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1 PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL Maristela da Silva Souza Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil Giane Schmaedeck Lara Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil Resumo: Este artigo tem como foco de estudo a relação estabelecida entre sujeito e natureza e como essa construção cultural influencia a prática pedagógica da Educação Ambiental, compreendendo o papel da Educação Física neste processo. Buscamos refletir sobre como a concepção de natureza, hegemônica na nossa sociedade, culminou em problemas ambientais. E posteriormente, evidenciamos que o surgimento do campo de conhecimentos da Educação Ambiental apresenta aspectos contraditórios pois, em nome do desenvolvimento das forças produtivas e sob o discurso hegemônico, contribui para o processo destrutivo das forças naturais e, consequentemente, da humanidade. Por último, situamos a Educação Física, neste debate, através das novas práticas corporais que surgem em meio ao contexto ambiental. Palavras-chave: Educação Ambiental. Educação Física. Natureza. Introdução A temática ambiental vem assumindo um papel cada vez mais importante na sociedade, em grande medida devido ao enfoque midiático dado ao tema, como também ao fato de serem perceptíveis os efeitos da exploração depredatória junto ao ambiente, sendo a mesma motivada pelo atual modelo de desenvolvimento produtivo adotado pela sociedade. Desse modo, a partir da prática pedagógica desenvolvida no projeto “Canoagem na Escola”, da experiência profissional com o esporte canoagem e, ainda, na participação da atual gestão da Federação de Canoagem do Estado do Rio Grande do Sul (FECERGS), foi percebida a potencialidade desta prática social na problematização das questões ambientais que mobilizam o conjunto da sociedade. O ponto de partida para a aproximação com algumas leituras analisadas, neste estudo, acerca do tema da Educação Ambiental (EA), foi a percepção dos problemas ambientais que envolvem a prática do esporte canoagem no município de Santa Maria-RS1. Ao problematizar essas atividades como objeto de pesquisa, foi verificada a complexidade acerca do trabalho com a EA. Entendemos que a superação das problemáticas ambientais implica outra forma de organização e de relações sociais, outros valores, outra ordem cultural e política, necessitando, por parte da Educação Física (EF), a inserção deste debate no trato com a cultura corporal, principalmente 1 Não é intenção, neste texto, relatar o referido projeto, mas salientar que a problemática aqui discutida, apresenta um contexto prático de desenvolvimento. Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 2 neste momento em que as práticas corporais, em meio a natureza, surgem no contexto de formação da EF. O presente artigo justifica-se, portanto, pela crescente necessidade do conhecimento do homem sobre a natureza e sobre si mesmo, percebendo-o como dela integrante. Deste modo, a reflexão sobre as questões ambientais na EF pode ser uma ferramenta que permita a compreensão de que o homem é parte intrínseca da natureza e não algo dissociado e perdido. Sendo assim, a destruição e degradação da natureza significam a destruição e degradação da própria humanidade. O procedimento de pesquisa adotado foi a revisão bibliográfica que, de acordo com Lakatos & Marconi (2007), oferece meios para definir e resolver não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas em que os problemas não se cristalizaram suficientemente. Para isso, primeiramente, buscamos compreender a relação sujeito e natureza, identificando que a EF apresenta um forte compromisso com esta discussão, uma vez que a constituição da cultura corporal acompanha a história da humanidade. Buscamos refletir sobre como a concepção de natureza, hegemônica na nossa sociedade, culminou em problemas ambientais que estamos enfrentando há algum tempo e, posteriormente, evidenciamos que o surgimento do campo de conhecimentos da EA apresenta aspectos contraditórios, pois em nome do desenvolvimento das forças produtivas e sob o discurso hegemônico, contribui para o processo destrutivo das forças naturais e, consequentemente, da