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ATUALIDADES - DIREITO DE FAMÍLIA
Fonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, acesso em 11.06.2017.
Negativação do nome pode reduzir número de devedores de pensão alimentícia
07/06/2017
Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do Site Migalhas)
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão, julgou que o devedor de alimentos pode ter seu nome inscrito nos cadastros de proteção ao crédito. O entendimento foi feito ao reformar julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJ/MT) que havia indeferido um pedido de negativação.
No recurso ao STJ, o recorrente alegou que houve violação ao Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê que os serviços de proteção ao crédito sejam considerados entidades de caráter público. Alegou também que a decisão do tribunal de origem afrontava os artigos 461, caput e parágrafo 5°, e 615, III, do CPC/73, e os artigos 3° e 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Para Sérgio Barradas Carneiro, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e relator do Código de Processo Civil (CPC/2015), na época como Deputado Federal, a decisão do STJ é válida porque contribui para a redução de devedores de pensão alimentícia no Brasil.
“Fiz a sugestão para que os devedores de alimentos tivessem o nome inscrito no cadastro de inadimplentes. Na verdade, tentei conciliar essa medida com o fim da prisão do mesmo, mas venceu a tese da manutenção da reclusão, principalmente porque a Defensoria Pública entendia que esta era uma medida mais eficaz. Mas considero que negativar o nome do devedor seja uma forma de criar dificuldades e embaraços, pois, em vários casos, o responsável tem condições de arcar com a despesa alimentícia”, afirma. 
Em seu voto, a relatora, Ministra Nancy Andrighi, destacou que já existia precedente do STJ no sentido de que, na execução de alimentos, há possibilidade de protesto e da inscrição do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Segundo a ministra, tal entendimento tem amparo no melhor interesse do alimentando e no princípio da proteção integral. O advogado Sérgio Barradas lembra que foi sob sua relatoria que essa medida foi introduzida e, que portanto, está prevista na legislação.
“Nós temos construído o Direito das Famílias em cima da doutrina e da jurisprudência, mas a negativação do nome de devedor alimentício já é lei, conforme o Novo CPC. Este é certamente um mecanismo que protege as crianças”, afirma.
Supremo inicia julgamento de ADI sobre alteração de registro civil sem mudança de sexo
Nesta quarta-feira (7), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4275 na qual se discute a possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de transexual, mesmo sem a realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. O julgamento será retomado em conjunto com o Recurso Extraordinário (RE) 670422, com repercussão geral reconhecida.
A ação foi ajuizada pela Procuradoria Geral da República a fim de que haja interpretação conforme a Constituição Federal ao artigo 58, da Lei 6.015/73, norma que disciplina os registros de pessoas naturais. Segundo esse dispositivo, “o prenome será definido, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios” (redação dada pela Lei 9.708/98).
O relator da ADI, ministro Marco Aurélio, fez a leitura do relatório e, em seguida, falaram os "amigos da Corte" [amici curiae]. “Resta saber se, para ter-se a mudança do sexo – a mudança do nome já é admitida – no setor competente da identidade e também no registro, é necessário ou não ter-se mutilação”, observou o ministro Marco Aurélio.
PGR
Na sessão de hoje, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reafirmou que a ação envolve o direito de transexuais, se desejarem, à substituição do prenome e de sexo no registro civil sem a obrigatoriedade de cirurgia de transgenitalização. Segundo ele, no caso discute-se se há um direito fundamental à identidade de gênero com base nos princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III), da igualdade (artigo 5º, caput), da vedação de discriminações odiosas (artigo 3º, inciso IV), da liberdade (artigo 5º, caput) e da privacidade (artigo 5º, inciso X), todos da Constituição Federal.
A linha do Ministério Público Federal é no sentido de afirmar que esse direito é fundamental e reconhecê-lo como “imanente à personalidade”. Para o procurador-geral, se uma das finalidades da norma é proteger o indivíduo contra humilhações, constrangimentos, discriminações em razão do uso de um nome, essa mesma finalidade deve alcançar a possibilidade de troca de prenome e de sexo no registro civil.
“Impor uma pessoa à manutenção de um nome em descompasso com a sua identidade, é a um só tempo atentatório à dignidade e comprometedor de sua interlocução com terceiros, nos espaços públicos e privados”, ressaltou. Ainda, conforme o procurador-geral, “para que se respeite a necessária congruência entre a real identidade da pessoa e os respectivos dados no registro civil, por obviedade palmar, não há que se exigir a realização de cirurgia de transgenitalismo”, tendo em vista o fato de que não é a cirurgia que concede ao indivíduo a condição de transexual.
Por fim, Rodrigo Janot avaliou que não se pode exigir do indivíduo “uma verdadeira mutilação física” para assegurar direito constitucional básico assegurado a todo cidadão e avaliou que a transgenitalização não deve ser um pressuposto para o exercício dos direitos da personalidade.
Amici curiae
Em nome do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias afirmou que as pessoas "trans" vivem uma terrível realidade, uma vez que além do preconceito da sociedade, há uma grande demora para a realização de procedimentos cirúrgicos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo ela, “se essas pessoas são vítimas da omissão perversa do legislador, precisam encontrar a resposta na Justiça”. “Não podem ser duplamente punidas simplesmente por não quererem ou não fazerem a cirurgia e a Justiça não pode impor a ninguém que faça uma cirurgia para poder ter esses direitos à personalidade e à dignidade que lhe são assegurados constitucionalmente”, completou.
Pelo Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero Políticas e Direitos (LIDIS) e pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM), Wallace Corbo ressaltou que gênero não é sinônimo de genitália. Segundo ele, já em 2017 dezenas de pessoas transexuais, transgêneros e travestis foram espancadas, estupradas e cruelmente mortas no Brasil e para essas pessoas o documento de identidade não é garantia de segurança nem de paz. “Quando têm que mostrar um documento com nome e gênero que não correspondem com aquele com o qual se identificam, elas são humilhadas, discriminadas em todo ambiente que ocupem”, disse.
Wallace Corbo destacou que o documento de identidade é um ato de violência. “É a lembrança constante de que o Estado não as reconhece como elas são, de que o Estado não as trata com igual consideração e respeito”, afirmou, ao acrescentar que em Portugal, na Colômbia e na Irlanda essa alteração de documento é administrativa e não dependente de nenhuma cirurgia.
Advogada transexual
Primeira advogada transexual da região sul do país, Gisele Alessandra Schmidt e Silva representou o Grupo Dignidade – Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros. De acordo com ela, a orientação sexual e a identidade de gênero de uma pessoa não são, em si próprias, doenças médicas a serem tratadas, curadas ou eliminadas. A advogada destacou que, como experiência interna, o gênero da pessoa não pode depender de demonstração exaustiva de certo padrão de feminilidade ou de masculinidade para que se conceda a ratificação de registro civil à pessoas transexuais.
“A imensa maioria de transvestis e transexuais não teve as oportunidades que eu tive e estãoà margem de qualquer tutela, morrendo apedrejadas e a pauladas em total violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”, disse, ao ressaltar que possui documentação civil que reflete seu nome verdadeiro e sua identidade de gênero. “Não somos doentes, não sofremos de transtornos de identidade sexual, sofre a sociedade de preconceitos historicamente arraigados contra nós e nossos corpos tidos como objetos”, afirmou. 
Da escritura pública de união poliafetiva. Breves considerações
Autor: Flávio Tartuce | Data de publicação: 26/04/2017
Tema que vem sendo intensamente debatido pelo Direito de Família Brasileiro há alguns anos diz respeito à possibilidade jurídica, ou não, de elaboração de uma escritura pública de união poliafetiva. Mais do que isso, tem-se analisado a sua concreção negocial, nos planos da validade e da eficácia.
O debate teve início em 2012, quando a então Tabeliã da cidade de Tupã, interior de São Paulo, Cláudia do Nascimento Domingues, elaborou o primeiro ato documental nesse sentido. Conforme se extrai do site do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), é fundamental o seguinte trecho do documento, assinado por um homem e duas mulheres: “Os declarantes, diante da lacuna legal no reconhecimento desse modelo de união afetiva múltipla e simultânea, intentam estabelecer as regras para garantia de seus direitos e deveres, pretendendo vê-las reconhecidas e respeitadas social, econômica e juridicamente, em caso de questionamentos ou litígios surgidos entre si ou com terceiros, tendo por base os princípios constitucionais da liberdade, dignidade e igualdade”.
No ano de 2015, também foi noticiada a elaboração de escritura pública similar, pelo 15º Ofício de Notas do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, sendo responsável pela sua lavratura a Tabeliã Fernanda Leitão. O caso é diferente por envolver três mulheres, em união homopoliafetiva, com elaboração de testamentos entre elas e de diretivas antecipadas de vontade, que dizem respeito a tratamentos médicos em caso de se encontrarem com doença terminal e na impossibilidade de manifestarem vontade.
