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9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS À LUZ DE UM CASO TíPICO DE SIMULAÇÃO BRUNO FAJERSZTAJ~I 1, INTRODUÇÃO o caso ]osapar envolveu a reUlllao de empresas de um mesmo grupo econômico, uma lucrativa e outra deficitária, com o objetivo de que os prejuízos fiscais! de uma fossem compensados com os lucros da outra, reduzindo o valor do imposto de renda 2 devido. Como no Brasil não é autorizada a consolidação fiscal de resul- tados de empresas do mesmo grup03, devendo cada uma delas apurar separadamente o imposto de renda devido, muitos administradores veem na reunião das empresas do grupo a solução para evitar o pagamento de imposto em uma empresa e o acúmulo de prejuízos em outra. A situação é mais do que comum e essa solução tem sido buscada pelos órgãos de gerência das empresas como forma de tornar mais racional a tributação dentro de um contexto de grupo econômico. É mesmo comum que determinado acionista controlador possua negócios lucrativos e deficitários separados em dois empreendimentos, por exemplo, quando um determinado negócio encontra-se em fase de implantação ou início de operação, acumulando prejuízos, e outro negó- cio do grupo, já operando há mais tempo, apura lucros passíveis de tribu- A operação vale também para a compensação de bases de cálculo negativas da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), mas para facilitar a exposição, a expressão "prejuízos fiscais" será adotada como padrão para a referência de ambos. 2 E também a CSL. As desse trabalho valem tanto para IRPJ como para CSL. 3 Essa consolidação chegou a ser autorizada pelo art. 2° do Decreto-lei n. 1.598/77, mas logo foi revogada pelo Decreto-lei n. 1.648/78. 249 Bruno Fajersztajn tação. A reunião dos patrimônios das duas empresas em uma só viabiliza a absorção dos lucros pelos prejuízos e permite redução de carga tributária, otimizando os seus resultados globais, o que, afinal, constitui o objetivo último de qualquer gestor. Ocorre que, segundo o disposto no art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87, a empresa sucessora, que absorve o patrimônio de outra por meio de cisão, fusão ou incorporação, não pode compensar os prejuízos da sucedida 4• Verifica-se, então, em diversas oportunidades, que o contribuinte, buscando não incorrer na referida regra, procura seguir no caminho inverso daquele vedado pelo art. 33, qual seja, a empresa deficitária absorve o patrimônio da lucrativa. No caso Josapar, como será a seguir exposto com maiores detalhes, ocorreu justamente isso: houve incorporação de uma empresa lucrativa por uma deficitária para fins de se afastar a incidência da regra de vedação contida no art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. Essa operação passou a ser chamada pelos que atuam na área de "incorporação às avessas"5 e sempre é cogitada em reestruturações societá- rias como uma das formas de tornar mais racional a tributação dos lucros das empresas no contexto de um grupo econômico. Daí a relevância do caso Josapar. Trata-se de tema objeto de cons- tante debate. Além da relevância do tema discutido no caso Josapar, a decisão final nele proferida, que invalidou a estrutura adotada pelo contribuinte, gerou dúvidas quanto à viabilidade da operação em geral, em qualquer outra situação. O presente estudo tem como objetivo esclarecer essas dúvidas, demonstrando, a partir dos detalhes disponíveis do cas06, quais as pers- 4 Essa regra, criada na época em que só existia o IRPJ, passou a ser prevista expressamente para fins de CSL pela Medida Provisória n. 1.858-6, de 29.6.1999, tendo sido reeditada sucessiva- mente até que se consolidou na Medida Provisória n. 2.158-35, atualmente em vigor. 5 Embora originalmente o termo tenha sido criado para definir a incorporação de uma empresa controladora pela sua controlada, a expressão "incorporação às avessas" também tem sido uti- lizada para referência a qualquer operação de incorporação de uma empresa lucrativa por uma deficitária, efetuada com o intuito de afastar a aplicação do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. 6 O presente estudo tem como premissas os fatos tais como descritos nas versões publicadas em seu inteiro teor dos acórdãos n. 103-21046 e 103-02147, ambos de 16.10.2002, da 3" Câmara do 10 Conselho de Contribuintes, bem como dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Regional 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHP,MADA INCORPOIIAÇi,O ÁS AVESSAS,,, pectivas da operação chamada de "incorporação às avessas" em reestrutu- rações societárias em geral. Ademais, é interessante notar que o caso em estudo é um daqueles em que, em matéria de planejamento tributário, já foram esgotadas as esferas administrativa e judicial, em todas as suas instâncias. Esse fato nos permite conhecer com bom nível de detalhes da operação realizada, além de nos permitir extrair conclusões firmes sobre o tema discutido, eis que já houve desfecho definitivo sobre o caso. Tudo isto justificou a escolha do caso. Como já houve um desfecho final, o caso Josapar fornece elementos interessantes para pesquisa, permi- tindo ao estudioso e ao aplicador do direito tirar lições das decisões - já definitivas - nele proferidal. 2. DESCRiÇÃO DO CASO Como visto, no caso em estudo, o contribuinte já percorreu as esferas administrativa e judicial, discutindo a validade da operação imple- mentada, fato que viabiliza o estudo do caso como um todo. Para facilitar a compreensão, é interessante descrevê-lo na seguinte sequência: (i) a operação idealizada, (ii) a autuação fiscal, (iii) o acórdão proferido na esfera administrativa, e (iv) as decisões judiciais proferidas pelo Tribunal Regional Federal da 4a Região (TRF) e pelo Superior Tri- bunal de Justiça (STJ). 2.1. A OPERAÇÃO REALIZADA No Grupo Josapar, havia duas empresas, com as seguintes carac- terísticas: • Suprarroz S.A. Indústria e Comércio (CNPI 87.452.181/0001-75): empresa operativa, com patrimônio Federal da 4a Região e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não foram consideradas outras possíveis informações sobre o caso concreto que náo estivessem consignadas nas citadas deci- sões. 7 Nessas palavras iniciais, cumpre fazer agradecimento ao acadêmico de direito Pedro Guilherme da Mota Dutra, que muito contribuiu com pesquisa e estudos para esse trabalho. 251 Bruno FajersztaJn líquido de R$ 33.3833.666,70 e lucros acumulados de R$ 11.510.746,99; e • Suprema Industrial e Comercial S.A. (CNPI 92.291.293/0001-21): empresa não operativa, com patrimô- nio líquido de R$ 3.532.170,97 e saldo de prejuízos fiscais que somavam R$ 3.289.435,23. Em 30.3.l995, nas Assembleias Gerais Extraordinárias das duas empresas restou decidido que a Suprema, deficitária, deveria incorporar a Suprarroz, lucrativa, unificando os dois patrimônios em uma única pessoa jurídica. Após a operação, a Suprarroz (lucrativa) foi extinta, tendo sido o seu CNPJ, de n. 87.452.181/0001-75, baixado, restando como sua suces- sora a Suprema (deficitária), com CNPJ 92.291.293/0001-21. Mesmo com a extinção do CNPJ n. 87.452.18110001-75, a razão social utilizada pela empresa incorporadora, sucessora da incorporada, passou a ser Suprarroz S.A. Ind. e Comércio, que era a denominação da empresa extinta por incorporação. Além disso, o endereço da empresa incorporadora passou a ser o antigo endereço da empresa incorporada, onde, aliás, estava localizado o complexo administrativo do grupo. Veja-se também que, na realidade, a empresa incorporadora havia alienado o imóvel on.de estava localizada sua sede e os seus equipamentos industriais para terceiros alguns meses antes da incorporação ocorrida. As antigas filiais da empresa incorporada, que eram dezesseis, pas- saram a ser filias da empresa incorporadora. Por fim, os membros do Conselho de Administração da empresaincorporadora renunciaram aos respectivos cargos, tendo os membros da gerência da empresa incorporada assumido o Conselho da incorporadora. Alguns meses depois, em 30.11.1995, a empresa incorporadora, denominada Suprarroz (ex Suprema), foi incorporada por outra empresa do grupo, a Josapar Joaquim Oliveira S.A. Participações. Na declaração final entregue pela Suprarroz ao fisco federaIs, o saldo de prejuízos fis- 8 Obrigatória nos casos de incorporação e na qual deve ser apurado o valor do IRPJ e a CSL devidos no período compreendido entre lo de janeiro do ano da incorporação e a data da sua implementação. 