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einstein. 2008; 6 (Supl 1):S40-S7 Lúpus eritematoso sistêmico de início tardio Late onset systemic lupus erythematosus Ivone Minhoto Meinão1, Emília Inoue Sato2 RESUMO Pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, doença com início aos 50 anos ou mais, perfazem um subgrupo com algumas caracterís- ticas demográfi cas, clínicas e laboratoriais próprias. Neste artigo, apresentamos uma revisão, buscando no PubMed as palavras-chave constantes do título acima, com pesquisa incluindo publicações dos últimos dez anos, além de bibliografi a mais antiga, constantes em li- vros textos. Desde a década de 1960 havia o conceito que o lúpus eritematoso sistêmico, após os 50 anos, teria um curso benigno e com menor diferença na prevalência entre os sexos. Publicações mais recentes continuam confi rmando o menor predomínio no sexo femini- no em relação ao masculino, em comparação à doença em pacientes mais jovens. Mas, atualmente, diversos estudos realizados em po- pulações etnicamente diferentes, mostram que pacientes com lúpus eritematoso sistêmico tardio têm menor sobrevida, em decorrência de comorbidades freqüentes nessa faixa etária e que infl uenciam o estado de saúde já comprometido. A causa mais freqüente de morta- lidade é a infecção, seguida de doenças pulmonares e doença arterial coronariana. A menor freqüência de hipocomplementemia no lúpus eritematoso sistêmico tardio continua sendo encontrada em diversos estudos, porém, o envolvimento renal é considerado semelhante ao de pacientes adultos jovens. Há concordância de que o lúpus eritematoso sistêmico tardio acomete menos a pele, especialmente considerando o eritema malar e a fotossensibilidade, mas parece não ter um curso tão benigno quanto havia sido demonstrado em estudos realizados em décadas passadas. Diferenças nos métodos de avaliação podem justifi car em parte os resultados discrepantes. Descritores: Lúpus eritematoso sistêmico; Grupos etários; Caracte- rísticas da população; Idade de início; Meia-idade; Prevalência; Fato- res etários; Distribuição por sexo; Estudos retrospectivos ABSTRACT Systemic lupus erythematosus starting beyond the age of 50 years is considerate as a late onset disease, and constitutes a subgroup with some demographic, clinical and laboratory characteristics, in agreement with former studies. We performed a review searching on PubMed using key words present in the title. In this review articles published in the last ten years were included besides older ones in- cluded in the rheumatology textbooks. Since the decade of the 1960s there was the concept that late onset systemic lupus erythematosus had a benign course with less gender difference comparing to the young adult onset disease. More recent studies continue confi rm- ing the lower predominance in female than male as compared to the younger onset disease. However, several more recent studies evaluat- ing ethnically different populations showed that the late onset disease had worst prognosis than published previously, due to comorbidities frequent in this age group that can infl uence their healthy status. The most frequent causes of mortality are infection followed by pulmonary and coronary diseases. The lower frequency of hypocomplementemia in late onset disease continues to be found, however, renal involve- ment is now considered similar to that found in young adult disease. There is consensus that late onset disease affects less frequently the skin, especially malar rash and photosensitivity, however it seems that the course is not as benign as reported in previous studies. Keywords: Lupus erythematosus, systemic; Age groups; Population characteristics; Age of onset; Middle age; Prevalence; Age factors; Sex distribution; Retrospective studies INTRODUÇÃO O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença au- to-imune, crônica, infl amatória do tecido conjuntivo e que acomete múltiplos órgãos e sistemas. De etiologia multifatorial, evolui em surtos de atividade variada, en- tremeados por períodos de remissão e pode apresentar manifestações clínicas e laboratoriais bastante pleiomór- fi cas. Fatores genéticos, ambientais e hormonais partici- pam do desequilíbrio do sistema imune, com produção de auto-anticorpos dirigidos contra proteínas nucleares, alguns dos quais comprovadamente participam da lesão tecidual. A doença acomete, preferencialmente, mulhe- res na idade reprodutiva, sendo mais incidente entre os 15 e 45 anos. No entanto, nenhuma