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jusbrasil.com.br
10 de Abril de 2018
A filiação por inseminação artificial homóloga "post mortem" e a
(im) possibilidade de suceder
Resumo
O presente trabalho intenta discutir as consequências jurídicas ocasionadas pela
omissão legislativa quanto ao Direito Sucessório da filiação artificial homologa
póstuma, segundo, pois, o entendimento do inadmissível desrespeito aos
princípios constitucionais, bem como quanto à proteção do direito ao
consentimento livre do interesse dos genitores. Serão verificados posicionamentos
doutrinários referentes à concessão do direito de participação sucessória e a
contenda sobre a imprescindível regulamentação específica de definição de lapso
temporal para a concepção de um filho por inseminação artificial homóloga
póstuma. Tendo em vista que, as lacunas existentes na legislação se fazem
presumir na inexistência de um direito necessário, justo, igualitário e útil para a
realização da felicidade dos membros de uma determinada família e consentâneo
com a dignidade humana constitucionalmente protegida.
Palavras-chave: inseminação artificial homóloga póstuma, direito de filiação,
direito sucessório, capacidade sucessória, dignidade humana, igualdade,
constitucionalidade.
Sumário
1. Introdução 2. Da evolução da filiação no ordenamento jurídico
brasileiro 2.1 As relações de parentesco sob novos paradigmas 2.2 A presunção
de paternidade da reprodução humana – art. 1.597, inc. III, IV e V do Código Civil
de 2002 3. Da reprodução humana assistida 3.1 Breve análise acerca da
origem e do conceito da reprodução humana assistida 3.2 Da inseminação artificial
3.3 Da regulamenta jurídica da reprodução humana assistida no Brasil 4. Da
filiação por inseminação artificial homóloga "post mortem" e os efeitos
sucessórios 4.1 Da capacidade sucessória do concebido através das técnicas de
reprodução assistida homóloga 4.2 Do cerceamento de direito sucessório aos filhos
PUBLICAR CADASTRE-SE ENTRARPESQUISAR
concebidos por inseminação artificial homóloga- Violação de preceitos
constitucionais- Precedente jurisprudencial 5. Considerações finais
Referências
1 Introdução
A reprodução humana assistida tem sido campo de grande repercussão dos
avanços científicos e tecnológicos da medicina. Com as inéditas técnicas de
reprodução humana surge a possibilidade da substituição do elemento sexual pelo
desejo de constituição de prole, o que leva, pois, a enorme progresso da filiação
artificial.
Este desenvolvimento célere na seara da medicina reprodutiva viabiliza o desejo de
reprodução de muitos casais, e até mesmo de pessoas solteiras, seja o homem ou a
mulher. Diante deste cenário, a evolução medicinal leva ao nascimento da prole,
mesmo após o falecimento do seu genitor, é o que se pode comprovar com a prática
da inseminação artificial post mortem. Esta na modalidade homóloga ou
heteróloga, sendo a homóloga aquela em que se utiliza o material genético do
cônjugue ou companheiro, e a heteróloga a que se utiliza o material genético de um
terceiro doador.
Quanto à inseminação artificial homóloga póstuma, esta tem sido palco de intenso
debate na ordem jurídica. Uma das maiores controvérsias reside nas
consequências deste nascimento quanto ao Direito Sucessório. Surge-se, pois,
incertezas e necessidades de reavaliação de legislação que regulamente o direito de
suceder dos filhos concebidos por essas técnicas mesmo após a morte do seu
genitor.
Apesar da legislação brasileira admitir a possibilidade de filiação póstuma, mesmo
que por via transversa, a existência de lacuna legal diante da falta de
regulamentação específica repercute nos efeitos patrimoniais desta filiação. Trata-
se de uma situação que termina por delinear uma situação ofensiva a direitos e
garantias constitucionais.
Portanto, diante do descaso e da omissão legislativa, o presente trabalho tem por
objetivo a pesquisa sobre os efeitos jurídicos da filiação por inseminação artificial
homóloga póstuma no direito sucessório, bem como visa analisar sobre a
possibilidade ou a impossibilidade desta sucessão diante dos preceitos
constitucionais insculpidos no ordenamento jurídico pátrio. Considera-se para
tanto, a importância da ponderação dos direitos e interesses entre o filho
concepturo e os demais herdeiros.
2 Da evolução da �liação no ordenamento
jurídico brasileiro
2.1 As relações de parentesco sob novos paradigmas
A família se caracteriza como núcleo de formação e valoração do ser humano. É na
esfera familiar que se constrói toda a base social, através do desenvolvimento do
ser humano no que tange ao âmbito de convivência nas relações plurais. É,
portanto, o âmago em que os seus membros buscam a consumação da felicidade
pessoal embasada em uma solidariedade recíproca e respeito mútuo. Dessa forma,
aduz Caio Mario da Silva Pereira que:
Na verdade, em sentido estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais
e filhos. Aí se exerce a autoridade paterna e materna, participação na criação e a
educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos
bons e maus hábitos influentes na projeção social do indivíduo. Aí se pratica e
desenvolve o mais alto grau do principio da solidariedade doméstica e cooperação
recíproca. (PEREIRA, 2012, p. 25)
A depender de cada época, a família tende a se atualizar no tempo e no espaço,
adotando saberes, conhecimentos, práticas e condutas diversamente das famílias
antepassadas. Tende assim, a desenvolver e a se enquadrar em novas perspectivas
sem abandonar as suas particularidades.
Como a sociedade tende a se modificar com o avançar do tempo, o ser humano,
não aceita a se acomodar com os eventos pretéritos. Busca-se, portanto, se
enquadrar nas novidades do mundo pós-moderno e com a família não é diferente.
Do mesmo modo que a sociedade, ela é movida a se submeter aos paradigmas
modernos e as novas concepções culturais.
Capta-se, portanto, um entendimento de que a família não visa apenas à
valorização do fenômeno biológico, mas busca efetivar a realização do
desenvolvimento da personalidade humana, corroborando nas percepções do
afeto, da ética, da solidariedade, e principalmente da dignidade entre os seus
membros.
Diante da evolução histórica que perpassa a vida da família e diante da contenda
das suas transformações no ordenamento jurídico brasileiro, pode-se verificar o
modelo patriarcal do Código Civil de 1916. Enquanto vigente o antigo Código Civil,
a família estava limitada aos valores patrimonialistas e possuía por ideologia a
submissão do ser em relação ao ter.
A família era imperiosamente matrimonializada e preservava uma organização
patriarcal baseada na produção e reprodução de valores. A afetividade não
projetava valores significativos, e não era motivo de necessidade para a formação
ou manutenção do vínculo familiar. Dessa forma, clama-se a atenção para o
pensamento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona:
[...] Se, quando se tratava da manifestação da autonomia privada, a diretriz
da codificação era evidentemente liberal, quando o assunto se referia à
disciplina da família, imperava o conservadorismo. Com efeito, apenas as
famílias formadas a partir do casamento eram reconhecidas. O matrimônio,
influenciado pelo o Direito Canônico, era indissolúvel. Vínculos havidos fora do
modelo formal estatal eram relegados à margem da sociedade, sendo que os
filhos eventualmente nascidos dessas relações eram considerados ilegítimos e
todas as referências legais, nesse sentido, visivelmente discriminatórias, com a
finalidade de não reconhecimento de direitos. (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2011, p. 63)
Ante aos avanços, sociais, tecnológicos e científicos, a sociedade começou a
contemplar novos valores, tais como, o bem estar social, a solidariedade, a
isonomia e a democracia. Eles foram conectados com a nova concepção familiar,
passou-se a prestigiar não mais o patrimônio, mas sim, a realizaçãoda
personalidade do ser humano, vindo a preservar a afeição e a conservação dos
laços afetivos.
Uma das esferas do Direito de Família que absorveu alterações foi a que se refere
ao parentesco, a filiação e doravante o reconhecimento de filhos. Antes do advento
do atual Código Civil bem como da Constituição de 1988, valorizava-se a filiação
que era advinda de dentro do núcleo familiar matrimonializado. Buscava-se com
isso a proteção primordial do casamento.
Com essa concepção, admitia-se a discriminação dos filhos, especificamente
daqueles oriundos de relações extraconjugais.[2] Diante desse raciocínio,
compreendia-se que era necessária uma classificação da filiação, e se expressava
em filiação matrimonial e extramatrimonial. Nesse diapasão, Guilherme Calmon
Nogueira da Gama aduz que:
[...] Esta primeira classificação representa a substituição da inconstitucional
classificação adotada peloCódigo Civil de 19166 a respeito da legitimidade da
família constituída pelo casamento, nos termos do artigo2299, do texto
brasileiro de 1916, que considerava todos os demais filhos carecedores de
dignidade e, portanto, excluídos do cenário jurídico-familiar. (GAMA, 2003, p.
467)
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a igualdade substancial entre os
filhos, serve para esmagar a ideia discriminatória que baseava a antiga
compreensão de filiação. O artigo 227, § 6º da Magna Carta, aduz que os filhos
advindos ou não do casamento, independentemente de sua origem, mesmo aqueles
adotados, tem direitos e qualificações igualitárias, sendo vedada, pois, toda e
qualquer forma de discriminação filiatória.
Toda a engrenagem atribuída aos novos conceitos no Direito de Família,
especialmente na seara da filiação, abriu-se uma nova dimensão jurídica sob o
enfoque da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Isso, porque, com a
evolução contemporânea não só da biotecnologia, mas também das relações de
afetividade existenciais, se estabeleceu um novo paradigma familiar nas relações
de parentesco.