252 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÁS AVESSAS .. cais por ela detidos foi compensado integralmente com o lucro daquela empresa9• Em resumo, ocorreu o seguinte: uma empresa de6citária, inativa e sem estrutura, incorporou uma empresa lucrativa, ativa e estruturada, com o objetivo de que os prejuízos de uma fossem compensados com o lucro da outra. Depois, na segunda incorporação ocorrida, encerrou-se um período de apuração para 6ns de IRPJ, período este no qual os referi- dos lucros e prejuízos foram consolidados. 2.2. FASE ADMINISTRATIVA - AUTUAÇÃO, DEFESA E DECISÕES Ao se deparar com a operação, a 6scalização da então Secretaria da Receita Federal, hoje da Receita Federal do Brasil, entendeu que se tratava de simulação, tendo alegado que, na realidade, economicamente, teria sido a Suprarroz, lucrativa, a verdadeira incorporadora e a Suprema, de6citária, a verdadeira incorporada, hipótese em que a compensação de prejuízos estaria vedada pelo art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. Diante disso, lavrou auto de infração para exigir o imposto de renda correspondente aos prejuízos indevidamente compensados, com juros de mora e multa agravada de 300%. Não há notícia, nos documen- tos analisados, de que tenha havido representação 6scal para 6ns penais. Em sua impugnação, o contribuinte, além de algumas prelimina- res irrelevantes ao presente estudo, sustentou quelO: 9 Pelo que se verifica dos fatos descritos, os prejuízos foram compensados sem a limitação de 30% prevista nas Leis n. 8.981/95 e 9.065/95. A compensação de prejuízos fiscais e bases negativas da CSL pode estar ou não sujeita à limitação, a depender do período-base de formação dos resultados negativos, assim como do momento em se realiza a compensação. Também é sabido que existe controvérsia na jurisprudência a respeito da validade das normas que impõem a trava de 30% nas hipóteses de extinção da pessoa jurídica, por exemplo, em razão de incorpora- ção. Defende-se, justamente, que, diante da vedação à transferência de prejuízos da sucedida à sucessora, prevista no Decreto-lei n. 2.341/87, a trava de 30% não se aplica, pois, nesse caso, se fosse aplicável, implicaria a perda do saldo de prejuízos, contrariando a finalidade da regra, cujo objetivo seria apenas permitir a triburação de um resultado mínimo a cada período-base e não propriamente impedir o aproveitamento dos saldos de prejuízos. Essas questões, referentes à aplicação da trava, não foram discutidas a fundo no caso ]osapar e não serão objeto de análise no presente artigo. 10 Informações obtidas do resumo dela constante do inteiro teor do acórdão proferido pelo Conselho de Contribuintes. Bruno Fajersztajn • as operações realizadas seguiram os ditames legais, inexistindo qualquer irregularidade que pudesse justificar a alegação de sua invalidade; • não houve evidente intuito de fraude que justificasse a aplica- ção da multa agravada de 300%; • na hipótese de manutenção da autuação, a penalidade ao menos deveria ser reduzida para 150%, tendo em vista a super- veniente alteração legislativa que abrandou a multa, alteração essa passível de aplicação retroativa, nos termos do art. 106, inciso II, "a" do Código Tributário Nacional (CTN). Posteriormente, a decisão de 1 a instância administrativa confirmou a autuação fiscal, mantendo as respectivas exigências, entendendo que as incorporações realizadas não eram válidas, e declarando que: C .. ) a documentação acostada aos autos comprova de forma inequívoca que a declaração de vontade expressa nos autos (sic) de incorporação era enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente indicado ( ... ). e que em tais situações ( ... ) a autoridade fiscal não está jungida aos efeitos jurídicos que os atos produziram, mas à verdadeira repercussão econômica dos fatos subja- centes C .. ). Quanto à penalidade agravada, foi mantido o entendimento de que a operação teria sido realizada com evidente intuito de fraude, mas houve aplicação da chamada retroatividade benigna, reduzindo-se a multa para o percentual de 150%. Em sede de recurso voluntário e posterior memorial, prosseguiu o contribuinte sustentando basicamente que: • • • a incorporação realizada e a compensação de prejuízos corres- pondente são práticas legítimas; não houve simulação, mas sim negócio jurídico indireto; a operação teria sido realizada no contexto de uma série de reestruturações e mudanças que teriam sido impostas pela 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÁS AVESSAS .. conjuntura econômica da época, com o intuito de simplificar e racionalizar as atividades do grupo Josapar; • não é proibida pela legislação a busca do benefício fiscal em questão; • a incorporação da Suprarroz pela Suprema, tal como imple- mentada e registrada na Junta Comercial, teria implicado a efetiva extinção da empresa incorporada, "(. .. ) tanto no mundo jurídico como no fático (. .. )", de modo que o fisco não poderia simplesmente inverter os efeitos dos atos produzidos; • os acionistas das empresas envolvidas na operação seguiram integralmente as disposições legais que definem a incorporação, sendo descabida a alegação de que a operação não ocorreu; • todas as regras previstas na legislação, aplicáveis à compensação de prejuízos fiscais haviam sido cumpridas, não se ajustando ao caso em julgamento a regra de vedação da compensação de prejuízos da sucessora pela sucedida; • não se aplicaria ao caso em questão, porque posterior aos fatos, a norma que autoriza a desconsideração de atos dissimulados, prevista no parágrafo único do art. 116 do CTN, introduzida pela Lei Complementar n. 104/2001; • a jurisprudência admite como lícitas operações que, não infrin- gindo a lei, são realizadas com finalidade de economia fiscal; • não restou evidenciado o intuito de fraude hábil a justificar a multa de 150%. Foi então proferido o acórdão n. 103-21046, de 16.10.2002, pela 3a Câmara do 10 Conselho de Contribuintesll , o qual, por unanimidade de votos, evidenciando total consenso entre oito julgadores representantes do fisco e dos contribuintes, manteve a exigência fiscal, mas agora cance- lando a multa de ofício: Do bem fundamentado voto condutor da decisão, elaborado pelo Conselheiro Paschoal Raucci, constaram as seguintes considerações: 11 Esse acórdão julgou a exigência do IRPJ, tendo sido proferido o acórdão n. 103-21047, também em 16.10.2002, tratando especificamente da CSL. 255 Bruno FaJersztaJn • fazendo referência a doutrinadores de respeito, como Alfredo Augusto Becker, Amílcar Araújo Falcão, Alberto Xavier, Geraldo Ataliba, Gilberto de Ulhôa Canto, Ricardo Mariz de Oliveira, Rubens Gomes de Sousa, dentre outros, destaca que o sistema jurídico-tributário brasileiro é do tipo "fechado", o qual está fundamentado na legalidade estrita, e requer, para fins de verificação da subsunção do fato à norma, análise exclusivamente jurídica; • logo, em nosso sistema não há espaço para a chamada "con- sideração econômica", que impõe a prevalência do conteúdo econômico sobre os meios jurídicos e é admitida em outros sistemas, como, por exemplo,no Código Tributário alemão de 1977; • tanto isso é verdade que o art. 74 do projeto de lei que instituiu o CTN previa regra autorizando a consideração dos efeitos econômicos na interpretação da legislação tributária, mas esse dispositivo acabou não integrando o texto final do Código; • a doutrina admite, nos sistemas do tipo "fechados", a prática de procedimentos elisivos, com o intuito de evitar a ocorrên- cia do fato gerador, eliminando ou reduzindo a tributação, desde que o contribuinte o faça por meios lícitos, praticando atos efetivamente existentes e prévios à incidência da norma tributária; • no que tange à simulação, cita doutrina de Direito Civil, notadamente Washington de Barros Monteiro, para defini-la basicamente como a exteriorização de vontade diferente da vontade real e efetiva; • analisando o caso concreto, entendeu que se trata mesmo de hipótese de simulação, tendo em conta a existência de fortes indícios nesse sentido; • reconheceu que a empresa incorporadora, a Suprema, não possuía existência efetiva que justificasse a incorporação, tanto que estava inativa e sequer possuía sede; • destacou que a gerência da Suprarroz havia assumido a admi- nistração da Suprema, bem como o fato de que a razão social e o domicílio que prevaleceram, após a operação, foram os da Suprarroz; • • • • • 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CH!,MADA INCORPOf1AÇÃO ÁS AVESSAS .. consignou que não é necessária ação judicial para desconside- ração dos atos tidos como simulados, nos termos do art. 149, inciso VII, do CTN; por outro lado, quanto à multa agravada, declarou que não estaria configurada a intenção dolosa, definida nos arts. 71 a 73 da Lei n. 4502/64, hábil a