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Adaptação Materna à Gravidez Alterações Endócrinas Placentas Pâncreas Tireoide Paratireoide Alterações do Aparelho Genital Útero Vagina e Perineo Trompas e Ovários Alterações nas Mamas Alterações do Sistema Digestivo Boca Esófago, Estômago e Intestinos Fígado Vesícula Biliar Alterações Imunológicas Alterações Metabólicas Ganho de Peso Metabolismo de Glicose Metabolismo Lipídico Metabolismo Proteico S.Us Minerais Vitaminas Alterações do Sistema Urinário Rins Sistema Coletor Bexiga e Uretra Cláudia Ramos de Carvalho Ferreira Lívia Murta Tanure Diana Carvalho Ferreira Alterações Hematológicas Volume Sanguíneo Leucócitos e Proteína C Reativa Concentração de Hemoglobina e Hematócrito Coagulação Sanguinea Alterações Cardiovasculares Alterações na Radiografia de Tóra."<, Ecocardiograma e ECG Débito Cardíaco Pressão Arterial e Venosa Sistema Renina-angiotensina-aldosterona Peptídeo Natriurético Atrial Alterações do Sistema Nervoso Central Órgãos Sensoriais Ta to Visão Audição O I fato Alterações Osteoarticulares Alterações do Sistema Respiratório Alterações Anatómicas Adaptações da Função Pulmonar Alterações da Pele e Fâneros Pele Pelos e Unhas Alterações do Estado Emocional D urante a evolução da gravidez, surgem nu-merosas e intensas modificações no organis-mo materno. Verifica-se contínuo estado de adaptação, proporcionando ambiente estável para o feto c atendendo às suas necessidades de crescimento. Ages- tante está sujeita a urna série de alterações bioquímicas, funcionais e anatómicas, com readaptações que envol- vem todo o seu organismo. Torna-se necessário entender o mecanismo dessas mudanças, tentar distinguir entre o que é doença a ser prevenida c tratada e o que é adaptação a ser contornada para dim inuir os incómodos. As exigências da gravidez ati ngem os limites da capa- cidade funcional de muitos órgãos maternos, podendo fa- zer despontar ou agravar quadros patogênicos. Por exem- plo, para o sistema card iovascular, a gravidez representa sobrecarga importante, mas é bem tolerada, desde que não coexista cardiopatia. A previsão de mais demanda fetal, no final da gestação, gera capacidade de reserva na mãe, para suprir possíveis períodos de estresse ou priva- ção; porém, alterações metabólicas podem fazer surgir ou agravar diabetes. Adaptações da tireoide podem simular sinais sutis de hiperti reoidismo sem sequelas; mas, sendo este grave, pode causar aborto, parto pré-termo e au mcn- tar o risco de mortalidade materna. E, ainda, para prote- ger a mãe de hemorragia no parto, desenvolve-se estado de hipercoagulabilidade fisiológico, sendo a coagulopatia de consumo uma ativação patogénica dos mecanismos da coagulação' ·' A grávida tende a tornar-se emocionalmente instável, necessitando de atenções c cuidados. Passa por perío- do crítico importante no amadurecimento psicológico, o que pode levar a mudanças em seu comportamento. Infl uências determi nadas por aspectos culturais c am- bientais, superstições e crenças muitas vezes induzem as pacientes a se sentirem preocupadas, valorizando demais alguns desconfortos, que acabam aflorando como quei- xas graves. A gravidez representa, para muitas mulheres, ameaça de perdas cm termos estéticos, profissionais e afetivos. t preciso desmitificar conceitos, diminuir medos. A mu- lher pode se sentir saudável c segura quanto à gravidez c ao parto, ao entender os ajustes transitórios que estão acontecendo em seu corpo. 32 ALTERAÇÕES ENDÓCRI NAS P LACENTA A placenta é órgão complexo, vascularizado, adapta- do para otimizar as trocas de gases, nutrientes e eletróli- tos entre as circulações materna e fetal Estruturada no endométrio, previamente preparado por estrogênios e progesterona, desempenha importante papel respirató- rio, nutricional, vascular, imunológico e endócrino. A placenta si ntetiza grandes quant idades de pro- gcstcrona, a partir do colesterol captado da circulação materna. Usa os androgênios f~rmados nas glândulas adrcnais maternas e fetais como precursores na síntese do estrogênio. O nível de sulfato de dchidroepiandros- terona (S-DHEA) fetal aumenta progressivamente, para alcançar o pico próximo do termo. Apesar de o S-DHEA agir como precursor na produção de estrogênio na pla- centa, o mecanismo de regulação da sua síntese conti nua desconhecido. 3 O corpo lútco no ovário cresce pelo estímulo da gonadotrofina coriônica humana (hCG), glicoprotci- na secretada pelo sinciciotrofoblasto. O hCG aumenta rapidamente nas primeiras semanas de gravidez c seus níveis atingem o máximo na 10• semana. A partir daí, cai vagarosamente, atingindo valor mínimo por volta da 17• semana, que persiste até o final da gravidez. O corpo lúteo gravídico secreta estrogênio, progesterona c rclaxi- na. A relaxina ajuda a manter a gravidez, inibindo as con- trações do miométrio. A placenta produz esteroides se- xuais suficientes para assumir a função do corpo lúteo, após a sexta semana de gestação. Secreta cerca de I g/ dia de somatomamotropina coriônica humana (hCS), na fàse final da gravidez. Esse hormônio é mais conhe- cido como lactogênio placentário humano (hPL), cuja estrutura é muito semelhante à do hormõnio do cresci- mento, porém com menos efeito4 A quantidade de h PL secretada é proporcional ao taman ho da placenta e os níveis máximos são atingidos cm torno da 32' semana de gestação (Figura 3. 1). O hPL promove a retenção de nitrogênio, potássio c cálcio, a lipólise e a utilização pe- riférica d iminuída da glicose, para que esta seja desviada para o feto. Noções Práticas de Obstetrícia 140 0(__ 200 Progcsterona 100 150 / ~ 50 ~100 50 20 10 20 Ja 40 10 20 Ja 40 Semanas de Gravidez Semanas de Gravidez hPL 18 ES!radiol 10 Estriol 8 / 12 " ~ 6 ~ Est1ona 10 20 Ja 42 10 20 Ja 40 Semanas de Gravidez Semanas de Gravidez Figura 3.1 I Alterações nos níveis plasmáticos do hCG, progcstcrona, hPL e estrogênios durante a gravidez normal. A placenta produz estrogênios em grandes quantida- des, sendo o cstriol o principal deles.' O estradiol c a cs- trona s.io os principais estrogênios produzidos pelo ovário, mas, na placenta, perfazem apenas cerca de I 0% dos estro- gênios produzidos. Apesar de o estria! poder se fixar aos receptores de estrogênio, sua atividade estrogênica é mais fraca. A atividadc cstrogênica cresce até cerca de 30 vezes, ao fi m da gravidez, através da marcante produção diária de estrogênios placentários• Os cstrogênios exercem função proliferativa sobre a maioria dos órgãos reprodutores da mãe, causando aumento do útero, das mamas e dagenitália externa. Ainda promovem alterações que facilitam a passa- gem do feto através do canal de parto, como relaxamento dos ligamentos pélvicos, aumento da flexibilidade das arti- culações sacroilíacas c sínfise pubiana. A progestcrona diminui a contratilidade do útero grávi- do; é sccretada em quantidades moderadas pelo corpo lú- teo e em grandes quantidades pela placenta. Sua taxa de se- creção aumenta cerca de I O vezes no decurso da gestação.6 A placenta também secreta GnRH e inibina. O GnRH estimula c a inibi na inibe a secreção de hCG. Os fatores que regulam a síntese de hCG não são totalmente conhecidos, tendo a progcsterona importante papel no seu declínio. A placenta também secreta prolactina e pró-renina.' Apesar de a pró-renina placentária entrar na circulação materna, não há evidências de que ela seja convertida cm renina ati- va.' Os estrogênios apresentam a capacidade de estimular a Adaptação Materna à Gravidez síntese de prolactioa.A hipófise apresenta hipertrofia ampla. Isso contribuiria para explicar o aparecimento da síndrome de Shcchan (necrose hipofisária pós-parto). Os níveis decortisol total e livre aumentam progressivamente durante a gestação. A placenta produz, ainda, adrenocorticotrofi na coriônica (hACT H) c tireotrofina coriônica (hCT). PÂNCREAS Os estrogênios e a progestcrona acarretam hiperpla- sia das células bctapancreáticas, levando ao aumento da produção de insulina, com tendência, na gravidez inicial, à hipoglicemia e cetonúria no jejum. Durante a segunda metade da gravidez, hormônios contrainsulinicos placen- tários (hPL, cortisol, progcsterona e estrogênios) levam ao aumento da resistência periférica à insulina e ao hipcrin- sulinismo. TIREOIDE A tireoide aumenta de tamanho, tornando-se facilmen- te palpável. Há aumento de TBG (globulina de ligação à tiroxina) por ação dos cstrogênios e os hormônios T3 e T4 totais se elevam. Entretanto, os níveis de T3 e T4 livrcs não sáo aumentados.