Dessa forma é possível advertir que é um “retrocesso distinguir o parentesco
natural ou consanguíneo e civil, pois além de se fundar em distinção não
justificável, é ela discriminatória. Filhos são filhos, sem adjetivo.” (CHINELATO,
2004, p. 36). Assim sendo, por mais que o artigo 1.593[3] do Código Civil de 2002,
ainda discipline essa distinção entre parentesco natural e civil, não é mais cabível a
tolerância quanto a discriminação sob as relações de parentesco, principalmente
no que tange à origem da filiação, seja afetiva ou biotecnológica.
Além das relações existenciais da afetividade como a adoção, há também a filiação
oriunda da biotecnologia. Com os avanços tecnológicos e científicos na área da
medicina, especificamente na seara da reprodução humana assistida e com o
surgimento de métodos reprodutivos eficazes contra a infertilidade, como a
procriação homóloga ou heteróloga e até mesmo com a técnica da barriga de
aluguel. A filiação, não mais se resume à concepção originária de relações sexuais.
Para Eduardo de Oliveira Leite:
As técnicas reprodutivas alteraram as representações tradicionais dos modos de
concepção e das estruturas de parentesco, a ponto da fecundação in vitro haver
inovado a história da maternidade, pois pela primeira vez foi possível que a
concepção não tivesse lugar no corpo da mulher geradora. (LEITE, 1995, p. 132)
Desse modo, diante das novas formas de procriação laboratorial, o critério apenas
biológico não apenas se sobrepõem aos efeitos jurídicos da filiação. Podem ser
incluídas neste caso, as situações afetivas. Por essa razão, o ordenamento jurídico
brasileiro frente aos preceitos constitucionais e às novas relações sociais, o que se
pretende priorizar é a felicidade dos membros da família. Dá-se uma maior
valorização e preservação da dignidade humana de cada um dos seus membros, o
que desencadeia a igualdade de direitos entre eles, principalmente no que tange
aos direitos que concerne aos filhos, sejam eles biológicos, adotivos, ou oriundos
das técnicas da reprodução humana.
2.2 A presunção de paternidade da reprodução humana assistida – art.
1.597, inc. III, IV e V do Código Civil de 2002
Desde os primórdios, a presunção de paternidade se baseou na ideia de que o filho
concebido na constância do casamento era considerado fruto da união entre o
marido e a sua esposa. A lei desde 1916, sempre desencadeou um sistema de
presunções ao criar deduções para que se venha exterminar qualquer imprecisão a
respeito da paternidade em relação aos filhos. Demonstra Caio Mário que:
[...] Não se podendo provar facilmente a paternidade, a civilização ocidental,
em sua maioria, assenta a ideia de filiação num “jogo de presunções”, a seu
turno, fundadas numa probabilidade: O casamento pressupõe as relações
sexuais dos conjugues e fidelidade da mulher; o filho que é concebido durante o
matrimônio tem por pai o marido de sua mãe. E, em consequência, “presume-
se filho o concebido na constância do casamento dos pais.” (PEREIRA, 2012, p.
324)
Neste caso, o pai é sempre considerado o genitor do filho nascido de sua esposa
“[...] independente da verdade biológica, a lei presume que a maternidade é
sempre certa, e o marido da mãe é o pai de seus filhos.” (DIAS, 2007, p. 323). É
justamente esta a razão do brocardo: pater is est quaem justaenuptiae
demonstrant[4], e mater semper certa est[5]. Para Luiz Eduardo Fachin:
O antigo Código Civil não abria as portas à paternidade, fundada na paternidade
jurídica decorrente da força da presunção pater is est. O critério nupcialista vai
mudando progressivamente para propiciar a declaração da verdade biológica.
Francamente admissível a investigação, então, da paternidade contra o pai casado
com outra mulher que não seja a mãe do investigando, como também o pai
biológico pode reconhecer a paternidade do filho tido com outra mulher que não
aquela com quem está casado. (FACHIN, 2003, p. 225)
Observa-se que essa presunção de paternidade se restringia ao fator biológico, sem
contemplar qualquer outra forma de paternidade ou de filiação. Este entendimento
se tornou insuficiente frente ao progresso das inéditas possibilidades de filiação,
sobretudo, frente ao desenvolvimento científico e tecnológico que inovou as
probabilidades de concepção de um novo ser humano.
Desse modo é imperioso destacar que o Código Civil de 2002 não desistiu da
presunção de paternidade presumida. Contudo, não deixou de tecer ampliações
necessárias, até porque essa presunção nunca fora suficiente, mesmo porque o
casamento não é sinônimo de fidelidade. Ela é um dever daquele, mas não são
institutos sinônimos. Além disso, pode-se verificar que:
Com a Codificação vigente, a presunção passou a incidir não apenas nas
filiações decorrentes de fecundação sexual (incisos I e II do art. 1.597),
alcançando, também, aquelas oriundas de fecundação artificial assistida
(incisos III, IV e V do citado dispositivo legal). (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p.
590.)
O Código Civil de 2002 trata da filiação nos artigos 1.596 até o 1.606. Os
subsequentes se referem ao reconhecimento dos filhos e à adoção. Especificamente
no artigo 1.597[6], a legislação civilista se refere à presunção de paternidade.
É preciso notar que esta presunção não é absoluta diante dos mecanismos
científicos de determinação a origem da filiação, a exemplo do exame de DNA.
Estas presunções podem ser contestadas porque são relativas. Incontroverso é o
pensamento de Carlos Roberto Gonçalves e de toda a doutrina, qual seja:
A ciência moderna, com seus constantes avanços, autoriza, todavia, outras
soluções, uma vez que consegue determinar com precisão a data em que se deu
a concepção, com pequenas e desprezíveis diferenças. Por outro lado, o exame
de DNA possibilita definir a paternidade com a certeza necessária.
(GONÇALVES, 2013, p. 322)
O progresso na área da medicina temcontribuído de forma eficaz no
desencadeamento da melhoria na qualidade de vida e também no desenvolvimento
de melhores condições em tratamentos de saúde. Um dos grandes avanços
medicinais foi na seara da reprodução humana e da genética, a qual possibilitou
soluções inovadoras e capazes de erradicar a infertilidade de muitos casais.
Os avanços na manipulação genética e das novas técnicas de reprodução humana
assistida impactam por demais o Direito Civil brasileiro, desajustando à realidade
contemporânea. Dessa forma, a filiação não mais se limitava aos elementos
naturais da reprodução sexual, para Maria Berenice Dias:
A identificação dos vínculos de parentalidade não pode mais ser buscada
exclusivamente no campo genético, pois situações fáticas idênticas ensejam
soluções substancialmente diferentes. As facilidades que os métodos de
reprodução assistida trouxeram permitem a qualquer um realizar o sonho de ter
um filho. Para isso não precisa ser casado, ter um par ou mesmo manter relação
sexual. Assim, não há como identificar o pai com o cedente do espermatozoide.
Também não dá para dizer se a mãe é a que doa o óvulo, a que cede o útero ou
aquela que faz uso do óvulo de uma mulher e do útero de outra para gestar um
filho, sem fazer parte do processo procriativo. Submetendo-se a mulher a qualquer
desses procedimentos, torna-se mãe, o que acaba com a presunção de que a
maternidade é sempre certa. Porém, sendo ela casada, surge a presunção de que
seu marido é o pai. (DIAS, 2007, p. 321)
O legislador terminou por ampliar o rol de presunção da paternidade do Código
Civil de 2002 e acrescentou a presunção de paternidade aos filhos concebidos pelas
técnicas de procriação artificial. Além disso, diversas outras formas de parentesco
foram associadas à filiação como a adoção e a decorrente da reprodução humana
assistida heteróloga. De acordo com Eduardo de Oliveira Leite:
As procriações artificiais vieram revelar ao jurista um dado negligenciado e
que está a exigir sua real avaliação; a paternidade não se estabelece
exclusivamente sobre um suporte biológico, como sempre se entendeu, mas
também sobre um suporte psicossocial. (LEITE, 1995, p. 201)
O inciso III do artigo 1.597, dispõe que a presunção de paternidade se estende aos
filhos advindos da fecundação[7] artificial homóloga, mesmo que o marido tenha
falecido. Como se trata de concepção homóloga refere-se à utilização do material
genético do próprio casal. É preciso considerar também, que a presunção é válida,
mesmo em relação ao marido falecido, ou seja, trata-se de uma hipótese de
presunção “post mortem”.
Para não se dar causas a incertezas ou dubiedades o Enunciado 106 da I Jornada
de Direito Civil dispõe que, para se presumir a paternidade do marido falecido, a
mulher que se submeta às técnicas da reprodução humana homóloga, deve estar na
condição viúva no momento do procedimento. Ainda assim, necessária a
autorização por escrito do marido para que se utilize após a sua morte seu material
genético. [8]
O inciso IV do artigo 1.597 se refere à presunção dos filhos concebidos a qualquer
tempo no que tange aos embriões excedentários, desde que decorram da concepção
artificial homóloga. Segundo Paulo Luiz Netto Lôbo:
Apenas é admitida a concepção de embriões execentários se estes derivarem de
fecundação homóloga, ou seja, de gametas da mãe e do pai, sejam casados ou
companheiros de união estável. Por consequência, está proibida a utilização de
embrião execedentário por homem e mulher que não sejam os pais genéticos ou
por outra mulher titular de entidade monoparental. (LÔBO, 2003, p. 52)
É preciso se atentar ao que define o artigo 5º da Lei de Biosseguranca. Segundo o
dispositivo os embriões excedentários deverão ser preservados com o prazo
mínimo de 03 (três) anos, contados a partir da data do congelamento. Caso esses
embriões não sejam implantados no útero da mulher, será permitido, então, o seu
uso para fins de pesquisas terapêuticas. Contudo, desde que haja o necessário
consentimento dos genitores.