Pois bem, ao contrário do que defendem alguns juristas, não parece haver nulidade absoluta no ato, por suposta ilicitude do objeto (art. 166, inc. II, do CC/2002). Pensamos que a questão não se resolve nesse plano do negócio jurídico, mas na sua eficácia. Em outras palavras, o ato é válido, por apenas representar uma declaração de vontade hígida e sem vícios dos envolvidos, não havendo também qualquer problema no seu objeto. Todavia, pode ele gerar ou não efeitos, o que depende das circunstâncias fáticas e da análise ou não de seu teor pelo Poder Judiciário ou outro órgão competente.
No que diz respeito ao objeto do negócio em estudo, como tenho exposto em aulas e escritos, a monogamia não está expressa na legislação como princípio da união estável, mas apenas do casamento, eis que o Código Civil enuncia que não podem casar as pessoas casadas, sob pena de nulidade do casamento (arts. 1.521, VI, e 1.548). Em relação à união estável, muito ao contrário, admite-se até que a pessoa casada tenha um vínculo de convivência, desde que esteja separada judicialmente, extrajudicialmente ou de fato (art. 1.723, § 1º, do CC/2002, em leitura atualizada), o que denota um tratamento diferenciado a respeito da liberdade de constituição das duas entidades familiares.
Quanto aos deveres do casamento, é cediço ser a fidelidade o primeiro deles (art. 1.566, I, do CC/2002). Por seu turno, em relação à união estável, o art. 1.724 do Código Civil não deixa dúvidas, ao estabelecer que “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos”. Pelo senso comum, a lealdade engloba a fidelidade. Mas não necessariamente, pois é possível que alguém seja leal sem ser fiel. Imagine-se, nesse contexto, um relacionamento de maior liberdade entre os companheiros, em que ambos informam previamente que há a possibilidade de quebra de fidelidade, e que aceitam tais condutas.
Voltando ao cerne do objeto da escritura pública de união poliafetiva, por todos esses argumentos, não haveria na sua elaboração afronta à ordem pública ou prejuízo a qualquer um que seja, a justificar a presença de um ilícito nulificante. Não há que se falar, ainda, em dano social, pois esse pressupõe uma conduta socialmente reprovável, o que não é o caso. O reconhecimento de um afeto espontâneo entre duas ou mais pessoas não é situação de dano à coletividade, mas muito ao contrário, de reafirmação de transparência e solidariedade entre as partes.
Assim, com o devido respeito, não parecer ter justificativa jurídica plausível a recomendação feita pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, em abril de 2016, no sentido de que as serventias extrajudiciais não realizem atos semelhantes. Nota-se que os textos das escrituras elaboradas são sutis e não impositivos, de mera valorização de um relacionamento que já existe no mundo dos fatos, podendo gerar ou não efeitos jurídicos, o que depende da análise do pedido e das circunstâncias fáticas, reafirme-se.  
Penso que o futuro reserva uma forma ainda mais nova de pensar as famílias, e que, em breve, serão admitidos juridicamente os relacionamentos plúrimos, seja a concomitância de mais de uma união estável, seja a presença desta em comum com o casamento. Acredito que o futuro, além dos modelos tradicionais, também é das famílias paralelas – com mais de um vínculo familiar, entre pessoas distintas, uma ou mais delas comum aos relacionamentos –, e das famílias poliafetivas – com um vínculo único, entre mais de duas pessoas. Se a família é plural, os vínculos plúrimos podem ser opções oferecidas pelo sistema jurídico ao exercício da autonomia privada, para quem desejar tal forma de constituição.
Como palavras finais, cabe observar que, caso não seja possível o reconhecimento da validade dessas escrituras pelo Direito de Família, o caminho do Direito Contratual – por contratos de sociedade de participação, por promessas de doação e de alimentos, por plano de saúde e de previdência privada e outros negócios jurídicos patrimoniais –, pode indicar a solução. Se entraves morais - e até jurídicos -, vedam o reconhecimento da escritura de união poliafetiva pelo Direito de Família, o mundo dos contratos pode perfeitamente aceitar o teor que ali se pretende expressar. Em vez de um ato só, a solução jurídica para casos como os relatados no início do texto estará em várias minutas.
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[1] Coluna do Migalhas do mês de abril de 2017.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico. 
 
Da extrajudicialização da parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade
Autor: Flávio Tartuce | Data de publicação: 29/03/2017
No último dia 15 de março de 2017, o Corregedor-Geral de Justiça e Ministro do STJ João Otávio de Noronha manifestou-se sobre pedido de providências formulado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, solicitando a regulamentação, junto aos Cartórios de Registro Civil, do registro extrajudicial da parentalidade socioafetiva (pedido de providências n. 0002653-77.2015.2.00.0000, em curso perante o Conselho Nacional de Justiça).
De acordo com a petição do IBDFAM, embora ainda não exista regramento legal sobre o tema, já há o pleno reconhecimento jurídico da parentalidade socioafetiva, tendo alguns Estados – caso do Amazonas, Ceará, Pernambuco e Santa Catarina –, regulamentado a questão por meio de provimentos de seus Tribunais de Justiça, que admitem o reconhecimento do vínculo socioafetivo diretamente no Cartório de Registro Civil, sem a necessidade de umaprévia ação judicial para tanto.
Após a manifestação das Corregedorias Estaduais e da Associação Nacional dos Registradores Civis, o Ministro Corregedor, em boa hora, determinou a formação de grupo de trabalho, para que seja elaborada norma administrativa sobre o tema. Nos termos do trecho final de sua decisão, “a filiação decorrente de vínculo exclusivamente socioafetivo é questão que encontra amparo na Constituição Federal, no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A jurisprudência dos Tribunais estaduais e superiores já admite como uma realidade a possibilidade de registro da paternidade socioafetiva. Por sua vez, a existência de diversos provimentos editados pelos Tribunais de Justiça dos estados da federação, sem a respectiva orientação geral por parte dessa Corregedoria Nacional de Justiça, pode suscitar dúvidas e ameaçar a segurança jurídica dos atos de reconhecimento de paternidade registrados perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais”. Assim, concluiu que “impõe-se, portanto, a edição de Provimento com vistas a esclarecer e orientar a execução dos serviços extrajudiciais sobre a matéria discutida nestes autos. No entanto, tendo sido instituído por esta Corregedoria Nacional de Justiça grupo de trabalho para o fim de elaboração de normativa mínima aos serviços de notas, protesto e registros públicos (Portarias n. 66, de 26 de novembro de 2014 e n. 65, de 21 de novembro de 2014) – deve a matéria ora analisada ser submetida a sua apreciação da comissão para eventual inclusão da sugestão objeto do presente pedido de providências dentre os temas que deverão ser regulamentados após as conclusões dos trabalhos da aludida equipe. Ante o exposto, encaminhe-se cópia da presente decisão ao grupo de trabalho para que, sendo possível, inclua a proposta provimento para regulamentar o registro civil voluntário da paternidade socioafetiva perante os Oficiais de Registro Civil de Pessoas Naturais na normativa mínima. Determino a suspensão do presente expediente pelo prazo de 90 (noventa) dias. Transcorrido o prazo, voltem conclusos. Cumpra-se”.
Eis aqui um passo determinante para a extrajudicialização do Direito de Família, salutar caminho já tratado por mim neste canal. Como antes destaquei, o Novo Código de Processo Civil, em vigor no País desde o dia 18 de março de 2016, tem como um dos seus nortes principiológicos a desjudicialização dos conflitos e contendas. Entre as suas normas fundamentais, preceitua o Estatuto Processual emergente que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art. 3º, § 2º). Além disso, enuncia-se que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (art. 3º, § 3º, do CPC/2015).
O Ministro Noronha cita, para a urgente necessidade de se elaborar o provimento geral, toda a evolução doutrinária e jurisprudencial no reconhecimento da parentalidade socioafetiva. Como é cediço, a tese remonta ao brilhante artigo de João Baptista Villela, então Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, escrito em 1979, tratando da desbiologização da paternidade. Na essência, o trabalho procura afirmar a premissa segundo a qual vínculo familiar constitui mais um vínculo de afeto do que um vínculo biológico. As palavras do jurista merecem destaque: “a paternidade em si mesma não é um fato da natureza, mas um fato cultural. Embora a coabitação sexual, da qual pode resultar gravidez, seja fonte de responsabilidade civil, a paternidade, enquanto tal, só nasce de uma decisão espontânea. Tanto no registro histórico como no tendencial, a paternidade reside antes no serviço e no amor que na procriação. As transformações mais recentes por que passou a família, deixando de ser unidade de caráter econômico, social e religioso, para se afirmar fundamentalmente como grupo de afetividade e companheirismo, imprimiram considerável esforço ao esvaziamento biológico da paternidade. Na adoção, pelo seu caráter afetivo, tem-se a prefigura da paternidade do futuro, que radica essencialmente a ideia de liberdade” (VILLELA, João Baptista. Desbiologização da paternidade. Separada da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, ano XXVII, n. 21 (nova fase), maio 1979).