humanidade. Por último, situamos a EF neste debate através das novas práticas corporais que surgem em meio ao contexto ambiental. A relação sujeito e natureza e a cultura corporal Pensar nossa relação com a natureza significa trazer à tona nossas concepções de mundo e, perpassa, a análise de como os sujeitos se relacionam entre si nos diferentes momentos históricos e culturais da humanidade. Podemos perceber que existem várias concepções de natureza, partindo das sociedades primitivas onde não havia distinção entre o mundo natural e o mundo social, até chegar aos dias atuais onde a natureza se tornou um grande objeto a serviço dos meios de produção que vêm sustentando os padrões culturais necessários à manutenção do movimento do capital. Como esclarece Gonçalves (2004, p.23), “o conceito de natureza não é natural sendo criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim, sua cultura”. O autor ressalta que a afirmação da oposição homem-natureza se deu em luta com outras formas de pensamento e práticas sociais, e acredita que foi sobretudo com a influência judaico-cristã que a oposição homem-natureza e espírito-matéria adquiriu maior dimensão2. Dessa forma, a naturalização das relações sociais acaba justificando situações opressoras e discriminatórias, “o imaginário ocidental costumeiramente associa à natureza os segmentos ou classes sociais oprimidos ou explorados, naturalizando essas 2 Nos século XVI e XVII, a visão de mundo medieval, baseada na filosofia aristotélica e na teologia cristã, mudou radicalmente. A concepção romântica de universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção de mundo como uma máquina em que temos então o mecanicismo cartesiano que reforça a fragmentação entre o homem e a natureza, opondo-o às forças naturais (CAPRA, 2001). Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 3 condições” (GONÇALVES, 2004, p. 125). Isto se revela facilmente, como nos traz o autor, em discursos comuns em diversos grupos da sociedade, como por exemplo, de que as mulheres por natureza são frágeis e emotivas; que os adolescentes são rebeldes e contestadores e que as crianças somente serão alguém no futuro, pela natureza das suas idades; que os velhos são naturalmente incapacitados para o trabalho. Essas posturas demonstram o perfil cultural da sociedade ocidental: branca, européia e machista. A desconstrução e o rompimento com estes preconceitos, muitas vezes justificados por uma visão estritamente biológica do ser humano, fazem-se urgente, para avançarmos na construção de outra cultura de sociedade. Daolio (1995) irá afirmar que os corpos embora com uma base biológica semelhante são construídos diferentemente em cada sociedade, segundo os padrões gerais de sua cultura. Padrões comportamentais, que comumente, enxergamos como “normal” ou “natural” em determinada cultura pode não ser para outra. Concordamos com Laraia (1992), que nos diz que o homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado, assim podemos considerar que o comportamento humano não é biologicamente determinado, pois todos os nossos atos dependem inteiramente de um processo de aprendizado. Portanto, a dimensão cultural é também constitutiva da dinâmica humana, sendo que o corpo humano pode ser visto como dotado de sentidos e significadosdentro do contexto sociocultural onde se situa. Sendo assim, concordamos com Coletivo de Autores (1992), quando estes questionam: “como compreender a realidade natural e social, complexa e contraditória, sem uma reflexão sobre a cultura corporal humana?” (p.42). Souza (2009) declara que as posturas corporais juntamente com as posturas morais e valorativas, ao longo da história, constituem o ser humano em verdadeiramente humano, dotado de cultura. À medida que a prática social humana foi tornando-se complexa, resultante dos desafios postos na relação sujeito e natureza, as atividades corporais aperfeiçoaram-se, tornando-se também, atividades produtoras e produtivas da história da humanidade. Resultante da construção histórica da nossa corporeidade, a autora, fundamentada em Coletivo de Autores (1992), declara que, hoje, dispomos de um valioso acervo de atividades expressivo-comunicativas com