justificar a conclusão de que teria havido evidente intuito de fraude; o intuito de fraude deve ser evidente, e deve aflorar com tal clareza que não ponha em dúvida a má-fé do contribuinte nos atos praticados e o intuito de violar disposição legal; no caso, como os atos praticados pelas empresas envolvidas foram todos objeto de registros públicos e de divulgação, e como as operações foram lançadas na escrituração fiscal e comercial das empresas envolvidas, e foram cumpridas as for- malidades de registro das operações junto às próprias autori- dades fiscais, não haveria como concluir que houve fraude; ainda quanto à multa, entendeu que a penalidade exigida não seria devida, tendo em conta que a autuação teria sido lavrada contra a Josapar, na qualidade de responsável por sucessão dos débitos da empresa que incorporou e que, nesses casos, a imputação de multa à sucessora é indevida, nos termos do art. 132 do CTN. Não há notícia de que tenha havido decisão na última instância da esfera administrativa, pela Câmara Superior de Recursos Fiscais. Em suma, na esfera administrativa, a autuação foi mantida, tendo sido proferido um bem fundamentado acórdão pelo Conselho de Contribuintes, contendo considerações relevantes sobre planejamento tributário. Essa decisão consignou que, em princípio, a elisão fiscal é válida no sistema jurídico brasileiro, não sendo aplicável, por exemplo, a teoria da consideração econômica dos atos, pregada pela decisão de 1 a instância. Mesmo admitindo, em tese, a elisão fiscal, a decisão adminis- trativa entendeu que o caso concreto era de típica simulação, eis que as provas carreadas aos autos evidenciavam que a empresa deficitária não havia incorporado a lucrativa e sim o inverso, hipótese em que seria aplicá- Bruno Fajel~sztaJn vel a vedação à compensação de prejuízos prevista no art. 33 do Decreto- lei n. 2.341/87. Por fim, ainda que reconhecida a hipótese de simulação, desta- cou-se que não teria restado comprovado o evidente intuito de fraude. 2.3. FASE JUDICIAL - ACÓRDÃOS DO TRF E DO STJ Inconformada com a decisão final na esfera administrativa que manteve a exigência fiscal, a ]osapar pleiteou a anulação da autuação perante o Poder Judiciário. As peças processuais disponíveis, analisadas no presente estudo, que são os acórdãos proferidos pelo TRF e pelo ST], não contêm descrição dos fatos tão detalhada quanto aquela contida no acórdão do Conselho de Contribuintes. Desse modo, a descrição da fase judicial, no presente tra- balho, seguirá o padrão de objetividade adotado pelas decisões judiciais. Consta no acórdão do TRF que a competente ação foi ajuizada pelo rito ordinário, sendo o seu pedido principal a declaração de inexistência de relação jurídico-tributária que obrigasse a ]osapar a recolher o tributo exigido em decorrência da incorporação da Suprarroz pela Suprema, com a consequente desconstituição do lançamento de ofício tratado acima12 • Pelo que consta no acórdão do TRF, a sentença em 1 a instância julgou a ação improcedente, tendo sido entendido que se tratava de simu- lação, de modo que o lançamento de ofício não estaria eivado de qualquer irregularidade. A ]osapar apresentou recurso de apelação contra essa decisão, ale- gando, basicamente, segundo consta do acórdão TRF, que não haveria qualquer ilegalidade na incorporação realizada. O TRF da 4a Região, ao julgar o recurso de apelação em 29.6.2006, o qual recebeu o n. 2004.71.l0.003965-9/RS, confirmou a decisão de ins- tância, tendo consignado que: 12 A ação judicial que será considerada para fins desse trabalho diz respeito apenas ao processo de CSL. mas a discussão em matéria de planejamento é perfeitamente aplicável ao auto de infração de IRPJ. • • • • • • • 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAM!,DA INCQI,PORAÇÃO ÀS AVESSAS .. em tese, o contribuinte tem direito/liberdade de praticar elisão fiscal, quando o fizer por meio lícitos e diretos, com o intuito de evitar ou minimizar a tributação; tal direito/liberdade deve ser exercido antes da ocorrência do fato gerador, pois ele, uma vez ocorrido, faz surgir inexoravel- mente a obrigação tributária; se, porém, não forem observados tais requisitos, e forem pra- ticados atos ilícitos e/ou após a ocorrência do fato gerador, ocorre evasão fiscal, esta proibida; a hipótese de simulação é um ilícito que invalida a pretensão do contribuinte de praticar elisão fiscal; no caso ]osapar, houve simulação, pois a incorporação ocor- rida seria economicamente inviável; os mesmos indícios levados em conta pelo Conselho de Con- tribuintes para concluir que se tratava de simulação justifi- caram a conclusão do TRF no mesmo sentido, tendo sido destacado que, na realidade, a empresa lucrativa havia incor- porado a deficitária e não o inverso; a simulação, no caso em análise, decorre de declaração enga- nosa com objetivo de produzir efeito diferente daquele que nela se indica, conforme a definição do art. 167 do Código Civil; contudo, não se pode dizer que houve fraude, tal como defi- nida nos arts. 145 e 150 do Código Civil, eis que houve total publicidade dos atos, com registro nos órgãos competentes, evidenciando que não se pretendeu, com a operação, enganar, ocultar, iludir, dificultar ou impossibilitar a atuação do fisco. Tendo havido recurso especial, interposto por parte da União Fede- ral, os autos foram remetidos ao ST], onde receberam o n. 946.707-RS e foi proferido acórdão pela 2a Turma em 25.8.2009, o qual, no mérito, não conheceu do recurso, por se entender que a análise da questão demandaria revolvimento de provas, o que é vedado na chamada instância especial. Mas mesmo sem conhecer do recurso, o voto condutor proferido pelo Ministro Herman Benjamin teceu considerações sobre o caso, reve- lando seu entendimento a respeito dele. Merecem destaque os seguintes pontos: 259 Bruno Fajel'sztajn • a decisão consignou que não havia controvérsia sobre a aplica- ção da legislação, verificando que as partes concordavam que o art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87impede que a sucessora compense prejuízos da sucedida; • reconheceu que também não havia discussão no sentido de que, em caso de simulação, o ato simulado é nulo, mas que subsistirá aquele que se dissimulou, se válido for na substância e forma, como prevê o art. 167 do Código Civil; • também registrou que, no caso, houve regularidade formal na incorporação, bem como que os trâmites burocráticos previs- tos em lei foram todos cumpridos; • destacou que a discordância entre as partes, no caso, reside apenas em determinar se houve ou não simulação, o que, em última análise, significa definir qual das duas empre- sas, Suprema ou Suprarroz, foi a incorporadora e qual foi a incorporada; • em seguida, reproduziu os fundamentos da decisão do TRF da 4a Região para entender que no caso ]osapar houve típica hipótese de simulação; • consignou que o Tribunal "a quo" havia apreciado cuidadosa- mente os documentos carreados aos autos, fazendo referência aos já citados indícios de simulação existentes no caso; • finalmente, concordando nitidamente com as conclusões da decisão do TRF, concluiu que a revisão do entendimento manifestado pelo acórdão recorrido implicaria reexame do arcabouço fático apreciado em 2a instância, o que seria impos- sível em sede de recurso especial. Eis então uma descrição detalhada do caso ]osapar, desde a imple- mentação da reestruturação societária ocorrida até o seu desfecho final, por meio de acórdão do ST]. 3. ASPECTOS RELEVANTES A partir da descrição do caso acima feita, é possível tecer alguns comentários a respeito dele, bem como sobre a sua repercussão em matéria de jurisprudência sobre planejamento tributário. 9. CASO JOSAPAR: F,EFLEXÕES SOBRE A CH!