A premissa afirmada é confirmação de um antigo dito popular, emanado da expressão pai é quem cria. Representa clara valorização do afeto como valor jurídico, no sentido de interação entre as pessoas. Na doutrina nacional, o tema é muito bem tratado, entre outros, por Luiz Edson Fachin, Zeno Veloso, Giselda Hironaka, Paulo Luiz Netto Lôbo, Maria Berenice Dias, Rodrigo da Cunha Pereira, Álvaro Villaça Azevedo, Maria Helena Diniz, José Fernando Simão, Giselle Groeninga, Silvio de Salvo Venosa, Carlos Roberto Gonçalves, Pablo Stolze Gagliano, Rodolfo Pamplona Filho, Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Ricardo Calderón.  
Nas tão prestigiadas Jornadas de Direito Civil – citadas na decisão –, foram elaborados enunciados doutrinários que reconhecem a parentalidade socioafetiva como forma de parentesco civil, preenchendo o termo “outra origem”, que consta do art. 1.593 do Código Civil Brasileiro. Conforme o Enunciado 103 da I Jornada de Direito Civil (2002), “o Código Civil reconhece, no art. 1.593, outras espécies de parentesco civil além daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco civil no vínculo parental proveniente quer das técnicas de reprodução assistida heteróloga relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer da paternidade socioafetiva, fundada na posse do estado de filho”. Nos termos do Enunciado 108, do mesmo evento, “no fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603, compreende-se à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consanguínea e também socioafetiva”. Para não se deixar dúvida sobre a existência de parentesco civil em casos tais, o Enunciado 256 da III Jornada (2004), preceitua que “a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”. Por fim, o Enunciado 339 da IV Jornada (2006), afastando a possibilidade de rompimento do reconhecimento espontâneo da parentalidade – a denominada adoção à brasileira –, preceitua: “a paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho”.
No âmbito da jurisprudência, o Ministro Noronha cita vários precedentes do Superior Tribunal de Justiça, de reconhecimento de efeitos da parentalidade socioafetiva, especialmente na linha do último enunciado doutrinário. Destaca, ainda, o julgado do Supremo Tribunal Federal de setembro de 2016, em repercussão geral, que firmou a seguinte tese sobre o assunto: “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”; O último precedente, como tenho destacado, além de colocar a filiação socioafetiva em posição de igualdade frente à filiação biológica, reconheceu amplamente efeitos jurídicos à multiparentalidade, com a possibilidade de vínculos múltiplos, o que também deve ser abrangido pela norma administrativa a ser elaborada.
Diante dessa realidade, indagou e respondeu o Ministro Corregedor: “se a omissão do dever de cuidado é repelida pelo Poder Judiciário e pelo Legislador, porque as relações entre aquele pai que cuida e que exerce de fato a parentalidade, de forma voluntária, não pode ser reconhecida juridicamente pelo sistema? O Poder Judiciário, mais uma vez, não se esquivou da realidade e nem do novo. Definiu que o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana exige que sejam reconhecidos outros modelos familiares diversos da concepção original, acolhendo o vínculo baseado na relação afetiva e no estado de posse de pai efilho. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (Informativo de Jurisprudência n. 840) já decidiu que ‘o espectro legal deve acolher tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos quanto aqueles originados da ascendência biológica, por imposição do princípio da paternidade responsável, enunciado expressamente no art. 226, § 7º, CF (...)” (RE 898060/SC, rel. Ministro Luiz Fux, julgamento em 21 e 22-9-2016)”. De fato, é o momento de se dar uma nota final a essa bela canção, concretizando a possibilidade não só do reconhecimento da parentalidade socioafetiva, como também da multiparentalidade perante os Cartórios de Registro Civil.
Ao final, a decisão acaba por fixar alguns parâmetros que devem ser seguidos pelo grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça. O primeiro deles é que o reconhecimento da paternidade socioafetiva perante o Cartório de Registro Civil requer a submissão a certos requisitos formais. Deve-se exigir mais do que a mera comprovação do estado de posse de filho e da vontade livre e desimpedida daquele que se declara pai ou mãe. O Oficial deve estar atento para a situação fática dos envolvidos, conforma aponta o Ministro Noronha. De acordo com suas palavras, “estranho seria, por exemplo, se o Oficial de Registro Civil e de Pessoas Naturais fosse instado a proceder ao reconhecimento da paternidade socioafetiva de pai menor de idade ou que não possui uma diferença razoável de idade com o filho que pretende acolher como seu ou de irmão em relação a outro. O reconhecimento da paternidade socioafetiva sem que sejam atendidos certos requisitos formais também poderia abrir a possibilidade de que se regularizassem fraudes, sequestros, comércio de crianças (‘adoção pronta’, em especial de crianças de tenra idade), além de concretizar a burla ao cadastro nacional de adoção”.
Nesse contexto, destaca o julgador a possibilidade de se aplicar analogicamente algumas regras existentes para a adoção – apesar de os institutos não se confundirem –, tais como a idade mínima de 18 anos daquele que reconhece o filho socioafetivo, a vedação de reconhecimento por ascendentes e irmãos do reconhecido, a diferença mínima de 16 anos entre as partes envolvidas e o consentimento da mãe e do filho maior de doze anos, o que penso ser dispensável no caso de o reconhecido ser maior de idade. Um outro requisito a ser considerado é que, em caso de falecimento ou circunstância especial que impeça o expresso consentimento da mãe ou do filho, o procedimento deverá seguir o trâmite judicial. Por fim, seria necessária a demonstração inequívoca da existência de relação de pai (ou mãe) e filho, com base na afetividade.
Como se percebe, algumas balizas importantes foram apontadas para que essa urgente norma administrativa seja elaborada, pondo fim a um anseio teórico e prático que já existe há muito tempo. Espero, assim, que até o final deste ano de 2017 a extrajudicialização, não só da parentalidade socioafetiva como também na multiparentalidade, seja finalmente efetivada em nosso País.
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[1] Coluna do Informativo Migalhas do mês de março de 2017.
[2] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo. Professor e Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da Escola Paulista de Direito. Professor da Rede LFG e do Curso CPJUR. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico.
 
Os quinze anos do código civil brasileiro e as relações familiares na contemporaneidade
Autor: Flávio Tartuce | Data de publicação: 26/01/2017
O vigente Código Civil completou, no último dia 10 de janeiro, quinze anos de promulgação, ou seja, debutou-se no plano jurídico e social brasileiro. Entre avanços e retrocessos, a realidade é que tanto o livro de Direito de Família quanto o de Direito das Sucessões sempre foram os mais criticados da nossa Lei Geral Privada. Tanto isso é verdade que, em todo o seu período de vigência, numerosas foram as alterações promovidas tanto no plano legislativo quanto no jurisprudencial.
No âmbito da legislação do Direito de Família, cabe destacar, brevemente e em resumo: a) a Lei n. 11.441/2007, que tratou da separação, do divórcio e do inventário extrajudiciais, por escritura pública, desjudicializando-os; b) as Leis n. 11.698/2008 e n. 13.058/2014, que regularam e introduziram a obrigatoriedade da guarda compartilhada – ou alternada, ainda não se sabe ao certo –, além da possibilidade da ação de prestação de contas de alimentos, nos arts. 1.583 e 1.584 do CC/2002; c) a Lei n. 12.010/2009, que modificou sobremaneira o sistema de adoção – ainda que de forma insuficiente –, concentrando-o no Estatuto da Criança e do Adolescente, e excluindo-o da codificação privada; d) a Emenda do Divórcio (EC 66/2010), que retirou os prazos mínimos para o divórcio e iniciou um debate ainda não concluído quanto ao fim da separação de direito (incluindo a separação judicial e a extrajudicial); e) o Estatuto da Pessoa com Deficiência, norma regulamentadora da Convenção de Nova Iorque, que alterou substancialmente a teoria das incapacidades e a situação da pessoa com deficiência, incluindo-a plenamente para os atos existenciais familiares e substituindo o paradigma da dignidade-vulnerabilidade pela dignidade-igualdade; e f) Novo Código de Processo Civil que, entre outras normas, tratou das Ações de Família, (pouco) alterou o regime dos alimentos, reafirmou de forma inconstitucional a separação de direito e atropelou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, em alguns dos seus aspectos.