sentidos e significados lúdicos, estéticos, místicos e agonísticos como os jogos, a ginástica, a dança, a mímica, e outros. O entendimento da transformação histórica que acompanha a prática social da cultura corporal, possibilita-nos compreender o processo de transformação da relação sujeito e natureza e suas consequências para a degradação do meio ambiente. Sendo assim, a EF constitui-se em uma área de conhecimento que apresenta o compromisso de problematizar a sua atuação na história e a sua contribuição na afirmação ou transformação dos valores e práticas sociais que dicotomizam a relação sujeito e natureza. A educação ambiental e seus aspectos contraditórios Gonçalves (2004) descreve que se a sociedade quiser estabelecer outra relação com a natureza, deve ter claro que isso implica outra relação dos homens entre si. A postura utilitarista da natureza, hegemônica na sociedade, se fortalece com o desenvolvimento do modo de produção capitalista.O uso indiscriminado dos recursos Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 4 naturais, em proporções cada vez maiores, agrava os problemas ambientais que afetam hoje toda a humanidade. A temática ambiental vem sendo muito discutida nas últimas décadas. A questão dos limites da humanidade e suas alternativas foram discutidas no ano de 1972, em Estocolmo, na I Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, que pautava uma pretensa neutralidade ideológica apresentando como solução um modelo de desenvolvimento que conseguisse minimizar os efeitos de alguns processos degenerativos do ambiente, onde questões estruturais não foram abordadas (LOUREIRO, 2004). As orientações dessa conferência culminaram no relatório “Nosso Futuro Comum”, que nos deu a definição clássica de Desenvolvimento Sustentável como a “garantia de atender as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem as suas” (CMMAD, 1991). Essa temática começa a ser pautada, em nosso país, em plena ditadura militar. Este momento histórico para a EA, segundo Loureiro (2004), resultou uma ação governamental que primava pela dissociação entre o ambiental e o educativo/político. Tal concepção favoreceu a proliferação dos discursos ingênuos e naturalistas e a prática focada na sensibilização do “humano” perante o “meio natural”, caracterizando o que pode ser chamado de uma “educação ambiental convencional”. Em 1992, a realização, no Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano - ECO92, teve a participação de centenas de países e contribuiu para a expansão do debate ambiental na sociedade brasileira. Ainda nos anos 90, ocorreu a formulação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), os quais indicam que cada professor, dentro da especificidade de sua área, pode contribuir com uma compreensão mais integrada de Meio Ambiente. No que se refere à Educação Física, esta é considerada como capaz de “ajudar na compreensão da expressão e autoconhecimento corporal, da relação do corpo com o ambiente e o desenvolvimento de sensações” (BRASIL, PCNs, 1997, p. 194). Destaca- se também a lei 9695/99 que se refere a Política Nacional de Educação Ambiental onde se define EA como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente”. Nesse processo de discursos, leis e conferências, vale ficarmos atentos aos determinantes ideológicos que permeiam esse debate. LAYARGUES (2002) chama a atenção para o discurso “ecológico oficial” ou hegemônico baseado em práticas comportamentalistas, que o autor denomina de EA reducionista, onde não propõem mudanças estruturais e sim uma mudança comportamental e técnica, não refletindo sobre a cultura do consumo e o seu papel como um dos pilares de sustentação do sistema capitalista. O autor coloca que, sob a direção deste discurso, hoje, a EA se pauta hegemonicamente. Cita o exemplo do lixo e a sua relação com o processo de consumo e reciclagem. O discurso oficial hegemônico e propiciado pela aliança da reciclagem com as tecnologias limpas e eficientes, permite a critica ao consumo insustentável, porque, atualmente existe um consumo sustentável, não permitindo, assim, a crítica ao consumismo, pois esta representa uma subversão perigosa aos aspectos do atual sistema econômico e seu processo de produção. Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 5 Sob esta lógica, as práticas educativas que se referem à EA, entram nas instituições de ensino, reforçando e criando a conduta de um indivíduo necessária à sociedade consumista. O autor cita o exemplo da “absolecência planejada simbólica” presente no meio capitalista, em que se passa a ilusão que a vida útil dos produtos esgotou-se, mesmo que ele ainda esteja em perfeitas condições de uso3. “A moda e a propaganda provocam um verdadeiro desvio da função primária dos produtos. Ocorre que a absolecência planejada e a descartabilidade são hoje elementos vitais para o modo de produção capitalista, por isso encontram-se presentes tanto no plano material como simbólico” (LAYARGUES, 2002, p.05). A reciclagem passa a ser, a partir da EA, uma atividade importante nesse processo, pois gera a sensação de que um comportamento ambientalmente correto, a reciclagem, contribui para a resolução de um problema quando, na verdade, camufla o consumismo. E, além disso, reforça a concentração de renda nas mãos dos grandes capitalistas, através, por exemplo, do trabalho dos catadores e sucateiros4 que atuam como operários terceirizados da indústria da reciclagem, desprovidos de quaisquer benefícios trabalhistas. Além desta mediação, uma maior concentração de renda nas mãos de poucos é estabelecida pelos projetos vinculados às escolas que, voluntariamente e em nome da “ajuda” à reciclagem, contribuem para a diminuição de gastos na produção das empresas. Como nos diz Layargues (2002), é muito mais econômico produzir a partir do material reciclável do que partir de materiais novos. Além, desta questão, é gerado nas pessoas um maior consumismo aos produtos que trabalham com a imagem da reciclagem, uma vez que o consumidor se sentirá mais ecologicamente correto quando compra produtos com embalagens recicláveis5. Através do exemplo dado, a reciclagem, não queremos dizer que esta prática deva ser desconsiderada do processo de revitalização do meio ambiente. Marx, em O Capital (1989), constatou a degradação urbana provocada pelo capitalismo industrial e também foi favorável à reciclagem dos resíduos industriais. Disseele que, com o trabalho em grande escala e o aperfeiçoamento da maquinaria, as matérias primas que, na sua atual forma não são aproveitáveis, poderão transformar-se para serem aptas para a nova produção. Porém, percebemos que a EA, sob esta lógica dominante, não contribui para a resolução de problemas ambientais, uma vez que trata as suas práticas 3 Meadows et al apud Layargues (2002), reconhecem que dobrar a vida útil de um produto significa diminuir pela metade o consumo de energia, o lixo e a poluição gerada. 4 Calderoni apud Layargues (2002), sinaliza que, apesar de a remuneração do catador e sucateiro oriunda da reciclagem contribuir para a melhoria de sua condição de vida, os ganhos econômicos estão mal distribuídos: sua pesquisa, realizada no município de São Paulo, indicou que a indústria da reciclagem aufere a maior parte dos ganhos, alcançando quase R$ 215 milhões (cerca de 66% da fatia total obtida através da reciclagem do lixo). O restante dos ganhos é repartido entre a Prefeitura, que retém R$ 36 milhões (11%), os sucateiros, que recebem R$ 32 milhões (quase 10%) e os catadores, que obtêm quase R$ 43 milhões (13%). 5 Meadows et al apud Layargues (2002) lembram que para cada tonelada de lixo gerada pelo consumo , vinte toneladas de lixo são geradas pela extração dos recursos e cinco toneladas de lixo são geradas durante o processo de industrialização. Nos EUA, por exemplo, para se produzirem quatro quilos e meio de produtos, gera-se pelo menos uma tonelada e meia de resíduos. Isso significa que o metabolismo industrial norte-americano é mais eficiente em gerar lixo do que produtos, pois 99,7% do que os EUA retiram da natureza e transportam para a tecnosfera são diretamente destinados ao lixo sem qualquer utilidade para o ser humano. Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 6 educativas como atividades fins e não como questões a serem problematizadas em meio aos aspectos econômicos e políticos do processo de produção e consumo. A educação física e a educação ambiental: o contexto das nova prática da cultura corporal Entendemos que a reflexão sobre os problemas sócio-políticos atuais (ecologia, relações sociais do trabalho, distribuição do solo urbano) e outros, faz-se necessária no contexto de ensino se existe a pretensão de possibilitar aos educandos o entendimento e a superação das problemáticas que essas questões apresentam para a realidade social. A incorporação de novos estilos urbanos de vida, caracterizados pela ampliação da possibilidade de consumo de novos produtos, materializa-se também no desenvolvimento e na consolidação de hábitos de lazer, tais como o costume de viajar, de ir às compras e de fazer esportes e atividades físicas; entre as quais pode se identificar a popularização daquelas vivenciadas em contato com a natureza, uma forma de buscar compensação para os problemas do “cinzento mundo urbano” (MELO e GONÇALVES, 2009). Podemos citar aqui algumas atividades esportivas praticadas e em voga, atualmente, no meio natural, como: Arvorismo, Balonismo, Bicicross, Canoagem, Cavalgada, Mergulho, Montanhismo, Orientação, Paraquedismo, Rapel, Surfe, entre outros. Percebemos que, geralmente, a ocorrência destas práticas se dá sob a égide do nome “Educação Ambiental”, dando primazia às intervenções de ordem técnica, centradas nos aspectos ecológicos do meio ambiente. No campo de conhecimento da EF, a temática da EA, passou a ser apreendida, seja no contexto de ensino de formação superior, através de disciplinas curriculares como “Atividades Esportivas contemporâneas” (CEFD/UFSM); “Esportes de Aventura” (CDS/UFSC); “Educação Física e Meio Ambiente” (ESEF/UFPEL), como também em espaços de ensino informais, clubes, academias e organizações esportivas. Analisar essa temática na área da EF, nos remete a analisar como a EF tratou e trata os seus conteúdos de ensino, para que não repitamos o que, historicamente, nos acompanhou, ou seja, que a EF, atendeu ao propósito do discurso hegemônico da sociedade capitalista . Isso fica claro em seus momentos de construção: Higienista, Militarista, Pedagogicista, Competitivista (Guiraldelli, 1988), contribuindo, com seus pressupostos teóricos, para que a área construísse a sua identidade vinculada às ciências naturais. Contudo da EF viver anos de criticidade (a partir dos anos 80 com a chamada crise - Medina, 1983), aumentou sua produção na área pedagógica, sob a influência das ciências sociais que se contrapuseram à prática da EF e sua relação com o sistema capitalista, destaca-se hoje, a forte influência do discurso pós-moderno que atinge a produção intelectual dos últimos tempos e que avança no campo de conhecimento da EF. Sob o discurso crítico de contraposição às práticas corporais de razão técnica, a EF compromete-se com o projeto histórico capitalista, uma vez que o discurso pós-moderno não apresenta a intenção de romper com o referido sistema. Como nos declara Mello apud Escobar (1997, p.153), Não é gratuito o bombardeio ideológico dos intelectuais que, engrossando a fila dos ‘esqueçam o que eu disse’, procuram esconder os rumos que o capitalismo determina para a educação, apontando, por exemplo, que: A Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 7 questão do conhecimento é vital para o exercício da cidadania política num mundo que deixa de ser marcado por bipolaridades excludentes - capital x trabalho, classe dominante x classe dominada. Considerada por vários autores, Moraes (1994, 1996), Marques (1993), Freitas (2000), como a nova fase do capitalismo, que com o objetivo de garantir a ordem em momentos de crise, a pós-modernidade apresenta o presente e o cotidiano como possibilidades centrais de realizar os sonhos frustrados que se anunciam na modernidade. Porém, como nos declara Freitas (2000), a pós-modernidade não significa a chegada de progresso social e, sim, o capitalismo cumprindo sua função histórica de revolucionar as forças produtivas. “Não há nada de novo na ‘contemporaneidade’ ou na ‘pós-modernidade’, exceto a forma de exploração e suas consequencias culturais. A essência é a mesma” (p.124). As implicações dessa concepção, no campo de conhecimento da EF, avançam na produção teórica e práticas corporais, apresentando