\MADA INCORPORAÇÃO ÃS AVESSAS .. , 3,1. TEORIAS SOBRE ELlSÃO E EVASÃO FISCAL o primeiro comentário a ser feito é no sentido de que as decisões proferidas13 aceitaram de forma tranquila a existência de um direito do contribuinte de organizar suas atividades com o intuito de pagar menos tributo. Foi reconhecido, sem qualquer discussão, que é válido ao contri- buinte estruturar suas operações da forma menos onerosa do ponto de vista fiscal, desde que pratique atos lícitos e o faça antes da ocorrência do fato gerador da respectiva obrigação. Trata-se da adoção do que se pode denominar teoria clássica sobre elisão fiscal, encampada pela maioria da doutrina, citando-se, como exemplo, Alberto Xavierl4 e Ricardo Mariz de Oliveira l 5, dentre tantos outros. Sabe-se que esse posicionamento, embora majoritário na doutrina, não é unânime. No passado, alguns autores defendiam a chamada interpretação econômica ou consideração econômica, segundo a qual a incidência tributária deveria recair sobre os efeitos econômicos dos atos, indepen- dentemente da estrutura jurídica adotada. Essa teoria, aliás, inspirou a pretensão de inclusão de regra nesse sentido no projeto de lei que culmi- nou no CTN, mas que, como relatado no acórdão proferido pelo Con- selho de Contribuintes, acima descrito, acabou não constando no texto final do Código, aprovado em 1966. Depois disso, alguns autores, dos quais se destaca Marco Aurélio Greco1G, passaram a questionar a chamada teoria clássica sobre elisão com base em fundamentos jurídicos mais sofisticados, mas que, em última análise, conduzem a conclusões semelhantes àquelas defendidas pela teoria da consideração econômica. Para esses autores, o direito do particular de se organizar com o intuito de pagar menos tributos não pode ser exercido irrestritamente, 13 Exceção feita à decisão de 1 a instância administrativa. 14 XAVIER. Alberto. Tipicidade da Tributação, Simulação e Norma Antielisiva. São Paulo: Dialé- tica, 2001. 15 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Elisão Fiscal ante a Lei Complementar n. 104. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. O Planejamento Tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001. p. 257. 16 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo: Dia- lética, 1998. Bruno Fajersztajn devendo a atividade do contribuinte tendente a reduzir ou evitar a tribu- tação ser analisada à luz dos princípios da solidariedade social, igualdade, e da capacidade contributiva. Estes três últimos princípios, segundo essa linha de pensamento, prevaleceriam quando ponderados com os princí- pios da legalidade e da proteção à propriedade privada. Desse modo, para essa parcela da doutrina, a economia tributá- ria somente poderia ser alcançada validamente se o contribuinte tivesse outras razões empresariais ou econômicas para adotar determinada estru- tura; caso contrário, se a prática for adotada apenas para fins de economia fiscal, estar-se-ia diante de abuso de direito, vedado pelo ordenamentoI? Por outro lado, para aqueles que adotam o que acima se denomi- nou teoria clássica, a existência ou não de propósito negociaI é irrelevante, sendo que, em algumas manifestações, chegou-se a sustentar que a pró- pria economia fiscal em si mesma seria o propósito negociaI legítimo para a elisão. Outros doutrinadores, como Ricardo Mariz de Oliveira, anali- sando a teoria clássica à luz da jurisprudência, reconhecem a questão do propósito negociaI apenas como um dos indícios a serem ponderados para fins de aferição e comprovação da validade dos atos e negócios jurídicos. Essa discussão doutrinária ganhou corpo com a introdução do parágrafo único ao art. 116 do CTNI8 , pela Lei Complementar n. 104/2001, cuja redação ensejou manifestações no sentido de que teria sido introduzida no ordenamento jurídico uma norma geral antielisão, permi- tindo ao fisco tributar qualquer manifestação de capacidade contributiva, independentemente da estrutura jurídica adotada. Para outra parcela da doutrina, contudo, o citado parágrafo único não teria trazido sensíveis alterações no ordenamento, eis que ele apenas esclareceu que o fisco tem, como sempre teve, a prerrogativa de desconsiderar atos tendentes a dissi- 17 Essas são considerações de ordem bem geral, feitas apenas com o intuito de registrar a existência de posicionamento nesse sentido, o que é suficiente para os fins do presente estudo, cujo objetivo é comentar o caso ]osapar, a partir do pressuposto de que os conceitos de elisão e evasão fiscal já são conhecidos. 18 ''Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente consti- tuída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária." 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÁS AVESSAS ... mular a ocorrência do fato gerador; ou seja, a fiscalização, no exercício da sua atividade, pode desconsiderar atos ilícitos praticados com o objetivo de camuflar a ocorrência do fato gerador. Vale também registrar que essa divergência sobre o que se deve entender por elisão fiscal válida, aliada à utilização indiscriminada das teorias de abuso de direito por parte do fisco na investigação de operações realizadas por contribuintes, gerou indesejada insegurança na comunidade jurídica e fez surgir manifestações no sentido da necessidade da edição de uma verdadeira norma geral antiabuso, a qual pudesse conferir maior estabilidade nas relações entre fisco e contribuinte e que pudesse nortear com maior segurança e previsibilidadeas decisões gerenciais no sentido de adotar a estrutura menos onerosa do ponto de vista tributário19• A despeito da existência de toda essa divergência e da relatada inse- gurança em relação ao conceito de elisão fiscal, amplamente conhecidas e divulgadas, é interessante notar que nenhuma das decisões proferidas no caso ]osapar se sensibilizou pelas demais teorias existentes sobre o tema, tendo elas acolhido a chamada teoria clássica. O acórdão do Conselho de Contribuintes adentrou na questão da consideração econômica, a qual leva a resultado semelhante àquele bus- cado pela teoria baseada na prevalência da capacidade contributiva, refu- tando veementemente a primeira e silenciando sobre a segunda. Na esfera judicial, as decisões proferidas foram categóricas e reco- nheceram de forma unânime que existe o direito do contribuinte de organizar suas atividades de forma a pagar menos tributo, não tendo elas sequer circundado as demais teorias acima tratadas. Nesse contexto, é interessante notar que a decisão proferida pelo TRF, aquela que mais aprofundou o assunto na esfera judicial, contém definições gerais sobre o que se entende por elisão fiscal e adotou nitida- mente a referida teoria clássica, majoritária da doútrina, sem fazer qual- quer ressalva quanto às demais. Os quatro primeiros itens da ementa daquele acórdão são cate- góricos ao estabelecerem que: "1. Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse 19 Confira-se, a esse respeito, artigo publicado por mim em coautoria com Ricardo Mariz de Oliveira e Cláudia Vit de Carvalho, na coletânea Pesquisas Tributdrias - Nova série 17 - Respon- sabilidade Tributdria. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. Bruno Fajersztajn planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura. 2. Talliberdade é possível apenas anteriormente à ocorrência do foto gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária. 3. A elisão tributária, todavia, não se confunde com a evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a carga tributária após a ocorrência do foto gerador. 4. Admite-se a elisão fiscal quando não houver simulação do contribuinte. Contudo, quando o contribuinte lança mão de meios indiretos para tanto, há simulação. 5. Economicamente inviável a operação de incorporação proce- dida (da superavitária pela deficitária), é legal a autuação. (..)". Veja-se que o acórdão do TRF definiu os conceitos gerais de elisão e evasão fiscal, encampando a doutrina clássica, sem fazer qualquer alusão às demais teorias. O ST], como dito, fez questão de reproduzir a deci- são do TRF concordando nitidamente com o desfecho nela contido e também silenciou a respeito das demais teorias. É claro que, no caso concreto, a invalidade da operação restou configurada com base na chamada teoria clássica e que, em princípio, seria desnecessário adentrar nas demais teorias. Contudo, como o TRF definiu os conceitos de evasão e elisão, com o objetivo de exteriorizar uma linha de entendimento do Tribunal a respeito, poderia ele ter ressalvado as hipóteses contempladas nas demais teorias e não o fez. Essa postura, adotada no caso ]osapar, tanto na esfera adminis- trativa como na judicial, revela um viés da jurisprudência para o acolhi- mento da chamada doutrina clássica. Ademais, tem sido nessa linha grande parte das últimas decisões na esfera administrativa, na qual o tema planejamento tributário é mais frequentemente discutido. Embora não se possa dizer que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) adote deliberadamente essa ou aquela visão sobre elisão e evasão fiscal, já que a maioria das decisões não é categórica a esse respeito, é possível notar que os julgados daquele órgão sempre partem do pressuposto de que é legítima a busca do contri- buinte pela estrutura mais econômica do ponto de vista fiscal. Eventual invalidação das operações, no mais das vezes, ocorre com base na cons- tatação de vícios nos respectivos atos ou negócios jurídicos (vide comen- tários a seguir) e não nas teorias baseadas na prevalência da capacidade contributiva. 