Na jurisprudência superior, seja do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, é imperioso destacar, nos últimos quinze anos: a) o reconhecimento do afeto como valor jurídico e como princípio do Direito de Família Brasileiro, em vários julgados, inclusive em alguns a seguir mencionados; b) o amparo da união homoafetiva como entidade familiar, equiparada à união estável heteroafetiva (ADPF 132/RJ, julgada pelo STF em 2010); c) a admissão do casamento homoafetivo, como decorrência da decisão anterior, o que acabou por influenciar todos os Tribunais Estaduais e o Conselho Nacional de Justiça (por todos: STJ, REsp. 1.183.378/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, de outubro de 2011); d) o amparo ao direito de indenização por abandono afetivo (STJ, REsp. 1.159.242/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, de abril de 2012); e) o amplo reconhecimento da parentalidade socioafetiva como forma de parentesco civil, o que culminou com o julgamento do STF sobre o tema, com repercussão geral, admitindo-se até o duplo vínculo parental ou multiparentalidade (publicado no Informativo n. 840 da Corte, de setembro de 2016); f) a equiparação sucessória da união estável ao casamento, o que deve trazer a mesma conclusão para os fins familiares (julgamento iniciado pelo STF em agosto de 2016, já com sete votos).
Como se pode perceber, seja pela lei, seja pela jurisprudência – sem falar na doutrina, que geralmente está anos à frente de ambas, especialmente no âmbito do Direito de Família –, o caminho foi atribulado, instável, sem muita certeza ou perpetuidade. Em verdade, esta seara do Direito Privado é assim, mutável por natureza, pelas constantes mudanças dos costumes e do modo de vida das pessoas. Talvez por isso seria interessante descodificar o tema e inseri-lo em um Estatuto próprio, como quer o IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Aliás, muitas das alterações aqui mencionadas tiveram a contribuição, direta ou indireta, dessa instituição. Como sempre afirma Zeno Veloso, em suas brilhantes aulas e palestras, existem dois “Direitos de Família no Brasil, um antes e outro depois do IBDFAM”.
E como será o futuro? Como serão os próximos quinze anos? Penso que de mais e mais mudanças, estruturais e funcionais. Como escrevi neste canal, 2016 foi o ano da afetividadeno plano da jurisprudência superior. E já neste início de 2017, chamou muita a atenção e gerou debates o interessante texto de José Fernando Simão, em que trata juridicamente do “Sugar Daddy”, da “Sugar Baby” e do site Meu Patrocínio. Como destaca o jurista, “Sugar – açúcar em inglês – e daddy – papai — são duas palavras que, somadas, indicam que o homem, mais velho e, por isso, papai, se dispõe a ‘bancar’ mulher mais jovem. Não se trata de um site de prostituição em que homens, após manutenção de relação sexual, pagam pelos serviços prestados. É uma relação em que o homem mais velho tem prazer em se relacionar com mulher mais jovem que gosta de ser mimada, ganhar presentes, viajar, comer em bons restaurantes, sair para lugares chiques. Já o homem mais velho, normalmente em uma fase da vida pela qual poucas mulheres mais jovens sentem atração, paga para ela e proporciona alguns luxos, prazeres que a ela estariam negados em razão do custo” (ver em http://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/417619840/sugar-daddy-e-sugar-baby-transparencia-nas-relacoes-afetivas-parte-1).
Ainda segundo Simão, tal relacionamento demonstra a transparência das relações contemporâneas, pois as partes já sabem de antemão como este se dará: “transparência significa que as partes não ocultam seus interesses. Ela não quer uma relação amorosa, nem ele. São pessoas que buscam companhia e convívio com regras bem claras: ‘Tudo é combinado, sem mal-entendidos’”. Para ele, em continuidade, dois aspectos da pós-modernidade são claros nessas relações.
O primeiro deles é que muitas pessoas buscam diversas formas de prazer, além dos modelos tradicionais: “não é necessário buscar o prazer apenas no sexo, apenas no namoro, apenas no casamento, apenas nas viagens, apenas nos restaurantes e nos presentes”. O segundo aspecto diz respeito aos novos arranjos afetivos, a busca de novos modelos de agrupamento. Nesse contexto, concordo com ele que “o modelo construído para os relacionamentos heterossexuais e copiados pelas famílias homoafetivas de casamento ou união estável é um modelo decadente e em franca mudança”.
Não se pode negar que é natural o pleito jurídico de que os modelos de afeto passem a ser reconhecidos como modelos de família. Foi assim com os filhos havidos fora do casamento, com as famílias reconstituídas, com as uniões homoafetivas e com os filhos socioafetivos. O pleito atual diz respeito às famílias poliafetivas, questão que deve ser julgada em breve no âmbito do Supremo Tribunal Federal, como tenho pontuado.
Eventualmente, os relacionamentos com açúcar podem gerar efeitos familiares, especialmente se algum filho nascer da relação. Como decidiu o Superior Tribunal de Justiça, em outra decisão de impacto, o ficar pode gerar efeitos jurídicos. Nos termos da sua ementa, “a recusa do investigado em se submeter ao teste de DNA implica a inversão do ônus da prova e consequente presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor. Verificada a recusa, o reconhecimento da paternidade decorrerá de outras provas, estas suficientes a demonstrar ou a existência de relacionamento amoroso à época da concepção ou, ao menos, a existência de relacionamento casual, hábito hodierno que parte do simples 'ficar', relação fugaz, de apenas um encontro, mas que pode garantir a concepção, dada a forte dissolução que opera entre o envolvimento amoroso e o contato sexual” (REsp. 557.365/RO, Relatora Ministra Nancy Andrighi, julgado em abril de 2005).
Por tudo isso, e por outros afetos, o futuro nos reserva muitos debates, muitos desafios, sendo necessário, por certo, fazer novas adaptações no Código Civil Brasileiro nos próximos quinze anos.
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[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e Coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Professor da Rede LFG. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico. 
2016: O ano da afetividade na jurisprudência superior brasileira
Autor: Flávio Tartuce | Data de publicação: 18/12/2016
  
Não há dúvida de que 2016 foi o ano da afetividade na jurisprudência superior brasileira. Nunca esteve ela tão em voga; nunca foi a ideia tão aplicada pelos nossos Tribunais Superiores, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal. No plano da nossa Corte Máxima, dois julgados são decisivos para essas afirmações, com influência para todos os Tribunais Nacionais.  
Como primeiro deles, conforme aqui antes expusemos, em 31 de agosto de 2015, o STF iniciou o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, que trata dos direitos sucessórios do companheiro (STF, Recurso Extraordinário n. 878.694/MG).  Sete Ministros da Corte alinharam-se à tese do Relator, que tem o seguinte texto: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002”. O Ministro Toffoli pediu vista, o que não nos impede de afirmar que a questão está praticamente consolidada, para os devidos fins de repercussão geral. É uma questão de tempo o julgamento final que, para se tutelar a certeza e a segurança das relações civis, deve ser encerrado o mais rápido possível; reitere-se e clama-se.
Pois bem, o Ministro Relator nesse julgamento construiu o seu voto, entre outras premissas, destacando a importância da afetividade como valor jurídico do nosso sistema. Conforme as palavras do Ministro Barroso, “se o Estado tem como principal meta a promoção de uma vida digna a todos os indivíduos, e se, para isso, depende da participação da família na formação de seus membros, é lógico concluir que existe um dever estatal de proteger não apenas as famílias constituídas pelo casamento, mas qualquer entidade familiar que seja apta a contribuir para o desenvolvimento de seus integrantes, pelo amor, pelo afeto e pela vontade de viver junto. Não por outro motivo, a Carta de 1988 expandiu a concepção jurídica de família, reconhecendo expressamente a união estável e a família monoparental como entidades familiares que merecem igual proteção do Estado. Pelas mesmas razões, esta Corte reconheceu que tal dever de proteção estende-se ainda às uniões homoafetivas, a despeito da omissão no texto constitucional” (com destaque).
A segunda decisão que merece relevo, igualmente do Supremo Tribunal Federal, acabou por firmar a seguinte tese no julgamento da repercussão geral sobre a paternidade socioafetiva: “a paternidade socioafetiva declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseada na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (publicada no Informativo n. 840 do STF). Em resumo, destaco que a ementa final proposta pelo Ministro Luiz Fux teve o apoio dos Ministros Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia (oito votos). Foi vencido, em parte, o Ministro Toffoli, que propunha outra afirmação, no sentido de que o reconhecimento posterior do parentesco biológico não invalidaria, necessariamente, o registro do parentesco socioafetivo; admitindo-se, nesses casos, o registro concomitante da dupla paternidade, inclusive para fins sucessórios. Também foi vencido o Ministro Marco Aurélio, que se posicionou contra o registro concomitante.
