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EUTANÁSIA: ATO DE GENEROSIDADE OU CRIME? SHEYLA SAMPAIO PAMPLONA ADVOGADA A polêmica acerca deste tema vem desde a Grécia Antiga. Por exemplo, Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a idéia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, em contrapartida, eram veemente contra. No seu julgamento Hipócrates declarava: “Eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer um desse tipo”. Preliminarmente, devemos conceituar a expressão Eutanásia. O termo eutanásia vem do grego, podendo ser traduzida como “boa morte” ou “morte apropriada” (prefixo eu = beleza + sufixo tanatos = morte.). Pode ser classificada quanto ao tempo de ação em: a) Eutanásia Ativa: ato deliberador de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos. b) Eutanásia Passiva ou Indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento. c) Eutanásia de Duplo Efeito: quando a morte é acelerada como uma conseqüência indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal. O ato de promover a morte antes do esperado por motivo de compaixão, e diante de um sofrimento penoso, e insuportável continua sendo motivos de exaustantes reflexões. Os vários segmentos da sociedade, ainda, não conseguiram chegar a uma opinião pacífica sobre o tema. No setor religioso, as maiorias das religiões são contra a Eutanásia. Para o Judaísmo, a eutanásia e o suicídio assistido são umas ofensas a Deus. Os muçulmanos vêem a morte piedosa com um crime; um pecado. O Espiritismo, também, condena pois acredita que a Eutanásia interrompe a depuração do espírito encarnado pela enfermidade como lhe impõe sérias dificuldades no retorno ao plano espiritual. Já o Budismo é a única das grandes religiões a aceitá-la, desde que o sofrimento de se manter vivo seja pior que a morte; devendo-se analisar cada caso concreto. Em 1980, o Vaticano divulgou uma Declaração sobre a Eutanásia, na qual afirmava: “Nada nem ninguém pode de qualquer forma permitir que um ser humano seja morto, seja ele feto ou um embrião, uma criança ou adulto, um velho ou alguém sofrendo de uma doença incurável, ou uma pessoa que esteja morrendo”. No âmbito jurídico, para a maioria das Legislações dos países latinos a prática da Eutanásia é vista como uma forma de homicídio privilegiado (COLÔMBIA, CUBA, BOLIVIA, COSTA RICA, URUGUAI). Sendo até considerado, no Peru, como uma ausência de delito, salvo por motivo egoístico. Nos ESTADOS UNIDOS, a questão era decidida ao livre arbítrio das legislações estaduais. Contudo, em recente decisão da Corte Suprema norte-americana passou a ser matéria de competência legislativa da União. Ao revés, as legislações européias são muito mais benevolentes. A HOLANDA, por exemplo, em 2001 tornou-se o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia. Por 46 votos a favor e 28 contra o Senado aprovou a lei que permitira aos médicos abreviar a vida dos doentes terminais. Do lado de fora do Parlamento com sede em Haia, cerca de 10 mil pessoas protestavam contra a aprovação da referida lei que já havia passado pela câmara do deputados em novembro de 2000. Apesar dos intensos protestos, pesquisas demonstravam que 90% dos holandeses apoiavam a legalização da eutanásia. Entretanto, para a realização legitima da eutanásia é necessário o preenchimento de três requisitos: • Que o paciente tenha uma doença incurável e esteja com dores insuportáveis • O paciente deve Ter pedido, voluntariamente, para morrer. • E necessário à opinião de um segundo médico sobre o caso. Portanto, os médicos deverão obedecer a regras rigorosas para praticar a eutanásia. O caso também devera ser submetido ao controle das comissões regionais encarregadas de fiscalizar se os requisitos foram cumpridos. Tais comissões são integradas por um médico, um jurista e um especialista em Ética. Segundo a nova lei só poderá ser realizada a eutanásia pelos médicos que acompanhem de perto e há muito tempo a saúde dos pacientes. Referida lei também permite que pacientes deixem um pedido por escrito, dando aos médicos o direito de usar seus próprios critérios quando seus pacientes não puderem mais decidir por eles mesmos em face da doença. .Já a