faixa etária está isen- ta do acometimento dessa doença, que pode incidir tanto na infância quanto em idade mais avançada(1). Para avaliar as características demográfi cas, clínicas e laboratoriais do subgrupo de pacientes com início do LES a partir dos 50 anos, denominado de lúpus de início tar- dio, incluímos nesta revisão, os dois artigos nacionais(2-3) 1 Doutora, Assistente da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil. 2 Professora Titular da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, São Paulo (SP), Brasil. Autor correspondente: Ivone Minhoto Meinão – Rua Agostinho Rodrigues Filho, 57 – apto. 124 – Vila Clementino – CEP 04026-040 – São Paulo (SP), Brasil – Tel.: 11 5549-3939 – e-mail: meinao@uol.com.br einstein. 2008; 6 (Supl 1):S40-S7 Lúpus eritematoso sistêmico de início tardio S41 que abordam o tema, embora sejam anteriores à última década. Na revisão da literatura, foram encontrados dez estudos(4-13) no banco de dados do PubMed, publicados entre 1998 e 2007. Foram incluídos também dois artigos mais antigos: um deles(14) por ter sido multicêntrico e en- volvendo um total de 1.000 pacientes com LES e uma metanálise(15) dos artigos publicados entre 1966 e 1988 sobre LES de início tardio. Dados de literatura mostram que o LES tardio cons- titui, em média, 26% do total de indivíduos com LES, mas em contraste com o lúpus infantil, são escassos os estudos sobre lúpus tardio(4,6). INCIDÊNCIA Estudos realizados no Reino Unido e nos Estados Uni- dos mostram uma incidência do LES de 3,7 a 5,5/100.000 habitantes por ano, respectivamente. O único estudo de incidência de LES realizado no Brasil, na cidade de Na- tal, Rio Grande do Norte, indicava uma estimativa de 8,7 casos novos por 100.000 habitantes, no ano de 2000. Essa incidência tão alta pode ser devida às diferen- ças genéticas ou ambientais, como a maior exposição solar(16-17). Não foram encontrados estudos específi cos quanto à incidência de LES de início tardio. PREVALÊNCIA A prevalência do LES varia de acordo com a etnia do grupo estudado. Embora a doença afete todas as raças, estudos norte-americanos mostram prevalência de três a quatro vezes maior em mulheres negras que brancas. De maneira geral a prevalência é estimada em um a cinco pacientes para cada 10.000 habitantes. Quanto ao sexo, é mais prevalente no sexo feminino, acometendo entre nove a 12 mulheres para cada homem. Na faixa etária igual e acima de 50 anos, há menor predomínio do sexo feminino, variando de 3,2 a nove mulheres para cada homem acometido(17). Em diferentes estudos, a porcentagem de lúpus de início tardio variou de 3,5 a 21,6% e a participação das diferentes raças variou de acordo com a população estudada. O Quadro 1 mos- tra os dados demográfi cos dos estudos que avaliaram o subgrupo de pacientes com início tardio da doença. ETIOLOGIA E ETIOPATOGENIA A maior prevalência da doença em familiares de pa- cientes com LES, bem como a maior concordância da doença em gêmeos monozigóticos, em relação aos dizi- góticos e o encontro de associação da doença com cer- tos antígenos de histocompatibilidade, tais como DR2, DR3, DQA1 e DQB1 evidenciam a importância de fa- tores genéticos(20). A alta prevalência no sexo feminino na idade repro- dutiva, com um declínio após a menopausa e a freqüen- te exacerbação durante a gravidez, sugere que a maior relação da taxa de hormônios femininos (estrógenos) e masculinos (testosterona) participa da patogênese da doença. Em relação à infl uência ambiental, reconhece- se que raios ultravioletas, alguns medicamentos e agen- tes infecciosos, especialmente vírus Epstein-Barr, são fatores considerados desencadeantes da doença(21). A agregação de alguns desses fatores concorre para a perda da tolerância imunológica, com ativação poli- clonal de linfócitos B e produção de auto-anticorpos antinucleares. Para isso, contribui a falha de meca- nismos supressores e de regulação imunológica. Mais recentemente, encontrou-se uma subpopulação de lin- fócitos T CD4+ (CD4+CD25+), com características supressoras, cuja função pode ser inibida na presença de determinadas moléculas Toll-like receptors (TLR), especialmente TLR-7/8, com capacidade de se ligar aos peptídeos como o DNA e o RNA(18). São encontradas ainda, falta de equilíbrio entre a produção de citocinas pró-infl amatórias e antiinfl ama- tórias, bem como alterações no mecanismo de apopto- se e defi ciência nos mecanismos de depuração de ma- terial apoptótico e de imunecomplexos(19). Expressão anormal de moléculas co-estimulatórias nas interações entre célula apresentadoras de antígeno e célula T e en- tre linfócitos B e T também favorecem a ativação de células imunologicamente competentes levando à auto- imunidade(1). Os mecanismos patogenéticos envolvidos na lesão tecidual do LES são devidos, principalmente, à formação de imunocomplexos e ativação do sistema de complemento, ou, a formação de anticorpos contra antígenos específi cos de membranas de determinadas células (mecanismo da anemia hemolítica, plaquetope- nia etc). Outro mecanismo que também pode contribuir para a patogênese do LES é a trombose vascular secun- dária à presença de anticorpos antifosfolípides. