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Poesia horaciana e a legitimacao do Imperio

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POESIA HORACIANA E A LEGITIMAÇÃO DO IMPERADOR ROMANO 
OTÁVIO AUGUSTO (SÉCULO I A.C.) 
Erick Messias Costa Otto Gomes1 
RESUMO: Nossa comunicação tem por objetivo apresentar os resultados 
preliminares de uma que visa analisar a imagem do imperador romano Otávio 
Augusto representada no livro IV das Odes, de Horácio (século I a.C.). 
Partimos da ideia segundo a qual a poesia horaciana construiu imagens do 
imperador mostrando-o como o salvador da República e como o único capaz 
de garantir a paz e a ordem ao povo romano, de modo que essa imagem 
contribuía para a legitimação de Augusto, o homem mais poderoso do Império. 
Nosso texto será focado no debate historiográfico que se tem desenvolvido 
sobre o governo de Augusto e sobre a relação entre o imperador e o poeta 
Horácio, com o objetivo de apresentarmos as distintas visões sobre essa 
relação, bem como nosso posicionamento em relação ao debate sobre a 
temática. 
PALAVRAS-CAVE: Horácio, Poesia, Augusto, Poder. 
1. Introdução 
 
O objetivo desta comunicação é expor os resultados parciais de nossa 
pesquisa, a qual aborda o processo de legitimação do imperador romano 
Otávio Augusto, cujo governo foi marcado pela formação e difusão de uma 
cultura política responsável por definir uma nova forma de governar, a qual 
perdurou por, pelo menos, dois séculos, o Principado. Augusto foi o fundador 
desse modelo e enfrentou oposições políticas, mas podemos considerar, de 
modo geral, que após a vitória sobre Antônio em 31 a.C., na batalha do Ácio, 
passou a se preocupar não mais com inimigos, mas com as seguintes 
questões: primeiramente, restaurar as instituições republicanas que se 
desgastaram com os longos anos de guerra civil; após 19 a.C., o princeps 
buscava garantir a continuidade dos poderes acumulados em torno de sua 
pessoa, de modo a legitimar sua posição e evidenciar a manutenção da paz. 
Criou-se uma série de imagens em torno do imperador, as quais transmitiam a 
ideia de ligação com os deuses, vingador de César, único capaz de garantir a 
ordem, dentre outras. 
Foram vários os mecanismos usados para formar e disseminar essas 
imagens, como as esculturas, as pinturas e as obras de poetas, dentre os quais 
 
1
 Mestrando do programa de pós-graduação da Faculdade de História/UFG. 
E-mail: erick.otto@bol.com.br 
se destaca Horácio (65-8 a.C.). Horácio tem uma trajetória marcada por sua 
ascensão enquanto poeta, cujo ponto culminante é o convite de Augusto para 
escrever o poema Carmen Saeculare, em 17 a.C., que seria recitado por um 
coral durante a realização dos Jogos Seculares. Sua obra é ampla e engloba 
uma variedade de escritos, como as Sátiras, os Epodos e as Odes. Estes 
últimos escritos especialmente para serem cantados em comemorações e 
banquetes. 
Nossa análise é focada sobre o livro IV das Odes, publicado em 13 
a.C. De acordo com Michèle Lowrie (2007), nas últimas obras de Horácio, há 
cada vez mais uma aproximação com Augusto, devido ao aumento de sua 
auctoritas (influência) como poeta. As referências diretas e indiretas à pessoa 
do imperador, mostrando-o como o guardião dos valores dos antepassados e, 
sobretudo, como o único capaz de manter a res publica, são cada vez mais 
intensas. Nesse sentido, os poemas horacianos podem ser inseridos em um 
contexto de imaginário político no qual está em jogo o processo de legitimação 
do imperador, ou seja, sua poesia reflete e, ao mesmo tempo, forma as 
características dessa cultura política augustana, cujo objetivo é estabelecer 
uma imagem do princeps como essencial para a res publica romana, garantir a 
estabilidade do Império e a paz alcançada com o fim das guerras civis. Através 
da leitura da obra, percebemos que há um tom laudatório nesses poemas, em 
que a pessoa do imperador é elogiada (nem sempre diretamente) em boa parte 
da obra (HORÁCIO, Odes IV, 2, 4, 7, 10, 14, 15). 