Como não podia deixar de ser, os dispositivos abrem espaço para diversas
indagações e a polêmica aumenta por conta da inadmissibilidade do que dispõe o
artigo 1.798[9] do atual Código Civil. De acordo com a Lei somente quem tem
capacidade para suceder são as pessoas nascidas ou já concebidas quando do
falecimento do genitor. Dúvidas incisivas se albergam no significado da palavra
“concebido”. Abrange a concepção laboratorial ou somente a concepção no útero
feminino? Caio Mário da Silva Pereira aduz que:
[...] Questão controversa há de ser solucionada pela doutrina e jurisprudência
no que concerne aos direitos sucessórios dos filhos oriundos de reprodução
assistida e nascidos após a morte do marido. [...] Não se pode falar em direitos
sucessórios daquele que foi concebido por inseminação artificial post mortem;
reforma legislativa deverá prever tal hipótese, até mesmo para atender o
princípio constitucional da não discriminação de filhos. (PEREIRA, 2012, p.
326)
Diante da inseminação “post mortem”, devidamente autorizado, tem-se a
incidência da presunção de paternidade, assim como se comprova a paternidade
pelo critério biológico. Assim, tem-se a hipótese de filiação sem qualquer direito
sucessório previsto.
Por fim, o artigo 1.597, no inciso V trata da presunção de paternidade dos filhos
havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha a autorização do
marido. Nesta situação, trata-se da utilização do material genético de um terceiro
doador. Caso o marido venha a autorizar ele será considerado o pai da criança,
pouco importando o vínculo biológico.
3 Da reprodução humana assistida
3.1 Breve análise acerca da origem e do conceito da reprodução
humana assistida
Desde o surgimento da civilização humana, a procriação sempre foi um dos fatores
responsáveis para o desenvolvimento de uma sociedade. O desejo pela concepção
remonta desde os primórdios, e o nascimento de um ser humano sempre foi
também um fator decisivo na construção das relações familiares. A infertilidade na
antiguidade era considerada uma grande maldição, pois a fertilização era uma
dádiva. Segundo Eduardo de Oliveira Leite citado por Guilherme Calmon Nogueira
da Gama:
[...] na Antiguidade houve época em que a esposa estéril poderia ser repudiada
pelo marido em razão da sua impossibilidade para procriar, o que a tornava
menos digna sob o prisma social e gregário. E, tal busca, impulsionada pelo
enorme desejo de procriação, conduziu as ciências da vida a desenvolver
métodos e técnicas objetivando solucionar a impossibilidade de algumas
pessoas procriarem naturalmente. Ainda que sob forte resistência e oposição
de determinados setores da sociedade – especialmente de cunho religioso -, a
ciência prosseguiu suas atividades decifrando alguns pontos obscuros da
reprodução humana. Aponta-se a Idade Média como sendo o período histórico
em que ocorreu a primeira inseminação artificial humana, sob a modalidade
homóloga, sendo a heteróloga exitosa somente no final do século XIX. A partir
de 1950, as técnicas de inseminação artificial se difundiram com intensa
rapidez a ponto de apenas nos Estados Unidos da América mais de vinte mil
crianças nascerem anualmente, concebidas através da inseminação artificial.
(LEITE apud GAMA, 2003, p.670)
Durante anos de estudos, a ciência se debruçou sobre os estudos de técnicas
responsáveis por preencher o vazio da infertilidade. A embriologia intensificou
pesquisasquanto ao progresso do desenvolvimento da anatomia de fetos,
incorporando em técnicas capazes não de solucionar a infertilidade ou a
esterilidade, mas em técnicas apropriadas a conduzir à concepção de um novo ser.
Assim, Ana Cláudia Brandão de Barros Correia Ferraz informa que:
Nos anos 70, intensificaram os estudos sobre a fertilização in vitro, mediante a
coleta de óvulos e de espermatozoides, a fertilização dos mesmos e a formaçãode
embriões fora do corpo humano, para posterior implante no corpo da mulher.
Assim, em 1978, no Oldham General Hospital, em Manchester, nasceu o primeiro
bebê de proveta do mundo, uma menina chamada Louise Brown, deixando
perplexo o mundo, diante do poder da ciência. (FERRAZ, 2011, p. 42)
Como diversos outros países do mundo, o Brasil não tem medido esforços para
acompanhar os estudos das técnicas da procriação assistida. A ciência e a
tecnologia medicinal têm evoluído na proporcionalidade em que se intensificam as
necessidades e os anseios humanos. Segundo os registros de Heloisa Helena
Barboza:
A despeito de não terem prosperado na América Latina tais práticas, devido
não só à antiga intransigência da Igreja na matéria, mas também ao fato de
não ser expressivo o problema da esterilidade, no Brasil, a partir de 1980,
destacaram-se algumas equipes nesse campo, notadamente o professor
MILTON NAKAMURA e do professor NILSON DONADIO, em São Paulo;
professor KARAM ABOU SAAB, em Curitiba; professor ELSIMAR COUTINHO,
em Salvador; e do professor ARNALDO FERRARI, em Porto Alegre.(...)
Entretanto, em 07 de outubro de 1.984 nasceu em São José dos Pinhais,
Paraná, Anna Paula Caldeira, a primeiro “bebê de proveta” brasileiro, fruto de
fertilização in vitro realizada pelo professor NAKAMURA. (BARBOZA, 1993, p.
35)
Conforme Maria Helena Diniz “a reprodução humana assistida consiste em um
conjunto de operações para unir, artificialmente, os gametas feminino e masculino,
dando origem a um ser humano, podendo se dar pelos métodos ZIFT[10] e do
GIFT[11].” (DINIZ, 2011, p.610).
3.2 Da inseminação artificial
A inseminação artificial, é uma técnica medicamentosa para a procriação humana,
infere-se, pois, na substituição da relação carnal, ou seja, a fecundação ocorre com
a desnecessidade do fator sexual. A técnica consiste na introdução de
espermatozóides no corpo feminino, durante o período fértil da mulher. De acordo
com Ana Claudia Brandão de Barros Ferraz:
Foi a primeira técnica de reprodução humana praticada pelos médicos, sendo que
seu sucesso dependerá do cálculo exato da ovulação, pois o material germinativo
masculino é introduzido no útero, devendo se desenvolver naturalmente a
gestação. Portanto, a fecundação deve ocorrer dentro do corpo da mulher.
(FERRAZ, 2011. P. 44)
Deve-se levar em conta que a inseminação artificial somente será opção dos
médicos, quando realmente for comprovada a impossibilidade de outro tratamento
que solucione a infertilidade, em razão de se tratar de um mecanismo que desponta
muita complexidade. As causas de infertilidade ou até mesmo de esterilidade
decorre de múltiplos fatores, originados tanto em mulheres quanto em homens,
assim como bem preleciona Merilena Correa:
[...]As causas de infertilidade do homem e da mulher têm as mais diversas
origens. No homem, apontam-se a ocorrência de varicocele (inversão na
direção do sangue nas veias, de modo a acarretar acúmulo de sangue no
testículo que influi na produção de espermatozoides), infecções de trato genital,
causas congênitas (malformações congênitas, tal como a criptorquidia, que é o
posicionamento dos testículos fora do escroto etc.); causas genéticas, tais como
a azoospermida e a oligozoospermia severa; causas hormonais e causas
idiopáticas, que são todas as causas desconhecidas até o presente momento,
após concluída a investigação e não tendo sido encontrada qualquer alteração.
Na mulher, podem ser apontadas como causas de esterilidade, disfunções na
ovulação, doenças das tubas de Falópio, endometriose pélvica, doenças
congênitas e genéticas. (2007 apud FERRAZ, 2011, p. 42-43)
De acordo com Eduardo de Oliveira Leite “a técnica passou a ser mais utilizada a
partir de 1932, quando se tornou possível determinar, com mais exatidão, o
período fértil da mulher e posteriormente, a partir de 1945, quando se descobriu a
criopreservação de espermatozoides.” (LEITE, 1995, p. 31). Além disso, pode-se
compreender que a inseminação poderá ser na modalidade homóloga ou
heteróloga. Vejamos:
Denomina-se inseminação artificial homóloga, “artificial insemination
homologous”, “inseminación com semen del cónyuge o compañero”, “marito-
fecondazione”, “artificial insemination by husband (AIH)”, a que é feita com o
esperma do marido, tendo em vista que, embora seja o casal biologicamente
apto a procriar, eis que mantida a produção de sêmen, há a impossibilidade da
inseminação natural intravaginal, por não ser possível manter a relação
sexual, em face de anomalia física do marido ou da mulher. (...) Já a
inseminação artificial heteróloga, “artificial insemination by donor (IAD)”,
“dono-fecondazione” ou “inseminación dirigida”, é feita com sêmen de um
doador, em razão da esterilidade do marido (azoospermia, aspermatismo),
anomalias do pênis; por contra indicações para a procriação, dados os
caracteres somáticos ou psíquicos do marido, de natureza mórbida ou
hereditária (vícios de conformação, psicoses, etc); por recusa da mulher em ser
fecundada pelo marido em virtude de graves defeitos físicos, como má
formação da coluna vertebral ou de outros órgãos. Havendo doação deve-se
considerar se o doador é conhecido ou não, solteiro ou casado. (BARBOZA,
1993, p. 45-46.)