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O acometimento de diversos órgãos e/ou sistemas pode ocorrer de forma simultânea ou seqüencial. A freqü- ência dos diversos acometimentos varia conforme a composição étnica e o tempo de evolução da doença. Quadro 1. Dados demográfi cos referentes ao subgrupo de lúpus de início tardio Prevalência 3,5 a 21,6% Relação quanto ao sexo (F/M) 2,3: 1 a 9:1 Raça 100% asiáticos (4, 5, 7, 11,13) 100% brancos (3, 6,9) 49 a 97% brancos (2, 8, 10, 12,14) Índice de mortalidade de LES tardio 8,5 a 60,8% einstein. 2008; 6 (Supl 1):S40-S7 S42 Meinão IM, Sato EI Essa porcentagem, evidentemente, depende se o estudo considera as manifestações ocorridas no início da doen- ça ou ao longo da evolução da mesma. Muitos estudos sugerem que a idade de início do LES é um importante fator que infl uencia sua apresentação e evolução. Os estudos realizados na década de 1960 e 1970 concluí- ram que o lúpus de início tardio tinha um curso menos agressivo e com bom prognóstico, com menor freqüên- cia de acometimento de órgãos vitais. Sintomas gerais A freqüência de fadiga, adinamia, febre, anorexia e ema- grecimento variam de 51 a 90% no LES de uma forma geral. Com relação ao lúpus de início tardio, as queixas gerais foram avaliadas em dois estudos realizados no Brasil. Um deles(2) encontrou maior freqüência de fra- queza muscular, com ou sem alterações enzimáticas, em sete pacientes com LES tardio em comparação a 192 pa- cientes adultos jovens. O outro estudo(3) não encontrou diferenças signifi cativas entre o grupo de 223 pacientes jovens e dez pacientes com início do lúpus acima de 50 anos, quanto aos sintomas gerais. Dois estudos realiza- dos na China(4-5) tiveram resultados semelhantes quan- to à prevalência de sintomas gerais. Em outro estudo(6), conduzido na Espanha com 100 pacientes caucasóides, sendo 12 de início tardio também, não foram encontra- das diferenças signifi cantes. Pesquisas realizadas entre pacientes chineses(11), sendo 22 indivíduos com lúpus tar- dio, 213 com LES em adultos jovens e 50 em crianças, assim como o projeto LUMINA(12) com 73 pacientes com lúpus tardio, de diversas raças, também não relataram di- ferenças nas queixas gerais, em relação aos 144 pacien- tes jovens. Apenas um estudo na Turquia(9), comparando 20 pacientes com LES tardio com 100 pacientes adultos jovens, encontrou menor freqüência de febre no grupo mais idoso. O estudo multicêntrico(14), observando 90 pacientes com lúpus tardio dentre 1.000 indivíduos com LES, também não encontrou diferenças entre os grupos em relação a sintomas gerais. Concluímos que de uma forma geral, o lúpus de início tardio não apresenta ca- racterísticas diferentes do LES de uma forma geral, em relação aos sintomas gerais. Lesões cutâneas As lesões agudas são caracterizadas por fotossensibi- lidade e eritema malar, com freqüência de 45 e 53%, respectivamente. Há também lesões subagudas que se apresentam como pápulas eritematosas ou placas de aspecto anular ou descamativas, cuja prevalência varia de 7 a 27%. As lesões discóides são lesões crônicas que evoluem com cicatrizes e atrofi a na área central e ocor- rem em 10 a 29%. Outras lesões cutâneas e mucosas também podem ocorrer como as úlceras orais (9 a 40%) e alopecia (21 a 70%), podendo ser difusa, areata ou decorrente de cicatrizes por lesões discóides(22). Com re- lação às manifestações no idoso, apenas dois estudos(2-3) encontraram menor freqüência de alopecia nos mais idosos. Dentre os 15 artigos revisados, dois não avaliaram lesões cutâneas(8,13). Quatro(2,4,6,14) relatam menor fre- qüência de lesões mucocutâneas entre os mais idosos. Outros quatros(2-4,15) referiram menor porcentagem de alopecia entre os mais idosos. Em três estudos foi referido menos eritema malar em pacientes com lú- pus tardio(5,7,10), mas em outros dois estudos, não hou- ve