 
2. Debate historiográfico: poesia horaciana e a legitimação de Augusto 
 
De acordo com Gilvan Ventura da Silva (2001, p. 31), as discussões 
em relação à natureza do Principado, a despeito de todas as posições, detém o 
consenso em um aspecto: a natureza monárquica do regime em virtude da 
concentração de poder nas mãos do princeps em detrimento das instituições 
que compunham a República romana, como as magistraturas civis e militares e 
as assembléias. Para o autor, a grande controvérsia refere-se à determinação 
dos fatores que permitiram a Augusto atrair para si poderes típicos dos 
diversos órgãos republicanos, e elevar-se em prestígio acima de qualquer outro 
cidadão (SILVA, 2001, p. 31). 
Uma primeira vertente é aquela que afirma que o poder de Augusto 
fundava-se sobre um regime de caráter militar, sendo o imperador capaz de 
mobilizar força física contra qualquer um que se opusesse ao governo. Martin 
Goodman (1997, p. 123), em The Roman World: 44 BC - AD 180, afirma que 
Augusto, a partir de 25 a.C., gradualmente estabeleceu “uma nova imagem de 
si mesmo em que nenhum indício de violência, ou qualquer necessidade de 
violência, pode ser vislumbrada.” Essa imagem não tinha por objetivo mascarar 
seu poder, mas legitimá-lo, afinal, nos anos do triunvirato até a Batalha do Ácio 
(44 a.C.-31 a.C.), Otávio mostrou pouca simpatia para as regras da res publica, 
quando recrutou por iniciativa própria um exército de legionários do ex-César, 
confiscou as receitas fiscais da província da Ásia, sem qualquer justificação, e 
marchou em Roma, em um estado de alta traição. Augusto acumulou uma 
variedade de poderes em um grande esforço para disfarçar a obviedade de sua 
confiança na força militar nua para a sua retenção de poder (GOODMAN, 1997, 
p. 45). Para o autor, dessa forma, os poderes republicanos adquiridos por 
Augusto não passariam de uma máscara que encobriria seu verdadeiro poder, 
o poder militar. Para a elite política em Roma, este se retratou como iguais em 
relação aos outros aristocratas do Senado, superior apenas em virtude do 
prestígio livremente concedido a eles pelo povo em reconhecimento a 
excelência de suas qualidades (Augusto, Res Gestae, 34). Entre os poderes, 
destacam-se o imperium maius proconsulare (para o resto de sua vida), que 
lhe deu o direito formal de intervir em províncias não especificamente 
atribuídas a ele, e a partir de 23 a.C., detinha o poder de tribuno para a vida, o 
que lhe deu o direito indefinido de vetar toda a legislação proposta pelos outros 
tribunos. Para Goodman (1997 p. 127), esta confusão de poderes legais 
reunidos por Augusto mostrou-se tão eficaz que cada imperador após ele 
garantiu sua eleição para a mesma combinação. 
Em Karl Galinsky (2005, p. 3-7) encontramos uma postura mais 
flexível, pois afirma que Augusto exerceu seu poder de duas formas: uma mais 
rígida, de caráter militar, e outra baseada em sua auctoritas (“influência”), na 
qual o imperador influenciou o desenvolvimento das artes e da literatura latina, 
as quais continham elementos essenciais para sua legitimação. A ideia de 
restaurar os costumes dos antepassados era uma constante na política, como 
o próprio imperador afirma em suas Res Gestae, que “nenhum cargo 
concedido contrariamente ao costume dos antepassados eu aceitei” 
(AUGUSTO, Res Gestae, VI). 