o contexto das práticas ambientalistas como um espaço privilegiado para isso. A EF, mais uma vez, no desenvolvimento de suas práticas corporais, segue o modelo de organização da vida capitalista que necessita construir “consensos/consentimentos/submissões” (Limoeiro, 2007). Bracht apud Souza (2009) entende que, hoje, para além da espetacularização do esporte de alto rendimento, o que chama a atenção é a diversificação e pulverização das práticas corporais que geram um aumento de velocidade no aparecimento e desaparecimento, no mercado, de novas formas esportivas. "Essas características parecem coincidir com aquelas que alguns teóricos têm identificado no plano sócio-cultural mais geral e que são genericamente conceituadas como características da sociedade pós-moderna ou pós-industrial, ou ainda sociedade informática" (p.110). Bracht (1997) lembra Lipovitsky (1989), um dos filósofos pós-modernos, que preocupado com a busca da libertação direta dos sentidos, das emoções e das energias corporais, defende um desporto, Associado a proliferação das práticas livres de cronômetros, de confronto, de competição, e que privilegiam o treino livremente escolhido, a sensação de planar, a audição do corpo (jogging, Windisurf, ginástica suave, etc.), o desporto é reciclado através da psicologização do corpo, da total tomada de consciênciade si, do livre curso aberto à paixão dos ritmos individuais (LIPOVITSKY apud BRACHT, 1997, p.112). Preocupado com as consequencias que este “novo narcisismo vivido sem culpa”, poderá acarretar no processo de desenvolvimento das práticas esportivas, Bracht (1997) questiona: "Por trás da aparente diversidade dos sentidos e das práticas esportivas, não se encontra uma nova forma de controle das subjetividades, um comportamento moldado pelo sempre aparentemente novo?" (p.112). Portanto, acreditamos que as atividades que envolvem o meio ambiente são importantes para a sensibilização acerca das questões ambientais e devem se inserir na EF, mas não com um fim em si mesmas ou que venham a reforçar a dominação do homem sobre a natureza. Mudanças e inserção de novas práticas da cultura corporal não querem dizer transformação de valores e ideologias. Essas mudanças devem vir Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 8 acompanhadas de uma direção pedagógica que, realmente, fundamente a inserção destas práticas no âmbito de ensino da EF, dando-lhes significado crítico. Quando pensamos em EF comprometida com a EA, não podemos deixar de problematizar e abrir espaços para o diálogo acerca das questões e pautas concretas do dia-a-dia, considerando todos os aspectos que abarcam o modo de vida do ser humano em sociedade, construindo com os sujeitos envolvidos, no processo educativo, a superação da visão fragmentada sobre essas questões. Diante disso, a EF pode oferecer oportunidades de ações que conscientizem as pessoas a interagirem e a atuarem enquanto sujeitos de transformação no ambiente no qual vivem, demonstrando, assim, que este espaço, a EA, pode ser mais um instrumento que possibilita a emancipação dos sujeitos envolvidos no processo educativo. Isso pode acontecer, no âmbito de ensino formal e informal da EF, começando com a problematização dos aspectos pedagógicos e valores que se apresentam no processo de desenvolvimento das novas práticas esportivas que se anunciam no contexto ambiental. A que discurso pedagógico/ideológico essas práticas servem? O que essas práticas trazem ou poderão trazer de novo e transformador para a área de conhecimento da EF? A EF não estará com esta prática contribuindo para reforçar o discurso oficial hegemônico da EA? Concordamos com Coggiola (2005) que, buscando responder à relação entre a crise ecológica e a relação da educação integral do ser humano, incluída a EF, acredita ser o capitalismo o grande responsável pela crise ecológica atual vivenciada na humanidade. Para o autor, superar essa situação requer implicações para todos os aspectos da vida humana, principalmente para a educação que deveria quebrar a cisão entre educação científica/humanista e educação técnica (base da divisão entre trabalho manual e intelectual), assim como entre formação intelectual e formação (educação) física. A partir dessas percepções, faz-se necessário o estabelecimento de um trabalho coletivo no sentido de superar os problemas ambientais tão visualizados atualmente. Sob essa perspectiva, acreditamos na necessidade de abordar na EF a EA que, conforme Antuniassi (1995), não apenas transmita conhecimentos ecológicos, mas represente uma proposta política de reflexão, debate e posicionamento sobre a relação homem e natureza e sua produção sociocultural. Considerações finais Cabe considerar que o despertar da consciência ambiental não é somente responsabilidade do indivíduo em si ou um agregado destes, mas requer mobilização social que articule a realidade e o pensamento individual. Essa articulação pode ser geradora de transformações ideológicas no indivíduo, não restritas apenas a mudanças de comportamentos e de atitudes no meio - ambiente domiciliar/comunitário, mas pode despertar uma racionalidade questionadora das determinações hegemônicas socioambientais atuais. Entendemos que compreender, a cada dia, as leis naturais e as consequências de nossas ações sobre elas, permite-nos, não somente sentir, mas saber que fizemos parte de uma unidade com a natureza. Assim, “mais se tornará insustentável a idéia absurda e contra-natura da oposição entre espírito e a matéria, entre o Homem e a Natureza, entre Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011 9 a alma e o corpo” (COGGIOLA, 2005, p.3). No que se refere à EF, faz-se imprescindível uma prática pedagógica que situe o âmbito de conhecimento da cultura corporal nas condições de vida real. Isso significa defender a historicidade da cultura, especificamente da cultura corporal, de forma que a cultura recupere o seu significado enquanto resultado da vida e da atividade dos sujeitos em busca da sua superação. Neste processo, os sujeitos, sob uma prática competitivista e individualista criaram, em nome de um progresso produtivista, aspectos contraditórios que vieram abalar e colocar em risco as suas próprias condições de vida. Essa postura, impõe à EF identificar os seus conteúdos de ensino, inclusive as práticas da cultura corporal que são desenvolvidas em meio ao contexto natural, como forma de materialização de diferentes objetivos e interesses. Referências ANTUNIASSI, M.. Educação ambiental e democracia. In: SORRENTINO, M.; TRAJBER, R.; BRAGA, T. (Coord.) Cadernos do III Fórum de Educação Ambiental. São Paulo: Gaia, 1995. BRACHT, V. Epistemologia da Educação Física. In Ensaios: Educação Física e Esporte/organizadores Máuri de Carvalho e Adriano Maia. - Vitória, UFES, Centro de Educação Física e Desportos, 1997. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Meio Ambiente / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. CAPRA, F. 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Keywords: Environmental Education. Physical Education. Nature. PRÁCTICA PEDAGÓGICA EN EDUCACIÓN FÍSICA Y LA EDUCACIÓN AM- BIENTAL Resumen: Este artículo se centra en el estudio de la relación entre el sujeto y la natura- leza y cómo esta construcción cultural influye en la práctica pedagógica de la educación ambiental, incluyendo el papel de la educación física en este proceso. Reflexionamos sobre cómo el concepto de la naturaleza, hegemónica en nuestra sociedad, culminó en problemas ambientales y, a continuación se muestra que la aparición del campo de co- nocimiento de la Educación Ambiental tiene aspectos contradictorios, porque en nomb- re del desarrollo de las fuerzas productivas y en el discurso hegemónico contribuye al proceso destructivo de las fuerzas naturales y por lo tanto de la humanidad. Finalmente, situamos la Educación Física en este debate a través de las nuevas prácticas corporales que vienen como el contexto ambiental. Palabras clave: Educación Ambiental. Educación Física. Naturaleza. Endereço para correspondência: souzamaris@bol.com.br Maristela da Silva Souza Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Educação Física e Desportos Departamento de Desportos Individuais Av. Roraima Campus Universitário 97105-900 - Santa Maria, RS - Brasil Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011
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