diferença signifi cativa entre grupos(9,11). Apenas em um estudo(7) foi encontrada maior freqüência de lesão discóide no lúpus tardio. Em resumo, manifestações mucocutâneas, de um modo geral, parecem ser menos freqüentes no lúpus tardio. Acometimento articular A artrite geralmente se localiza em articulações das mãos, punhos e joelhos, sendo de caráter simétrico e in- termitente, e, caracteristicamente, não apresentam ero- sões ósseas. Mais raramente, a artropatia pode cursar com deformidades redutíveis (artropatia de Jaccoud), decorrentes de subluxações, em razão do acometimen- to de tendões e cápsulas. A freqüência da artrite varia de 69 a 95%. A necrose avascular acomete, geralmente, a cabeça e côndilos femorais, tubérculo umeral e platô tibial e ocorre em cerca de 10% dos pacientes, podendo ser causada pela doença em atividade, anticorpos anti- fosfolípides ou uso de corticosteróides(22). Com relação ao lúpus de início tardio, apenas um estudo notou maior freqüência de artrite em idosos(8), três estudos(10,12,14) relataram menor freqüência e os de- mais não observaram diferenças signifi cativas entre os grupos. Somente um estudo(13) não avaliou essa mani- festação e apenas um artigo(10) faz referência à necrose avascular, não encontrando diferença entre os grupos de idosos e jovens. Acometimento hematológico Pode haver depleção das três séries (plaquetopenia menor que 100.000 células/mm3, leucopenia menor que 4.000 leucócitos/mm3 ou linfopenia menor 1.500 linfócitos/mm3). A anemia no LES geralmente é nor- mocrômica e normocítica, típica de doença crônica. A anemia hemolítica auto-imune é encontrada apenas em 14% dos casos. A trombocitopenia, menor que 50.000 plaquetas/mm3, ocorre em torno de 10% dos casos. A leucopenia e/ou linfopenia ocorrem em cerca de 50% dos casos, ao longo da evolução da doença. Já linfade- einstein. 2008; 6 (Supl 1):S40-S7 Lúpus eritematoso sistêmico de início tardio S43 nopatia é mais comum em crianças, sendo encontrada em até 69% dos pacientes com início antes dos 16 anos. Nos adultos, 35% dos pacientes com LES se apresen- tam com linfadenopatia nas fases ativas da doença, po- rém, em apenas 1% está presente no primeiro surto da doença. Nessas situações, é necessário um diagnóstico diferencial com doenças infecciosas, linfoproliferação maligna e doenças linfoproliferativas benignas como doença de Kikuchi e Castleman. Os trabalhos da literatura não referiram diferenças na freqüência de comprometimento hematológico entre pacientes com lúpus tardio e adultos jovens. Apenas um estudo(10), com revisão da literatura e uma metanálise(15) referiram menor freqüência de lindadenopatia entre os mais idosos. Acometimento renal O envolvimento renal ocorre em 30 a 65% dos pacien- tes ao longo da evolução da doença. É caracterizado por proteinúria ≥ 0,5 g a cada 24 horas e presença de cilindrúria anormal. No entanto, quando realizado es- tudo histológico à microscopia eletrônica ou imunofl u- orescência, praticamente todos os pacientes apresen- tam algum depósito de imunoglobulinas ou de material elétron-denso, que corresponde aos depósitos de imu- necomplexos. A sintomatologia nem sempre está pre- sente, especialmente no início do envolvimento renal e o diagnóstico muitas vezes é feito por meio do exame do sedimento urinário. Cerca de 10% dos pacientes com nefrite evoluem para insufi ciência renal e o pior prognóstico está relacionado à forma proliferativa da doença. A hipertensão arterial é manifestação freqüen- te, ocorrendo em cerca de 40% dos pacientes. Além do tipo histológico, a biópsia permite avaliar se as altera- ções são agudas e, portanto, reversíveis ou crônicas e irreversíveis e auxiliam na avaliação quanto ao melhor tratamento e prognóstico (22). Com relação ao lúpus tardio, alguns estudos(3,5-6,10,12,14) relataram menor ocorrência de envolvimento renal nesse subgrupo, enquanto outros não encontraram di- ferenças signifi cativas quando comparados a pacientes adultos jovens(2,4,7-9,11,15). Recentemente, foi realizado um estudo(13) avaliando o envolvimento renal em pa- cientes com LES de diversas faixas etárias, concluindo que apesar de não haver diferenças signifi cativas na fre- qüência de acometimento renal entre as diferentes fai- xas etárias, houve maior acúmulo de danos renais entre os mais idosos. Os autores também encontraram maior freqüência de hipertensão arterial no LES tardio, assim como o tipo histológico IV foi o predominante. Em re- sumo, embora o envolvimento renal em lúpus de início tardio