A inseminação artificial é considerada uma das técnicas menos censuradas por
aqueles que preservam opiniões radicais e contraditórias à procriação
medicamente assista, tendo em vista que a fecundação e a geração do feto se
realizam no corpo feminino, sem necessidade de maiores sacrifícios
fisiopsicológicos da mulher.
3.3 Da regulamentação jurídica da reprodução humana assistida no
Brasil
Não se pode negar o fato que entre a maioria dos casais vigora o desejo de
constituir uma família e ter filhos. Acontece que, diante de problemas
diagnosticados sejam eles biológicos ou psicológicos muitos casais tem esse desejo
da procriação recusado.
O Código Civil possui poucos dispositivos a respeito da reprodução humana
assistida, pela insuficiência de normas seja em sede de direitos patrimoniais
sucessórios seja em sede de direitos da personalidade[12].
No Brasil, podem-se encontrar normas éticas que dispõe especificamente sobre a
utilização das técnicas medicamentosas para a procriação. É o caso da atual
Resolução 2.013/2013, que revogou a Resolução nº 1.957/2010 que por sua vez
substituiu a antiga Resolução de nº 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina.
Tal resolução regula o emprego das técnicas de reprodução humana assistida que
devem ser acompanhadas pelos médicos, e também traz regulamentação referente
às clínicas, centros ou serviços que aplicam essas técnicas.
É importante obsevar que nesta Resolução regulamenta-se a utilização da técnica
da reprodução humana assistida após a morte. Assim bem dispõe a nova resolucao
de 2013, no item VIII:
[...]VIII - REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST-MORTEM
É possível desde que haja autorização prévia específica do (a) falecido (a) para
o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
(Resolução 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina. Disponível em:
<http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2013/2013_2013.pdf>
Acesso em: 04 jun. 2013).
A Resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina também
regulamentava a possibilidade da reprodução humana assistida após a morte do
doador e advertia que não constituía ilícito ético, desde que houvesse autorização
prévia específica do falecido para a utilização do seu material genético[13].
Não se pode deixar de advertir que as Resoluções do Conselho Federal de Medicina
são apenas regulamentos necessários para a boa desenvoltura da aplicação das
técnicas por médicos. Não possui força de lei. Assim sendo, não podem servir como
os únicos parâmetros aplicáveis em casos práticos jurídicos.
Tendo em vista a estes aspectos, apesar da ausente legislação, o legislativo não
deixou de se pronunciar a respeito de projetos de leissobre o assunto. Como
exemplo se tem o Projeto de Lei 3.638/93 e o Projeto de Lei 2.855/97, o primeiro
do Deputado Luiz Moreira e o segundo do Deputado Confúcio Moura,
respectivamente.
Há também outro projeto de lei que tramita no Congresso Nacional há mais de dez
anos, o Projeto de Lei 90/99, cujo autor é o Senador Lúcio Alcântara. Tal projeto
de lei dispõe sobre a reprodução humana assistida de forma bem especifica,
todavia, ainda não foi nem sancionado nem vetado.
No que concerne à reprodução humana assistida “post mortem”, há o Projeto de
Lei 7.701/2010, de autoria da Deputada Dalva Figueiredo, que foi apensado ao
Projeto de Lei 1.184/2003, de autoria do Senador José Sarney, assim sendo
registra Míria Soares Enéias e Majoriê de Souza Pereita:
[...] Especificamente, no caso de reprodução humana assistida post mortem, foi
proposto o Projeto de Lei7.7011/2010 de autoria da Deputada Dalva Figueiredo
que dispões sobre a utilização do sêmen criopreservado do marido ou
companheiro falecido com a finalidade de se realizar a inseminação post
mortem. Tal projeto propõe acrescentar uma alínea A ao artigo 1.597, do
Código Civil, estabelecendo ser imprescindível para a realização da
inseminação póstuma a anuência expressa do marido ou companheiro
externada em vida, e estabelecendo que tal procedimento seja realizado em até
trezentos dias posterior ao óbito. (ENÉIAS, Míria Soares; PEREITA, Majoriê
de Souza. A reprodução assistida post mortem à luz do direito sucessório
brasileiro. Disponível em:
<http://unipacaraguari.edu.br/oPatriarca/v4/arquivos/trabalhos/ARTIGO0
4MIRIA.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2013.)
Outro ponto muito importante que não pode deixar de merecer destaque é sobre a
Lei de Biosseguranca, Lei nº 11.105/2005, e não trata especialmente de reprodução
humana, contudo o seu conteúdo dispõe sobre a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões humanos oriundos de técnica de fertilização.
A Lei de Biosseguranca ensejou polêmica ética, religiosa, cientifica e social no que
concerne ao começo da vida. O debate chegou a ser centro de discussões no
Supremo Tribunal Federal através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN
3.510), de autoria do Procurador Geral da Repúbica Claúdio Fonteles, que alegava
violação da Lei ao artigo 5º da Constituição Federal de 1988, por ofensa ao direito
à vida.
O julgamento da ADIN 3.510 solucionou a divergência concernente à utilização dos
embriões para os estudos em células-tronco. O Supremo Tribunal Federal decidiu
pela improcedência da ação por maioria. “Resta permitida no Brasil a doação de
embriões para a pesquisa de células-tronco, sendo necessário, nos termos da lei e
Resolução 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina, a autorização dos
cônjugues ou companheiros.” (FERRAZ, 2011, p. 64).
Assim sendo, é perceptível, que por mais que se tenha uma regulamentação ou
outra sobre aspectos da reprodução humana assistida, os debates terminam por se
projetarem em soluções concentradas por nossos tribunais.
Apesar do vazio legislativo, o Judiciário não pode permanecer inerte quando
provocado. Neste caso, deverá o operador do direito examinar cada caso concreto e
se utilizar de meios necessários para combater injustiças e solucionar os litígios.
4 Da �liação por inseminação arti�cial
homóloga "post mortem" e os efeitos
sucessórios
4.1 Da capacidade sucessória do concebido através das técnicas de
reprodução assistida homóloga
Conforme dispõe o artigo 1.798[14] do Código Civil de 2002, são legitimadas a
suceder, as pessoas já nascidas ou concebidas até o momento da abertura da
sucessão. Tem legitimidade para suceder tanto na sucessão legítima, quanto na
testamentária.
O fator decisivo para a verificação de legitimidade sucessória passiva é a existência
no momento da abertura da sucessão e o fato de se ter título que lhe outorgue
direitos sucessórios. “Isso ocorre porque a herança não se transmite ao vazio, ao
nada. Daí a lei exigir a existência do sucessor no momento da morte do autor da
herança.” (CAHALI, 2007, p. 22). Contudo, a lei excepciona os direitos
patrimoniais do nascituro.
Cumpre atentar para fins de reflexão sobre o direito sucessório do concepturo que
se trata, portanto, da hipótese disciplinada no artigo 1.799[15], inciso I, do Código
Civil de 2002. Há filiação presumida dos filhos oriundos dessas técnicas
reprodutivas, inclusive em relação aos nascidos após a morte do doador do
material genético, em duas situações: inseminação artificial homóloga ou
heteróloga.
Entretanto, a situação tem gerado discussões quanto aos direitos sucessórios do
concepturo, tendo em vista que, de acordo com a lei, este somente pode sucessor
em sede testamentária. A capacidade para suceder dos concebidos após a morte do
“de cujus” tem se tornado um dos mais polêmicos da sucessão contemporânea.
Ao lado da capacidade sucessória passiva legítima, há a possibilidade da
capacidade sucessória passiva testamentária. Nesta última, os herdeiros ou
legatários são contemplados por testamento. Têm aptidão para suceder por
testamento as pessoas elencadas no artigo 1.799[16] do Código Civil. Para
Guilherme Calmon Nogueira da Gama:
A capacidade testamentária passiva se reveste de alguns contornos bastante
particulares, permitindo, por exemplo – sob a modalidade de instituição
testamentária condicional -, a disposição em favor de ente que sequer tem
existência física e, simultaneamente, jurídica, como na hipótese envolvendo o
filho eventual de pessoa determinada existente por ocasião do falecimento do
testador. (GAMA, 2007, p. 213)
Na sucessão legítima designada por lei, somente podem suceder as pessoas
humanas. Já na sucessão testamentária, tanto pessoas físicas quanto jurídicas tem
capacidade passiva sucessória.
De acordo com o artigo 1.799 do Código Civil, possuem capacidade sucessória
passiva testamentária, os filhos que ainda não foram concebidos de pessoas
indicadas pelo testador. Trata-se, pois, da denominada “prole eventual” e da
sucessão fideicomissária.
Com base no parágrafo 4º do artigo 1.800, para que a prole eventual venha a ter
direito sucessório, deve ser concebida no prazo máximo de 02 (dois) anos. Se após
esse prazo o herdeiro eventual não for concebido, a herança destinada por
testamento retornará ao monte partível se não houver direito de acrescer de
nenhum outro herdeiro e nem substituição testamentária prevista.