Em Walter Eder (2005), no artigo Augustus and the Power of Tradition, 
encontramos a interpretação segundo a qual Augusto evitaria uma associação 
do seu poder com um monarca, apesar de buscar o reconhecimento por suas 
ações, mostrando-se como o restaurador da república romana. Certamente, a 
res publica não pode ser simplesmente considerado como República, porque 
seu homem mais poderoso não queria ser visto como um monarca. Pela 
mesma razão,no entanto, devemos hesitar para caracterizar o governo de 
Augusto como monarquia (EDER, 2005, p. 15). Nesse ponto, Walter Eder 
baseia-se em Ronald Syme e considera o sistema fundado por Augusto como 
um Principado, uma nova forma de governar fundada sobre leis. Mas o autor 
lembra que não devemos ver o Principado, em retrospecto, como um produto 
acabado, sendo planejado por Otávio, como se este tivesse um roteiro pré-
determinado assim que se formou o triunvirato após a morte de César. As 
tradições republicanas não foram um obstáculo, mas uma vantagem para 
Augusto, haja vista que ele soube muito bem lhe dar com as contingências que 
os distintos momentos impunham às suas decisões. Dessa forma, o autor 
afirma que devemos periodizar o governo de Augusto em dois momentos: um 
primeiro, até 19 a.C., no qual Augusto se concentrou principalmente em 
restaurar formalmente as instituições republicanas cujo quadro foi deixado para 
um indivíduo poderoso; e em segundo, ele deixou este nível formal e criou a 
ideia de uma pátria em que o legado do passado se fundiria com orgulho cívico 
no presente (EDER, 2005, p. 17-18), e, dessa forma, cria-se a imagem da 
grandeza de Roma, sendo Augusto, o principal cidadão. 
Segundo Erich S. Gruen (2005), no capítulo intitulado Augustus and the 
Making of the Principate, nem Augusto nem seus contemporâneos usaram o 
termo “Principado” para definir seu governo. Havia sim uma designação de 
princeps para Augusto, mas isso indicava um sinal de estima e de autoridade. 
De acordo com Gruen, a noção de principatus como denominação de um tipo 
de regime não é encontrada nas memórias autobiográficas de Augusto, a Res 
Gestae, nem nas obras de escritores contemporâneos. Ou seja, havia os 
poderes republicanos, não o Principado. As instituições republicanas podiam 
ter sobrevivido, entretanto, quem as governou teria sido o poderio militar 
(GRUEN, 2005, p. 34). Para corroborar com essa hipótese, Erich Gruen afirma 
que o acúmulo de poderes e seu exercício por um longo período de tempo foi 
sem precedentes e dificilmente compatível com os princípios da República 
Romana. Prova disto é que a devolução dos poderes de Otávio para o povo e o 
Senado não significa de forma alguma a restauração da República, e a frase 
“res publica restituta”, muitas vezes transmitida em estudos modernos, não 
aparece em nenhum documento oficial e não é comemorada por nenhum poeta 
ou prosador da época (GRUEN, p. 33). 
Nos autores até aqui analisados, encontram-se duas posturas: por um 
lado, uma perspectiva segundo a qual o poder de Augusto seria de base militar 
(GRUEN), e as instituições republicanas serviriam para nada mais do que 
disfarçar esse caráter (GOODMAN); por outro lado, autores como Galinsky e 
Eder assumem uma postura mais moderada, afirmando que o poder do 
princeps se baseava tanto no exército quanto em sua auctoritas (GALINSKY), e 
que devemos periodizar esse período da história romana para melhor 
entendermos a natureza do poder augustano (EDER). Não podemos concordar 
com a primeira posição, segundo a qual o poder do imperador se valeria 
unicamente de uma base militar, e que as instituições republicanas seriam 
apenas um disfarce que encobririam a realidade. Por outro lado, nossa 
pesquisa pretende uma postura mais mediada, segundo a qual não negamos a 
importância nem a efetividade do poder militar para a formação e permanência 
do Principado, mas consideramos a auctoritas uma forma de legitimação da 
potestas, afinal, o poder baseado unicamente no uso da força direta, teria sua 
existência constantemente ameaçada. Há a necessidade de uma aceitação, 
um consenso mínimo por parte dos diversos grupos sociais para a legitimação 
e a permanência de um poder político. Nenhum regime político é capaz de se 
sustentar “se não forem criados valores que possam tornar a ação dos agentes 
do poder constituído algo perfeitamente admissível, legítimo e até mesmo 
desejável, o que nos remete automaticamente para o campo do estudo das 
ideologias.” (SILVA, 2001, p. 33). 
