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www.medicinaatual.com.br Meningites Autores Paulo Roberto Abrão Ferreira1 Simone de Barros Tenore2 Publicação: Abr-2006 1 - Como ocorre a infecção das meninges? A invasão do sistema nervoso central por bactérias, vírus ou fungos pode ocorrer por propagação direta, pela via hematogênica ou pela bainha dos nervos. A propagação direta se faz por contigüidade (infecção em ossos, vasos sanguíneos, sistema nervoso, traumatismo craniano ou fístula liquórica). A infecção por via hematogênica é primária ou secundária a foco a distância. O contágio pela bainha dos nervos se faz, em geral, pelo nervo olfativo, em conseqüência de traumatismo da região. 2 - Qual a apresentação clínica mais comum em pacientes com meningite aguda adquirida na comunidade? A maioria dos pacientes adultos com meningite bacteriana aguda apresenta pelo menos dois de quatro sintomas: • cefaléia, • febre, • rigidez de nuca, • alteração do estado mental (inquietação, agitação, confusão, delírio ou torpor). A sensibilidade da tríade febre, rigidez de nuca e alteração do estado mental, entretanto, é baixa (ao redor de 44%). Outros sintomas freqüentemente presentes são vômitos, sinais de Kernig e Brudzinsky, hiperestesia e mialgia. 3 - Como se pesquisam os sinais de Kernig e Brudzinsky? Sinal de Kernig Com o paciente em decúbito dorsal, flexiona-se sua perna ao nível do quadril e do joelho e, em seguida, estende-se o joelho. A dor e o aumento da resistência à extensão do joelho constituem o sinal de Kernig. Quando bilateral, sugere irritação meníngea. Sinal de Brudzinski Com o paciente em decúbito dorsal, coloque as mãos por detrás de sua cabeça e flexione o pescoço para frente, até que, se possível, o queixo toque o tórax. Observe a reação dos quadris e joelhos durante a manobra. Normalmente, o pescoço é flexível e quadris e joelhos permanecem relaxados. A flexão dos quadris e joelhos constitui o sinal positivo e indica inflamação meníngea. 1 Mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina; Médico preceptor dos residentes da Unidade Ambulatorial de Doenças Infecciosas e Parasitárias – Hospital São Paulo-EPM/UNIFESP. 2 Mestrado em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina; Médica preceptora dos residentes da Unidade Ambulatorial de Doenças Infecciosas e Parasitárias – Hospital São Paulo-EPM/UNIFESP. www.medicinaatual.com.br 4 - Quais as principais causas de meningite bacteriana aguda em adultos? Infecções por S. pneumoniae e N. meningitidis correspondem a 80% dos casos de meningite bacteriana aguda em adultos. 5 - Qual o exame complementar mais importante para o diagnóstico das meningites? Trata-se da análise do líquor. A análise da celularidade e da bioquímica (glicose, proteínas e cloretos) já pode sugerir a presença de inflamação nas meninges, enquanto exames microbiológicos definem a presença de infecção e do seu agente etiológico. 6 - Quais os cuidados a serem tomados na realização da punção lombar? Devido ao risco de herniação cerebral em pacientes submetidos à punção lombar, alguns sinais e sintomas devem ser levados em conta antes da realização do exame. Uma tomografia de crânio deve preceder a punção lombar na presença de papiledema, deteriorização do nível de consciência, sinais neurológicos focais, convulsão de início recente e em pacientes imunodeprimidos. Deve-se ter em mente, entretanto, que a realização do exame de imagem não deve atrasar a antibioticoterapia. 7 - O que deve ser analisado no líquido céfalo-raquidiano (LCR) em uma suspeita de meningite? O LCR deve ser cuidadosamente analisado: • contagem de células • bioquímica o glicose o proteína • exame direto o bactérias (Gram) o pesquisa de bacilo álcool-ácido resistentes (BAAR) o pesquisa de fungos • pesquisa de antígenos bacterianos e fúngicos com prova de aglutinação do látex o S. pneumoniae o H. influenzae o N. meningitidis o Cryptococcus neoformans. • culturas o bactérias o fungos o micobactérias Há ainda a possibilidade de pesquisa de reação em cadeia da polimerase para bactérias (S. pneumoniae, H. influenzae, N. meningitidis, M. tuberculosis, Borrelia burgdorferi) e vírus (herpes simplex, varicela zoster, citomegalovírus, Epstein-Barr vírus e enterovírus). 