> O hCG produzido pela placenta apJeSen- ., 33 ta características químicas e funcionais comuns com TSH, podendo, assim, estimular a tireoide'. Não é raro o achado de TSH próximo dos limites inferiores de normalidade. PARA TIREOIDE As glândulas paratireoides maternas geralmente au- mentam durante a gravidez, especialmente se houver die- ta deficiente de cálcio. O aumento dessas glândulas causa reabsorção de cálcio dos ossos maternos, aumentando a mobilização do cálcio iónico. Assim, à medida que o feto o remove para ossificação, é mantida a concentração normal desse íon nos líquidos extracelulares da mãe. Durante a lac- tação, a secreção de hormônio paratireóideo é intensifica- da, requerendo, muitas vezes, mais cálcio do que durante a gestação-"' Durante a gravidez c a lactação, há aumento da absorção intestinal de cálcio, já que o paratormônio tam- bém tem efeito, embora indiretamente, no intestino (acen- tua a formação de 1,25-diidroxicolccalcifcroi).2 ALTERAÇÕES DO APARELHO GENITAL As modificações que a gravidez acarreta no sistema ge- nital são mais imediatas c incisivas que aquelas sistêmicas. ÚTERO O peso do útero de 30 a 100 g, na mulher não grávi- da, aumenta para até 1.000 g no final da gestação. O au- mento da massa do miométrio decorre da hipertrofia e hipcrplasia dos elementos musculares e do aumento do tecido conectivo (células, libras c líquidos intersticiais).• À ultrassonografia aparece no útero ' massa fi siológica", mui- to comum no início de gravidez, denominada contração miometrial focal. Essa imagem deve ser distinguida de miomas uterinosw O aumento do volume uterino durante os três primei- ros meses ocorre por ação estrogênica (e talvez por ação também da progcstcrona). Após esse período, o aumento se deve, parcialmente, à pressão exercida pelo feto em cres- cimento. Após o espessamento da camada muscular nos primeiros meses, segue-se o afinamento paulat ino dessa camada, possibilitando a palpação do feto. 34 O aumento da espessura do endométrio, com incre- mento da vascularização, ocorre por ação dos hormônios sexuais. Os vasos sanguíneos uterinas se expandem, es- pecialmente aqueles relacionados com a implantação da placenta .. A quantidade de tecido elástico que circunda as artérias aumenta. Com o avanço da gravidez, as artérias que irrigam o leito placentário sofi·em degeneração fibri- noide característica, na camada muscular, e as lâminas elásticas praticamente desaparecem, com dilatação dos vasos. A contratílidade dos músculos da parede dos vasos do miométrio responde de modo unitário a estímulos fi - siológicos ou medicamentosos, tal é a integração dos va- sos no miométrio. No início, o útero torna-se assimétrico, com aumento desigual de volume, crescendo mais na região de implan- tação do ovo. O amolecimento desse local é imediato, pro- gredindo dessa região para todo o órgão e outras estruturas pélvicas. Ao toque vaginal, o pulso da artéria uterina torna- -se perceptível e os fundos de saco tornam-se preenchidos pelo útero globoso. Ao fim de 12 semanas, o útero torna-se muito grande para permanecer dentro da pelve e ascende, fazendo uma dcxtrorrotação (provavelmente pela presen- ça do retossigmoide do lado esquerdo da pelve). Mantém sua forma esférica até o quinto mês, quando se alonga e se torna cilíndrico. Em decorrência do crescimento do corpo uterino, a cérvice se eleva e orienta-se, posteriormente, na vagina, cm direçâo ao sacro, dificu ltando o toque e o exame especu- lar. Ao ocorrer insinuação da cabeça fetal, o colo desce e centraliza-se. O colo uterino aumenta devido a congestão, edema, hipertrofia, hiperplasia e acúmulo de secreções. O amole- cimento é precoce c a congestão torna os genitais internos violáceos. O canal cervical é obliterado por tampão mucoso es- pesso e viscoso, que protege a cavidade uterina. O muco cervical fica turvo e não se cristaliza. A presença de Líquido amniótico, após rotura das membranas, lbe confere a pro- priedade de cristalização. A partir do primeiro trimestre de gravidez, o útero sofre contrações espontâneas, indolores, de baixo tônus, chama- das contrações de Braxton-Hicks. Antes do parto, o colo apresenta amolecimento crescente e redução do compri- mento. A musculatura uterina, relativamente insensível à ocitocina, durante o primeiro e o segundo trimestres, ~o- ~ meça a esboçarresposta a esse hormôn i o. · ~ Noções Práticas de Obstet rícia O útero é capaz de reter o produto da concepção até o termo, quando as contrações tornam-se produtivas, transformando-o em órgão motor expulsivo. Além disso, o útero também tem sido considerado um órgão endócrino, com produção de substâncias de efeito local c sistêmico, como prostaglandinas e prolactina. VAGINA E PERÍNEO A mucosa vaginal fica espessada, ocorre hipertrofia das células musculares lisas, aumento da elasticidade, da vas- cularização c amolecimento dos tecidos conjuntivos dava- gina, da vulva e do assoalho pélvico. Essa maior capacidade de distensão visa a preparar a passagem do feto no parto. A vulva torna-se mais vascularizada, podendo aparecer varizes, e apresenta-se entreaberta, com tubérculo uretra! hipertrofiado. O resíduo vaginal torna-se mais abundante c espesso, com aumento da cclularidade (mais descamação) e diminuição do pH. No primeiro trimestre, há intensificação do padrão progestacional, proliferação das células intermediárias e exacerbação da flora de bastonetes, com discreta citólise; as células ficam dispostas em conglomerados compactos (aglutinação celular). No segundo e terceiro trimestres, venfica-se cstabilízaçâo do padr~o gravídico, com acentua- ção da aglutinação celular. TROMPAS E OVÁRIOS As trompas aumentam de volume, ficam embebidas e deslocadas para cima. O corpo lúteo da gravidez é cfctivo até em torno de seis ou sete semanas e, a partir daí, passa a contribuir pouco para a produção de progesterona. A ovulação fica interrompida du- rante a gravidez. Até a primeira metade da gravidez, o ovário aumenta, havendo, posteriormente, redução do seu volume. ALTERAÇÕES NAS MAMAS A mama cresce em volume, pelo aumento de duetos, ácinos e estroma, apresentando vascularização mais inten- sa e meta boi is mo aumentado. Os estrogênios são primaria- mente responsáveis pela proliferação dos duetos mamários Adaptação Materna à Gravidez e a progcsterona, pelo desenvolvimento dos lóbulos. Os níveis de prolactina aumentam até o termo e, sob a influên- cia desse hormónio, completa-se o pleno desenvolvimento lóbulo-alveolar das mamas. Glândulas mamárias suprami- merárias podem ser reveladas na gravidez, por sofrerem as mesmas modificações que as glândulas principais.' As alterações são responsáveis pela ocorrência precoce de mastalgia. A partir do terceiro mês, alarga-se a rede de canais e duetos, com o aparecimento de formigamentos c sensibilidade excessiva, que geralmente diminui por volta do quarto mês. À medidaque a gravidez evolui, a exube- rante rede vascular venosa mamária fica mais visível, por transparência da pele (rede de Haller).Aaréola e o mamilo tornam-se mais acastanhados,. com barramento de seus limites. Podem estar contornados por pontos que coales- cem, formando uma aréola secundária (Figura 3.2). Figura 3.2 1 Mama gravídica com rede de Haller, aréola c mamilo acastanhados, aréola secundária e tubérculos de Montgomery. Ver Prancha Colorida. Os tubérculos de Montgomery são glândulas sebáceas proeminentes, que formam pequenas protuberâncias nas aréolas. Se o aumento das mamas for muito acentuado, po- dem surgir estrias. A aréola c o mamilo podem ser preparados para ama- mentar, a parti r de exposição ao sol e progrcsslva esfoliação (uso de bucha, toalha). A descarga mamilar (colostro) será tão mais abundante quanto mais se estimular a mama com massagens. O uso constante de sutiãs firmes é recomendá- vel para contornar a sensibilidade e o peso das mamas. As altas concentrações