Clara está a opção do legislador em conferir legitimidade sucessória passiva a
quem não era sequer concebido no momento da abertura da sucessão quer através
da prole eventual quer pela substituição fideicomissária.
Embora o legislador presuma a paternidade dos filhos oriundos das técnicas de
reprodução humana assistida, muitas controvérsias doutrinárias existem acerca
dos direitos patrimoniais destes filhos.
Distancia-se de encontrar uma resolução pacífica. Todavia não há motivos para
poder deixar de se buscar soluções juridicamente possíveis para contornar tal
situação. Como bem se observa o legislador deixou claro que o acervo hereditário
se transmite às pessoas já nascidas ou já concebidas no momento da abertura da
sucessão (artigo 1.798), já que esse é o momento por ele escolhido para se verifica a
legitimidade dos herdeiros.
Desse modo, sucedem ao autor da herança as pessoas físicas dotadas de
personalidade civil e os nascituros, que já forem concebidos ao momento da
sucessão. Contudo, perante a inovação das técnicas de reprodução humana
assistida, bem como da probabilidade de congelamento de embriões, a dubiedade
tem se instalado em relação ao tema sucessório. Para Guilherme Calmon Nogueira
da Gama:
O legislador, ao formular a regra contida no atual artigo 1.798, do texto
codificado, não atentou para os avanços científicos na área da reprodução
humana e, desse modo, adotou o parâmetro do revogado artigo 1.718 do
Código de 1916, ao se referirapenas às pessoas já concebidas. Deve-se
distinguir embrião do nascituro, porquanto este já vem se desenvolvendo
durante a gravidez e, assim, é necessária apenas a espera do nascimento para
verificar-se se houve a aquisição da herança ou do legado. No que tange ao
embrião ainda não implantado no corpo humano, ausente a gravidez, a
questão se coloca em outro contexto. (GAMA, 2007, p. 216-217)
De acordo com os ditames do Código Civil de 2002, especificamente nos artigo
1.799 e 1.800, somente há a possibilidade sucessória hereditária dos filhos
oriundos da filiação assistida, por meio do testamento. Compartilha desta ideia
Sílvio de Salvo Venosa o seguinte raciocínio:
Os filhos concebidos post mortem, sob qualquer técnica, não serão herdeiros. O
atual Código abre uma válvula restrita para essa hipótese, permitindo que
unicamente na sucessão testamentária possam ser chamados a suceder o filho
esperado de pessoa indicada, mas não concebido, aguardando-se até dois anos
sua concepção e nascimento após a abertura da sucessão, com a reserva de
bens da herança (art. 1.799, I, e 1.800). (VENOSA, 2008, p. 229)
Para Maria Helena Diniz, “filho póstumo não possui legitimação para suceder,
visto que foi concebido após o óbito do pai genético e por isso é afastado da
sucessão legítima ou “ab intestato.” (DINIZ, 2006, p. 558). A autora fulmina ainda
a possibilidade da presunção da paternidade do filho póstumo e afirma ainda o
seguinte:
Não há como aplicar a presunção de paternidade, uma vez que o casamento se
extingue com a morte, nem como conferir direitos sucessórios ao que nascer
por inseminação “post mortem”, já que não estava gerado por ocasião da
morte de seu genitor genético (CC, artigo 1.798). (DINIZ, 2006, p. 558)
Assim sendo, diante desses posicionamentos, pode-se verificar que para parte da
doutrina a capacidade sucessória dos filhos oriundos da concepção laboratorial
está restrita à concepção anterior ao óbito do “de cujus”. Se a concepção ocorrer
após a morte do genitor, somente serão considerados herdeiros os que o
sucederem no testamento. Em contrapartida, Maria Berenice Dias defende
posicionamento contrário. Adverte que é possível a capacidade sucessória da
filiação eventual. Desse modo, entende-se que:
É difícil dar mais valor a uma ficção jurídica do que ao princípio constitucional
da igualdade assegurada à filiação (CF § 6º). Determinando a lei a
transmissão da herança aos herdeiros (CC 1.784), mesmo que não nascidos (CC
1.798) e até as pessoas ainda não concebidas (CC 1.799, I), nada justifica
excluir o direito sucessório do herdeiro por ter sido concebido post mortem. Sob
qualquer ângulo que se enfoque a questão, descabido afastar da sucessão quem
é filho e foi concebido pelo desejo do genitor. (DIAS, 2011, p.123)
Apesar da presunção da consideração da paternidade dos filhos oriundos das
NTR’s[17], desencadei-se preocupações referentes à verificação do nascimento
após determinado lapso temporal, qual seja o nascimento logo depois do
inventário. Para Francisco Cahali:
Nesse contexto, embora a contragosto, concluímos terem os filhos assim
concebidos o mesmo direito sucessório que qualquer outro filho, havidos pelos
meios naturais. E estaremos diante de tormentoso problema quando verificado
o nascimento após anos do término do inventário, pois toda a destinação
patrimonial estará comprometida. (CAHALI, 2003, p. 132)
Essa real preocupação com o comprometimento da destinação patrimonial do
inventário diante do lapso temporal se intensifica ainda mais, porque inexiste
previsão de prazo para a concepção do filho advindo da reprodução assistida.
Verifica-se que com os avanços medicinais a implantação de embriões
criopreservados pode ser realizada muitos anos depois do seu congelamento.
Se os efeitos sucessórios garantidos à prole eventual, resultante de embriões
execedentários vierem a se operar a qualquer tempo, prejudicados estarão os
interesses dos demais herdeiros existentes. Desse modo, Eduardo de Oliveira Leite
defende a hipótese de fixação de prazo para inviabilizar qualquer pressuposição de
insegurança jurídica. Assim confere o autor:
Ainda e novamente, a questão que surge no caso em tela é mais de ordem
sucessória do que propriamente, de parentesco ou filiação, uma vez que o
recurso dos embriões excedentários, a qualquer tempo, faz ressurgir a
problemática de indefinição no partilhar dos bens, o que não é desejado nem
pelo sistema codificado de 16, nem pelo o atual. Melhor seria que, ao invés de se
referir a qualquer tempo, contrário à partilha definitiva, o legislador tivesse
estabelecido um prazo determinado (como ocorre no parágrafo 4º do artigo
1.800), sem possibilidade de disposição contrária, criando assim, maior
segurança jurídica e melhor possibilidade de pôr fim ao estado condominial
que o nosso sistema nunca pretendeu favorecer. (LEITE, 2011, p. 134-135)
O Código Civil de 2002, precisamente no artigo 1.800, § 4º, apenas determina
prazo para que se operem os efeitos da sucessão testamentária da prole eventual,
pois, para a concepção do herdeiro esperado o prazo será de até 2 (dois) anos após
a abertura da sucessão, se outro prazo não for estipulado pelo testador.
No tocante à inseminação artificial homóloga póstuma, a presunção de
paternidade estabelecida no artigo 1.597, inciso III, não se submete a preocupações
quanto ao direito de filiação. Isso se justifica pelo fato do critério biológico não
encontrar objeções na ordem jurídica, tendo em vista que, a procriação é resultante
de material genético do próprio casal.
Contudo, a definição do prazo legal para a efetivação de direitos sucessórios é
terreno de incertezas e insegurança jurídica. Novamente, defende Eduardo de
Oliveira Leite o estabelecimento de prazo para evitar a probabilidade de dúvidas:
O inciso III do artigo 1.597 não gera maiores problemas de ordem jurídica, na
medida em que o material genético provém do marido ou companheiro. O
recurso é empregado nos casos em que, apesar de ambos os genitores férteis, a
fecundação se inviabiliza por meio de ato sexual em decorrência das mais
diversas etiologias.
A parte final do inciso III, ao se referir expressamente à hipótese, de “mesmo
que falecido o marido” cria, porém, a dúvida de ordem sucessória, que já
apontáramos como geradora de problemas incontornáveis de ordem jurídica.
Se o legislador não delimitar um prazo de possibilidade de acesso ao recurso,
certamente, a técnica poderá gerar embaraços cada vez maiores na esfera
jurídica. Assim como no parágrafo 4º do artigo 1.800 o legislador tomou a
cautela de estabelecer um prazo, a partir do qual os bens reservados (a
legítima) retornarão aos herdeiros legítimos, de forma a se evitar a duração
perigosa de um estado condominial não desejado pelo legislador, igualmente, a
matéria das inseminações artificiais homólogas precisa se submeter a lapso
temporal definido, sob o risco de se fomentarem situações indesejadas de
indefinição. (LEITE, 2011, p.127-128)
Em contrapartida, há autores que entendem que o prazo para a implantação de
embrião congelado ou de gameta deverá ser considerado como sendo de 03 (três)
anos, contados da data do congelamento, tendo por fundamentação o que dispõe o
artigo 5º, inciso II da Lei 11.105/2005[18] (Lei de Biosseguranca).