INGLATERRA, HOLANDA, SUIÇA, ÁUSTRIA, ITÁLIA, NORUEGUA, REPÚBLICA CHECA comina penas mais atenuadas. No Direito penal Brasileiro, a Eutanásia é considerada como Homicídio. Assim, o legislador contemplou o Princípio a Vida, embora acolha a redução da pena prevista no parágrafo 1º do referido artigo, In verbis “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida ã injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” Nessa esteira, o homicídio privilegiado está inserido no art. 121 parágrafo primeiro do Código Penal e dá direito a uma redução de pena variável entre um sexto e um terço. Trata- se de verdadeira causa de diminuição de pena incidente na terceira fase da aplicação da pena. Conforme leciona Fernando Capez: “NA REALIDADE O HOMICIDIO PRIVILEGIADO NÃO DEIXA DE SER O HOMICIDIO PREVISTO NO TIPO BASICO (CAPUT) CONTUDO EM VIRTUDE DA PRESENCA DE CERTAS CIRCUNSTANCIAS SUBJETIVAS QUE CONDUZEM A UMA MENOR REPROVACAO SOCIAL DA CONDUTA HOMICIDA, O LEGISLADOR PREVE UMA CAUSA ESPECIAL DE ATENUACAO DA PENA”. Assim, no homicídio privilegiado a conduta continua punível, apenas havendo uma diminuição da sua reprovabilidade em face da redução do seu contraste com as exigências ético-juridicas da consciência comum. A relevância social ou moral da motivação está vinculada aos princípios, valores em que se estrutura a sociedade. O valor moral é o valor superior, enobrecedor de qualquer ser humano em circunstancias normais. É necessário que se trate de valor adequado segundo aquilo que a moral média reputa nobre e merecedor de indulgência. Vale salientar que deve ser considerado de forma objetiva, segundo os padrões da sociedade, e não de forma subjetiva de acordo com a opinião do agente. Ademais, não basta o valor moral, é fundamental que referido valor seja relevante, isto é, digno de apreço. Há divergência jurisprudencial e doutrinaria se se trata de causa de diminuição de pena obrigatória ou mera faculdade do juiz. Contudo, prevalece a corrente de que é um direito publico subjetivo do condenado, não podendo ser negado sob pena de violar o STATUS LIBERTATIS deste. A discricionariedade do juiz encontra-se, apenas, no quantum da redução. Insta gizar que a eutanásia considerada com direito de morrer sem dor não deve ser confundida, juridicamente, com o verdadeiro direito de morrer que é o suicídio, uma vez que a vida é um bem jurídico indisponível. Portanto, o sujeito de direito não será punido, haja vista deixa de existir, sendo punido, apenas, quem induz, auxilia ou instiga alguém se suicidar. Já na eutanásia mesmo havendo pedido expresso da vitima, o seu autor será perfeitamente punido. Já o Anteprojeto da Parte Especial do Código Penal de 1984, que está em tramitação no Senado Federal, traz um avanço expressivo no tratamento dado ao polêmico tema da Eutanásia Passiva, ao afirmar expressamente no art. 121 parágrafo 3º, in verbis “Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente inevitável, e desde que haja consentimento do doente ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente,conjugue ou irmão.” A aprovação desse artigo permitirá que a Eutanásia passiva seja legalmente realizada, evitando, assim, o prolongamento indevido da vida de um paciente terminal, encurtando o seu sofrimento. Em tramitação no Senado Federal, também, se encontra o Projeto de Lei 125/90 que estabelece critérios para a legalização da “morte sem dor”. O Projeto prevê a possibilidade de que pessoas com sofrimento físico ou psíquico possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria morte. A autorização para estes procedimentos será dada por uma junta médica, composta por cinco membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização. Em contrapartida, o Código de Ética Médica no seu art.66 é bastante enfático em vedar ao médico utilizar, em qualquer caso, de meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal. Uma recente pesquisa realizada por uma revista brasileira (SUPER INTERESSANTE) na Internet, demonstrou o crescimento no número de pessoas adeptas a legalização da eutanásia. Houve um empate técnico: 50,4% dos internautas se posicionaram contra e 49,6% a favor. Muitos são os argumentos dos que defendem