Apesar da crítica de alguns juristas, vemos a afirmação de resumo sobre a parentalidade socioafetiva como um grande avanço, como bem salientado pelo Professor Ricardo Calderón, que sustentou oralmente no feito, representando o Instituto Brasileiro de Direito de Família como amicus curiae.  Aliás, pontue-se que o Professor Calderón escreveu um dos melhores trabalhos acadêmicos que constroem a afetividade como valor e princípio do Direito de Família brasileiro (O princípio da afetividade no Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 2013).Três aspectos desse último acórdão merecem ser elogiados. O primeiro deles é justamente o reconhecimento, por vários ministros, de que a afetividade tem valor jurídico, sendo princípio inerente e imanente à ordem civil-constitucional brasileira. Nessa esteira, merece destaque trecho do voto do Ministro Luiz Fux, citando Fachin: “Se o conceito de família não pode ser reduzido a modelos padronizados, nem é lícita a hierarquização entre as diversas formas de filiação, afigura-se necessário contemplar sob o âmbito jurídico todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais (como a fecundação artificial homóloga ou a inseminação artificial heteróloga – art. 1.597, III a V do Código Civil de 2002); (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pela afetividade. O Código Civil de 2002 promoveu alguns passos à frente nessa concepção cosmopolita do Direito de Família. Conforme observa o Ministro Luiz Edson Fachin, o diploma inovou ao reconhecer o direito fundamental à paternidade, independentemente do estado civil dos pais; a possibilidade de declaração de paternidade sem que haja ascendência genética; o reconhecimento de filho extramatrimonial; a igualdade material entre os filhos; a presunção de paternidade na fecundação artificial, seja ela homóloga ou heteróloga; e a abertura de espaço jurídico para a construção do conceito de paternidade socioafetiva”.
O segundo aspecto a ser destacado é que o julgamento consolidou a parentalidade socioafetiva como forma de parentesco civil, nos termos do art. 1.593 do CC/2002 e do que se retira do último trecho destacado. Assim, está em situação de igualdade com a paternidade biológica. Ademais, não há hierarquia entre uma ou outra modalidade de filiação, o que representa um razoável e correto equilíbrio.
O terceiro e último aspecto de destaque do decisum diz respeito à mutiparentalidade, pois a possibilidade de múltiplos vínculos de filiação passou a ser admitida pelo Direito Brasileiro, mesmo contra a vontade do pai biológico ou do pai socioafetivo. Ficou claro, pelo julgamento, que o reconhecimento do vínculo concomitante é para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios. Teremos, assim, grandes desafios com essa premissa, mas é tarefa da doutrina, da jurisprudência e dos aplicadores do Direito resolver os problemas que surgirem, de acordo com os casos concretos que se sucedem.
Nota-se que tal decisão do STF supera posição anterior do STJ, manifestada ao final de 2015, no sentido de não ser possível a imposição da multiparentalidade, contra a vontade dos envolvidos. Conforme consta da publicação da ementa do julgado que assim considerou o tema, “cinge-se a controvérsia a verificar a possibilidade de registro de dupla paternidade, requerido unicamente pelo Ministério Público estadual, na certidão de nascimento do menor para assegurar direito futuro de escolha do infante. Esta Corte tem entendimento no sentido de ser possível o duplo registro na certidão de nascimento do filho nos casos de adoção por homoafetivos. Precedente. Infere-se dos autos que o pai socioafetivo não tem interesse em figurar também na certidão de nascimento da criança. Ele poderá, a qualquer tempo, dispor do seu patrimônio, na forma da lei, por testamento ou doação em favor do menor. Não se justifica o pedido do Parquet para registro de dupla paternidade quando não demonstrado prejuízo evidente ao interesse do menor” (STJ, REsp 1.333.086/RO, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 06.10.2015, DJe 15.10.2015).
Entendemos que essa posição anterior do Tribunal da Cidadania está superada pelo julgamento do STF de setembro de 2016. Resta claro, pela tese da repercussão geral e pelo voto do Ministro Fux, que é possível reconhecer o duplo vínculo parental mesmo contra a vontade das partes envolvidas. Sem dúvida, há um novo paradigma para a matéria, baseado na afetividade, o que deve influenciar todas as decisões judiciais que surgirem. Vejamos como a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se comportará a partir de agora sobre a temática. Passos importantes foram dados.
De toda sorte, não se pode negar que a decisão do STF também gerou problemas. Dentre esses, destacamos a questão levantada por alguns juristas a respeito da possibilidade de demandas frívolas, buscando puramente o patrimônio, contra pais biológicos. Tal medida passa a ser juridicamente possível, sob o argumento de que a paternidade, inclusive a biológica, não pode ser irresponsável. Tal aspecto foi bem destacado pelo Ministro Gilmar Mendes em seu voto, que apontou a existência de um argumento cínico de afastamento do vínculo parental, em hipóteses tais.
Também nos preocupa a aplicação da tese para a reprodução assistida heteróloga, o que poderá fazer com que ela se torne inviável, pelo temor de os doadores de material genético ter o vínculo de parentalidade reconhecido. Vale lembrar que o Provimento n. 52 do CNJ quebrou o sigilo relativo aos doadores do material genético na reprodução assistida. Nesse sentido, o seu art. 2º enuncia que é indispensável, para fins de registro e da emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos: a) declaração de nascido vivo – DNV; b) declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando a técnica adotada, o nome do doador ou da doadora, com registro de seus dados clínicos de caráter geral e características fenotípicas, assim como o nome dos seus beneficiários; e c) certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal. Com o surgimento da decisão do STF, pensamos ser necessário cancelar tal previsão do Provimento n. 52 do CNJ, e outras que igualmente quebram o sigilo dos doadores do material genético.
De todo modo, como palavras finais, todos esses debates e todas essas intrincadas questões demonstram que, de fato, o afeto foi o grande protagonista do ano de 2016 em sede de Direito de Família no Brasil. No próximo ano, este papel deve continuar a ser desempenhado e até incrementado, pois o STF deve julgar, entre outros temas, a possibilidade de reconhecimento de vínculos conjugais e convivenciais concomitantes, também em sede de repercussão geral (ARE 656.298). Quem viver, verá! Um Grande Natal a todos e um 2017 de muita saúde, afeto, sucesso e felicidade!
Flávio Tartuce[1]
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[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Professor da Rede LFG. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Advogado em São Paulo, parecerista e consultor jurídico. 
 
Penhora do bem de família de alto valor: impossibilidade
Autor: Flávio Tartuce | Data de publicação: 04/01/2017
Debate com André Barros. Jornal Carta Forense. Edição de Janeiro de 2017. Matéria de capa. Penhora de bem de família de alto valor.
Penhora do bem de família de alto valor: impossibilidade
Flávio Tartuce. Advogado. Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUCSP. Professor titular permanente do programa de mestrado e doutorado da FADISP. Professor e coordenador dos cursos de pós-graduação lato sensu da EPD. Professor da Rede LFG. Diretor do IBDFAM – Nacional e vice-presidente do IBDFAM/SP. Autor do Grupo GEN Editorial.
O bem de família é um dos temas mais controvertidos do Direito brasileiro, trazendo debates interessantes sobre a interpretação da Lei n. 8.009/1990. Uma dessas questões de discussão jurídica diz respeito à existência ou não de um teto para o valor do imóvel que deve ser considerado como impenhorável, por força do art. 1º da citada norma jurídica.  
 Com o devido respeito ao posicionamento em contrário,parece-nos correta a conclusão que não estabelece limite de valor para o bem de família. Pensamos que essa afirmação deve ser mantida na vigência do Código de Processo Civil de 2015, a despeito de eventual posicionamento em contrário, que pretende levar em conta algum parâmetro. Nessa linha de pensamento, colaciona-se acórdão anterior do Superior Tribunal de Justiça, assim publicado no seu Informativo 441: “Penhora. Bem de Família. Valor Vultoso. Na espécie, o mérito da controvérsia é saber se o imóvel levado à constrição situado em bairro nobre de capital e com valor elevado pode ser considerado bem de família para efeito da proteção legal de impenhorabilidade, caso em que não há precedente específico sobre o tema no STJ. Ressalta o Min. Relator que, nos autos, é incontroverso o fato de o executado não dispor de outros bens capazes de garantir a execução e que a Lei n. 8.009/1990 não distingue entre imóvel valioso ou não, para efeito da proteção legal da moradia. Logo o fato de ser valioso o imóvel não retira sua condição de bem de família impenhorável. Com esse entendimento, a Turma conheceu em parte do recurso e lhe deu provimento para restabelecer a sentença. Precedentes citados do STF: RE 407.688-8-SP, DJ 06.10.2006; do STJ: REsp 1.024.394-RS, DJe 14.03.2008; REsp 831.811-SP, DJe 05.08.2008; AgRg no Ag 426.422-PR,  DJe 12.11.2009; REsp 1.087.727-GO, DJe 16.11.2009, e REsp 1.114.719-SP, DJe 29.06.2009” (STJ, REsp. 715.259/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 05.08.2010).