Na obra Reprodução Humana Assistida, a autora Anna de Moraes Salles
Beraldo[19], cita Ana Cláudia Scalquette e ressalva:
Já Ana Claúdia Scalquette defende o prazo de três anos para a implantação,
tomando-se como paradigma a Lei de Biosseguranca, cujo dispositivo teve a
constitucionalidade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal, para que os
direitos sucessórios dos filhos nascidos post mortem sejam garantidos. A
autora explica que, após os três anos de congelamento, os embriões existentes
quando da publicação da referida lei –Lei 11.105/2005 – podem ser doados
para pesquisa, com o consentimento dos genitores.Dessa forma, a
“potencialidade de viverem a se tornar seres humanos nos formados fica
afastada e, consequentemente, de serem considerados, no mínimo sujeitos de
direitos condicionados ao nascimento com vida”. Ana Scalquette conclui que,
durante esses três anos de congelamento, os genitores “puderam refletir
suficientemente sobre a decisão de ter ou não esses filhos” podendo dar outro
destino que não o do congelamento eterno. No caso dos direitos sucessórios,
“uma vez estabelecidas as regras e cientes as partes envolvidas, a questão
deixaria de ser um problema para ser uma opção do casal parental”. Ademais,
trata-se de um prazo razoável, que não força o genitor sobrevivente, ainda sob
as dores do luto, a se submeter ao procedimento para que a criança seja
gerada. (2010 apud, BERALDO, 2012, p. 130-131)
No entanto, há quem entenda que o próprio autor da herança possa definir o prazo
para o nascimento da filiação eventual por meio de testamento ou por qualquer
outro documento autêntico em que possa ser manifestada a sua vontade. Dessa
forma, Carlos Cavalcanti Albuquerque Filho aduz:
Caberia ao autor da sucessão quando manifestou a sua vontade por documento
autêntico ou por testamento fixar o prazo de espera do nascimento dos filhos, o
qual não deve ultrapassar os dois anos previstos para concepção da prole
eventual de terceiro, ou, não havendo prazo previamente estabelecido aplicar-
se, por analogia, o prazo constante do artigo 1.800, § 4º, do Código Civil, ou
seja, de dois anos a contar da abertura da sucessão. (ALBUQUERQUE FILHO,
2006, p. 188)
Defende-se ainda que a limitação para a imposição de prazo na concepção da
filiação eventual não se respalda em nenhuma motivação ou justificação plausível.
Até porque, não há restrição de prazo para se intentar ação de investigação de
paternidade e o prazo para pleitear o direito sucessório prescreve em 10 (dez) anos,
conforme consta o artigo 205[20] do atual Código Civil. Maria Berenice Dias
sustenta:
Mesmo quem reconhece o direito sucessório ao filho concebido mediante
fecundação artificial póstuma se inclina em estabelecer o prazo de dois anos
para que ocorra a concepção, fazendo analogia ao prazo para a concepção da
filiação eventual (CC 1.800 § 4º). Esta limitação não tem nenhuma
justificativa. Não se pode discriminar o filho havido post mortem concebido
com sêmen do pai pré-morto, depois do prazo de dois anos. A tentativa de
emprestar segurança aos demais sucessores não deve prevalecer sobre o
direito hereditário do filho que veio a nascer, ainda que depois de alguns anos.
Basta lembrar que não há limite para o reconhecimento da filiação por meio de
investigação de paternidade, e somente o direito de pleitear a herança
prescreve no prazo de 10 anos. (CC 205). (DIAS, 2011, p. 124)
Com um posicionamento semelhante e com atribuições motivadas em sede
constitucional, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, insiste em conferir a
capacidade sucessória à prole eventual fundamentado na ação de petição de
herança[21]. Nesse sentido, dispõe:
No entanto, sendo reconhecida a admissibilidade jurídica do recurso às
técnicas de reprodução humana assistida post mortem (e, assim, sua
constitucionalidade), a melhor solução a respeito do tema é a de considerar que
o artigo 1.798 do Código Civil de 2002 disse menos do que queria, devendo o
interprete proceder ao trabalho de estender o preceito para os casos de
embriões já formados e daqueles a formar [...]. O problema surge caso a
criança venha a nascer após o término do inventário e da partilha pode ser
tranquilamente solucionado de acordo com o próprio sistema jurídico atual em
matéria de herdeiros legítimos preteridos – por exemplo, na hipótese de filho
extramatrimonial não reconhecido pelo de cujus. Deve-se admitir a petição de
herança, com a pretensão deduzida dentro do prazo prescricional de dez anos
a contar do falecimento do autor da sucessão, buscando, assim, equilibrar os
interesses da pessoa que se desenvolveu a partir do embrião ou material
fecundante do falecido e, simultaneamente, os interesses dos demais herdeiros.
Assim haverá mais uma hipótese de cabimento para os casos de petição de
herança, a saber, aquela envolvendo o emprego de técnica de reprodução
assistida post mortem. (GAMA, 2007, p. 218-219)
Diante ao exposto, os filhos concebidos pelas técnicas de reprodução humana
assistida “post mortem” se encontram em situação de incertezas e dúvidas no que
concerne à sua capacidade sucessória passiva; muito embora o próprio legislador
os tenha considerado sujeitos de direito em torno da presunção da paternidade.
Assegura, portanto, todos os direitos decorrentes da filiação e obriga uma
interpretação constitucional do artigo 1.798.
Como visto diversos posicionamentos se originam em incertezas de suposições e
hipóteses, todos a conferir insegurança jurídica. O quadro em questão se torna
crítico em virtude do cerceamento do direito sucessório da filiação eventual que
somente tem amparo legal na sucessão testamentária. Além disso, a situação se
complica com a lacuna legislativa criada ao se não especificar prazo para a
produção dos efeitos do vínculo filiatório em questão.
4.2 Do cerceamento do direito sucessório aos filhos concebidos por
inseminação artificial homóloga- Violação de preceitos constitucionais-
Precedente jurisprudencial
A capacidade sucessória dos filhos concebidos pela inseminação artificial está
enraizada no que concerne o âmbito de dubiedades e incertezas.
Quando se trata de inseminação artificial homologa póstuma, o vazio legislativo
tem persistido. No que tange à manifestação de vontade do doador do sêmen, o
único regulamento que expressa a respeito é a atual Resolução nº 2.013/2013 do
Conselho Federal de Medicina. Todavia, este regulamento não tem força de lei,
apenas se considera como uma regulamentação fundamentada na ética da prática
da reprodução assistida em laboratórios médicos.
Acontece que, a partir do momento em que o pai que possivelmente venha a
falecer, mas autoriza a utilização do seu material genético para possíveis práticas
reprodutivas, necessariamente expressa o seu desejo e a sua vontade. Infere-se
nada mais do que uma ligação parental em que se estabelece o vínculo de filiação
com a possível prole eventual.
Se ocorrer a utilização dos gametas para fins de inseminação artificial após a morte
do doador, e caso haja exitoso sucesso na realização deste procedimento, a criança
irá nascer e terá os mesmos direitos que toda e qualquer criança. Direito ao nome,
à vida, alimentação, direito à convivência familiar, entre outros. Muito embora,
não haja previsão de direitos patrimoniais sucessório. De acordo com Anna de
Moraes Salles Beraldo:
Não se pode esquecer que uma vez que haja nascimento da criança após o
falecimento do genitor, esse filho deve ser protegido, conforme dispõe o
princípio do melhor interesse da criança. Assim, o menor terá direito ao nome
familiar; direito à convivência com seus avós e demais familiares, por meio de
regulamentação de visitas, se necessário. Ademais, no campo patrimonial, se
restar provada a impossibilidade de sustento por parte do genitor
sobrevivente, o menor, por meio de seu representante legal, poderá pleitear
alimentos, inclusive gravídicos, aos avós. Isso sem mencionar a questão
sucessória. (BERALDO, 2012, p.96)
O Princípio do Melhor Interesse da Criança está previsto na Constituição Federal
de 1988 no seu artigo 227[22], caput e parágrafos. Tal preceito constitucional
obriga a máxima proteção à criança e ao adolescente, priorizando o seu
desenvolvimento físico, psicológico, educacional, cultural, moral, social e
espiritual.
Vincula, pois, ao zelo pelos laços afetivos na filiação, ao desenvolvimento íntegro
das relações existenciais, do provimento à assistência e a garantia de proteção dos
direitos inerentes ao todas as crianças e adolescentes. Dessa forma, Rodrigoda
Cunha Pereira, muito pertinente afirma o seguinte:
Em face da valorização da pessoa humana em seus mais diversos ambientes,
inclusive no núcleo familiar, o objetivo era promover sua realização enquanto
tal. Por isso, deve-se preservar, ao máximo, aqueles que se encontram em
situação de fragilidade. A criança e o adolescente encontram-se nesta posição
por estarem em processo de amadurecimento e formação da personalidade.
Assim, têm posição privilegiada na família, de modo que o Direito viu-se
compelido a criar formas viabilizadoras deste intento. (PEREIRA, 2006, p. 127)
Parte da doutrina sustenta que o afastamento dos filhos procriados artificialmente
do seu direito sucessório vai de encontro com os preceitos constitucionais.
Segundo José Luiz Gavião de Almeida:
Uma interpretação a contrário sensu do artigo 1.798 poderia levar à conclusão
de que o indivíduo não concebido à época da abertura da sucessão a ela
(herança) não tem direito. Mas a ligação parental entre o de cujus e o
indivíduo vindo de inseminação artificial homóloga é indiscutível, quer tenha
ele nascido enquanto vivo ou depois de morto o seu pai (art. 1.597, III). Se o
indivíduo, a qualquer tempo, nasce com vida, decorrente do desenvolvimento
de embrião excedentário, mediante inseminação artificial homóloga, forma-se
a relação de filiação. (ALMEIDA, 2003, p. 104)
De acordo com esse autor, há um conflito entre o artigo 1.798 do Código Civil de
2002 e o artigo 227, § 6º da Constituição Federal de 1988. O que aparentemente se
apresenta é uma discrepância de igualdade entre os filhos do autor da herança.