possa não ter diferenças com relação aos jovens, a hipertensão arterial é mais freqüente. Acometimento de serosas A pleura, pericárdio e peritônio podem ser envolvidos no processo infl amatório com freqüências de 45, 15 e 23%, respectivamente. Entretanto, essa freqüência é muito maior nos estudos com necropsia ou exames ultrassonográfi cos. O tamponamento cardíaco é raro, sendo relatado em menos de 1% dos casos. O acometi- mento do peritônio além da dor pode causar ascite as- séptica e raramente evolui para peritonite crônica(22). Em nove estudos não foi encontrada diferença sig- nifi cativa nas freqüências de serosites entre LES de iní- cio em jovens e idosos(2,5-7,9-12,14). Em um estudo(10), em- bora não se tenha encontrado diferença signifi cativa na amostra dos autores, na revisão de dados da literatura houve maior freqüência de serosites na faixa etária mais tardia. Em outro estudo foi encontrada maior freqüên- cia de pericardite(3) e, em outro, de pleuris(4) no lúpus de inicio tardio. A metanálise(15) também relatou maior prevalência de serosites no LES tardio. Concluímos que a serosite é mais freqüente em lúpus de início tardio. Acometimento neurológico Pode haver envolvimento de sistema nervoso central, manifestando-se como convulsões ou distúrbios psiqui- átricos, com freqüência, respectivamente, de 20 e 15%. O envolvimento do sistema nervoso periférico ocorre em torno de 18% e pode se manifestar como mononeu- rites simples ou múltiplas(22). Diferenças signifi cativas quanto ao acometimento neurológico foram encontrados apenas em três estudos. Dois(10,15) observaram menor acometimento nos pacien- tes com LES tardio e apenas um estudo, que incluiu manifestações neurocognitivas e cefaléias, encontrou maior freqüência nessa faixa etária(12). Em resumo, ma- nifestações neuropsiquiátricas como convulsões e psi- coses são menos freqüentes em lúpus tardio. Acometimento cardiopulmonar Além do comprometimento das serosas, o coração e o pulmão podem apresentar outros comprometimentos, decorrentes do envolvimento do miocárdio, endocárdio e do parênquima pulmonar. Miocardite clínica é refe- rida em aproximadamente em 10% dos pacientes, mas por meio de exames como ecocardiograma e cintilogra- fi a miocárdica, observa-se disfunção miocárdica em um número maior de pacientes. A endocardite asséptica de Libman-Sacks também é mais diagnosticada pelo eco- cardiograma. O acometimento do parênquima pulmo- nar pode causar pneumonite aguda, pneumopatia crôni- ca fi brosante, que têm uma incidência entre 0 a 11% de acordo com diversos estudos. A hemorragia pulmonar einstein. 2008; 6 (Supl 1):S40-S7 S44 Meinão IM, Sato EI ocorre pelo comprometimento dos capilares alveolares e, embora seja de baixa incidência, tem alta mortalidade. A hipertensão pulmonar pode ocorrer no LES devida à vasoconstrição pulmonar, por conta de um território vas- cular hiperesponsivo ou a microtrombos, e secundária à síndrome do anticorpo antifosfolípide(23-24). Em dois estudos(2,12) houve tendência de maior aco- metimento pulmonar no LES tardio, porém sem espe- cifi car o tipo e adcometimento. Outros estudos(3-8,10-11,14) não encontraram diferenças signifi cativas de envolvi- mento pulmonar entre LES tardio e nos mais jovens. Em dois outros estudos(9,15) foi referida maior incidên- cia de fi brose pulmonar nos mais idosos. A revisão de dados da literatura no estudo francês(10), com 714 pa- cientes com lúpus tardio, encontrou mais envolvimen- to pulmonar em comparação aos 4.700 pacientes mais jovens. O envolvimento cardíaco não foi diferente en- tre os grupos em diversos estudos(2-7,9-10). Apenas em um estudo(12) houve tendência de maior acometimento car- díaco nos mais idosos. Embora uma pesquisa(8) apontas- se maior envolvimento cardiovascular nos mais idosos, esse achado foi devido à doença arterial coronariana. Em outro trabalho(11) foi verifi cada menor incidência de acometimento cardíaco no primeiro surto da doença, em pacientes com lúpus de início tardio, mas essa foi uma causa importante de mortalidade durante o segui- mento deste subgrupo. Concluímos que o envolvimento pulmonar é mais freqüente no lúpus do idoso e que doença cardiovas- cular é um importante fator prognóstico no lúpus no idoso. Acometimento vascular O envolvimento vascular no LES é representado por vas- culites, púrpuras, fenômeno de Raynaud e fenômenos tromboembólicos. As isquemias cutâneas ou viscerais, secundárias à vasculite são encontradas em 25% dos pa- cientes e o fenômeno de Raynaud em 20 a 40%(25). No LES tardio, um estudo(3) encontrou maior e outro(15) menor prevalência de fenômeno de Ray- naud. Outros estudos não encontraram diferenças signifi cativas(2,4-10). Na revisão da literatura feita por Boddaert et al.