Interessante perceber que o próprio Relator do último acórdão, o Ministro Luis Felipe Salomão, propôs, em setembro de 2016, uma revisão daquela posição anterior, quando do julgamento do Recurso Especial 1.351.571/SP. Segundo o magistrado, “o princípio da isonomia se vê afrontado por situação que privilegia determinado sujeito sem a correspondente razão que justifica esse privilégio. A questão exige muito mais que a simples interpretação literal da norma legal”. E mais, de acordo com as suas palavras: “a proposta é de afastamento da absoluta impenhorabilidade, e da possibilidade de ser afastada diante do caso concreto e da ponderação dos direitos em jogo. Não a imposição de nova sistemática. Se o objetivo da lei é garantir a dignidade humana e direito à moradia, acaso deferida, os bens jurídicos manterão incólumes. Ela continua morando em local com dignidade, superior à média”.
Apesar dos louváveis argumentos do Ministro Relator, a Quarta Turma do Tribunal da Cidadania acabou por confirmar a posição anterior, tendo se posicionado pela manutenção da impenhorabilidade do bem de família de alto valor os Ministros Marcos Buzzi – com voto prevalecente –, Maria Isabel Gallotti, Raul Araújo e Antonio Carlos Ferreira.
Como o devido respeito ao Ministro Salomão – com quem compartilhamos diversas posições sobre o Direito Privado Brasileiro –, aqui ficamos com a maioria dos julgadores.  As indagações e ponderações do voto-vista do Ministro Buzzi demonstram todas as dificuldades que surgem da tentativa de limitação de um montante fixo para o imóvel protegido pelo manto da impenhorabilidade: “o que é considerado bem de alto valor? Qual o patamar monetário a ser utilizado? O valor venal do imóvel, a quantia estipulada pelo mercado imobiliário, o critério pessoal do credor ou do julgador? Certamente, não fosse o tema tão intrigante e com inúmeros vetores econômicos, sociais, desenvolvimentistas, já se teria estipulado, inclusive, o imposto sobre grandes fortunas, porém nesse campo as indagações são as mesmas: o que é considerado grande fortuna? Qual o patamar monetário a ser considerado? etc. Como é sabido, o Brasil é um país continental, para cada região e localidade os critérios e padrões afetos tanto a valores necessários para a sobrevivência digna do ser humano como aqueles referentes ao mercado imobiliário são absolutamente diversos. Tanto o é que, na hipótese, o próprio credor afirma gravitar o valor de avaliação do imóvel entre R$ 470.000,00 e R$ 1.200.000,00, ou seja, uma diferença monetária subjetiva de mais de 250 por cento (2 vezes e meia), a denotar a total ausência de critério minimante objetivo para a aferição da grandeza imobiliária, bem ainda do que se compreende por alto valor” (julgamento do Recurso Especial 1.351.571/SP).  
De fato, na linha desse voto e dos outros que seguiram, pensamos que o parâmetro para a fixação do que seja bem de alto valor deve ser fixado pelo legislador, e não pelo julgador. Em complemento, tal limitação deve ser inserida de forma expressa no art. 3º da Lei n. 8.009/1990, norma que estabelece taxativamente as exceções à impenhorabilidade do imóvel destinado à residência da entidade familiar.  Não se olvide, na linha do que reconheceu o Ministro Buzzi, que o STJ tem dado uma interpretação extensiva para a tutela do bem de família, como o fez ao editar a sua Súmula 364, que reconhece a impenhorabilidade do imóvel onde reside pessoa solteira, separada ou viúva. Eventual limitação de valor pelo Tribunal está na contramão dessa posição superior, representando um contrassenso em relação a outras teses da própria Corte.
Como palavras finais, não se pode negar que o Novo Código de Processo Civil traz quebras quanto às proteções pela impenhorabilidade. Tanto isso é verdade que o seu art. 833 passou a elencar os bens impenhoráveis e não mais absolutamente impenhoráveis, como constava do art. 649 do CPC/1973, seu correspondente. Houve, nessa mudança, um claro sentido de abrandamento. Além disso, a própria norma processual emergente reconhece a possibilidade de penhora de pensões, salários e rendimentos em montantes superiores a cinquenta salários mínimos (art. 833, § 2º). Todavia, no que diz respeito ao bem de família nada inovou quanto a um teto de proteção. Como o legislador processual não o fez – e talvez tenha perdido a chance de fazê-lo –, não cabe ao julgador tal tarefa, sob pena de sacrifício de proteção da moradia, direito social e fundamental amparado pelo art. 6º da Constituição da República.
Penhora do Bem de Família de alto valor: possibilidade
André Borges de Carvalho Barros. Registrador civil. Doutorando pela FADISP e Mestre pela PUCSP. Professor de Direito Civil e do Consumidor do Curso Damásio e da Escola Paulista de Direito.
 
A despatrimonialização do direito civil e a consagração do ser como fim e não como meio do direito resultaram no reconhecimento de diversos direitos da personalidade voltados à proteção dos mais variados aspectos da integridade física, psíquica e intelectual da pessoa humana. Contudo, o efetivo abrigo da dignidade da pessoa humana demanda, além dos direitos da personalidade, a proteção de um mínimo patrimonial que atenda às necessidades mais básicas do ser, como reconheceu o professor e ministro do STF Luiz Edson Fachin em sua famosa obra “Estatuto jurídico do patrimônio mínimo”.
 Neste sentido, o bem de família é, sem dúvida, o exemplo mais forte da importância do patrimônio para a consagração da dignidade do indivíduo, garantindo o direito social à moradia do devedor face ao crédito de outrem.   De acordo com a Lei 8.009/90 o bem de família legal é impenhorável, não respondendo por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos seus titulares, salvo nas hipóteses excepcionadas no artigo 3º, como a obrigação decorrente de alimentos, hipoteca, fiança, tributos relativos ao próprio imóvel etc.
Embora não exista qualquer limitação expressa na Lei 8.009/90 quanto ao valor do imóvel para que seja protegido como bem de família, algumas disposições restritivas chamam a atenção e merecem ser destacadas. Como a regra presente no artigo 5º, parágrafo único, pela qual se a pessoa for titular de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado como bem de família voluntário, nos termos e nos limites estabelecidos pelo Código Civil. Sim, o Código Civil limita o valor do bem de família voluntário a uma terça partedo patrimônio líquido da pessoa, apurada no momento da instituição.
Voltando à Lei 8.009/90, o artigo 4º determina que não será protegido aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga. Reconhecendo este propósito o juiz poderá, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso.
Tratando-se de imóvel rural, o parágrafo 2º do mesmo artigo 4º da Lei 8.009/90, dispõe que a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, com relação às dívidas decorrentes de sua atividade produtiva à área limitada como pequena propriedade rural (art. 5º, inciso XXVI, CF).
 
Quantos aos móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência, o artigo 833, inciso II, do novo Código de Processo Civil, manteve a regra introduzida no diploma anterior pela Lei 11.382/06, pela qual a impenhorabilidade não alcança aqueles de elevado valor e os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida;
A existência de exceções à impenhorabilidade e de tantas regras restritivas não pode ser ignorada. O legislador brasileiro não instituiu um direito absoluto, mas limitado e vinculado a um fim específico: o direito à moradia digna. A ausência de limite quanto ao valor ou tamanho do imóvel urbano destoa da própria ratio do instituto desvirtuando-o. Afinal qual a lógica em restringir a proteção de acordo com o tamanho do imóvel rural e não fazê-lo quanto ao urbano?
A quebra da isonomia fica ainda mais evidente quanto nos atentamos ao fato de que a restrição da área rural pode diminuir ou até extinguir a fonte de sustento do homem do campo, enquanto que a restrição do tamanho do imóvel urbano não afeta a sobrevivência do homem da cidade que normalmente garante seu sustento com o trabalho externo. Não bastasse a antinomia valorativa do próprio ordenamento jurídico, no plano dos fatos a situação não se revela diferente.
A inexistência de restrição ao valor do imóvel dá azo a situações teratológicas, não sendo incomum a proteção de um devedor milionário diante de credores não tão favorecidos economicamente. Não é demais lembrar que quando da ampliação dos direitos do trabalhador doméstico, a Lei Complementar 150/2015 revogou o inciso I do artigo 3º, que afastava a impenhorabilidade para execução dos respectivos créditos. Desta forma, o empregado doméstico não pode mais requerer a penhora do imóvel em que trabalhava para garantir o seu salário, ainda que o imóvel seja de altíssimo valor.
É evidente que nesta época de excessivo subjetivismo judicial, a solução ideal para a questão da penhorabilidade do imóvel de elevado valor deveria ser apresentada pelo legislador, com a discriminação objetiva de limites pela extensão ou valor do bem, e restringindo a possibilidade a determinados créditos (ex: trabalhistas). Enquanto isso não ocorre, é possível a limitação da impenhorabilidade em situações absurdas com base na própria constituição federal, identificando qual é o direito patrimonial que efetivamente consagra o princípio da dignidade da pessoa humana.