a prática da eutanásia. Afirmam ser legítimo o direito de cada indivíduo decidir sobre a própria vida, mesmo que seja para pôr fim nela. O professor de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Paraíba, defensor da eutanásia declarou: “É desumano vermos uma pessoa a sofrer, a qual não lhe resta nenhuma esperança de vida. Isto só, por não estar legalizada a eutanásia, uma pessoa para além de está condenada a morrer, ainda está condenada a sofrer muito antes de morrer”. A Relevante discussão em torno da Eutanásia está em face dela se contrapor ao mais relevante direito constitucionalmente assegurado: A VIDA. A Constituição Federal no seu art.5º garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos por ser pré-requisito à existência e o exercício de todos os demais direitos. É por isto o direito humano mais sagrado que não se pode renunciar, logo o ordenamento jurídico não confere aos cidadãos o direito de morrer. O conteúdo do direito a vida assume duas vertentes. Configura-se no direito de permanecer existente e no direito a um adequado nível de vida. No caso em tela, nos interessa o primeiro aspecto que é o de assegurar a todos o direito de simplesmente continuar vivo, permanecer, existindo até a interrupção da vida por fatores naturais. Conforme explanou Ives Granda da Silva no artigo: O direito Constitucional comparado e a Inviolabilidade da Vida Humana: “O direito à vida, talvez mais do que qualquer outro, impõe o reconhecimento do estado para que seja protegido e, principalmente, o direito à vida do insuficiente... O Estado deve proteger o direito à vida do mais fraco a partir da Teoria do Suprimento. Por esta razão, o aborto e a eutanásia são violações ao direito natural à vida, principalmente porque exercidas contra insuficientes”. Nessa esteira, o direito à vida è o principal direito do ser humano, cabendo ao Estado preservá-lo tanto mais quanto for insuficiente o seu titular. Nenhum ordenamento jurídico é justo sem respeito a esse direito; não permanecendo no tempo nenhuma civilização que o desrespeita. Como brilhantemente explica Aníbal Bruno: “A vida e um bem jurídico que não importa proteger só do ponto de vista individual, tem importância para a comunidade. O desinteresse do indivíduo pela própria vida não exclui do Estado a tutela penal. O Estado continua a protegê-la como valor social e este interesse superior torna inválido o consentimento do particular para que dela o privem, nem sequer quando ocorrem as circunstancias que incluírem o fato na categoria da Eutanásia ou homicídio piedoso.” Finalizando, o Brasil como país signatário da declaração Universal Dos Direitos Humanos deve obediência aos seus dispositivos. Diz o seu art.4º: “Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. Diante de tudo o que foi explanado fica a eterna dúvida: É lícito dispor da própria vida, abreviando o sofrimento? Será que se pode chamar de vida o estado vegetativo de uma pessoa preso a uma cama de hospital? Não seria extremamente rigoroso punir uma pessoa pelo delito de homicídio, que por generosidade, compaixão põe fim ao sofrimento de um paciente que já não tem mais esperança de viver no sentido mais literal da palavra, mesmo havendo uma diminuição obrigatória da pena? Em contrapartida, motivos científicos e de conveniência tais como a possibilidade de um erro de diagnostico, a descoberta de um novo remédio com os avanços da medicina, a eventualidade de possíveis abusos como um laudo favorável de forma dolosa para beneficiar um terceiro que necessita de um transplante repugnam a legalização da eutanásia. Ademais, não seria muito mais fácil aproveitar-se da extrema debilidade física e emocional de um doente terminal, até para o convencer das presumíveis vantagens de uma morte aliviada, do que lhe proporcionar todo o apoio e carinho de que necessita, para levar a vida até o fim sem desistir, e morrer com verdadeira dignidade? Destarte, a sociedade hesita em regulamentar, contudo a existência de casos comoventes levam a busca de mais discussões sobre o assunto, com intuito de se encontrar uma solução mais justa. SHEYLA SAMPAIO PAMPLONA ADVOGADA
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