(10), foi encontrada menor freqüência de fenômeno de Raynaud, bem como menos púrpu- ra e vasculites cutâneas nos 714 pacientes com LES tardio, em relação aos 4.700 pacientes jovens. Outro estudo(11) também observou menos vasculites cutâne- as nos mais idosos. Quanto a fenômenos tromboem- bólicos, a maioria dos estudos também não encontrou diferenças entre lúpus tardio e o de pacientes jovens(2- 11,15). Entretanto, em estudo recente(12), os autores observaram maior freqüência de fenômenos trom- boembólicos no LES tardio, opondo-se ao resultado anterior(14), que observou menor freqüência de trom- boembolismo entre idosos. Em resumo, parece haver menor freqüência de comprometimento vascular no lúpus no idoso, mas não há consenso quanto a fenô- menos tromboembólicos. Acometimento do sistema digestivo Costuma ser pouco freqüente o envolvimento desse sis- tema no LES, sendo representado por vasculites mesen- téricas, com isquemia intestinal, hepatoesplenomegalia e pancreatite. Os sintomas digestivos mais comuns, como náuseas que podem ocorrer em 53% dos casos, geral- mente são devidos a efeitos colaterais de medicamentos. A hepatomegalia que ocorre em 10 a 30% dos pacientes, também pode ser decorrente do uso de corticosteróides. O diagnóstico diferencial deve ser feito com hepatite crô- nica ativa, de origem auto-imune e que tem nos anticor- pos antimicrossomais a sua diferenciação característica. A cirrose biliar primária, embora mais freqüentemente associada à esclerodermia, pode estar presente conco- mitantemente ao LES. A esplenomegalia tem sido asso- ciada ao lúpus em 20% dos pacientes e a incidência de pancreatite varia de 1 a 23%(25-26). Muitos estudos com lúpus tardio não fazem referên- cia ao envolvimento gastrintestinal(2,5-7,11-15). Dentre os que citam esse sistema, a maioria não encontrou dife- rença signifi cativa quanto à freqüência de acometimen- to, em relação à faixa etária mais jovem(4,8-10). Apenas dois estudos(4,9) fazem referência à hepatite crônica ati- va, que não foi encontrada no grupo de pacientes mais idosos e uma das pesquisas(3) relata maior acometimen- to gastrintestinal entre lúpus tardio, sem especifi car o tipo de acometimento. Em resumo, envolvimento gastrintestinal não pare- ce ser importante em lúpus de início tardio. Acometimento ocular Processo infl amatório asséptico da conjuntiva pode ocorrer em 10% dos pacientes e a vasculite de retina em 9%, com presença de exsudatos algodonosos e he- morragias retinianas ao exame de fundo de olho(25). A maioria das pesquisas em LES tardio não relata acometimento ocular(2-7,9-11,14-15). Um estudo(8) encontrou maior freqüência de catarata no grupo dos pacientes mais idosos, como era de se esperar, associado à idade e uso de corticoesteróides. Este estudo observou presen- ça de retinopatia em porcentagem igual entre os mais idosos e os mais jovens. Outra pesquisa(12) relata maior acometimento ocular nos mais idosos, mas não comen- ta o tipo de lesão. Evidentemente, a freqüência de determinadas ma- nifestações como a catarata está associada à idade mais einstein. 2008; 6 (Supl 1):S40-S7 Lúpus eritematoso sistêmico de início tardio S45 avançada, mas comprometimento ocular não parece ser diferente nos pacientes mais idosos, comparando com os jovens. O lúpus tardio em alguns estudos se mostrou ser de início insidioso(2,4-7,10), com maior tempo entre o início de sintomas e o diagnóstico (variando de cinco a 39 meses), quando comparado aos pacientes de faixa etária mais jovem, cujo início de doença costuma ser mais agudo. Como a maioria dos estudos encontrou menor freqü- ência de lesões cutâneas nos mais idosos, talvez esse seja um dos motivos do retardo no reconhecimento da doença (a falta de manifestação característica e conhe- cida, como o eritema malar). ALTERAÇÕES LABORATORIAIS Os testes laboratoriais são importantes para o diagnós- tico e também para o dimensionamento do envolvimen- to sistêmico. Os testes imunológicos trazem alterações caracterís- ticas ou sugestivas para o diagnóstico e monitoramento dos pacientes. As avaliações bioquímicas também são relevantes, pois permitem avaliar o órgão acometido, sendo úteis para o acompanhamento da atividade de doença. Testes imunológicos Compreendem auto-anticorpos, imunecomplexos cir- culantes, crioglobulinas