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÃS AVESSAS ... Claro também que existem decisões pautadas na teoria defendida por Marco Aurélio Greco (ainda que não expressas), entendendo que a existência de propósito negociaI é condição indispensável para a validade da estrutura adotada pelo contribuinte. Mas a partir da análise das decisões proferidas na esfera adminis- trativa, pode-se dizer que vem prevalecendo a chamada doutrina clás- sica. Um excelente exemplo disso foi a decisão proferida pela Ia Turma Ordinária da Ia Câmara da }a Seção do CARF, acórdão n. 1101-00708, de 11.4.2012, divulgado em 16.5.2012, pouco mais de um mês antes da conclusão do presente estudo. Tratando de uma operação que gerou ágio amortizável para a empresa Gerdau Açominas S.A., a decisão afirma os conceitos de maneira clara e categórica, sendo justificável a transcrição da correspondente ementa: ( ... ) DIREITO TRIBUTÁRIO. ABUSO DE DIREITO. LANÇA- MENTO. Não há base no sistema jurídico brasileiro para o Fisco afastar a inci- dência legal, sob a alegação de entender estar havendo abuso de direito. O conceito de abuso de direito é louvável e aplicado pela Justiça para a solução de alguns litígios. Não existe previsão do Fisco utilizar tal con- ceito para efetuar lançamentos de ofício, ao menos até os dias atuais. O lançamento é vinculado à lei, que não pode ser afastada sob alegações subjetivas de abuso de direito. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. ELISAo. EVASAo. Em direito tributário não existe o menor problema em a pessoa agir para reduzir sua carga tributária, desde que atue por meios lícitos (elisão). A grande infração em tributação é agir intencionalmente para esconder do credor os fatos tributáveis (sonegação). ELISAo. Desde que o contribuinte atue conforme a lei, ele pode fazer seu planeja- mento tributário para reduzir sua carga tributária. O fato de sua conduta ser intencional (artificial), não traz qualquer vício. Estranho seria supor que as pessoas só pudessem buscar economia tributária lícita se agissem de modo causal, ou que o efeito tributário fosse acidental ( ... ). Essa decisão do CARF, aliada ao caso ]osapar, confirmam a conclu- são acima, no sentido de que a jurisprudência vem adotando majoritaria- Bruno Fajersztajn mente a chamada teoria clássica sobre elisão e evasão fiscal, reconhecendo a legitimidade da economia tributária, quando baseada em atos válidos do ponto de vista do dirdto privado20 e prévios à incidência da norma tributária. 3.2. "INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS" X SIMULAÇÃO, ABUSO DE DIREITO E FRAUDE À LEI Como visto, mesmo para a chamada teoria clássica, que admite o direito do contribuinte de organizar seus negócios de maneira menos onerosa do ponto de vista fiscal, a economia fiscal pressupõe a validade jurídica dos atos e negócios jurídicos praticados pelo contribuinte. Cabe então, para fins do presente estudo, descrever quais seriam essas ilicitudes, de modo a se verificar se, nas chamadas" incorporações às avessas", seria possível vislumbrar alguma delas. As ilicitudes dos atos e negócios jurídicos estão definidas no Código Civil. É possível dividi-las em três: simulação, abuso de direito (no plano civil) e fraude à lei. A jurisprudência ainda não estabeleceu critérios precisos e claros a respeito da caracterização de cada um dos vícios acima, variando de caso a caso. Basta ver que, muitas vezes, as decisões - e também as autoridades fiscais - declaram haver simulação quando se faz presente, na verdade,a fraude à lei ou o abuso de direito, e vice-versa. Esse fato torna a adoção de determinadas estruturas jurídicas preocu- pante, na medida em que não existe uma definição jurisprudencial clara e objetiva a respeito das citadas figuras - que, aliás, muitas vezes se con- fundem ou se entrelaçam no caso concreto - tornando difícil a adoção de uma postura segura pelos contribuintes quando da prática de negócios jurídicos com reflexos na seara fiscal. Daí o comentário anterior no sen- tido do surgimento de debates a respeito da necessidade de edição de uma norma geral antiabuso. Ainda assim, cabe no presente estudo tecer breves considerações a respeito dos citados vícios dos atos ou negócios jurídicos. 20 E dos demais ramos, eventualmente, como direito administrativo, econômico, dentre outros. 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÃS AVESSAS ... A simulação é descrita no artigo 167 do Código Civil nos seguin- tes termos: Art. 167 - É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. Parágrafo 10 - Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daque- las às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verda- deira; 11I - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. A simulação também é entendida, pela doutrina e pela jurispru- dência, como a desconformidade entre a vontade interna das partes e a vontade declarada externamente nos instrumentos pelos quais o ato ou negócio jurídico se formaliza. Para alguns, ela pode ser definida singela- mente como a mentira, a inverdade. Mais recentemente, também têm surgido manifestações na dou- trina no sentido de que, além da definição do art. 167, é simulado o negó- cio jurídico que contém vício de causa. A causa é a função que o negócio desempenha no ordenamento jurídico, segundo a disciplina que a lei lhe outorga, correspondendo, portanto, ao binômio prestação/contrapresta- ção de cada contrato, ou ao efeito que ele produz. Em última análise, a causa é a própria essência do negócio jurídico21 • A simulação, nesse con- texto, corresponderia à prática de atos pelas partes não condizentes com a respectiva causa, evidenciando que a essência do negócio declarado, exte- riorizado, não se materializou na realidade22• Trata-se de teorias complementares sobre simulação, não prejudi- ciais umas das outras, as quais auxiliam o aplicador do direito a verificar a existência da simulação diante de um determinado caso concreto. 21 Exemplificando: a translação da propriedade em troca do respectivo preço é a causa da compra e venda. E a entrega da posse por determinado período de tempo em troca das prestações de aluguel é a causa da locação; assim por diante. 22 Confiram-se nesse sentido: GAINO, Itamar. A Simulaçdo dos Negóciosjurídicos. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 4 e seguintes. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio de. Simulação e negócio jurídico indireto. No Direito Triburário e à luz do novo Código Civil. Revista Fórum de Direito Tributdrio n. 48, p. 9. Bruno FajersztaJn Por sua vez, o abuso de direito está definido no art. 187 do Código Civil, que assim dispõe: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim eco- nômico ou social, pela boa-fl ou pelos bons costumes': Em linhas gerais, pode-se dizer que o abuso de direito corresponde ao excesso, pelo titular, no exercício regular de um direito. Determinado sujeito é titular de um direito, mas, em seu uso, ultrapassa os fins normais - econômicos, sociais, de boa-fé ou bons costumes - a que tal direito se destina. Os limites do abuso do direito, no plano civil, estão definidos no próprio art. 187 e correspondem aos fins econômicos normais, sociais, de boa-fé e dos bons costumes de um contrato. É a chamada função social do contrato, o qual não pode ser utilizado pelas partes para além desses limites23 • Não se vislumbra excesso a tais limites a prática de atos e negócios com o objetivo de evitar a incidência tributária, eis que não há qualquer vedação legal, ou mesmo moral ou social, nesse sentido. Pelo contrário, elidir a obrigação tributária é um objetivo legítimo, um direito de qual- quer contribuinte no contexto constitucional em que vivemos atualmente. De modo que o abuso aqui analisado se verifica no plano do direito civil e não se confunde com a teoria do abuso de direito em matéria tributária, acima descrita. Por fim, quanto à fraude à lei, definida no art. 166 do Código Civil24 , pode-se dizer que ela consiste na obediência à literalidade da lei, mas não a seu espírito, ou seja, não à "mens legis". Há, na fraude à lei, violação indireta da lei, pois, na aparência, ela é observada, o mesmo não 23 Confiram-se, nesse sentido: VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2010. v. 1, p. 552-559; DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1, p. 558-562; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Imtituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil - Teoria Geral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 1, p. 671-675; MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1, p. 356-358. 24 "Art. 166 - É nulo o negócio jurídico quando: VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; ( .. .)". 