de estrogênio c progesterona no sangue materno inibem a lactação, interferindo na arão'da 35 - prolactina sobre o epitélio mamário. Com o parto, a queda abrupta dos níveis de estrogênio c progesterona suspende essa inibição e os receptores da prolactina, no epitélio al- veolar, podem aumentar até 20 vezes•. O hPL, a insulina, o hormônio do crescimento c os glicocorticoides exercem açôes secundárias no desencadeamento e manutenção da lactação. A ocitocina promove a cjcção do leite. As alterações mamárias durante a gravidez e a lacta- ção tendem a encobrir massas, dificultando o diagnóstico de câncer. Apesar de muitas controvérsias, parece que a gravidez não exerce forte influência sobre a evolução do câncer de mama.' ALTERAÇÕES D O SISTEMA DIGESTIVO As queixas referentes ao sistema digestivo são muito comuns c associadas a inúmeras alterações para atender às necessidades aumentadas de nut rientes, vitaminas c sais minerais (Quadro 3.1). Varia de pequeno mal-estar pela manhã a vômitos incoercíveis (hipcrcmese graví- dica), que podem levar a desnutrição, desidratação e d istúrbios hidroeletrolíticos. O período inicial de hipo- rexia, náuseas e vômitos pode ser seguido por aumento do apetite e da sede; 70 a 85% das gestantes apresentam náuseas c 50% vômitos, que se iniciam uma a duas se- manas depois da concepção c, habitualmente, desapare- cem por volta de 14 semanas. Isso coincide com a f.1se de formação e máxima vulnerabilidade do feto, devendo ser preferidas medidas dietéticas às medicamentosas. A variação da porcentagem de mulheres grávidas que so- frem de náuseas c võmitos foi revista por membros da Cochrane Pregnmtcy and Childbirth CoiiSumer Panei, que afirmaram ser essa variação fruto de d iferenças entre culturas e metodologias dos estudos avaliados." Apesar de aceita muito tempo como doença psicossomática, sabe-se hoje se tratar de complexa interação de fatores biológicos (hormonais, imunológicos e mecânicos), psicológicos e sociocultu rais. Existem situações em que os vóm itos c o hCG estão aumentados (gcmelaridade, doença trofoblástica), gerando associação entre náuseas e incrementos hormonais. A lgumas gestantes apresen- tam náuseas antes mesmo de se saberem grávidas, sen- do as mais acometidas as mães que apresentam gravidez indesejada, dificuldade de assumir ou, ainda, medo de perder a gravidez. ~.1 ,, ;, 'j' . •-.cr~~. j,. , ~ · ... .. (., ~ ....... ,.. .. ~ ~-; ,.,: ,J,. ~ " ' . ~.· .. Quadro 3.1 I Principais alterações fisiológicas no sistema digestivo durante a gestação I salivação; -------------------------- .!. pH da boca -? propicia cáries; gengivas hipertrofiadaslhiperemiadaslfriáveis -? sangramento à escavação; hipotonia da musculatura lisa da vesícula biliar -? predisposição para cálculos; .J. trânsito intestinal -? eructações. flatulências. constipação; .J. tônus esffncter esofágico inferior ..., refluxo gastroesofágico e pirose; I I produção de gastrina I J, pH gástrico I i muco I i volume I I tempo de esvaziamento; I bilirrubina -? possível icterícia; I fosfatase alcalina _, alteração sem repercussões. BocA A calcificação dos dentes se mantém estável na gravi- dez; portanto, se houver cárie, isto não se deve à redução de cálcio, mas, sim, à possível queda do pH oral. O ptialismo (salivação excessiva), normalmente, desa- parece após o quarto mês, podendo ser intenso c macerar os cantos dos lábios. Em geral, está associado a náuseas e dificuldade de deglutição, pois o volume normal de saliva da gestante varia de um a dois litros diários. Podem ocorrer alterações gustativas, com mudança de paladar c de hábitos alimentares. Algumas gestantes evitam certas substâncias e a preferência ou aversão por determinados ingredientes atinge 70% delas.9 O tecido gengival é receptor de esteroidcs sexuais e, em quase todas as mulheres, há certo grau de edema das gen- givas, que podem se tornar hipertróficas, hiperemiadas c friáveis, surgindo sangramcnto gengival. Gengivite e cáries devem ser evitadas, com limpeza e remoção de placas bac- terianas, escavação cuidadosa com escova macia, higiene com solução de antisséptico bucal c água oxigenada. ESÓFAGO, E STÔMAGO E INTESTIN OS Por ação da progcstcrona, estão reduzidos na gralti- dez o trânsito intestinal e a contratilidade da vcsicula Noçõeo Práticas de Obotet ricia biliar. Aparecem sintomas como eructações, flatu lência, constipação, distensão e dor abdominal. Ademais, a pro- gcsterona diminui o tónus do esfínctcr esofágico inferior e a pcristalse esof.ígica, favorecendo o refluxo gastrcso- fagiano e a pirosc. A produção aumentada de gastrina, que também pode ser sintetizada pela placenta, promove a queda do pH c o aumento do muco c do volume gás- trico. Na maioria das pacientes, a pirose melhora com a progressão da gravidez e retorna no período fina l. Existe, ainda, o fator mecânico, pois o crescimento do útero des- loca o estômago e os intestinos, mudando a posição de estruturas (o apêndice pode ir para o flanco direito e o estômago torna-se horizontalizado). A pressão intra gás- trica aumenta, aparecendo, às vezes, hérnia e csofagite. O uso de antiácidos pode diminuir a absorção do ferro e agravar a constipação. Nos quadros de deficiência de lacta se, a ingestão de leite e derivados tende a aumentar o conteúdo gasoso intestinal. O mesmo pode acontecer com o feijão, que contém açúcares não digeríveis, passí- veis de fermentação.' FíGADO O fígado da gestante sofre pequenas modificações, do ponto de vista anatOmíw (ligd•u .nuncnto e deslocamen- to para cima e para direita). Surgem alterações funcionais c dos testes bioquímicos. A fosfatase alcalina eleva-se pro- gressivamente c pode atingir o triplo do valor habitual, nas últimas semanas de gestação, por causa das isoenzimas vindas da placenta. As transaminascs não se alteram e pode ser percebido discreto aumento na bilirrubina sérica total, na globulina e na gama-glutamiltransferase.2·9 VESÍCULA BILIAR Apresenta função alterada durante a gravidez, devido à hipotonia da musculatura lisa de sua parede. Há compro- metimento da contração, cm razão da ação progesterônica, c o esvaziamento biliar é lento c incompleto, mantendo sempre volume residual. A gestação favorece alta incidên- cia de cálculos de colesterol, por causa da estase, da consti- tuição da bile, que se torna mais espessa, c do aumento da saturação do colesterol. Adaptação Materna à Gravidez ALTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS Deve-se observar que o feto c a mãe são dois indivíduos geneticamente distintos, mas a reação de rejeição, que é ca- racteristicamente produzida quando outros tecidos estra- nhos são transplantados, deixa de ocorrer. Os receptores celulares e as proteínas MHC (complexo principal de his- tocompatibilidade)são receptores de aderência que ligam as células. Os produtos dos genes MHC são chamados de antígenos leucocitários humanos (HLA). Parece que uma das razões pela qual o feto não é rejeitado é que o trofoblas- to placentário, que separa os tecidos maternos e fetais, não expressa os genes MHC polimórficos, mas, sim, um gene não polimórfico (1-LLA-G). Portanto, anticorpos contra as proteínas fetais não se desenvolvem. Além disso, há diminuição na produção de anticorpos maternos durante a gestação. Na realidade, há diminuição dos títulos de anticorpos humorais contra vários vírus, de- vido ao efeito de hemodiluição. Há evidências, ainda não bem explicadas, de que a quimiotaxia de leucócitos poli- morfonucleares e as funções de aderência estejam depri- midas a partir do segundo trimestre, continuando durante toda a gravidez. Observa-se aumento da susceptibilidade a algumas infecções. Q\1anto às doenças autoimunes, algu- mas podem melhorar durante a gravidez. Mulheres com a doença de Graves podem se tornar eutireóideas até que • gestação termine, graças ao nível de anticorpos antitireoi- dianos diminuído7. Na placenta, além da transferência de anticorpos lgG, destaca-se a participação de macrófàgos.