8 - Quais os padrões do líquido céfalo-raquidiano (LCR) mais habituais nas várias infecções no sistema nervoso central? Os padrões mais habituais do LCR nas infecções do sistema nervoso central (SNC) estão ilustrados na tabela 1. www.medicinaatual.com.br Tabela 1. Padrões habituais do LCR nas infecções do SNC Diagnóstico Células/µl Glicose (mg/dl) Proteína (mg/dl) Pressão inicial Normal 0-5 linfócitos 45-85* 15-45 70-180 mmH2O Meningite bacteriana aguda (purulenta) 200-20.000 neutrófilos PMN <45 >50 Elevada Meningite granulomatosa (micobactérias/fungos) 100-1000 principalmente linfócitos <45 >50 Pouco elevada Meningite por espiroquetas 100-1000 principalmente linfócitos Normal Moderadamen te elevada Normal ou pouco elevada Meningite asséptica, viral ou meningoencefalite 25-2000 principalmente linfócitos Normal ou baixa >50 Discretamen te elevada *geralmente 50-70% da glicose sérica 9 - Qual o tratamento empírico para suspeita de meningite bacteriana purulenta aguda? A terapia deve ser iniciada imediatamente após a coleta do líquido céfalo-raquidiano na suspeita de meningite aguda, pois existem fortes evidências na literatura de que o atraso no início da antibioticoterapia tem relação direta com a evolução desfavorável da doença. No tratamento empírico leva-se em conta a idade do paciente, os microorganismos mais comuns, a presença de imunodepressão e de condições pós-cirúrgicas ou pós-traumáticas (tabela 2). Tabela 2. Tratamento empírico das meningites bacterianas purulentas agudas. Condição Microrganismos mais comuns Terapia 16-50 anos S. pneumoniae N. meningitidis Cefalosporina de 3ª geração + vancomicina Acima de 50 anos S. pneumoniae N. meningitidis L. monocytogenes bacilos Gram- negativos Ampicilina + cefalosporina de 3ª geração + vancomicina Deficiência de imunidade celular L. monocytogenes bacilos Gram- negativos S. pneumoniae Ampicilina + cefalosporina de 3ª geração + vancomicina Pós-cirúrgica e pós- traumática S. aureus S. pneumoniae bacilos Gram- negativos Vancomicina e cefalosporina de 3ª geração www.medicinaatual.com.br 10 - Pacientes adultos com suspeita de meningite bacteriana devem receber corticosteróides como terapia adjunta? Existem fortes evidências na literatura de que a corticoterapia adjunta é benéfica, com diminuição da morbidade e mortalidade. 11 - Quais as bases fisiopatogênicas para o uso de corticosteróides? A maioria dos danos causados pela meningite aguda deve-se à inflamação do espaço subaracnóide pela liberação de produtos da parede celular na lise bacteriana. Posteriormente, ocorre liberação de fator de necrose tumoral, interleucinas 1, 6 e 8, proteínas inflamatórias e metaloproteinases. Esta cascata de citocinas culmina com o influxo de células inflamatórias e quebra da barreira hemato-encefálica com vasculite local, perda da auto-regulação cerebral e edema. 12 - Como deve ser feita a corticoterapia? O corticosteróide deve iniciado imediatamente antes ou concomitantemente à primeira dose do antibiótico. Habitualmente, prescreve-se a dexametasona (10 mg IV a cada 6 horas). Segundo relatos da literatura, a duração apropriada da corticoterapia fica emtorno de quatro dias para pacientes com meningite pneumocócica. Alguns estudos com pacientes pediátricos sugerem que dois dias são suficientes. Alguns autores sugerem que a corticoterapia deverá ser suspensa, assim que afastada infecção por pneumococo. 13 - Quando a punção lombar deve ser repetida? Uma nova análise do líquido céfalo-raquidiano (LCR) deve ser realizada em pacientes sem melhora clínica após 48 horas de antibioticoterapia adequada. A repetição da punção lombar é essencial para pacientes com meningite por pneumococo, devido ao risco de infecção por cepas resistentes à penicilina, e que receberam tratamento com dexametasona e vancomicina. A dexametasona diminui a penetração liquórica da vancomicina por reduzir a inflamação do fluido cerebroespinhal e a permeabilidade da barreira hemato-encefálica. 14 - Quais os fatores de risco para a má evolução da meningite aguda? Os principais fatores de risco para má evolução são: • comprometimento sistêmico, • diminuição do nível de consciência, • baixa celularidade no LCR, • infecção por Streptococcus pneumoniae. 