9. CASO JOSAPAR: REFI_EXÕES SOBRE A CHAMf\DA INCORPOI',AÇÃO ÃS AVESSAS .. ocorrendo com o conteúdo ou significado de suas palavras, que são toma- dos, não em seu espírito, mas em sua literalidade25 • Parte da doutrina sustenta que não há fraude à lei no direito tribu- tário, porque a fraude somente existe contra leis imperativas, e estas são aquelas que proíbem algo (as normas proibitivas) ou permitem que algo seja feito sob determinadas condições (as normas preceptivas), enquanto que a norma tributária não se insere no âmbito das normas imperativas passíveis de serem fraudadas, porque é norma que não obriga à prática do fato gerador, e também nada proíbe, eis que ela somente atua após alguém incorrer na situação descrita na hipótese de incidência, e esse incurso situa-se no âmbito das liberdades individuais. Pois bem. No caso ]osapar, como já visto, a irregularidade encon- trada pelo fisco foi a mais comum em casos de planejamento, qual seja, a simulação. Entenderam o fisco e os julgadores, tanto na esfera administrativa, quanto na judicial (não houve divergência a esse respeito) que a operação havia sido simulada, eis que, no caso, não teria havido incorporação da lucrativa (Suprarroz) pela deficitária (Suprema), mas sim o inverso. Tal conclusão advém da consideração de diversos indícios, todos convergentes e determinantes, quais sejam: (i) todas as operações foram realizadas entre partes relacionadas; (ii) o patrimônio líquido da incor- poradora correspondia a 10% do patrimônio líquido da incorporada; ou seja, a empresa incorporadora tinha porte muito menor do que a empresa incorporada; (iii) a empresa incorporadora estava inativa, tendo inclusive alienado seu maquinário operacional e sua sede a terceiros no ano anterior à incorporação; (iv) a empresa incorporadora era deficitária e a incorpo- rada era lucrativa; (v) após a incorporação, a razão social que perdurou foi a da empresa incorporada; (vi) após a incorporação, a gerência da empresa passou a ser exercida pelos membros do Conselho de Administração da incorporada; e (vii) após a incorporação, a sede da empresa remanescente passou a ser a antiga sede da empresa incorporada. 25 Confiram-se, nesse sentido: MONTEIRO, Washingron de Barros. Curso de DireitoCivil: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1. p. 283. MIRANDA, Pontes de. Tratados de Direito Privado: Parte Geral. Campinas-SP: Bookseller, 2000. t. 4, p. 253 e p. 445-446. Bruno FaJersztaJn Tais fatos evidenciam que, na realidade, após a incorporação, a empresa que foi extinta na operação foi a deficitária (Suprema) e não a lucrativa (Suprarroz). De fato, não é preciso esforço para se chegar a essa conclusão. Trata-se de hipótese que se enquadra perfeitamente na definição de simulação contida no art. 167 do Código Civil, acima tratada, já que, inquestionavelmente, por tudo o que já foi exposto, a operação em ques- tão continha declaração não verdadeira, como requer o inciso II do pará- grafo l°. Ocorreu, no caso, a prática exterior de um ato, registrada nos atos formais de incorporação, que dava conta da extinção da Suprarroz, mas que, na verdade, não correspondeu à vontade subjetiva real das partes (acionistas), pois elas pretendiam manter e de fato mantiveram a Suprar- roz ativa. Também é possível vislumbrar vício de causa na operação, eis que os papéis de sucessora e sucedida na incorporação em questão estão inver- tidos no caso ]osapar, não tendo sido, portanto, observada com rigor a função prática do ato em questão. Em suma, o caso ]osapar envolve claramente uma hipótese de simulação. O fato de ter havido simulação, nesse caso, invalidou a preten- são do contribuinte de compensar os prejuízos de uma empresa com os lucros de outra, eis que, havendo na realidade a incorporação da lucrativa pela deficitária, aplica-se a vedação contida no art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. É importante registrar que a operação foi invalidada justamente porque foi tida como simulada. Um dos requisitos para a validade da elisão fiscal, qual seja, a licitude dos atos praticados no plano privado, não se verificou no caso ]osapar, exatamente por conta da simulação. Todavia, não se pode dizer que toda e qualquer operação na qual uma determinada empresa deficitária incorpora uma lucrativa deva ser considerada inapta para fins de evitar a incidência da regra de vedação contida no citado art. 33. Pelo contrário. Em tese, não há nada de errado em uma empresa deficitária incorporar uma empresa lucrativa, desde que isto ocorra efe- tivamente e não haja simulação, ou qualquer outro vício do negócio jurídico. 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÁS AVESSAS .. A Lei n. 6.404/76 admite a reunião de duas pessoas jurídicas por meio de cisão, fusão e incorporação nos arts. 223 e seguintes e não contém qualquer disposição impedindo que uma empresa deficitária absorva o patrimônio de uma lucrativa. Se não há vedação, a operação é permitida. Isso com base no pre- ceito básico, que decorre do princípio da legalidade, previsto no art. 5° de nossa Constituição, o qual confere ao particular a liberdade de agir e não ser obrigado a fazer ou deixar de fazer nada senão em virtude de lei. É daí também que advém a liberdade de contratar. Sendo permitida a incorporação de empresa lucrativa por defici- tária, esse direito pode ser exercido de forma ampla, não podendo ser considerado em si abusivo, a menos que por meio dele se possa pretender praticar algum ato ilícito. Não contraria a função econômica, social, a boa-fé e os bons costu- mes a incorporação de uma empresa lucrativa por uma deficitária, mesmo que isto implique redução de carga tributária. A economia fiscal decorrente da operação, resultante da "fuga" da hipótese legal do art. 33 do Decreto- lei n. 2.341/87, não é, de modo algum, um ato ilícito para tais fins. Por isso, em tese, a incorporação de empresa lucrativa pela defi- citária não pode ser enquadrada como hipótese de abuso de direito, nos termos do art. 187 do Código CiviL Também não se pode dizer que a operação cogitada no presente estudo configure a fraude à lei de que trata o art. 166, inciso IV, do Código Civil. Admitindo-se como verdadeira (não simulada) e efetiva a operação de incorporação da empresa lucrativa pela deficitária, e tomando-se como premissa inquestionável que uma operação nesses moldes é admitida pela legislação, a conclusão a que se chega é no sentido de que não incide a regra do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. Isto simplesmente porque a situação hipotética nele contemplada não se verifica no caso em análise. Veja-se que a vedação prevista no art. 33 é de transferência de pre- juízos de uma empresa para a outra, por meio de incorporação. O que se pretende impedir, por meio dessa regra, é o "comércio" ou a simples alocação de prejuízos fiscais advindos de empresas quebradas, inativas, para a redução da carga tributária da empresa sucessora. Este é o espírito da norma. 271 Bruno FaJersztaJn Mas não se proíbe o "comércio" (ou a alocação) do patrimônio de uma empresa lucrativa em uma empresa deficitária, fazendo com que esta última passe a obter resultados positivos dos quais os prejuízos poderão ser abatidos. Uma proibição nesse sentido significaria, se não impedir, ao menos dificultar em muito que uma empresa deficitária pudesse se recu- perar e se tornar lucrativa novamente, em evidente prejuízo aos acionistas, empregados, credores, enfim, à economia em geral. Certamente não é esse o espírito da regra prevista no art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. Logo, a incorporação de uma empresa lucrativa por uma deficitária não implica fraudar o espírito do art. 33, não se tratando, portanto, de hipótese de fraude à lei. Na verdade, o que ocorre nesse caso é simplesmente a não incidência da regra de vedação em questão. Veja-se também que a criação de receitas na empresa deficitária, obtida por meio da incorporação de uma empresa lucrativa, também pode- ria ser alcançada por meio da transferência dos bens de produção da lucra- tiva para a deficitária, por contrato de compra e venda, locação ou mesmo comodato. E ninguém ousaria dizer que essa hipótese estaria enquadrada na regra do art. 33 em questão. Essa consideração é muito importante porque, no plano da validade dos atos e negócios jurídicos, a doutrina sempre reconheceu que não se pode considerar ilícito um determinado ato ou negócio se o objetivo por meio dele alcançado também puder ser obtido por outros meios válidos. Não haveria razão para simular, abusar ou fraudar a lei se, ao final, o