Gilvan V. da Silva propõe ideologia, nós utilizamos “cultura política”, 
entendida como um conjunto de representações que une um grupo humano em 
torno do político. Uma das formas de constituir e propagar essas 
representações, em ambiente romano, é por meio das narrativas literárias, da 
poesia, a qual criaria um consenso em determinadas imagens, legitimando, no 
nosso caso, as ações políticas do governante. Segundo o autor, esses valores 
criariam o que ele chama de mística imperial, ou seja, os símbolos que 
passaram a identificar Augusto, conferindo-lhe, aos olhos dos seus 
contemporâneos, a autoridade necessária para empreender a tarefa de 
restaurar a República (SILVA, 2001, p. 39). Tais símbolos, para Silva (idem), 
são, entre outros: 1) enviado e protegido de Júpiter; 2) ser divino (ou próximo 
da natureza dos deuses); 3) defensor de Roma; 4) fonte da uirtus romana e, 
por último, 5) vingador de César. Todos esses símbolos são encontrados de 
um modo geral na poesia horaciana, e em especial no livro IV das Odes escrito 
em 13 a.C., ou seja, em um contexto no qual Augusto já havia se estabelecido, 
eliminado opositores e reconhecido como o salvador da República, o que 
corrobora para a ideia segundo a qual o governante, mesmo depois de 
estabelecido, deve se legitimar, construir uma imagem que o mostra como 
importante e até mesmo necessário para a manutenção da ordem 
(BALANDIER, 1982). Daí se justifica o recorte de nossa pesquisa na obra 
horaciana: tais poemas que serão analisados possuem, a nosso ver, símbolos 
que formam a cultura política em torno do Principado de Augusto. 
Peter White (2005, p. 327), em Poets in the New Milieu: Realigning, 
afirma que, apesar de Augusto ter influenciado, direta ou indiretamente, o 
destino de carreiras em oratória, política, jurisprudência e militares, a literatura 
foi a um campo sobre a qual ele teve menor influência. O autor afirma que o 
que permitiu o desenvolvimento da poesia sob Augusto foi a relação de 
patronagem dos poetas com os aristocratas, em especial Mecenas, que 
também é patrono de Horácio, apesar de ser chamado de “amigo”, e não de 
“patrono”. Além disso, White propõe que uma coerência social não implica uma 
coerência ideológica, não sendo possível afirmar que Horácio, por ser cliente 
de Mecenas, seria favorável ao regime de Augusto, simplesmente pela 
proximidade do imperador com Mecenas. Mesmo se isso fosse possível, as 
evidências são demasiado escassas para se afirmar uma influência real de 
Augusto na poesia (WHITE, 2005, p. 331). 