~ A LTERAÇÕES METABÓLICAS Os ajustes metabólicos são ditados pelas exigências energéticas fetais. Os sistemas bioquímicos envolvidos na produção de energia sofrerão alterações, para suprir o con- cepto. O metabolismo basal materno aumenta, progressi- vamente, até quase 25%. GANHO DE PESO A necessidade calórica diária passa de 25 cal a 30 cal/ kg/dia para 30 cal a 35 cal/kg/dia. Não há justificativa para o uso de suplementaçõcs, quando a dieta é bem equilibrada. 37 O ganho de peso médio durante a gravidez é de aproxi- madamente 12,5 kg, a maior parte durante os dois últimos trimestres. O feto pesa cm torno de 3,5 kg e 2 kg são de líquido amniótico, placenta e membranas fetais. O útero aumenta cerca de I kg e as mamas, cm torno de 0,5 kg. Lí- quido extravascular c sangue somam 2,5 kg. Uma fração de 3,0 kg é o resultado de alterações metabólicas que deri- vam de aumento da água celular c da deposição de gordura c proteína (reservas maternas). Com a redução dos meca- nismos de retenção hídrica, o líquido extra é eliminado nos primeiros dias pós-parto. O maior crescimento do feto acontece durante o úl- timo trimestre; seu peso dobra durante os dois últimos meses. Antecipando essas necessidades, o corpo da mãe armazena proteína, cálcio, fosf.1tos c fe rro. METAB OLI SMO DE GLICOSE As alterações no metabolismo da glicose ocorrem no sentido de, inicialmente, promover reserva materna e, pos- terionnente, desviar glicose e aminoácidos para o feto, en- quanto a mãe usa corpos cctônicos c triglicéridcs para suas necessidades.' A gravidez normal é potencialmente · dia- betogênica", apresentando hipcrinsulinemia, leve hipogli- cconia de jejum e hipcrglicconia pós-prandial prolongada. Na primeira metade da gravidez, o aumento de insu- lina, devido aos altos níveis de estrogênio e progesterona, promove mais captação periférica de glicose, armazena- mento de glicogênio, redução de glicogenólise c da gli- ccmia de jejum. O aumento de insulina diminui a pro- dução hepática de glicose a partir de outros precursores (gl iconeog~nese). Na segunda metade da gravidez, constata-se aumento na produção placentária de hormônios contrainsulíni- cos (h PL, estrog~n ios, progesterona, cortisol, prolactina, glucagon), levando à acentuada resistência periférica à insulina, diminuição da tolerância à glicose, aumento da glicogenólise e, portanto, redução dos depósitos hepáticos. Além disso, a produção hepática endógena basal de glicose aumenta 16-30% para suprir o aumento da necessidade de glicose pela placenta e feto" . O hPL, pela semelhança estrutural com o hormônio do crescimento, aumenta a resistência periférica à insu- lina e estimula diretamentc a produção de insulina pelo pâncreas. Esse efeito cresce gradativamentc com a gra- vidcz e decresce rapidamente após o parto. No período pós-prandial, verifica-se incremento na resposta insulí- nica c, simultaneamente, queda na sensibilidade, permi- tindo hiperglicemia prolongada e desvio de glicose para o fcto12• Por volta da 36• semana, a resposta da insulina à glicose é três a quatro vezes maior (aumento do nível plas- mático e duração) c a redução na sensibilidade à insuli na é de mais de 50%. A glicose materna é transferida de fo rma rápida e con- tínua para o feto por difusão facilitada. O hPL, o glucagon e a insulina materna não alcançam o feto em quantidades signifi cativas, logo, a insulina fetal desempenha seu papel no metabolismo do concepto (Figura 3.3). Metabolismo da glicose 1• metade da gravidez I anab61ica i progesterona i estrogênios i hCG i insulina i captação periférica de gl icose J. armazenamento de glicogênio J. glicemia de jejum J. glicogenólise J. gliconeogênese 'l' metade da gravidez I catab61ica I i progesterona J i estrogênio i resistência periférica â insulina i hPL J. tolerância à glicose i cortisol ~ i Qlicogenólise i prolactina i gliconeogênese i glucagon i lipólise )-- Pós-prandial: - hiperglicemia prolongada: -desvio de gl icose para o feto. Por volta da 35• semana: - resposta da insulina â glicose de 3 a 4x; -sensibilidade à insulina> 50%. Figura 3.3 1 Metabolismo da glicose na gravidez normal. METABOLISMO LI PÍDICO O metabolismo lipídico sofre modificações no senti- do de catabolizar as gorduras, sempre que possível, com aumento da concentração dos ácidos graxas no plasma. Essas alterações parecem depender de hormônios de ação lipolítica: adrenalina, hormônio do crescimento, glucagon e h PL. O h PL não cruza a placenta, mas os ácidos graxas Noções Práticas de Obstetrícia livres a atravessam; são utilizados pelo fígado do feto e para depósito cm seu tecido gorduroso. A deposição de gordura materna da primeira metade da gravidez representa armazenamento de calorias, para suprir possíveis carências no decorrer da gestação e da amamentação. Nessa fase anabólica inicial, caem os níveis plasmáticos maternos de ácidos graxos e glicerol. Estes são mobilizados das reservas maternas no terceiro trimestre, na fase de maior catabolismo, e aumentam no plasma, para f.worecer a transferência ao feto. O aumento do LO L-C, na primeira metade da gravidez, parece ser devido ao cstrogênio. O aumento da atividadc da lipase hepática, induzido pela progesterona, favorece o au- mento de triglicérides c de HDL-C. Além disso, a alta con- centração de estrogênios c a resistência insulínica parecem ser corresponsáveis pela hipertrigliceridcmia da gravidez.12 Os níveis aumentados de colesterol c triglicérides caem logo após o parto, sendo a queda acelerada pela amamentação. METABOLISMO PROTEICO No termo, o feto e a placenta, juntos, somam SOO g de proteínas. Outros SOO g são acrescentados ao útero (pro- teínas contráteis), mamas (glândulas) e sangue materno (hemoglobina e proteínas plasmáticas). As necessidades diárias de ingestão de proteínas ficam aumentadas. Se os carboidratos c gordura não forem consumidos adequada- mente, as necessidades energéticas são supridas pelo cata- holismo das reservas de proteínas. A insulina desempenha importante papel ao facilitar o transporte de aminoácidos para dentro das células. As pro- teínas totais aumentam em valores absolutos, mas, devido à hemodiluição, suas concentrações ficam diminufdas. A concentração de albumina sofre redução (de 4,4 para 3 g/ dL), enquanto a de gamaglobulinas tem queda reduzida. Os teores de fibri nogênio, de alfa e betaglobulinas tornam- -se mais representativos. SAIS MINERAIS CÁ LCIO O feto necessita de 250 mg diários de cálcio no último trimestre. Ocorre reduçáodo cálcio sérico total materno, Adaptação Materna à Gravidez . . < ,. u ~ , i..'!a~~'"' t'o' ~ por diminuição da concentração de albumina sérica, mas não do cálcio ionizado. No sangue de cordão, por ocasião do parto, encontra-se mais cálcio do que no sangue mater- no. A taxa diária recomendada de cálcio passa de 1.200 mg nas não grávidas para 1.500 mg nas gestantes. Os estrogê- nios parecem bloquear a ação do hormõnio paratireóideo sobre a reabsorção óssea, fa zendo com que este aumente na gravidez (hiperparatircoidismo fisiológico), para fornecer cálcio adequado para o feto. M AGNF.SIO Os níveis de magnésio total e ionizado apresentam-se diminuídos na gravidez, mas não existe evidências de que a suplemcntação de magnésio durante a gravidez seja benéfica, visando rcçluzir restrição de crescimento fetal, pré-ed:\mpsia ou aumentar peso fetal.13 FóSFORO No último trimestre, as exigências da gravidez ficam cm torno de 200 mg diários. O aumento específico repre- senta aproximadamente 3,4% do total do esqueleto mater- no. Os nfvcis séricos de fósforo correspondem aos da faixa normal para não grávida. fERRO O ferro, elemento essencial, está presente cm todas as células vivas do organismo. A hemoglobina responde por cerca de 70% do depósito de ferro e a fcrritina por 25%, sen- do que suas concentrações séricas diminuem durante a se- gunda metade da gravidez. Aumentos no início da gestação parecem ser devidos à demanda mínima de ferro durante o primeiro trimestre, somada a balanço de ferro positivo cm razão da amenorrcia. O conteúdo total de ferro em mulhe- res adultas normais varia em torno de 2.000 mg. As necessi- dades de fer ro durante a gravidez são de, aproximadamente, 1.300 mg no total (300 mg para o feto, 50 mg para a placen- ta, 4SO mg para o aumento de massa critrocitária, 250 mg para perdas basais maternas, 2SO mg para perdas no parto). Perde-se em torno de SOO mi de sangue durante o parto normal, podendo