secreção de TSH cai praticamente a zero. Esse feedback é retornado também ao hipotálamo, reduzindo as quantidades de TRH circulante. Tudo isso permite que as concentrações de T3 e T4 permaneçam praticamente constantes no sangue. - Doenças relacionadas à tireoide: Algumas doenças da tireoide são frequentes na população, sendo responsáveis por implicações diversas no organismo, visto que se dá em um órgão regulador de vários aspectos metabólicos. Essas doenças podem surgir a partir de um crescimento excessivo ou de uma atrofia da tireoide, hipertireoidismo e hipotireoidismo, respectivamente. O hipertireoidismo se dá pelo funcionamento exagerado da glândula, que pode sofrer hiperplasia, com o surgimento de camadas extras de células foliculares para o interior do folículo, o que aumenta muito o número de células, além de apresentar uma atividade funcional mais acentuada, produzindo os hormônios em taxas até 15 vezes maior que o normal. A forma mais comum desse distúrbio se dá pela Doença de Graves, que é autoimune, quando alguns anticorpos TSI são produzidos e se ligam aos receptores de TSH na membrana celular, induzindo uma ativação constante dos mensageiros AMPc. Assim, a glândula acaba trabalhando mais que o normal, sem o controle pelo TSH, causando uma hiperprodução hormonal que suprimem a produção de TSH e TRH. Além disso, o hipertireoidismo pode ser causado também por um adenoma na tireoide, gerando uma maior produção hormonal devido ao número de células aumentado pelo tumor. Porém, nesse caso, a produção de hormônios pelo resto da tireoide é praticamente suprimida devido ao controle por feedback do TSH. Nesse contexto, os sintomas gerados pela produção excessiva de T3 e T4 podem ser deduzidos pelas características fisiológicas desses hormônios, gerando estado contínuo de excitabilidade; intolerância ao calor; redução da sudorese; perda de peso extremo; diarreia; fraqueza muscular; nervosismo; ansiedade, fadiga e tremor dos membros. Ademais, um sintoma comum é também a exoftalmia, uma protusão dos globos oculares causada por edemas no tecido retro-orbitais, além de uma degeneração nos músculos extraoculares, que ocorre devido a uma reação das imunoglobulinas dos anticorpos TSI liberadas no sangue com esses músculos. Já o hipotireoidismo, no geral, contém efeitos opostos aos do hipertireoidismo, sendo caracterizado pela atrofia funcional da tireoide, com redução das taxas hormonais fisiológicas e do metabolismo basal. Os casos mais comuns estão relacionados à Doença de Hashimoto, que também é autoimune, mas, contrariamente à Doença de Graves, acaba destruindo a glândula em vez de estimulá-la, causando sua redução. Os pacientes de Hashimoto possuem tireoidite autoimune, inflamação que culmina numa fibrose completa da glândula em casos mais graves. As taxas de T3 e T4 podem ser zeradas. Contudo, o hipotireoidismo pode existir também pelo crescimento da tireoide, como ocorre nos bócios. O Bócio Endêmico, forma mais comum de bócios, é causado por uma deficiência alimentar de iodo, que impede a produção dos hormônios. Essa ausência das taxas hormonais estimula uma constante produção compensatória de TSH pela hipófise, que gera uma produção intensa de tireoglobulinas e coloide pelas células foliculares, aumentando o tamanho da glândula. Em resumo, o Bócio Endêmico está relacionado ao impedimento de controle de TSH por feedback. Há também o Bócio Idiopático, que produz um crescimento anormal da glândula mesmo com uma produção normal dos hormônios tireoidianos. A sugestão é que uma leve tireoidite presente nesses casos causa a degeneração de algumas partes da glândula, estimulando um aumento de TSH no sangue que sobrecarrega as partes não inflamadas. Isso explica também o aspecto nodular da tireoide com Bócio Idiopático, com algumas porções degeneradas e outras aumentadas. São comuns algumas anormalidades em pacientes com bócios, como deficiência na captação de iodeto, na enzima peroxidase, na conjugação da tirosina na tireoglobulina e na enzima deiodinase. Os bócios podem surgir, entre outras maneiras, pela ingestão de alimentos bociogênicos. Sintomas do hipotireoidismo são: cansaço e sonolência; lentidão muscular e mental; baixa frequência cardíaca e pressão arterial; aumento de peso e insuficiência de muitas funções do organismo. Em casos mais graves, pode surgir mixedema, que é inchaço facial com ocorrência de flacidez sobre os olhos, formado por excesso de gel tecidual nos espaços intersticiais. Uma alteração diferente que pode surgir a partir de um hipotireoidismo intenso em fetos, bebês e crianças é o Cretinismo. Essa doença é caracterizada por uma forte deficiência na formação do corpo e retardo mental, uma vez que T3 e T4 estão ausentes. Isso pode resultar de uma ausência congênita da tireoide, incapacidade de produção dos hormônios por defeito genético ou de insuficiencia de iodo na dieta infantil. É um quadro de difícil diagnóstico, sendo percebido geralmente tarde para um tratamento sem sequelas.É comum que o dano mental seja permanente, devido a um retardo na produção, desenvolvimento e mielinização das células nervosas nos primeiros estágios da vida. Os tecidos moles tendem a crescer mais que o normal, e o tecido esquelético menos que o normal, resultando numa aparência de obesidade e de baixa estatura. Em alguns casos o crescimento excessivo da língua implica obstrução da deglutição e respiração.