Reza o artigo 227, § 6º[23] que os filhos havidos do casamento, ou não, ou os filhos
adotados deverão ter os mesmos direitos e qualificações, sendo vedada qualquer
discriminação relativa à filiação.
Tal princípio vem nos informar que não há mais a possibilidade de desigualar os
filhos em razão das suas origens, não se pode ocorrer nenhuma forma de
qualificação indesejada quando à filiação.
Dessa forma, perante o tratamento isonômico entre dado aos filhos, não se pode
deixar de destacar a igualdade garantida aos filhos oriundos de toda e qualquer
origem. Deve-se preservar e proteger tanto os seus direitos pessoais quanto seus
direitos patrimoniais. Conforme Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
A partir dessas ideias, vale afirmar que todo e qualquer filho gozará dos mesmos
direitos e proteção, seja em nível patrimonial, seja mesmo na esfera pessoal. Com
isso, todos os dispositivos legais que, de algum modo, direta ou indiretamente,
determine tratamento discriminatório entre os filhos terão de ser repelido do
sistema jurídico. (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 111)
Com o advento da possibilidade da procriação em meio laboratorial, os filhos
oriundos das técnicas reprodutivas não podem ser tratados diferentemente dos
outros oriundos de concepção natural ou civil, como também os adotivos. Não se
pode haver qualquer limitação de legislação infraconstitucional ou interpretativa
que venha a excepcionar os direitos conferidos aos filhos. Dessa forma preleciona
Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho o seguinte fundamento:
[...] Tal situação não encontra guarida constitucional, ao contrário, o
legislador constitucional não previu exceção, não cabendo ao legislador
ordinário, tampouco ao intérprete estabelecer exceções ao princípio
constitucional da igualdade entre os filhos. (ALBUQUERQUE FILHO, 2006, p.
175)
Aqueles que foram concebidos por inseminação artificial homóloga ou por outros
meios das técnicas de reprodução humana assistida não são diferentes dos filhos
concebidos naturalmente, ou dos adotados. A diferença também não deve estar
pautada no que tange ao decurso do tempo. Se a filiação ocorre no momento da
existência dos genitores ou após o falecimento destes.
Contudo, apesar do ser humano se adaptar aos novos hábitos e costumes, devido
as suas necessidades, o ordenamento jurídico brasileiro não conseguiu assegurar
os direitos inerentes a determinadas pessoas em virtude das omissões legislativas e
a presença de lacunas atuais.
Outro ponto de relevante importância é quanto aos direitos dos genitores. A
Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, § 7º[24] dispõe expressamente
sobre o Princípio do Planejamento Familiar e da Paternidade Responsável.
O planejamento familiar e a paternidade responsável é livre decisão do casal,
estando o Estado a proporcionar recursos úteis e necessários para o livre exercício
desse direito. Sendo defeso toda e qualquer forma coercitiva por parte de
instituições privadas ou oficiais.
Diante deste postulado, o ordenamento jurídico brasileiro garante aos pais o livre
planejamento da filiação, sendo vedada qualquer interferência que venha a
promover limites que chegue a cercear esse direito.
Para Maria Berenice Dias, o direito sucessório do concepturo estaria assegurado
graças a esta interpretação constitucional dada ao Direito Civil, definindo este
como um herdeiro necessário. Dessa forma, prossegue que:
O uso das técnicas de reprodução assistida é um direito fundamental,
consequência do direito ao planejamento familiar que decorre do princípio da
liberdade. Impensável cercear este direito pelo advento da morte de quem
manifestou a vontade de ter filhos ao se submeter às técnicas de reprodução
assistida. Na concepção homóloga, não se pode simplesmente reconhecer que a
morte opere a revogação do consentimento e impõe a destruição do material
genético que se encontra armazenado. O projeto parental iniciou-se durante
a vida, o que legaliza e legitima a inseminação post mortem. A norma
constitucional que consagra a igualdade da filiação não traz qualquer exceção.
Assim, presume-se a paternidade do filho biológico depois do falecimento de
um dos genitores. Ao nascer, ocupa a primeira classe dos herdeiros
necessários. [...] Vedar reconhecimento e direito sucessório a quem foi
concebido mediante fecundação artificial post mortem pune, em última
análise, o afeto, a intenção de ter um filho com a pessoa amada. Pune-se o
desejo de realizar um sonho. (DIAS, 2011, p. 123-124) (grifos do autor)
O que se observa é que, se estes direitos não forem assegurados fica, portanto,
constatada a violação aos valores fundamentais e aos princípios constitucionais.
Diante da supremacia da Magna Carta, encontra-se como princípio fundamental
do Estado Democrático de Direito a Dignidade da Pessoa Humana, prevista no
artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988 [25] e desse modo, cumpre
salientar que na seara do Direito de Família, a dignidade da pessoa humana é a
essência de todo o regramento familiar.
A dignidade está presente em todos os atos e fatos da família. Traduz-se na moral e
na ética dos membros que compõem a família. Sem dignidade a estrutura da
família se dilacera e se desestrutura. Toda e qualquer solidariedade recíproca
familiar e todo vinculo de afetividade se alimenta na decência da dignidade. Assim
sendo, Rodrigo da Cunha Pereira esclarece novamente que:
A dignidade, portanto, é o atual paradigma do Estado Democrático de Direito,
a determinar a funcionalização de todos os institutos jurídicos à pessoa
humana. Está em seu bojo a ordem imperativa a todos os operadores do
Direito de despir-se de preconceitos – principalmente no âmbito do Direito de
Família –, de modo a se evitar tratar de forma indigna toda e qualquer pessoa
humana, principalmente na seara do Direito de Família, que tem a intimidade,
a afetividade e a felicidade como seus principais valores. (PEREIRA, 2006, p.
106)
Se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é atributo em todo e qualquer
campo do Direito, não pode deixar de tecer comentários ao Direito Sucessório, pois
como é cediço toda e qualquer forma de relação seja existencial, contratual ou
patrimonial se deve zelar pelos preceitos da moral, da dignidade e da ética.
Deve-se proteger e garantirtodos e quaisquer direitos atribuídos aos herdeiros
sejam eles legítimos ou testamentários. Tem-se em vista que, o direito à herança
foi insculpido também pela Magna Carta em seu artigo 5º, inciso XXX[26] como
direito e garantia fundamental.
Apesar de ser controversa a matéria e de não possuir soluções pacificadas em sede
doutrinária, a jurisprudência em nosso país também não apresenta nenhuma
solução pertinente à sucessão dos filhos concebidos por inseminação artificial
homóloga após a morte do seu genitor.
Contudo, mesmo que seja intrigante à legislação em vigor a temática, o Judiciário
não pode se eximir de julgar e solucionar esta questão. Até porque, mesmo frente
ao silêncio normativo referente ao regulamento das técnicas de reprodução
assistida que venha a por fim à oposições doutrinária que circundam o assunto; e
levando-se em conta que no dias atuais a propensão de se recorrer às técnicas
reprodutivas são em maior escala do que antigamente ocorria, não poderá
desconsiderar a hipótese daquele que tiver o seu direito violado ir convocar o
Judiciário para pleitear o que é seu por justiça e direito.
Na obra de Anna Moraes de Salles Beraldo, Reprodução Humana Assistida e sua
aplicação “post mortem”, encontra-se um caso concreto que se trata de uma
decisão proferida pela 22ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo/SP, prolatada
no dia 30 de abril de 2008, pela MM. Juíza Dra. Carla Themis Lagrotta Germano,
que foi manteve-se sob sigilo por pedido da autora da ação.
Pelo caso em concreto, entende-se que o casal tinha o desejo de constituir prole
por quase doze anos. Contudo, as tentativas de constituir a prole naturalmente não
foram eficazes. Diante disso, em 2006 através de ajuda médica, o casal se
submeteu ao tratamento de reprodução assistida sob as regras da Resolução
1.358/92 que vigorava na época. O material genético do esposo foi congelado
enquanto se esperava pela colheita dos óvulos para realizar o procedimento da
fertilização “in vitro”. Ocorre que, em razão de um acidente, o marido veio a falecer
em 2007.
Neste caso, não houve a manifestação de vontade do esposo de forma expressa, e
para tanto, a esposa decidiu continuar o projeto parental do casal, buscando
autorização judicial para a implantação do sêmen congelado do falecido.
O Juízo, portanto, deferiu o alvará, autorizando a autora em continuar com o
procedimento pelo prazo de um ano a contar da retirada do alvará, fundamentada
a decisão nos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana, princípio
do melhor interesse da criança e do adolescente, e pelo princípio do planejamento
familiar e da paternidade responsável. Contudo, o mesmo somente estabeleceu
prazo para a continuidade do procedimento, não dispondo sobre questões
pertinentes aos direitos sucessórios da prole eventual[27].
Ao se considerar que o direito de herança elencado no artigo 5º, inciso XXX, seja
um direito fundamental, e considerando também a lacuna existente pela omissão
do legislador ao conferir aos concepturos da inseminação artificial homóloga o
direito sucessório, entende-se doutrinariamente que pode ser possível o direito à
herança diante da aplicabilidade axiológica dos princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana, da igualdade entre os filhos, do melhor interesse da
criança e do adolescente e do planejamento familiar.