ser de até 1.000 mi durante a ccsa~ian'a. 39 A necessidade maior de ferro ocorre na segunda meta- de da gravidez, encontrando-se cm torno de 6 a 7 mg/dia. Em virtude da hemodiluição, o nível minimo de hemoglobina aceito é de I I g% e de ferro sérico de 30 mcg%. Se as reservas maternas estiverem deficientes, o fe to obterá ferro dos critrócitos ou di reta mente do trato gastrointcstinalmaterno. A quantidade de ferro absorvido da dieta, juntamente com o ferro mobilizado das reservas, geralmente, é insufi- ciente para atender às demandas impostas pela gravidez. Isso ocorre, apesar de a absorção de ferro estar aumenta- da pelo trato gastrointcstinal, durante a gravidez (de lO a 20% e, havendo deficiência de ferro, a absorção pode passar para 40%). As perdas sanguíneas no parto normal ou em uma cesariana, geralmente, não levam à transfusão, mas o sangramento obstétrico pode ser imprevisível e maciço. A perda aguda de sangue c a anemia na gravidez são causas de morbidade e mortalidade materna em todo o mundo. A anemia pode ser prevenida pela suplemcntação de ferro, minimizando os riscos em caso de hemorragia obstétrica. Dois terços do ferro fetal são incorporados na hemoglobina c um terço é estocado no fígado, cm forma de fcrritina, para ser usado nos primeiros meses de vida do recém-nascido.2•6 lODO Durante a gestação, há redução em metade dos níveis séricos de iodo, devido à perda pela depuração renaL A tireoide precisa depurar duas vezes o volume sanguíneo, para obter a captação normal de iodo. Os altos níveis de estrogênio aumentam a globulina de ligação, havendo alto teor de iodo ligado às proteínas. VITAMINAS A vitamina A é essencial para a reprodução normal, mas doses elevadas (acima de 10.000 UI/dia) podem es- tar associadas a aumento dos defeitos congênitos. Os reti- noides (isómeros da vitamina A) usados em tratamentos dermatológicos podem estar associados a aumento de malformações. Certos fatores do complexo B estão relacionados ao metabolismo energético, como a tiamina (vitamina Bl), 40 riboflavina (vitamina B2), ácido nicotínico c piridoxina (vitamina B6). A vit B 12 c o ácido fólico são necessários para a hema- topoiese. A suplcmentação com ácido fólico deve começar na fàse pré-concepcional, para diminuir até SO% da chance de defeitos do tubo ncuraL14 A vitamina C é consumida cm alto grau durante a gra- videz e a lactação. A avitaminose C pode predispor à in- flamação c ao sangramcnto das gengivas c, em graus mais baixos, determina o abortamento. A vitamina O é fundamental ao metabolismo de cálcio e fósforo. O cstrogênio e a 1,2S-diidrocolecalciferol (pro- dução renal e placentária, corn síntese acelerada pelo para- tormõnio) medeiam o aumento da absorção intestinal de cálcio na gravidez. As vitaminas E e K aumentam no ciclo gravídico. A vitamina K tem importante papel no mecanismo anti- -hemorrágico. ALTERAÇÕE S DO SISTEMA URINÁRIO RINS ALTERAÇÕES A NATÓM!CAS Durante a gravidez, pode haver pouco aumento no ta- manho dos rins (cerca de I cm no comprimento), que não se deve apenas ao acréscimo do fluxo sanguíneo renal, mas, também, à hipertrofia verdadeira dos rins. No pós-parto, essa alteração regride e não deve ser confundida com perda de parênquima renal. ' A DAPTAÇÕES FUXCIONA IS As alterações no útero, na placenta e cm outros órgãos maternos levam à ampliação da capacidade vascular, que gera a necessidade de aumento no volume sanguíneo. Ini- cialmente, a elevação da capacidade vascular provoca a redução do débito cardíaco e pressão arterial. Essa queda causa retenção de sal e água pelos rins, até que o volume sanguíneo aumente o suficiente para preencher a capaci- dade extra.6 Noções Pr~ti cas de Obstetrícia · ~ Há aumento do ritmo de filtração glomerular (RFG) e do fl uxo plasmático renal (FPR), sendo a alteração do RFG mais significativa e duradoura. A fi ltração glomeru- lar aumenta cerca de SO% a partir das primeiras semanas de gravidez, permanecendo elevada até o fi nal, retornando aos níveis pré-gestacionais no pós-parto tardio. O balanço de sódio é um dos fatores primários na re- gulação do volume de líquido extracelular. O conteúdo de sódio do organismo é resultado de controle fino entre fato- res que promovem sua excreção e sua reabsorção, sendo os rins órgãos efetores desse balanço. Essa regulação é com- plexa e envolve sistemas hormonais e nervosos, além de fatores locais. Muitas das adaptações fisiológicas à gravidez favo recem a excreção de sódio, como aumento do RFG, da progesterona, do peptídeo natriurético atrial (ANP) (ver adaptações cardiovasculares) e redução da albumina plas- mática, entre outras. Tais f.1tores precisam ser ajustados para o alcance da expansão de volume na graVidez. Estro- gênios, ativação do sistema renina-angiotensina-aldostero- na (SRAA) c altas concentrações de desoxicorticosterona atuam na retenção de sódio.'~ Quando a filtração glomerular vai se elevando, sur- ge um mecanismo de compensação, representado pelo SRAA. Verifica-se, então, aumento da reabsorção de sódio, preservando a homeostase materna. A pesa r de haver acú- mulo de sódio total, sua concentração plasmática apresen- ta reduzido declínio. O sódio acumulado distribui-se para o feto, líquido extravascular, plasma, líquido amniótico, útero, placenta, mamas e eritrócitos. Mais de 60% desse aumento ficam distribuídos no compartimento materno. Acredita-se que o aumento da secreção de aldosterona que acontece na gravidez tenha como objetivo a conserva· ção do sódio gue seria perdido com o aumento do RFG. Contrapõe o efeito natriurético da progesterona e do A NP. Renina e angiotensina 11 apresentam-se elevadas durante a gravidez c contribuem para o aumento de aldosterona. A postura corporal interfere de maneira importantena excreção de sódio e água. As posições supina, sentada c crcta determinam mais retenção, enquanto a adoção de decúbito lateral promove efeito excretor. Dessa maneira, durante o dia, em pacientes guc têm atividades diárias normais, há retenção hídrica e forma-se sequestro de água nas pernas, podendo levar a edema de membros inferiores. A adoção do decúbito à noite promove redis- tribuição c a excreção dos líguidos através dos rins, pre· dominando, assim, a nictúria. Adaptação Materna à Gravidez O cleamnce de creatinina aumenta, sendo este um teste útil para a avaliação da função renal na gravidez. As con· centraçócs séricas de ureia c creatinina tornam-se dimi· nuídas pela maior fi ltração glomerular. Valor de creatinina sérica persistentemente acima de 0,9 mg/dL deve ser inves- tigado, sob suspeita de doença renal. A quantidade de glicose filtrada está também elevada, porém a capacidade de reabsorção está comprometida. Consequentemente, não é raro o aparecimento de "glicosú- ria fisiológica durante a gravidez, na vigência de glicemia normal. Também comum é a "aminoacidúria fisiológica"'. A excreção de proteína está normalmente aumentada, mas raramente atinge níveis detectáveis. Apesar de a pro· tcinúria ser dcli.nida como proteína urinária acima de 300 mg/dia, ela deverá ultrapassar SOO mg/dia para ser consi- derada anormal na gravidez. A excreção de albumina é mí· nima e varia de S a 30 mg/dia.2 SISTEMA COLET OR A dilatação do trato urinário é uma das al terações ana- tómicas mais significativas induzidas pela gravidez. Envol- ve dilatação dos cálices e pclves renais, assim como dos meteres. Essas alterações são causadas, inicialmente, por fatores hormonai• (prv~estcrona) sobre a musculatura lisa c, depois, por efeitos obstrutivos mecânicos. São mais pro- eminentes do lado direito, devido aos efeitos mecânicos. A dcxtrorrotação uterina e o complexo venoso ovariano di- reito significativamente dilatado levam à maior compres- são do meter direito. O cólon sigmoidc protege o ureter esquerdo. Os meteres, além de dilatação, sofrem também alongamento, tortuosidades e deslocamento lateral. BEXIGA E URETRA As alterações fisiológicas do trato urinário predispõem a infecções, devido à estase uretcral, associada ao aumento do refluxo vesicourctcral. Apenas após o primeiro trimes- tre aparecem alterações significativas na bexiga. A queda no tônus aumenta a capacidade vcsical e eleva o resíduo urinário na bexiga (de