15 - Quais as complicações da meningite aguda? As principais complicações da meningite aguda são: • complicações que levam à diminuição do nível de consciência: o meningoencefalite com aumento da pressão intracraniana, o convulsões, o hidrocefalia aguda, o empiema subdural; • complicações que levam a alterações neurológicas focais (hemiparesia, monoparesia ou afasia): o arterite séptica, o endarterite obliterante, o tromboflebite, o fenômenos tromboembólicos; • complicação com envolvimento de par craniano: o acometimento do oitavo par craniano levando à perda auditiva. www.medicinaatual.com.br 16 - Quais as indicações de internação em unidade de terapia intensiva (UTI) para pacientes com meningite? O monitoramento em UTI é recomendado para reconhecimento precoce de risco de herniação cerebral, alterações no nível de consciência, observação de novos sinais neurológicos ou convulsões, bem como para o tratamento da agitação psicomotora que pode estar presente. 17 - Quais os dados nacionais de resistência do pneumococo à penicilina em casos de meningite? Em uma análise realizada em Salvador (BA), entre 1995 e 1999, em 303 amostras de LCR, 15% eram resistentes à penicilina. Outros estudos nacionais relataram taxas em torno de 20% de resistência do pneumococo à penicilina. 18 - Quando se deve isolar o paciente com meningite aguda? Isolamento respiratório por 24 horas é recomendado para todo paciente com suspeita de infecção meningocócica. O isolamento não é necessário para os pacientes com sinais de infecção por pneumococo (otite ou pneumonia) ou por bactérias outras que não Neisseria meningitidis. 19 - Quem deve receber quimioprofilaxia no atendimento aos pacientes com meningite? Profissionais de saúde que tiveram contato muito próximo com pacientes com meningite meningocócica (intubação traqueal, aspiração de via aérea) devem receber quimioprofilaxia com rifampicina (600 mg a cada 12 horas, por 48 horas) ou ciprofloxacina (500 mg em dose única), para erradicação do estado de portador do meningococo. O mesmo ocorre com os contatos domiciliares do paciente 20 - Quais as vacinas disponíveis para a prevenção de meningites? As vacinas disponíveis são: • anti-Haemophilus (conjugado de H. influenzae tipo B), • vacina conjugada antipneumocócica, • vacina conjugada antimeningocócica (sorogrupos A, C, Y, W 135). 21 - Quando o manejo da meningite pode se tornar difícil? O manejo pode ser difícil em três aspectos principais: Diagnóstico clínico Os sinais e sintomas clássicos de meningite aguda podem estar ausentes nos extremos de idade (recém-nascidos e idosos) e em pacientes com estado geral muito comprometido. Diagnóstico laboratorial Pacientes com líquido céfalo-raquidiano (LCR) típico de meningite asséptica (alta celularidade, predominantemente linfomonocitária, ausência de microorganismos no esfregaço de Gram, proteína normal ou pouco elevada, glicose normal ou pouco diminuída), devido ao amplo diagnóstico diferencial, incluindo causa não infecciosas. Tratamento Escolha adequada do antimicrobiano e uso de corticosteróides. 22 - Quais as causas de meningite asséptica? A meningite asséptica é uma síndrome autolimitada, mais benigna que a meningite purulenta, causada principalmente por vírus, leptospira, sífilis secundária e doença de Lyme (Borrelia www.medicinaatual.com.br burgdorferi). Causas não infecciosas de meningite asséptica são drogas, alterações estruturais e doenças inflamatórias crônicas. 23 - Quais as principais causas de meningites crônicas? Os principais patógenos que levam a meningite crônica são: • M. tuberculosis, • fungos (Cryptococcus neoformans, Histoplasma capsulatum) • espiroquetas (Treponema pallidum e Borrelia burgdorferi). 24 - Quais as principais causas de meningite em imunocomprometidos? As principais causas de meningite em imunocomprometidos são as meningites fúngicas, principalmente por criptococo, a meningite tuberculosa (meningotuberculose), a meningite por listeria e a meningoencefalite herpética. 25 - Com relação à meningotuberculose, quais as formas de diagnóstico? Na análise do líquido céfalo-raquidiano (LCR) encontra-se uma pleocitose (ao redor de 100- 1.000 céls/µl), usualmente linfomonocitária, hipoglicorraquia (<45 mg/dl), aumento de proteínas (>50 mg/dl na punção lombar) e pressão liquórica elevada. Para o diagnóstico etiológico de certeza, faz-se necessário a presença do bacilo da tuberculose em cultura de líquor, porém isto requer um grande volume de amostra e leva algum tempo até o crescimento e recuperação do bacilo. Formas alternativas de diagnóstico são detecção do acido nucléico do M. tuberculosis na reação em cadeia da polimerase (PCR). A vantagem desta técnica sobre a cultura é a possibilidade de detecção mesmo após o início do tratamento. 