e dosagem de complemento sérico: Auto-anticorpos: com o uso da técnica de imunofl uo- rescência indireta e células HEp2, anticorpos antinu- cleares são detectados em mais de 95% dos pacientes com LES em atividade. Outros auto-anticorpos po- dem estar presentes nesta doença, como por exem- plo, fator reumatóide, presente em 30% dos pacien- tes com LES e anticorpos antifosfolípides. A técnica de imunofl uorescência indireta permite a detecção de anticorpos antinúcleo (AAN), anticorpos antici- toplasma, antinucléolo e anti-aparelho mitótico. Os resultados são fornecidos em título e padrão de fl uo- rescência. O título representa a mais alta diluição, na qual o soro apresentou reatividade indiscutível. São considerados positivos os soros com reatividade na diluição mínima de 1/80. O padrão da fl uorescência fornece informações sobre a natureza do auto-antíge- no, pois antígenos cromossômicos como DNA, histo- na, Scl-70, Ku e nucleossomo têm padrão de fl uores- cência diferente de outros auto-anticorpos, dirigidos contra antígenos nucleares, porém, não cromossô- micos, como o anticorpo anti-Sm, U1-RNP, SSA-Ro, SSB-La. Estes últimos se diferenciam por não cora- rem a placa metafi sária, habitualmente corados nos casos de anticorpos contra antígenos cromossômicos. Padrões de fl uorescência como o nuclear homogêneo com placa metafi sária corada correspondem aos anti- corpos anti-DNA ou anti-nucleossomo, a fl uorescên- cia nuclear pontilhado grosso aos anticorpos anti-Sm e anti-U1-RNP, e, nuclear pontilhado fi no aos anti- corpos anti-SSA-Ro e anti-SSB-LA(27). Os anticorpos antifosfolípides são responsáveis pelos fenômenos trombóticos vasculares da síndrome antifosfolípide que pode ocorrer aproximadamente em 30% dos pa- cientes com LES. Nessa síndrome podemos encon- trar também o anticoagulante lúpico, detectado em testes funcionais da coagulação. Complemento sérico: a dosagem de componentes do sistema de complemento ou do complemento hemolítico total traz informações sobre o consumo dos mesmos, na formação de complexos imunes, ob- servado, principalmente, em fases ativas da doença, ou quando houver defi ciência congênita de algum dos componentes(27). Testes não imunológicos São aqueles rotineiros, mas importantes na avaliação inicial e no seguimento do paciente, como provas de fase aguda, hemograma completo, exame do sedimento urinário (urina I), dosagem de creatinina e proteinúria de 24 horas. No estudo multicêntrico europeu, avaliando 90 pa- cientes com lúpus tardio em uma coorte de 1.000 in- divíduos com LES, foi encontrada maior freqüência de anticorpo anti-La/SSB nos mais idosos. Não foi ob- servada diferença signifi cativa quanto aos demais anti- corpos. Outros estudos não encontraram diferenças na freqüência de nenhum dos auto-anticorpos entre grupo de lúpus tardio e de adultos jovens(2-4,9,11). Mak, Lam e Wong(4) observaram apenas uma tendência de maior freqüência do anti-La/SB em lúpus tardio, sem diferen- ças signifi cativas quanto a outros auto-anticorpos. Ho et al.(5) observou maior prevalência de fator reumatóide em lúpus de início tardio e sem diferenças quanto aos outros auto-anticorpos. Formiga et al.(6) encontraram menor incidência ape- nas de anti-DNA e hipocomplementemia no lúpus de início tardio. O estudo de Boddaert et al.(10), observou maior freqüência de fator reumatóide e menor preva- lência de hipocomplementemia no lúpus de início tar- dio, quando avaliou a sua amostra. Entretanto, na re- visão da literatura, encontrou-se menor freqüência de anti-RNP, anti-Sm e hipocomplementemia no lúpus de início tardio. No estudo LUMINA(12) também foi en- contrada menor prevalência de anti-Sm no LES tardio. Ward e Polisson(15), em sua metanálise, encontraram maior freqüência de anti-SSB-La e menos hipocomple- einstein. 2008; 6 (Supl 1):S40-S7 S46 Meinão IM, Sato EI mentemia no LES tardio. No entanto, comentam que dados dos estudos integrantes dessa metanálise podem ter falhas, bem como viés de seleção de pacientes e sus- peita da existência de variáveis não controladas e que infl uenciaram os resultados. Apesar desses resultados terem sido coletados de estudos avaliando pacientes de diversas etnias e com di- ferentes desenhos, a maior prevalência de fator reuma- tóide, anticorpo anti-SS-B/La e a menor prevalência de hipocomplementemia e anticorpo anti-Sm parecem ser reais no subgrupo de pacientes com lúpus tardio. TRATAMENTO Em todos os estudos, o tratamento dos pacientes mais idosos foi efetuado com as mesmas medicações empre- gadas