lS para 60 mi). A anteversão c o aumento do volume do útero, associados à congestão dos órgãos pélvicos e à hiperplasia de músculos e tecido con· juntivo da região, causam polaciúria inicial, elcvaçãó da bexiga e estiramcnto do trígono vesical. Pode acontecer incompetência das válvulas uretero-vesicais e consequente refluxo vesicoureteral. Há aumento da pressão intravcsical (de 8 para 20 cm de H 20) c, para preservar a continência urinária, relata-se aumento da pressão intraureteral e do comprimento da uretra. A queixa de incontinência uriná- ria foi comprovada cm 17-25% das gestantes no inicio da gestação, aumentando no terceiro trimestre para 36-67%, principalmente nas situações cm que há aumento da pres· são intra-abdominal. O ângulo da junção uretero-vesical em repouso e a mudança do coeficiente de pressão durante a tosse aumentam significativamente durante a gravidez. A prevalência de incontinência em nulíparas foi de 20% na gravidez e 4% no grupo-controle de não grávidas cm estudo ultrassonográfico que pesquisou o períneo dinami· camcntc e mostrou abaixamento do assoalho pélvico em grávidas de 12 a 16 semanas. Não foi encontrada ~elação entre a inconti nência de urina e a posição e mobilidade da junção uretero-vesical. As características dinâmicas do tecido conectivo do assoalho pélvico mostraram-se inal- teradas, mas foi documentado significante decréscimo na contração da musculatura pélvica.16 ALTERAÇÕES H E M ATOLÓGICA S VOLUME SANGUÍNEO O volume sanguíneo aumenta 40 a 50% durante a gra- videz. Essa hipcrvolemia tem o objetivo de atender às de- mandas do feto, do útero c seu sistema vascular, proteger a gestante e o feto contra os efeitos do comprometimento do retorno venoso e proteger a mãe contra os efeitos da perda de sangue associada ao parto. A expansão do volume líquido soma-se o aumento de critrõcitos, porém h:í mais acréscimo de plasma (50%) do que de critrócitos (20 a 30%). A magnitude do volume cir- culatório depende da massa corporal da gestante, do nú- mero de partos e se a gestação é de feto único ou múltiplo. Em algumas mulheres, há apenas reduzido aumento, cn· quanto cm outras o volume sanguíneo quase dobra. O feto não é essencial para o desenvolvimento de hipcrvolcmia durante a gravidC'L, já que foram demonstrados aumentos do volume sanguíneo cm mulheres com mola hidatiformc. O aumento começa no primeiro trimestre; é mais sig· nificativo ao longo do segundo e continua, embora mais 42 lentamente, no tercei ro trimestre. A expansão do volume plasmático foi identificada após seis semanas, em estudo fe ito com mulheres na f:~se folicular c no início da gestação. Com 12 semanas o volume plasmático apresentou aumen- to de aproximadamente 14% ± 12% (média± DP) cm rela- ção a medidas anteriores." O volume máximo é mantido até o termo, mas algumas referências na literatura têm demonstrado pouco declrnio nas últimas 10 semanas, alcançando seu máximo na 32• se- mana de gestação'" O mecanismo desse aumento parece ser mediado pela ação de estrogênio e progcstcrona. Com a saída da placenta, a fonte responsável pelo aumento dos hormônios deixa de existir c ocorr~ diurese espontânea. O aumento do volume é também necessário, para me· lhorar a perfusão de outros órgãos, especialmente os rins. Percebe-se, ainda, aumento de fluxo sanguíneo para a pele, dissipando, assim, o calor causado pela intensificação do metabolismo na gravidez. O volume de eritrócitos amplia-se de forma acelerada, advindo hiperplasia eritroidc moderada na medula óssea. O número de reticulócitos aumenta, ligeiramente, durante a gravidez normal. Isso se deve, provavelmente, a um au- mento de duas a três vezes nos níveis de eritropoietina no plasma materno, a pa rtir de 20 semanas de gestação. Durante o parto vaginal normal e nos dias subsequen- tes, apenas cerca de metade dos critrócitos acrescentados à circulação materna durante a gravidez é perdida pela maioria das mulheres. Essas perdas se dão através de ló- quios (sangramcnto do leito placentário, no pós-parto), da própria placenta, da cpisiotomia c de lacerações. LEUCÓCIT OS E PROTEÍNA C R EAT IVA Tanto a função quanto os números absolutos de leucó· citos parecem ser f:ttores importantes ao se considerara leu- cocitose da gravidez normal. O número de leucócitos varia de 5.000 a 12.000/ mm3 durante a gravideznorrnal. No de- correr do trabalho de parto e no inicio do puerpério, pode atingir níveis elevados, de 25.000/ mm-' ou ainda mais. A concentração é, cm média, de 14.000 a 16.000/ mm3• O nú· mero de linfócitos c monócitos permanece praticamente o mesmo de antes da gestação; leucócitos polimorfonuclca· res são, inicialmente, os responsáveis pelo aumento dos leu- cócitos. O número de eosinófilos pode estar l igciramcn~e > elevado, diminuído ou corno no estado pré-gestacional. Á Noções Práticas de Obstetrícia causa do aumento não é conhecida, mas, provavelmente, representa o reaparecimento na circulação de leucócitos previamente removidos da circulação ativa. Os valores médios da proteína C reativa (reagente séri- co da fase aguda) durante a gravidez são mais altos que os de mulheres não grávidas, sendo ainda mais elevados no trabalho de parto. A atividade da fosfatase alcalin a leucocitária aumenta desde o início da gravidez. Este achado é comumem gran- de variedade de distúrbios, incluindo a maioria dos estados in flamatórios. CONCENTRAÇÃO DE HEMOGLOBINA E HEMATÓCRITO Apesar do aumento da eritropoiese, as concentrações de hemoglobina, eritrócitos e hematócrito diminuem li- geiramente durante a gravidez normal c a administração profilática de ferro é preconizada pela OMS (ver capítulo 7 - Assistência Pré-n atal).A viscosidade do sangue total di- minui e o hematócrito cai até o final do segundo trimestre, quando o aumento da série vermelha torna-se sincroniza- do com o aumento do volume plasmático. O hematócrito, então, se estabiliza ou pode até aumentar discretamente. A concentração de hemoglobina inferior a ll g/dL ca- racteriza anem ia, devendo ser invest igada e tratada. A he- moglobina normal ou elevada durante a gravidez pode ser sinal de pré-eclâmpsia, durante a qual o vo lume plasmático encontra-se reduzido. Se a concentração de hemoglobina da mulher não vol- tar ao normal em duas semanas pós-parto, faz-se necessá- ria uma investigação." C oAGULAÇÃO SANGUÍNEA O estado de hipcrcoagulabilidadc na gestante é de- monstrado pelo aumento de fa tores da coagulação c mais agregabilidade p laquetária-' A gravidez está associada a aumento d e 20 a 200% nos n íveis d e fibrinogênio e dos fatores Il, VIl, VIII, X, X II, enquanto a concentração dos fatores V e IX não se alteram. Em contras te, a concentra- ção de anticoagulantes endógenos diminu i minimamen- te ou permanece constante2 ·9 O sistema fi brinolítico está suprimido. As modificações resultam cm mais suscetibili- Adaptação Materna à Gravidez -- ' ). ' . i dadc ao trombocmbolismo.'s O clássico acidente cérebro- -vascular durante a gravidez é a trombose venosa central. A concentração de fibrinogênio (fator l) aumenta cm cerca de 50%, sendo os níveis normais na gravidez avançada d e 300 a 600 mg/dL. Esse acréscimo contribui para o au men- to da velocidade de hemosscdimcntação. A d iminuição moderada de plaquetas é consequente, provavelmente, do aumento de consumo durante toda a gravidez normal. O tamanho médio das plaquetas também dim inui2 A trombocitopenia gestacional benigna deve ser diferenciada da trombo citopenia imune e pré-eclàmpsia2 Os níveis de prostaciclina (in ibidor de agregação plaque- tária e vasodilatador) estão aumentados, bem como do tromboxane A2, que é induto r-da agregação plaquetária e vasoconstritor. Os tempos d e coagulação não d iferem em gestantes normais. O nível de plasminogênio no plasma materno aumen- ta, por possível influência do cstrogênio, simu ltaneamente com a elevação dos níveis de fibrinogenio, para manter o equilíbrio funcional. Mesmo assim, a at ividade fi brino- lítica, ou da plasm ina, está prolongada. A placenta parece estar envolvida nessa redução de atividade, pois o parto é, normalmente, seguido pelo aumento imediato da ativ ida- de fibrinolítica plasmática. Na coagulopatia de consu mo, a coagulação