Apesar de Guilherme Calmon Nogueira da Gama entender que é inconstitucional o
emprego da técnica de reprodução humana assistida post mortem, sustenta que,
uma vez cabível e admissível juridicamente o procedimento, compreende que seja
possível a sucessão do concepturo, mesmo após a morte do seu genitor. Em suas
palavras destaca-se o seguinte:
No entanto, sendo reconhecida a admissibilidade jurídica do recurso às
técnicas de reprodução assistida post mortem (e assim a sua
constitucionalidade), a melhor solução a respeito do tema é considerar que o
artigo 1.798 do Código Civil de 2002 disse menos do que queria, devendo o
intérprete proceder ao trabalho de estender o preceito para os casos de
embriões já formados e daquele a formar. [...] (GAMA, 2007, p. 218-219)
Há outro posicionamento que também admite a possibilidade do concepturo à
sucessão legítima. Elenca José Luiz Gavião de Almeida o seguinte:
Os filhos nascidos de inseminação artificial homóloga post mortem são
sucessores legítimos. Quando o legislador atual tratou o tema, apenas quis
repetir o contido no Código Civil anterior, beneficiando o concepturo apenas
na sucessão testamentária porque era impossível, com os conhecimentos de
então, imaginar-se que um morto pudesse ter filhos. Entretanto, hoje a
possibilidade existe. O legislador, ao reconhecer efeitos pessoais ao concepturo
(relação de filiação), não se justifica o prurido de afastar os efeitos
patrimoniais, especialmente o hereditário. Essa sistemática é reminiscência do
antigo tratamento dado aos filhos, que eram diferenciados conforme a
chancela que lhes era aposta no nascimento. Nem todos os ilegítimos ficavam
sem direitos sucessórios. Mas aos privados desse direito também não nascia
relação de filiação. Agora, quando a lei garante o vínculo, não se justifica
privar o infante de legitimação para recolher a herança. Isso mais se justifica
quando o testamentário tem aptidão para ser herdeiro. (ALMEIDA, 2003, p.
104)
Diante do exposto, é evidente que o Direito Civil brasileiro tem forte influência dos
ditames constitucionais. Impossível pensar nas relações familiares sem a
preservação da dignidade da pessoa humana, na solidariedade de afeto, na
igualdade entre os seus membros e sem sombra de dúvidas, é difícil considerar
uma família sem a promoção e a garantia dos interesses dos seus membros, dentre
eles, da criança ou do adolescente, sem excluir os interesses dos pais e genitores.
Além disso, não se pode desmerecer o tratamento dado pela Constituição à família
quando permite a esta o seu próprio planejamento parental. Diante disso, o Estado
tende a preservar a dignidade do casal ou do doador do gameta através deste
planejamento, atribuindo aos envolvidos a sua livre e motivada decisão.
A partir do momento em que o casal ou o doador do gameta se submete às técnicas
reprodutivas, pressupõe que está automaticamente autorizando a utilização do
material genético para a sua posterior inseminação. Não é por derradeiro que o
próprio Conselho Federal de Medicina somente inicia o procedimento com a
anuência expressa do interessado.
A decisão pela concepção é do próprio casal ou do genitor ao escolher esse
procedimento para gerar o seu filho, e é de sua inteira responsabilidade. Eliminar a
possibilidade da inseminação artificial homóloga mesmo após a morte é
desmerecer a decisão do genitor, é destruir o sonho construído em vida, é
desacreditar na autonomia da liberdade de se poder escolher entre os critérios
ideais para a estrutura da família, é abdicar da felicidade consolativa da viúva por
conta da morte do seu marido ou companheiro.
Todavia, com a probabilidade da inseminação artificial homóloga ou da própria
fecundação artificial in vitro de poder se realizar em um prazo muito posterior,
tendo em vista a possibilidade do congelamento dos gametas, é preciso inferir
destaque para o estabelecimento de prazo para determinar o momento em que o
concepturo possa suceder.
Dessa forma, é conveniente notar que a indefinição do prazo não pode ser “ad
eternum”, pois ao se proteger o direito sucessório do concepturo, estaria
prejudicando os interesses e direitos dos demais herdeiros, o que caracterizaria
uma propensa insegurança jurídica.
Ocorre que, pela omissão legislativa, quanto o regulamento das técnicas de
reprodução humana assistida e as suas consequências, não se pode deixar de
preservar e promover o melhor interesse da criança e do adolescente. Deve-se
atentar que, o filho não pode ser tratado como objeto de direito, mas como sujeito
de direito.
Nessaperspectiva, não se deve apenas abranger aos filhos já existentes, mas
também aos que provavelmente venham ainda a se conceber. Filhos estes,
decorrentes da vontade e anuência do casal ou do genitor doador do material
genético. E por essa razão, não pode deixar de considerar os direitos envolventes
para a subsistência e o desenvolvimento da filiação eventual.
Diante de tudo isso, estando o Judiciário convocado para atuar sobre a resolução
da possibilidade sucessória aos concepturos da inseminação artificial homóloga, e
estando o operador do direito apegado às lacunas existentes na lei
infraconstitucional, nada impede que este venha a conceder o pleito do direito à
herança sob a fundamentação dos postulados constitucionais e aos princípios
fundamentais do direito. Até porque, a Constituição Federal como norma suprema,
não pode ser de forma alguma violada em suas raízes, muito menos, deve-se deixar
de observar a violação aos direitos inerentes aos cidadãos.
Todavia, integra a decisão a técnica da ponderação dos princípios constitucionais.
Não se pode pleitear a justiça de um lado, eliminando ou exterminando de forma
grotesca e desigual os direitos dos outros envolvidos. Dessa forma, se o direito
sucessório do concepturo deve ser garantido e assegurado é preciso que se atente
para o exercício dos direitos dos demais filhos e/ou envolvidos no procedimento da
partilha hereditária.
5 Considerações Finais
O ordenamento jurídico pátrio, por sua vez, se mostra ineficiente quanto à
aplicação de regulamentação adequada ao avanço biomédico. É evidente que os
problemas e questionamentos quanto à inseminação artificial póstuma tendem a
perdurar nos debates jurídicos. Apesar do Código Civil de 2002 presumir a
paternidade biológica aos filhos concebidos após a morte do genitor, subsiste
dúvida jurídica quanto à possibilidade ou a impossibilidade dos efeitos sucessórios.
É incongruente a ordem legislativa em conceder o direito de filiação, ao reconhecer
a paternidade ao falecido e não lhe dispensar regulamentação sucessória
apropriada. O ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista a ausência de
regulamentação especifica e necessária para a prática das condutas reprodutivas
expõe os envolvidos, pais, herdeiros e o filho à insegurança jurídica, e por que não
falar também, a uma situação de injustiça.
Frente a tudo isso, pode-se considerar que diante da omissão legislativa, a resposta
ao problema pode ser orientada por preceitos constitucionais claros e imperativos.
É cediço que a Constituição Federal possui suprema posição hierárquica em toda a
sistematização normativa, seja patrimoniais ou sucessórios, em relação à
inseminação artificial.
Filho nenhum pode ser tratado discriminadamente e sua dignidade não pode ser
de forma alguma abalada. Pois a sua subsistência e seu desenvolvimento dignos
não podem ser violados via transversa. Além de tudo isso, o planejamento familiar
é direito de toda família, sendo impertinente toda e qualquer intromissão que
venha a censurar ou a cercear os direitos de filiação do casal ou de um dos pais.
Assim sendo, diante da aplicabilidade dos preceitos constitucionais pode-se
observar a possibilidade do dos direitos de herança do concepturo,
independentemente da existência ou não de testamento.
Mesmo a ordem civil ao os elencar apenas como legitimados testamentários,
analogicamente deveriam ter considerado como herdeiros necessários, cabendo o
seu direito na participação de sucessão legítima, sem prejuízo da sucessão
testamentária.
Contudo, outro ponto em debate é no que se refere ao prazo para a concepção. O
legislador também não reproduz nenhuma regulamentação suficiente para a
questão do prazo mínimo ou máximo para a sucessão do concepturo, tendo em
vista que a utilização do material genético pode se dar mesmo muitos anos depois
em virtude da possibilidade de congelamento do material genético.
Destarte, é imprescindível uma regulamentação específica a definir lapso temporal
para se conceber filho por inseminação artificial homóloga “post mortem” de
forma a impedir o cerceamento dos direitos do concepturo, sem prejuízo dos
direitos e interesses dos demais herdeiros.
Não é justo que a norma que reconhece os direitos de filiação ao concepturo o
denegue direitos sucessórios. Justo também não é que esse direito deva seja
conferido indefinifivamente por período indeterminado, a causar danos aos demais
envolvidos no inventário. Pois, disponibilizar o exercício do direito sucessório do
filho concebido “post mortem”, sem estabelecer prazo para sucessão legítima
também fere a dignidade dos demais herdeiros e o seu direito constitucional à
herança na medida em que se postergar a partilha a prazo indeterminado.
Conclui-se, portanto que, ao chegar no Judiciário os questionamentos resultantes
da evolução medicinal, pois como visto, eles chegam, até porque a prática de
reprodução assistida humana tem se tornada corriqueira frente aos problemas
existentes de saúde das pessoas, impossível será o juiz deixar de decidir por conta
na lacuna da lei. Deverá este operador do direito, diante da omissão legislativa, se
amparar na Magna Carta e aplicar à técnica a ponderação de interesses aplicando
de forma justa e equânime os princípios constitucionais mais adequados ao caso
concreto, sempre em busca da melhor justiça.
Referências
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