O que garante a proteção do direito patrimonial do devedor (propriedade) face ao direito patrimonial do credor (crédito) é a pressuposição de que o primeiro consagra a dignidade do ser humano, ao garantir a moradia, e o segundo não. Pois bem, na prática essa pressuposição pode não se confirmar e se apresentar de forma oposta, como exemplificamos acima. A impossibilidade de penhorar um bem de família de elevado valor para executar o crédito de um trabalhador pode afetar a sua própria sobrevivência: sem receber o seu salário não conseguirá arcar com os custos de sua alimentação, saúde e até mesmo moradia (aluguel, condomínio, prestação de financiamento). Indaga-se: apenas o devedor tem direito à moradia? Apenas o devedor tem direitos existenciais e sociais?
É imperioso reconhecer que em situações muito peculiares o direito ao crédito pode estar mais próximo do cumprimento do comando constitucional de proteção da dignidade da pessoa humana do que a impenhorabilidade do bem de família de elevado valor. O direito à moradia que pode estar sob risco é o do credor e não o do devedor, pois com a arrematação do bem de elevado o juiz deverá reservar para o devedor uma parcela considerável do valor obtido para aquisição de outro imóvel residencial.
Não é demais dizer que é somente na hipótese de deslocamento do fundamento axiológico (proteção da dignidade da pessoa humana) da propriedade para o crédito, do devedor para o credor, que entendemos possível afastar a proteção do bem de família de elevado valor. Em hipóteses em que o crédito não tem lastro na dignidade da pessoa humana e em direitos existenciais (credor abastado, crédito de dívidas fiscais, bancárias etc.) ou em que o bem de família tem valor moderado tal medida é inconstitucional.
Decisão de Niterói reconhece união estável putativa
15/06/2016
Fonte: IBDFAM
O juiz Carlos Ferreira Antunes, da 2ª Vara de Família da Comarca de Niterói (RJ), reconheceu união estável putativa, ou seja, uma família paralela sem que a companheira soubesse da existência da esposa. A companheira ajuizou ação cautelar de arrolamento de bens e ação declaratória de reconhecimento e dissolução de união estável com partilha de bens em face do companheiro, que morreu no decorrer do processo, e, portanto, substituindo o polo processual pelo espólio do companheiro, em que configuravam como herdeiras a filha e a esposa do réu.
O requerido ofereceu contestação na qual sustentou que nunca houve a alegada união estável e que era casado pelo regime da comunhão universal de bens com a esposa. Segundo o advogado Afonso Feitosa, que atua na Justiça para a companheira, são várias as peculiaridades envolvendo o caso. De acordo com ele, foram 17 anos de relação com o objetivo de constituição da família. Feitosa esclarece que eles se conheceram no local de trabalho e na ação foram juntados cerca de setenta documentos, dentre eles: contratos de locação firmados pelo réu que se declarava solteiro, inclusive em procurações firmadas em cartório; viagens comprovadas; passeios em locais de lazer da repartição na qual trabalhavam; depósitos em dinheiro durante o mês, que atingiam entre 8 mil a 10 mil reais; aniversários festejados pelo ex-casal e filhos da autora, com provas fotográficas; fotos do inicio até o fim da relação; declarações de amor do réu para a autora, com especificação de datas, principalmente quando completados dez anos, onde era fixado o início e o aniversário de dez anos, com assinatura; convivência com os filhos da autora, como o pai socioafetivo, já que compareceu às escolas dos enteados com a autora. Para Feitosa, a prova testemunhal produzida pela autora foi contundente, já a do réu foi frágil. De acordo com o advogado, somente na contestação do réu é que este, para descaracterizar a união estável, se declarou casado, e afiançou que a autora era uma mera namorada, amante. "Neste momento, em réplica foi acrescido à união estável o termo putativa".
Na decisão, o juiz julgou procedente o pedido cautelar, já que foram demonstrados os requisitos para a sua concessão, "quais sejam a fumaça de bom direito e o perigo na demora da prestação jurisdicional". O juiz declarou arrolados 50% de todas as contas e investimentos bancários e do automóvel descritos na cópia da declaração de ajuste anual do falecido, bem como dos bens que vierem a ser declarados nos autos do processo de inventário que tramita na 11ª Vara de Órfãos e Sucessões da Comarca da Capital do Rio de Janeiro.
Na avaliação do advogado, a decisão é importante porque a mulher, quando iludida pela boa-fé, tem os seus direitos preservados. "O companheiro oral e documentalmente se apresentou como solteiro e somente ao contestar a ação se disse casado, estava querendose aproveitar da própria torpeza. A bigamia é crime, no entanto quando a companheira desconhece que o companheiro é casado, tal ilícito não alcança a companheira na relação simultânea para ele retirar seus direitos patrimoniais. O alcance é doutrinário e firma jurisprudência sobre a matéria e preserva nesta hipótese o direito da mulher", disse. Para ele, a decisão é um avanço porque "a união estável que se cingia às hipóteses, de união more uxorio com homem solteiro, separado judicialmente, divorciado, separado de fato, tem um novo componente que é ser casado e que tal estado seja escondido ou negado à companheira, daí a união estável putativa.
O advogado esclarece que os efeitos da união estável putativa são o conhecimento como companheira, direito à 50% do patrimônio adquirido a título oneroso durante a relação more uxorio. "O regime de bens vigente entre companheiros, quando não houver contrato escrito em contrário, é o regime de separação parcial de bens, e no caso do companheiro ter falecido, coparticipam com a viúva (esposa do companheiro), de benefício ou pensão previdenciária deixada pelo obituado, ex-companheiro", disse.
Os confins da autocuratela
Autor: Nelson Rosenvald | Data de publicação: 15/05/2017
A “autocuratela” é um negócio jurídico de eficácia sustida, através do qual a pessoa que se encontra na plenitude de sua integridade psíquica promove a sua autonomia de forma prospectiva, planejando a sua eventual curatela, nas dimensões patrimonial e existencial, a fim de que no período de impossibilidade de autogoverno existam condições financeiras adequadas para a execução de suas deliberações prévias sobre o cuidado que receberá e a sua compatibilização com as suas crenças, valores e afetos.
Para além da cláusula geral do princípio do consentimento informado (art.15, CC), a admissibilidade da autocuratela foi a princípio extraída de uma interpretação extensiva da Resolução n. 1995/12 do CFM. Em vistas de uma futura e possível declaração judicial de incapacidade resultante da eclosão de uma doença crônico-degenerativa, o indivíduo que possui a integridade das faculdades mentais elabora diretivas antecipadas de vontade (DAV’s) manifestando as formas de cuidados de saúde que desejará receber na eventualidade da terminalidade da vida, indicando a forma particularizada de lidar com o processo de morte, caso se encontre inconsciente. Consequentemente, se há a possibilidade de instituição de uma representação duradoura, a fim de que se eleja uma pessoa capaz de exteriorizar a singularidade daquele que se encontra em situação de incompetência de autodeterminação nos momentos derradeiros da existência, por qual razão não se alagar as fronteiras da representação duradoura, concedendo-se a pessoa a liberdade de nomear um representante para cuidados com a saúde, caso perca a possibilidade de autodeterminação, mesmo sem se encontrar no terreno da terminalidade? Assegura-se ao indivíduo a iniciativa de escrever a sua biografia, mesmo que as suas mãos já não tenham forças para redigir as suas derradeiras linhas. O representante, portanto, agirá dentro do perímetro previamente definido pela pessoa, sobre o seu conceito de “qualidade de vida”, ou seja, consoante o quê sente e percebe.
Atualmente, a autocuratela rompe o território das diretivas antecipadas, sendo explicitamente reconhecida pelo ordenamento jurídico nacional pós CDPD. A Convenção de Nova York, com natureza de norma constitucional derivada de sua submissão a quórum qualificado, insere dentre os seus princípios gerais, no Artigo 3, “a”: “O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas”. Desse dispositivo se depreende que, tanto na tomada de decisão apoiada como na autocuratela o indivíduo poderá transmitir aos apoiadores e curador poderes para interferir em questões relacionadas a sua esfera de intimidade e privacidade, justamente por não se tratar de delegação coercitiva de direitos fundamentais, mas de ato jurídico de autocontenção de atributos existenciais em prol de pessoa cuja legitimidade e atuação serão submetidas a um controle judicial.