pode ser ativada pdas vias cxlrÍlt~t.:la c inlrÍBst:La, <dé.ln Ja alivoH,âu d i reta po r proteases ou toxinas bacterianas-' ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES A gravidez apresenta-se como um estado h iperdinâ- mico c hipcrvolêmico fisiológico. O con hecimento das adaptações circulatórias é de extrem a importância no acompanhamento da gestante. Podem aparecer sinais c sintomas produzidos pelas alterações fisiológicas que m i- metizam d isfunção card íaca c geram dificu ldades para os examinadores n a d istinção entre manifestações normais ou patogênicas. Entre os sintomas mais comuns estão f.1diga , dispncia, palpitações, tonturas e dor torácica. Como sinais, observam- se calor nas extremidades, zumbido venoso, hiperfonese d e bulhas, B2 desdobrada, B3, sopros, edema de membros in fe- riores, dilatação venosa c arritmias cardíacas.' Em 90% das gestantes, aparece sopro Sistólico, que pode ser mais intenso na inspiração ou na expiração, desaparecendo após o pado. 43 Uma das alterações cardiovasculares mais evidentes é a redução pronunciada da resistência vascular periférica (RP), como consequência de níveis aumentados de pro- gesterona, de shuuts arterio-venosos, criados pela placenta, e de vasodilatação, gerada por síntese endotelial de prosta- glandinas c prostaciclinas. ALTERAÇÕES NA RADIOGRAFIA DE TÓRAX, ECOCARDIOGRAMA E ECG Ao Raio-X constatam-se modificações no contorno cardíaco, simulando aumento de sua silhueta, como des- locamento para esquerda e para cima e do ápice para a lateraL Ao ecocardiograma, a massa ventricular esquerda, a espessura de parede e as dimensões ventriculares pare- cem aumentadas, porém tais mudanças são paralelas ao acréscimo de peso e da área de superfície corporaL" Não há alterações específicas no ECG na gravidez normal. As alterações observadas decorrem da elevação do diafragma c da rotação do eixo elétrico para a esquerda. DÉBITO CARDÍACO O débito cardíaco (DC) é devado em 30 a 50%. O mício do aumento do DC ocorre precocemente no primeiro tri- mestre.19 O período de maior ascensão é por volta de 20 a 24 semanas de gestação (quando avaliado cm decúbito lateral). Após a 32• semana, o DC tende à estabilização, o que se deve, principalmente, à compressão do útero gravídico sobre a veia cava inferior, com consequente redução do retorno venoso. 2 Logo, há tendência de o DC ser mais significativo durante o segundo trimestre, quando comparado ao primeiro e tercei· ro trimestres. Durante o trabalho de parto, a atividade uterina aumenta o DC, cujo aumento é mais acirrado após o terceiro período, estando o DC, em média, 80% acima. Atinge níveis normais por volta de duas semanas após o parto. A frequência cardíaca se eleva entre 10 c 20bpm.'9 Nas fases iniciais da gestação, a elevação do DC se deve, princi· pai mente, ao aumento do volume de cjeção c, no terceiro tri- mestre, ao aumento da frequência cardíaca (DC= frequência cardíaca X volume sistólico). O DC se modifica acentuadamente com o metabo- lismo e tamanho corporal, elevando-se em proporções semelhantes ao aumento da área de superfície corporal6 44 Mesmo levando-se em conta o índice cardíaco (DC/ m1 de superfície corporal), há elevação do DC, sendo o aumento mais rápido no início da gestação' ' Em resumo, diversos mecanismos contribuem para a elevação do DC, como a redução da resistência vascular periférica c da viscosidade do sangue, a aceleração da fre- quência cardíaca, o aumento da volemia, do peso materno e da taxa metabólica basal. PRESSÃO ART ERIAL E VENOSA As modificações na pressão arterial (PA) são importan- tes para a avaliação e acompanhamento clínico da gestan- te. No início do segundo trimestre, há queda da PA, mo- tivada, principalmente, pelo relaxamento da musculatura lisa dos vasos sanguíneos (PA= DC X RP). 1 o terceiro trimestre, a PA retorna lentamente seus níveis para próxi- mo dos pré-gestacionais. Durante a gravidez, a PA pode ser in~ucnciada por vários f.;torcs, incluindo período do dia, atividade física, postura c ansiedade. Observa-se que a pressão diastólica apresenta mais redução que a sistólica, provavelmente por causa da vasodilatação periférica e do leito de baixa resistência na placenta. Não há alterações da pressão venosa antecubital, porém a pressão venosa femoral sofre aumento no decorrer da gra- videz, quando a paciente está cm decúbito dorsal.lsto ocor- re porque, nessa posição, o útero cm crescimento comprime as veias pélvicas e a veia cava inferior, dificultando o retorno venoso, dim inuindo o DC. Tal alteração F.!vorece o apare· cimento de edema (principalmente na gravidez avançada), varizes de membros i n fcriores, de vulva e hemorroidas. O aparecimento ou agravamento das varizes é determinado não apenas pelo aumento da pressão venosa, mas, também, pela associação desse aumento com f.;tores prcdisponentcs(caráter familiar, ocupação que exija ortostatismo prolonga· do, idade e número de gestações) e hormm_1ais (estrogênios c progesterona). Quando a gestante passa para o decúbito lateral, o fluxo sanguíneo é restabelecido e a pressão venosa nas regiões mencionadas tende a normalizar-sc.1 S í NDROME DE H ll' OTI!NSÃO EM DECÚ il iTO DORSAL Na gravidez avançada, o mecanismo de compressão da , veia cava inferior c consequente redução do retorno venÕ- Noções Prát icas de Obstetricia so pode provocar um quadro chamado síndrome da hipo- tensão em decúbito dorsal. Essa síndrome é caracterizada por sintomas acentuados e hipotensão, quando a gestante adota a posição supina. Entre os sinais de hipotensão supi- na, estão palidez, cianose, pele fria, redução da amplitude de pulsos, queda da PA c até perda da consciência c con- vulsões. Entre os sintomas, estão sensação de desmaio, dispneia, tonteira, náuseas, vômitos, distúrbios visuais, fraqueza, desconforto torácico e abdominal. A parcela de gestantes que apresenta sintomas em decúbito dorsal, em algum momento da gravidez, é de 60%, enquanto a inci- dência da síndrome, propriamente dita, é de 8%.20 Essa síndrome é reversível e aliviada com o decúbito lateral, pre- ferencialmente o csquerdo.2 Além da compressão venosa, podem ocorrer também, ao término da gestação, compressão das artérias ilíacas e porção terminal da aorta. Foram sugeridos também outros fatores que influenciam na ocorrência ou magnitude da síndrome de hipotensão supina, como causas neurogêni- cas c aumento da demanda circulatória (por exemplo, ane- mia). No período pós-prandial, devido ao retorno venoso via sistema porta hepático aumentado, a hipotensão supina pode ser menos acentuada. 20 S ISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA O aumento de estrogênios na circulação ativa o sis- tema rcnina-angiotensina-aldosterona; e a vasodilatação aumentada, juntamente com a queda da PA, resultam em aumento da liberação de renina.' Na gestação normal, há aumento da concentração plasmática e atividadc de renina, angiotensina 11 e aldosterona. Porém, os vasos sangu íncos estão rcfratários ao efeito prcssor de angiotensina 11 infun- dida. Essa rcfratariedade pode ser mediada por substâncias relacionadas às prostaglandinas vasoativas, uma vez que foi observado que inibidores da prostaglandina sintctasc levam à acentuada efetividadc da angiotensina li em au- mentar a pressão arterial.' O sistema renina-angiotcnsi- na-aldosterona só atinge alto grau de ativação durante o segundo e terceiro trimestres, mesmo que precocemente no primeiro trimestre já apareçam níveis aumentados de renina ativa. Apesar da resposta diminuída à angiotensina li, o sis- tema renina-angiotcnsina estimulado é importante na ma- nutenção da pressão arterial durante a gravidez' Adaptação Materna à Gravidez ' I J 1 • ' .... . .