nos pacientes adultos jovens. Além de antimalá- ricos e corticosteróides, os imunossupressores mais uti- lizados foram: azatioprina, ciclosporina e pulsoterapia com ciclofosfamida. Nesse subgrupo a maior causa de morte foi septicemia relacionada ao tratamento da ne- fropatia com imunosupressores. Os autores recomen- dam cuidado na prescrição de imunossupressores entre os mais idosos, para minimizar os efeitos colaterais(7,13). CONCLUSÕES Pesquisas realizadas em décadas passadas traçaram um perfi l clínico e laboratorial diferenciado para o sub- grupo de LES com início tardio. Estudos com grande número de pacientes também indicaram ser o LES de início tardio, um subgrupo de pacientes cujo curso da doença seria mais benigno, por acometerem menos fre- qüentemente órgãos vitais. No entanto, esses resultados são criticáveis, pois vá- rios estudos apresentavam vícios e erros de métodos, como o não controle de possíveis variáveis que podem ter infl uenciado os resultados, a exemplo das diferenças demográfi cas entre as amostras em comparação. Outra falha é o uso de outros estudos para comparar a fre- qüência de manifestações encontradas em um determi- nado estudo. Uma difi culdade encontrada é que alguns estudos incluíram pacientes que não preenchiam os cri- térios para classifi cação do LES, de acordo com o Ame- rican College of Rheumatology (ACR) e nem todos os estudos avaliaram todas as manifestações clínicas que esses pacientes poderiam ter apresentado. Na presente revisão, foram incluídos os estudos que abordaram lúpus de início tardio publicado nos últimos dez anos. Observamos que a menor freqüência, nessa faixa etária, de manifestações cutâneas mais caracte- rísticas da doença pode ser explicada, em parte, pelo maior tempo entre o início das manifestações clínicas e o diagnóstico, quando comparado aos pacientes com LES em faixa etária mais jovem. Outros comprome- timentos como o articular, hematológico, de serosas, neurológico, do sistema digestivo, ocular, pulmonar e de sintomas gerais não apresentaram diferenças sig- nifi cativas entre lúpus de início tardio e em jovens, na maioria destes estudos. Embora seis entre os recentes estudos avaliados te- nham relatado acometimento renal menos freqüente, ou no caso de envolvimento renal, uma evolução mais be- nigna, um outro estudo, que avaliou especifi camente o acometimento renal no LES, por meio de índice de dano renal, concluiu que os mais idosos tinham maior acúmulo de danos renais associados a maior mortalidade. Quanto à evolução, três estudos utilizando o Índi- ce de Danos Acumulados (SDI), encontraram menor freqüência de dano no grupo de LES tardio. As cau- sas mais freqüentes de dano foram as cardiovasculares, como os fenômenos tromboembólicos e doença arterial coronariana, acidentes cérebrovasculares e renais. Nes- ses estudos não foram encontradas associações com an- ticorpos antifosfolípides. Dois estudos relataram menor sobrevida no lúpus tardio, sendo a infecção e o choque séptico as mais freqüentes causas de mortes e estavam relacionados a altas doses de imunossupressores ou corticosteróides. A infecção associada à insufi ciência renal foi mais freqüente no LES tardio, pois em análi- se multivariada à sobrevida mostrou ser dependente de danos orgânicos precoces no curso da moléstia e não necessariamente ao fator idade. A segunda causa de morte foi o envolvimento pulmonar, representada por pneumonias, neoplasias, derrame pleural e pneumonite lúpica. Outros estudos não fi zeram referência à sobre- vida dos pacientes idosos. Portanto, concluímos que o lúpus de início tardio não deve ser considerado tão benigno em comparação ao lúpus no adulto jovem. Provavelmente, os diferen- tes resultados dos estudos mais recentes se devem ao maior cuidado no desenho das pesquisas, bem como o emprego de índices capazes de avaliar o acúmulo de danos, assim como o uso de testes estatísticos mais ade- quados, como as análises de regressão múltipla, capazes de identifi car a variável mais importante para um deter- minado desfecho. REFERÊNCIAS 1. Tsokos GC. Overview of cellular immune function in systemic lupus erythema- tosus. In: Lahita RG. Systemic lupus erythematosus. 4th ed. California: Else- vier; 2004. p. 29- 92. 2. Takayasu V, Bonfá E, Levy Neto M, Kumeda C, Daud RM, Cossermelli W. Lúpus eritematoso sistêmico no idoso: características clínicas e laboratoriais. Rev Hosp Clin Fac Med Univ São Paulo. 1992;47(1):6-9. 3. Costallat LT, Coimbra AM. 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