resul- tado verificado fosse obtido por meios válidos. A diferença entre esses outros meios de se criar receitas na empresa deficitária e a incorporação consiste em que, nesta última, há benefício fiscal decorrente da compensação de prejuízos. Mas já foi visto que a eco- nomia tributária é objetivo legítimo do contribuinte e não pode por si só ser razão para invalidar um ato ou negócio jurídico. Enfim, inexistindo, ao menos em princípio, abuso de direito, fraude à lei ou simulação, é válida a incorporação de uma empresa lucrativa por uma deficitária, sendo essa operação apta para produzir os respectivos efeitos. Esse foi, aliás, o desfecho da autuação recebida pela empresa Martins Comércio e Serviços de Distribuição S.A., na qual se discutiu o mesmo tema debatido no caso Josapar, mas no qual não havia indícios de simulação. A operação de incorporação ali analisada foi considerada válida, tendo sido acolhidos os fundamentos expostos neste trabalho. Inicialmente 9. CASO JOSAPAR: REFLEXGES SOBRE ,", CHAMAD,", INCORPORi',ÇÃO ÁS AVESSAS" foi proferido o acórdão n. 107-07596, de 14.4.2004, pela 7a Câmara do l° Conselho de Contribuintes, tendo sido posteriormente essa decisão confir- mada pela la Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, pelo acórdão CSRF/0l-05413, de 20.3.2006, o qual possui a seguinte redação: IRPJ - INCORPORAÇAO ÀS AVESSAS - GLOSA DE PREJUÍ- ZOS - IMPROCEDÊNCIA - A denominada "incorporação às aves- sas", não proibida pelo ordenamentojurídico, realizada entre empresas operativas e que sempre estiveram sob controle comum, não pode ser tipificada como operação simulada ou abusiva, mormente quando, a par da inegável intenção de não perda de prejuízos fiscais acumula- dos, teve por escopo a busca de melhor eficiência das operações entres ambas praticadas. No caso Martins, a solução foi oposta àquela dada no caso ]osapar, justamente porque lá não se vislumbrou artificialidade ou qualquer outro vício na operação praticada. Realmente, tratava-se de empresas operati- vas e se verificou a existência de razões empresariais para a organização, mesmo que também houvesse interesse na economia tributária. Em resumo, diante do acima exposto, pode-se dizer que, em tese, a incorporação de uma empresa lucrativa por uma deficitária, desde que efetiva, é possível, sendo inclusive apta para produzir eventual economia fiscal pretendida, pois, nesse caso, não se aplica a vedação prevista no art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. 3.3. MULTA AGRAVADA Outro aspecto de grande relevância, tratado no caso ]osapar, diz respeito à exigência da multa agravada, lançada em razão da alegação de que a operação implementada havia sido realizada por meio de fraude. Ainda na esfera administrativa acabou sendo reconhecido não ter havido fraude, tendo em vista que o contribuinte não havia escondido do fisco a estrutura adotada, tendo ele registrado a operação nos respectivos órgãos públicos, bem como lançado todos os atos correspondentes em sua contabilidade e notificado as autoridades fiscais por meio do envio das respectivas declarações. 273 Bruno FaJersztajn Tais elementos justificaram a manifestação do conselheiro relator do acórdão proferido pelo Conselho de Contribuintes no sentido de não ter havido fraude, tendo ele votado pela redução da penalidade. Ocorre que, ao final, restou cancelada integralmente a exigência da multa de ofício, com base na tese de que a ]osapar, na condição de sucessora e responsável pelo crédito tributário em discussão, não respon- deria pela multa exigida, já que o art. 132 do CTN, ao tratar do assunto, atribuiria responsabilidade à sucessora apenas em relação aos tributos, não às multas. Assim, a questão do agravamento da penalidade, mesmo tendo constado do voto relator de forma clara e fundamentada no sentido do seu descabimento, acabou restando prejudicada em razão da aplicação do art. 132, com base no qual houve o cancelamento integral da multa. Logo, tem importância relativa em termos de jurisprudência o voto do relator do acórdão proferido pelo Conselho de Contribuintes no que tange à multa agravada. De qualquer forma, ainda assim restou consignado na esfera judi- cial que o caso ]osapar não poderia ser enquadrado como hipótese de fraude. Conforme se verifica no item 7 da ementa do acórdão proferido pelo TRF da 4a Região: "não há fraude no caso: a incorporação não se deu mediante fraude ao fisco, já que na operação não se pretendeu enganar, ocul- tar, iludir, dificultando - ou mesmo tornando impossível - a atuação fiscal, já que houve ampla publicidade dos atos, inclusive com registro nos órgãos competentes ( .. )". Sem descer aos detalhes, até porque não estava em debate a exigi- bilidade da multa, a decisão fundamentou seu entendimento nos arts. 145 e 150 do Código Civil, que tratam de fraude. A despeito de ter chegado à conclusão escorrei ta, a fundamentação para o não agravamento da multa poderia ter sido baseada nos dispositi- vos legais específicos previstos na legislação tributária, quais sejam, o art. 44 e parágrafos da Lei n. 9.430/96; e arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502/64. O tema tem sido objeto de constante debate, valendo tecer algu- mas considerações a respeito. De acordo com o parágrafo Iodo art. 44 da Lei n. 9.430/96, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.488/2007, é devida a multa quali- ficada de 150% "nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de Bruno FaJerszlajn Tais elementos justificaram a manifestação do conselheiro relator do acórdão proferido pelo Conselho de Contribuintes no sentido de não ter havido fraude, tendo ele votado pela redução da penalidade. Ocorre que, ao final, restou cancelada integralmente a exigência da multa de ofício, com base na tese de que a ]osapar, na condição de sucessora e responsável pelo crédito tributário em discussão, não respon- deria pela multa exigida, já que o art. 132 do CTN, ao tratar do assunto, atribuiria responsabilidade à sucessora apenas em relação aos tributos, não às multas. Assim, a questão do agravamento da penalidade, mesmo tendo constado do voto relator de forma clara e fundamentada no sentido do seu descabimento, acabou restando prejudicada em razão da aplicação do art. 132, com base no qual houve o cancelamento integral da multa. Logo, tem importância relativa em termos de jurisprudência o voto do relator do acórdão proferido pelo Conselho de Contribuintes no que tange à multa agravada. De qualquer forma, ainda assim restou consignado na esfera judi- cial que o caso ]osapar não poderia ser enquadrado como hipótese de fraude. Conforme se verifica no item 7 da ementa do acórdão proferido pelo TRF da 4a Região: "não há fraude no caso: a incorporação não se deu mediante fraude ao fisco, já que na operação não se pretendeu enganar, ocul- tar, iludir, dificultando - ou mesmo tornando impossível- a atuação fiscal, já que houve ampla publicidade dos atos, inclusive com registro nos órgãos competentes (. .. )". Sem descer aos detalhes, até porque não estava em debate a exigi- bilidade da multa, a decisão fundamentou seu entendimento nos arts. 145 e 150 do Código Civil, que tratam de fraude. A despeito de ter chegado à conclusão escorrei ta, a fundamentação para o não agravamento da multa poderia ter sido baseada nos dispositi- vos legais específicos previstos na legislação tributária, quais sejam, o art. 44 e parágrafos da Lei n. 9.430/96; e arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502/64. O tema tem sido objeto de constante debate, valendo tecer algu- mas considerações a respeito. De acordo com o parágrafo Iodo art. 44 da Lei n. 9.430/96, na redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.488/2007, é devida a multa quali- ficada de 150% "nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de 274 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPOf!AÇÃO ÀS AVESSAS .. 