Como se não fosse suficiente a eficácia direta da dita convenção de direitos humanos sobre o aparato infraconstitucional, com o advento da Lei n. 13.146/15, tornou-se possível exercitar a autocuratela de forma autônoma ou dentro de um planejamento pessoal que envolva sucessivamente o modelo jurídico da tomada de decisão apoiada (art. 1.783-A, CC) e a curatela. Imaginemos uma pessoa deficiente com doença degenerativa, como o diagnóstico de Alzheimer. Nas primeiras fases da enfermidade o requerimento de apoio será importante instrumento de preservação da dignidade e autonomia da pessoa vulnerável. A pessoa apoiada mantém a condição de plenamente capaz e os apoiadores não serão representantes ou assistentes do beneficiário, mas meros coadjuvantes na tomada de decisões. Contudo, com a progressiva evolução da doença, a pessoa poderá programar a “autocuratela”, na qual designará um representante duradouro de sua confiança que a substituirá praticamente em todas as decisões da vida cotidiana. A sentença judicial constituirá a incapacidade relativa do curatelado, e o curador conforme as peculiaridades do caso exercitará uma curatela de maior ou menor extensão. Isto é, a curatela ordinariamente será restrita a atos de assistência, podendo, contudo, evoluir para a representação caso a pessoa não demonstre condições mínimas de autogoverno.
Ademais, o raio da autocuratela como negócio jurídico atípico, amplia o seu perímetro em dois pontos: primeiro, as diretivas antecipadas são apropriadas para a manifestação de orientações futuras quanto aos cuidados quanto à saúde do paciente, porém, pode não ser interpretado como o espaço adequado para que alguém exteriorize as suas preocupações quanto a questões afetivas e existenciais, que envolvam a sua intimidade ou o espaço familiar de privacidade; segundo, a autocuratela na versão mais ampla da CDPD e da LBI permite a pessoa não apenas a programação futura de sua esfera existencial, como também lhe faculta a organização e administração de sua dimensão patrimonial, mesmo que esse enfoque econômico seja acessório, no sentido de que a escolha de um curador que eficazmente zele pela manutenção de um certo padrão de vida será a garantia de que o curatelado preservará o seu padrão financeiro e, consequentemente, terá acesso a um tratamento condigno. Evidentemente, ao tempo que as condições psíquicas da pessoa demonstrem a necessidade da curatela, o projeto pessoal será submetido a um controle de legitimidade em dois níveis: primeiro, abstratamente será aferido se o conteúdo do ato de autodeterminação não ofende o ordenamento jurídico; segundo, concretamente será avaliado se as condições de saúde da pessoa demandam uma correção qualitativa ou quantitativa dos limites por ela previamente apresentados à atuação do curador.
Outrossim, a autocuratela poderá ser levada a efeito mesmo de forma autônoma a uma TDA. Ao dispor o §1 do art. 755 do CPC/15 que “A curatela deve ser atribuída a quem melhor possa atender aos interesses do curatelado”, inequivocamente será o ato de autocuratela o fator preponderante para elucidar qualquer dúvida sobre a pessoa (ou pessoas, em caso de autocuratela conjunta) que possa exercer a assistência após a sentença que decrete a curatela. O instrumento mais prático de autocuratela consiste em uma declaração a ser realizada por instrumento particular ou pela via de escritura pública lavrada em cartório de notas, com determinação do nome do futuro curador e margem de atuação. Alternativamente, para um futuro próximo, podemos antever a autocuratela sendo realizada de forma remunerada, mediante negócio jurídico bilateral de mandato, tendo como destinatários profissionais liberais ou pessoas jurídicas que possuam “expertise” no sentido de propiciar os melhores consultores financeiros e outros especialistas em cuidados.Além da questão demográfica (crescimento exponencial da população de idosos e consequentemente de doenças degenerativas), muitas pessoas adoecem sem ter uma família – ou ao menos pessoas confiáveis por perto – e anseiam pela canalização dos seus rendimentos para a fiel execução de suas instruções sobre a qualidade de vida que anseia. Abre-se aí mais uma oportunidade de mercado.
EC/CR
STF encerra o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. E agora?
Autor: Flávio Tartuce | Data de publicação: 04/06/2017
Finalmente, o Supremo Tribunal Federal encerrou, no último dia 10 de maio de 2017, o julgamento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil. Após pedido de vistas do Ministro Marco Aurélio, dois processos foram julgados em definitivo, ambos com repercussão geral (Temas 498 e 809).
O primeiro deles foi o Recurso Extraordinário n. 878.694/MG (Tema 809), que teve como Relator o Ministro Luís Roberto Barroso. Tal julgamento teve início em agosto de 2016, já havendo desde então sete votos pela inconstitucionalidade da norma, na linha do proposto pela relatoria. Votaram nesse sentido os Ministros Luiz Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia, além do próprio Ministro Barroso. Após pedido de vistas do Ministro Dias Toffoli, o processo retomou seu destino neste ano de 2017, tendo esse último julgador concluído pela constitucionalidade da norma, pois haveria justificativa constitucional para o tratamento diferenciado entre o casamento e a união estável (voto prolatado no último dia 30 de março). O Ministro Marco Aurélio pediu novas vistas, unindo também o julgamento do Recurso Extraordinário n. 646.721/RS, que tratava da sucessão de companheiro homoafetivo, do qual era Relator, justamente o segundo processo (Tema 498).
Em maio de 2017 foram retomados os julgamentos das duas demandas, iniciando-se pela última. Para começar, o Ministro Marco Aurélio apontou não haver razão para a distinção entre a união estável homoafetiva e a união estável heteroafetiva, na linha do que fora decidido pela Corte quando do julgamento da ADPF 132/RJ, em 2011. Porém, no que concerne ao tratamento diferenciado da união estável diante do casamento, asseverou não haver qualquer inconstitucionalidade, devendo ser preservado o teor do art. 1.790 do Código Civil, na linha do que consta do art. 226, § 3º do Texto Maior que, o tratar da conversão da união estável em casamento, reconheceu uma hierarquia entre as duas entidades familiares. Ao final, restou vencido, prevalecendo a posição dos Ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Frise-se que o último julgador não votou no processo anterior – pois ainda era magistrado o Ministro Teori Zavascki –, mas prolatou sua visão na demanda envolvendo a sucessão homoafetiva. Com o Relator, apenas votou o Ministro Ricardo Lewandowski, que adotou a premissa in dubio pro legislatore.
Assim, o placar do julgamento do Tema 498 foi de 8 votos a 2, ausente o Ministro Dias Tofolli. Conforme consta da publicação inserida no Informativo n. 864 da Corte, “o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento. Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a convencional, seja a homoafetiva. Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996). O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração. O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso”.
Quanto ao processo original, o que iniciou o julgamento da questão (RE 878.694/MG) apenas se confirmou o que estava consolidado desde o ano passado, entendendo pela constitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil os Ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, e mantendo-se a coerência de posições com a demanda anterior. Neste primeiro processo, o placar foi de 8 a 3, portanto (Tema 809). Mais uma vez, conforme consta do Informativo n. 864 do STF, “o Supremo Tribunal Federal afirmou que a Constituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares mostra-se incompatível com a Constituição. O art. 1.790 do Código Civil de 2002, ao revogar as Leis 8.971/1994 e 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou companheiro), dando-lhe direitos sucessórios inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso”.
Por fim, ficou destacado que, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento sobre a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil deve ser aplicado apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. A tese final firmada, para os devidos fins de repercussão geral, foi aquela conhecida desde o ano passado: “no sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil”.
Relembro que sempre estive filiado à corrente que via inconstitucionalidade apenas no inciso III do art. 1.790 do Código Civil, por colocar o convivente em posição de desprestígio ante os ascendentes e colaterais até o quarto grau, recebendo um terço do que esses recebessem. Aliás, alguns Tribunais Estaduais tinham reconhecido a inconstitucionalidade desse último diploma, por meio do seu Órgão Especial, caso do Tribunal de Justiça do Paraná e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Entretanto, reitero que o momento é de aceitar a decisão do STF, conforme expunham dois dos nossos grandes sucessionistas, os Professores Zeno Veloso e Giselda Hironaka, citados no julgamento. A principal vantagem do decisum é resolver a grande instabilidade jurídica sucessória verificada no Brasil desde a vigência do Código Civil de 2002, colocando fim a debates sobre a inconstitucionalidade ou não do art. 1.790 do Código Civil.
Assim, tendo sido esse o julgamento final, como ficam os processos de inventário em curso? E os novos processos? Como devem ser elaboradas as escrituras públicas de inventários pendentes em Tabelionatos de Notas de todo o País? O companheiro passa a ser herdeiro necessário? A equiparação entre a união estável e o casamento é para todos os fins sucessórios? Atinge também todos os fins familiares? E agora? Tentaremos aqui responder tais dúvidas, pelo menos brevemente.
De início, tendo prevalecido essa forma de julgar, além da retirada do sistema do art. 1.790 do Código Civil, o companheiro passa a figurar ao lado do cônjuge na ordem de sucessão legítima (art. 1.829). Desse modo, concorre com os descendentes o que depende do regime de bens adotado. Concorre também com os ascendentes o que independe do regime. Na falta de descendentes e de ascendentes, o companheiro recebe a herança sozinho, como ocorre com o cônjuge, excluindo os colaterais até o quarto grau (irmãos,

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