26 - Qual o tratamento da meningotuberculose? No Brasil, seguindo as recomendações do Ministério da Saúde, o tratamento proposto é com rifampicina (10-20 mg/kg), isoniazida (10-20 mg/kg) e pirazinamida (35 mg/Kg) por dois meses, seguido de sete meses de rifampicina e isoniazida, nas mesmas doses. 27 - Quais as possíveis causas de má evolução da meningotuberculose, a despeito do tratamento? A resposta ao tratamento é gradual e pode levar até duas semanas. Pacientes em tratamento, mas com evolução desfavorável, podem estar desenvolvendo uma reação paradoxal a ele conhecida como um fenômeno imunológico. Nestas circunstâncias, a recomendação é de se manter a terapêutica e associar corticosteróides até a estabilização do quadro. Outra causa de má evolução durante o tratamento é a infecção por M. tuberculosis resistente às múltiplas drogas. Pacientes que apresentam deterioração do nível de consciência devem ser submetidos a novo exame de imagem para detecção de hidrocefalia ou de formação de abscesso intracerebral. 28 - Como é o tratamento da meningite criptocócica? Pacientes com doença leve, sem comprometimento do estado mental, podem iniciar a terapia com fluconazol (400 mg/dia por via oral), que deve ser mantida por no mínimo dez semanas. Já os casos em que o comprometimento neurológico é maior, com látex no LCR maior que 1:128 e baixa celularidade devem iniciar a terapia com anfotericina B (0,7-1,0 mg/Kg/dia) por duas semanas, seguida de oito semanas de fluconazol oral (400 mg/dia). A adição de fluocitosina (100 mg/Kg/dia, em quatro doses) parece ser benéfica no sentido de prevenir recorrência, porém não melhora as taxas de cura da doença. www.medicinaatual.com.br 29 - Dentre as meningites virais, quais os principais agentes etiológicos? Os enterovírus (Echovirus, Coxsackie,enterovírus 70 e 71) representam as causas mais importantes, em especial nos meses quentes do ano. Em seguida têm-se os arbovírus, o vírus da caxumba (mais comum na população não imunizada), o vírus da coriomeningite linfocitária, o vírus do sarampo, o HIV-1, o adenovírus, os herpes simples 1 e 2, o varicela-zoster, o Epstein-Barr e o citomegalovírus. 30 - Qual o tratamento para as meningites virais? O tratamento é de suporte, com antitérmicos, antieméticos, cabeceira elevada a 30 graus, hidratação adequada e sonda nasoenteral nos casos de confusão mental ou rebaixamento do nível de consciência. Nos casos de herpesvírus, deve-se usar aciclovir, na dose de 10mg/kg a cada oito horas por 14 a 21 dias. 31 - Quais as principais causas de meningite recorrente? Meningite meningocócica recorrente é associada a imunodeficiência, em especial, déficits de complemento e agamaglobulinemia. Meningite bacteriana recorrente pode ocorrer em pacientes com comunicação anômala entre SNC e pele ou cavidades não estéreis (congênitas ou adquiridas, pós-trauma ou neurocirurgia). Meningite asséptica recorrente pode ter causas infecciosas (sífilis, doença de Lyme, brucelose, HIV, fungos, herpes, vírus Epstein-Barr e toxoplasma), estruturais (craniofaringiomas, cisto epidermóide e gliomas), drogas (quimioterapia intratecal, trimetoprim, amoxicilina, cefalosporinas, azatioprina, imunoglobulina, OKT3) e doenças inflamatórias crônicas (sarcoidose, lúpus eritematoso sistêmico, doença de Behçet). 32 - Leitura recomendada Ginsberg L. Difficult and recurrent meningitis. J Neurol Neurosurg Psychiatry 2004;75:(Suppl 1):16-21. Jacobs RA. General problems in infectious diseases. In. Tierney LM, McPhee SJ, Papadakis MA. Current Medical Diagnosis & Treatment. Lange Medical Books/McGraw-Hill, New York, 2005. Meyer NC, Samuelsson IS, Galle M, Bangsborg JM. Adult bacterial meningitis: aetiology, penicillin susceptibility, risk factors, prognostic factors and guidelines for empirical antibiotic treatment. Clin Microbiol Infect 2004;10:709-717. Pile JC, Longworth DL. Should adults with suspected acute bacterial meningitis get adjunctive corticosteroids? Cleveland Clin J Med 2005;72:67-70. Reis JN, Cordeiro SM, Coppola SJ et al. Population based survey of antimicrobial susceptibility and serotype distribution of Strptococcus pneumoniae from meningitis patients in Salvador,Brazil. J Clin Microbiol 2002;40:275-277. Spach DH. New issues in bacterial meningitis in adults. Postgraduate Medicine 2003;114:43-50. van de Beek, Diederik; Gans J; Tunkel AR; Wijdicks EFM. Community- acquired bacterial meningitis in adults. N Engl J Med 2006;354:44-53.