Contrapondo-se a essa interpretação, Jasper Griffin (2005), em 
Augustan Poetry and Augustanism, argumenta que não há quase nenhuma 
menção a Otávionos poemas antes de sua vitória no Ácio, em 31 a. C. Para a 
autora isso ocorre porque, após Otávio se estabelecer como único líder, havia 
uma pressão em torno dos poetas para estes enaltecerem o regime (GRIFFIN, 
2005, p. 314), sobretudo dos poetas ligados a Mecenas. Havia duas formas de 
exaltação do regime: “(a) no sentido diretamente “político” de reforçar a posição 
pessoal de Otaviano/Augusto como chefe de Estado permanente, ou (b) no 
sentido mais geral de alistar apoio para o renascimento moral e social, que 
deve distinguir a sua Roma dos desastres da República tardia” (GRIFFIN, 
2005, p. 314). Nesse mesmo sentido, Paolo Fedeli (2009), em Il IV libro delle 
Odi di Orazio: poesia o propaganda?, afirma que houve uma pressão por parte 
do princeps sobre Horácio para a escrita do quarto livro das Odes, de modo a 
comemorar as vitórias dos jovens descendentes da família imperial. Para o 
autor, Augusto pode legitimamente reivindicar a poesia horaciana,não só pela 
sua localização, mas também pela amizade íntima e cordial que o ligava ao 
poeta e a honra que ele havia concedido ao escolher como o poeta da 
cerimônia solene de 17 a.C. (FEDELI, 2009, p. 104). Nas palavras de Fedeli 
(2009, p. 106), “devemos concluir que o quarto livro é um poema de pura 
propaganda, escrito por um poeta, cortesão que colocou seu talento e 
inspiração a serviço do príncipe”. 
Consideramos que ambas as análises são extremas sobre a relação do 
poeta com o princeps: por um lado, White afirma que há quase uma total 
liberdade de Horácio quando este escreve sua poesia, e por outro, Griffin e 
Fedeli são deterministas em relação à influência de Augusto sobre Horácio, 
sendo o poeta um propagandista que escreve sob pressão do princeps. R. G. 
Nisbet e Nial Rudd (2004, p. xxi), em seus comentários sobre os poemas 
horacianos, afirmam que uma análise da relação de Augusto com Horácio deve 
evitar essas posturas extremas, pois, por um lado, se se considera que o poeta 
aceita a ideologia de Augusto, esquece-se que houve o uso da violência para o 
estabelecimento do regime; mas, por outro, se se considera Horácio como 
subversivo e contrário ao governo, não se leva em consideração a proximidade 
e a amizade de ambos. Daí nosso recurso ao conceito de cultura política, pois 
através dele podemos adotar uma postura mediadora, por consideramos que 
Horácio estava inserido em um meio social que o aproximava de Augusto, 
partilhando com esse um mínimo de interesses comuns. 
Através de uma interpretação que supera esse impasse, Phebe Lowell 
Bowditch (2010, p. 55), em Horace and Imperial Patronage, afirma que os 
membros da elite evitavam usar os termos “patrono” e “cliente” para se 
referirem às relações entre um benfeitor e seu protegido aristocrático, 
preferindo as conotações mais igualitárias de amicitia, ou “amizade”. As 
relações de patronagem possuíam três características principais: reciprocidade 
ou troca de bens e serviços, assimetria na posição social das duas partes e os 
tipos de bens comercializados, e duração da relação (BOWDITCH, 2010, p. 
55). Todas essas características aparecem em Horácio, e isso significa que um 
patrono poderia oferecer benefícios materiais, bem como locais e uma 
audiência ao poeta, em troca de seus versos, ou seja, em troca de uma poesia 
que exalte o seu benfeitor. Do mesmo modo, Bowditch (2020, p. 71-72) indica 
que no contexto da publicação do livro IV das Odes, a relação de patronagem 
de Horácio é estabelecida muito mais com Augusto do que com Mecenas, o 
que corrobora para uma interpretação distinta daquela proposta por White, na 
qual podemos afirmar que há uma confluência dos interesses de Augusto com 
a poesia de Horácio. 
Corrobora para essa perspectiva a análise de Michèle Lowrie (2007, p. 