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades admi- nistrativas ou criminais cabíveis". A redação anterior do art. 44 era bastante semelhante, não tendo a alteração promovida pela Lei n. 11.488/2007 modificado a essência da norma legal, que determinava a imposição de penalidade "de 150% (cento e cinqüenta por cento), nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis". Os arts. 71 a 73 da Lei n. 4.502/64, referidos na Lei n. 9.430/96, possuem a seguinte redação: Art. 71 - Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária: I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar a obriga- ção tributária principal ou o crédito tributário correspondente. Art. 72 - Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obriga- ção tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido, ou a evitar ou diferir o seu pagamento. Art. 73 - Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visandoqualquer dos efeitos referidos nos artigos 71 e 72. (Destaques do autor) A leitura criteriosa desse conjunto de dispositivos revela que o intuito doloso é pré-requisito para a aplicação da multa agravada de 150%. Isso porque o art. 44 da Lei n. 9.430/96, tanto em sua redação atual, como na anterior, reserva essa penalidade mais onerosa, não aos casos de simples ilegalidades praticadas pelos contribuintes, mas apenas às hipóteses de ilegalidades que tenham sido cometidas com intuito fraudulento. Bruno FajersztaJn Os arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502 referem-se exclusivamente a situações em que o dolo esteja presente, pois os dois primeiros referem-se à "ação ou omissão dolosa" e o terceiro a "ajuste doloso". Portanto, nas três modalidades de intuito fraudulento, constantes desses dispositivos da Lei n. 4.502/64 - sonegação, fraude e conluio -, o traço característico e comum a elas é o dolo. Logo, o componente doloso é de caracterização fundamental para fins de aplicação da multa qualificada. Dolo, segundo a doutrina, é um estado de espírito interno que se manifesta por atos ou omissões externas. Em outras palavras, o dolo existe como ato de vontade, sendo representado pela vontade de infringir a lei e pela vontade de fazê-lo fraudulentamente. Assim, deve-se afastar a caracterização do dolo quando nos atos praticados as pessoas atuam sem malícia, sem ocultação de qualquer ele- mento relevante e sem indução de terceiros a estado de erro. No caso ]osapar, o contribuinte praticou atos com objetivo de recolher menos tributos, mas os colocou à apreciação de quem tivesse interesse, inclusive do fisco, por meio dos lançamentos contábeis das ope- rações, registros públicos efetuados e do envio das respectivas declarações ao fisco. Não houve qualquer obstáculo ao pleno conhecimento dos fatos pelos possíveis interessados. Além disso, no terreno específico da elisão e da evasão fiscal, a doutrina e a jurisprudência têm levado em conta, para afastar a multa mais onerosa, a ausência de norma legal que defina os limites no exercício do direito à planificação fiscal, assim como têm considerado as mudanças no entendimento jurisprudencial em relação ao que havia nos anos 90 do século passado e nos primeiros anos deste século, e ainda as controvérsias entre juristas especializados. Veja-se que a elisão fiscal representa um direito (constitucional) da pessoa que ainda não adentrou na situação configuradora de alguma obri- gação tributária, e, por outro lado, não há norma que regule o eventual abuso no exercício desse direito, que seria uma norma geral antievasão ou antiabuso e que permitiria evidenciar com maior clareza e objetividade em quais hipóteses o contribuinte agiu de forma ilegítima e em quais situações caminhou de acordo com a lei. Desse modo, não se poderia considerar dolosa uma conduta no sentido de elidir a obrigação tributária se existe controvérsia doutrinária 276 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕeS SOBRE A CHAMADA INCORrORAçÀO ÀS AVESSAS" e jurisprudencial sobre os limites do exercício do direito à elisão fiscal e, mais, se não existe uma norma geral circunscrevendo os respectivos parâ- metros de validade. Nesse contexto, o àrt. 112 do CTN prescreve a interpretação mais favorável para a imposição de penalidades quando houver dúvida quanto à capitulação legal do fato, quanto à natureza ou às circunstâncias materiais dele, ou quanto à natureza ou extensão dos seus efeitos, quanto à autoria, imputabilidade ou punibilidade, à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduaçã026 • Se, portanto, houver dúvida quanto à intenção dolosa do contri- buinte, o CTN impõe a interpretação mais favorável, a qual conduz à redução da penalidade. Esse dispositivo foi invocado no voto condutor do acórdão proferido pelo Conselho de Contribuintes no caso ]osapar. De todo modo, não há dúvida de que no caso não houve dolo, tal como acima definido. Assim, andou bem a decisão do TRF no caso ]osapar ao consignar que a situação ali analisada não configura fraude passível de aplicação de multa agravada. 4. CONCLUSÕES A reflexão sobre o caso ]osapar conduz a uma primeira conclu- são: o caso é emblemático. De todas as decisões analisadas, em todas as instâncias, nas esferas administrativa e judicial, a conclusão a que chegaram os julgadores foi rigorosamente a mesma, qual seja, a de que a operação foi simulada. Não houve sequer uma decisão que tivesse acolhido os fundamentos de defesa do contribuinte. Essa uniformidade de posicionamentos, raríssima em qualquer demanda jurídica, mais rara ainda em matéria de tributação e de planeja- mento tributário, torna, como dito, o caso ]osapar emblemático. Não há qualquer sombra de dúvida de que houve simulação. 26 "Art. 112 - A lei tributária que define infrações, ou lhe comi na penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; ou dúvida quanto; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; ou dúvida quanto; IH - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natu- reza da penalidade aplicável, ou à sua graduação." 277 BI-uno Fajersztajn Trata-se, portanto, de um excelente exemplo de evasão fiscal, de pla- nejamento tributário ilícito, daqueles para ser citado em livros e palestras. Independentemente do resultado final, o caso ]osapar contribui em muito ao estudo do planejamento tributário, dada a uniformidade de entendimentos no sentido de que a operação não era válida e não poderia gerar os efeitos pretendidos pelo contribuinte. Primeiro, porque encampou a teoria majoritária na doutrina no sentido de ser admitido o direito do contribuinte de organizar suas ati- vidades de modo a recolher menos tributos, desde que ele atue antes da ocorrência do fato gerador e pratique atos lícitos. Além disso, o caso fornece excelentes elementos para se definir quais indícios em uma operação na qual se pretende evitar a incidência do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87 podem ser considerados como revela- dores da prática de simulação. São eles, basicamente: (i) ser a empresa incorporadora ativa ou inativa; (ii) o porte da empresa incorporadora em relação ao porte da incorporada; (iii) a razão social que prevalece após a incorporação; (iv) os membros da gerência que prevalecem após a incorporação; (v) o fato de as empresas serem do mesmo grupo; e (vi) haver razões negociais para a realização da operação. A consideração de todos esses elementos evidencia quando a ope- ração pode ser tida como simulada, como foi no caso da ]osapar, no qual todos eles indicavam que, na verdade, a empresa lucrativa havia incorpo- rado a deficitária e não o inverso. De outra parte, se todos esses elementos, analisados em outros con- textos, de outras operações, levarem à conclusão de que realmente foi a empresa deficitária que incorporou a lucrativa, a conclusão será de que não há simulação, sendo válida a operação, como ocorreu no caso Martins, citado anteriormente. Claro que esses elementos são apenas indícios e não são os únicos a serem considerados, podendo haver outras evidências da ocorrência ou não de simulação. Outrossim, cabe registrar que, a rigor, não é necessário que todos os elementos acima referidos sinalizem para o mesmo sentido. 9. CASO JOSAPAR: REFLEXÕES SOBRE A CHAMADA INCORPORAÇÃO ÁS AVESSAS .. Muitas vezes, parte deles penderá para um lado e parte penderá para o outro. É natural que seja dessa forma, eis que tais elementos configuram indícios cuja soma e convergência irão evidenciar ou não a existência de simulação. É assim mesmo que ocorre na prova da simulação, feita de forma indireta e pela ponderação de indícios. Como não há uma lista taxativa dos requisitos devalidade da ope- ração tendente a evitar a aplicação do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87, é normal que, em cada caso, cada um desses elementos, analisados à luz da situação concreta, indique uma solução diferente. Aqueles que militam em planejamento tributário sabem bem que, nessa seara, "cada caso é um caso". Seja como for, as decisões proferidas no caso Iosapar, assim como as demais considerações contidas neste trabalho e também o precedente no caso Martins revelam que, em tese, afastados os vícios que invalidam os atos e negócios jurídicos, a incorporação de uma empresa lucrativa por uma deficitária é perfeitamente válida e não implica subsunção à hipótese do art. 33 do Decreto-lei n. 2.341/87. 279
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