78), em Horace and Augustus, na qual a autora afirma que a poesia de Horácio 
está cada vez mais preocupada com a posição do primeiro homem da res 
publica, em especial quando Augusto se estabelece, pois nesse contexto 
Horácio já se dirige a ele diretamente, sem a necessidade da mediação de 
Mecenas. Após os Jogos Seculares (17 a.C.), essa relação se fortalece ainda 
mais, o que pode ser percebido em referências diretas de Horácio a Augusto 
nas Odes IV (13 a.C.), em que há elogios diretos a Augusto, como no poema 
IV, em que o princeps é representado como essencial para a cidade, o retorno 
do imperador garantiria paz, segurança e execução de suas leis. 
 
3. Considerações finais 
 
Como vimos, são inúmeras as interpretações sobre o governo de 
Augusto, a poesia de Horácio e da relação dos poemas com a legitimação do 
imperador. A partir dos debates estabelecidos, propomos alguns problemas 
com vistas a orientar nossa pesquisa sobre a temática da representação de 
Augusto no livro IV das Odes de Horácio: 
 Quais as imagens de Augusto presente no livro IV das Odes de Horácio e 
porque ela é construída dessa forma? 
 Quais são os valores que, na poesia de Horácio, são atribuídos a Augusto? 
 Essa mesma imagem de Augusto estabelecida por Horácio está presente 
em outras obras do poeta? 
 Como a relação entre Horácio e Augusto interfere na construção da 
imagem que o poeta faz do imperador? 
 
Essas questões têm como eixo principal a ideia de construção da 
imagem de Augusto, haja vista que o conceito de imaginário é o norte teórico 
de nossa pesquisa. Compreendemos que sua imagem construída faz parte de 
um processo de legitimação, de criação de um consenso mínimo em torno da 
pessoa do imperador, fazendo com que os grupos sociais (senadores, plebe, 
aristocracia, exército) o tenham como o único capaz de manter a ordem e a paz 
alcançada depois dos anos de guerra civil. Temos como preceito fundamental 
que o meio social interfere na construção dessa imagem, ao mesmo tempo em 
que as imagens construídas são usadas para legitimarem a posição de 
Augusto na sociedade romana enquanto primeiro homem da res publica. 
Dessa forma, para responder aos problemas elaborados, propomos 
algumas hipóteses que deverão guiar nossa pesquisa: 
 Horácio constrói imagens de Augusto nas quais o imperador aparece como 
guerreiro excepcional, defensor do povo romano, restaurador da paz em 
Roma e nas fronteiras do Império, além de mostrá-lo com restaurador dos 
costumes antigos, sendo colocado como enviado divino (Odes, IV, 5, 2). 
Além disso, ao elogiar seus enteados Tibério e Druso por suas vitórias 
militares, é a própria gens augusta que está sendo louvada, o que 
corrobora com a ideia segundo a qual há, no livro IV das Odes, um tom 
laudatório, cujo beneficiário seria Augusto. 
 Nos poemas, Augusto aparece como “guardião do povo romano” (IV, 5, 2), 
“bom guia” (IV, 5, 42), “maior dentre os maiores” (IV, 14, 6), em um claro 
tom de elogio, no qual Horácio mostra o imperador com o único capaz de 
manter a paz (IV, 5, 30-33) e a prosperidade dos campos (IV, 15, 6) após 
os anos de guerra civil, colocando-o como aquele quem “as antigas 
virtudes revocou” (IV, 15, 13). 
 As referências a Augusto na poesia de Horácio são distintas em suas 
diversas obras, de modo que, com o passar do tempo, tais referências vão 
se tornando mais frequentes e laudatórias, refletindo o aumento da 
auctoritas de Augusto e a necessidade de legitimação de sua posição 
política frente à sociedade romana. 
 A relação estabelecida entre Horácio e Augusto interfere na construção dos 
poemas do livro IV das Odes, haja vista que Horácio é cliente de Augusto, 
devendo lhe dedicar seus poemas e, além disso, é o próprio Augusto quem 
pede a Horácio para escrever dois dos poemas que compõem o livro, 
sendo essa uma questão que deve ser levada em consideração na análise 
do documento. 
 
4. BIBLIOGRAFIA 
 
DOCUMENTAÇÃO TEXTUAL: 
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