· . . ~ PEPTÍDEO NATRIURÉTICO ATRIAL O peptídco natriurético atrial (ANP) exerce efeito nos rins (aumenta o fluxo sanguineo e a taxa de fi ltração glome- rular e diminui a secreção de renina e a reabsorção tubular de sódio), no tecido vascular e na adrenal, levando à natriu- rese, diurese, redução no volume intravascular c redução da PA.211 Q•anto aos níveis dcANP na gestante, há resultados conflitantes cm diferentes estudos. Em geral, o consenso é de que há aumento ao longo da gestação. Em estudo de metanálisc, concluiu-se que há aumento de 41% no terceiro trimestre, cm relação a não grávidas." No entanto, 'Thom- scn el ai." concluíram que as medidas do ANP no terceiro trimestre são menores que na 20' semana da gestação c na 12' semana após o parto. Houve correlação negativa entre os nivcis de ANP e o volume sanguíneo, aldosterona, re- nina e DC c correlação positiva com excreção fracional de sódio e resistência periférica total. Esses autores acreditam que este deve ser um dos mecanismos pelo qual o volume sanguíneo mantém-se elevado durante a gestação. Há con- cordância quanto ao aumento expressivo do ANP no pós- -parto e sua participação nos mecan isrnos de readaptação materna, com provável envolvimento na diurcsc pós-parto. ALTERAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Diversas manifestações apresentadas peb gestante -alter- ações nas funções motoras, sensitivas ou mentais- podem ser atribuídas ao sistema nervoso central, entretanto, os estudos ainda são insuficientes para permitir adequada interpretação desses fenômenos. Sintomas comuns como sonolência, fadiga e lentidão psi- comotora podem ser atribuídos à ação da progcstcrona, que tem efeito depressor sobre o sistema nervoso central. Além disso, é comum as gestantes apresentarem alterações na quali- dade do sono, caracterizadas por dificuldade de dormir, me- nos horas de sono noturno e despertares frequentes2 ·8 ÓRGÃOS SENSORIAI S Os órgãos sensoriais têm aumento da vascularização devido ao cstrogênio. ' 45 T ATO Pode haver manifestações parestésicas, principalmente de extremidades, ligadas a alterações vasomotoras c defi- ciências dietéticas ou metabólicas. As câimbras são dolo- rosas e comuns na segunda metade da gravidez e parecem estar associadas a problemas circulatórios c deficiência re- lativa de c:llcio ou aumenta de fósforo sérico. O tratamento consiste cm diminuir ingestão de fosfatos (leite e comple- mentos contendo fosfato de cálcio) ou uso de carbonato de cálcio. Os cu idades que devem ser tomados são: exercfcios, massagens e evitar estiramcntos muscubres.J.J V ISÃO No último trimestre, pode ocorrer discreta distensão ocular, estreitamento arteriolar c espasmos. A pressão intra- ocular e a sensibilidade da córnea diminuem e há pouco au- mento da espessura da córnea, considerado edema. Isto pode levar à dificuldade de adaptação ao uso de lentes de contato. Nas gestantes predispostas a descolamento de retina (alta- mente mfopcs ou que já tiveram episódio anterior), haverá o risco da ocorrência. A gravidez normal não predispõe ao descolamento, mas o esforço do trabalho de parto poderá ocasion.\-lv, devendo, portanto, ser evitado. Atenção especial deve ser dada a pacientes com pré-cclàm- psia e ecl:lmpsia, já que estas estão associadas ao aumento da incidência de diversos distúrbios visuais como descolamento de retina c cegueira. Além disso, pacientes previamente diabé- ticas devem f.1zer controle da gliccmia antes da gravidez, já que a hipergliccmia está relacionada com a piora da rctinopatia." AUDIÇÃO Verifica-se diminuição da acuidade auditiva durante a gestação. São também comuns as sensações sonoras, prin- cipalmente os zumbidos. Os casos de otosclerosc podem se agravar durante a gravidez• ÜLFATO O intumescimcnto da mucosa nasal pode levar à hi- posmia ou mesmo anosmia. Provavelmente a sensibilida- de olfatória está diminuída devido a fatores cognitivos de percepção c hormonais.25 O desenvolvimento da vascula- rização da mucosa nasal favorece obstrução nasal e rinitc. A paciente já portadora de rinopatia alérgica pode ser ví- tima do crescimento acelerado de possíveis pólipos nasais alérgicos. O bloqueio nasal da rinopatia gravídica costuma ser rebelde a todos os tratamentos e, em geral, só cede após o parto, quando caem os níveis hormonais. A epistaxe deve-se à rotura de vasos que se tornam in- gurgitados durante a gravidez c, em geral, cede espontane- amente ou após pequeno tamponamento. ALTERAÇÕES ÜSTEOARTICULARE S A Iord os e progressiva deve-se à adaptação do orga nis- mo materno, na gravidez normal, para buscar o equilíbrio, compensando a posição anterior do útero cm cresci mcnto e o aumento de peso das mamas. A acentuação da lordose desloca o centro de gravidade para trás, sobre os membros inferiores. Registra-se aumento da mobilidade das articu- lações sacroilíaca, sacrococcígca e púbica para que haja ampliação da capacidadepélvica, como preparação para o parto. Esse afrouxamento de articulações é, presumivel- mcnte, resultado das modificações hormonais, principal- mente do estrogênio c rclaxina, um hormônio polipeptídi- co secretado pelo corpo lótco, além da retenção hídrica no tecido conectivo. Em revisão da Cochrane, com oito estudos c 1.305 participantes, as sugestões para melhor lidar com a dor in- cluem fisioterapia, com orientação postural c crgon6mica, exercícios de alongamento e fortalecimento muscular, hi- droginistica, repouso, compressas quentes ou frias, uso de salto médio, cintas próprias para gestante, massagens, acu- puntura, quiroprática, aromaterapia, relaxamento, ervas, yoga, Rciki, travesseiros especiais e analgésicos, como acc- taminofem. A conclus.'io foi que, independentemente do tempo e do tratamento recebido, as mulheres relatam au- mento da intensidade da dor com a progressão da gravidez, com interferência na atividade diária c qualidade do sono, porque usualmente as dores pioram à noite. Estudo feito nos Estados Unidos reportou a dor lombar cm 68,5% das gestantes (IC9S% 65 a 71%). Porém, qualquer um dos trata- mentos, junto com o cuidado pré-natal, reduz a intensidade da dor a nível tolerável, diminuindo o número de abstenç,ão ao trabalho.26 ·~ · Noções Prática s de Obstetríc ia A sobrecarga de peso sobre as articulações menos es- táveis leva à limitação de movimentos e irradiação da dor para os membros inferiores ou sínfise púbica. O diagnós- tico diferencial deve ser feito com infecção renal, hérnia de disco c ncoplasia de coluna. A lombalgia noturna parece, ainda, estar relacionada à diminuição do fluxo sanguíneo medular, devido à compressão dos vasos pelo útero graví- dico no último trimestre." Ocasionalmente, durante a gravidez avançada, há dor, parcstcsia e fraqueza dos membros superiores, cm virtude da acentuada flexão anterior do pescoço c queda da cintura escapular, produzindo tração sobre os nervos ulnar e me- diano-' A descompensação postural, principalmente em gestantes obesas, conduz ao surgimento da síndrome do túnel do carpo. As dores lombares e cervicais acometem, principal- rncntc, gestantes sedentárias, com mais ganho de peso, história prévia de lombalgia ou fatores ocupacionai s (trabalhos físicos pesados ou repetitivos com mesma postura). Alterações ósseas significativas raramente surgem na gravidez c são consequência das alterações do metabolis- mo do cálcio, como deposição insuficiente na matriz (os- teomalácia) ou diminuição nos teores de formação da pró- pria matriz proteica (osteoporose). No último trimestre da gravidez, aproximadamente 25 g de cálclo sao removrdos da mãe e depositados no sistema ósseo fetaL ALTERAÇÕES DO SISTEM A RESPI RATÓRIO ALTERAÇÕESANATÔMICAS Adaptações acontecem associadas a fatores mecânicos no aparelho respiratório da gestante. O diafragma eleva-se quase 4 cm, a circunferência da caixa torácica amplia-seS a 7 cm e o ângulo subcostal aumenta ao longo da gravidez.A.s alterações na parede torácica são atribuídas ao crescimento do útero, causando elevação do diafragma e afrouxamen- to dos ligamentos intercostais.28 Porém, essas alterações não compensam a redução do volume residual pulmonar, causada pela elevação diafragmática.' As gestantes podem perceber aumento da circunferência torácica e manifestar incómodo ou dor na região das últimas costelas. Adaptação Materna à Gravidez ... . .· i"'- ,;1 1.1 ADAPTAÇÕESDAFUNÇÃOPULMONAR O organismo materno e o concepto apresentam cres- cente demanda de oxigénio. Além disso, o concepto de- pende do organismo materno para a realização das trocas gasosas. O sistema respiratório materno se adapta de for- ma a atender adequadamente as necessidades de oxigénio impostas pela gravidez. A progesterona age d i reta mente no centro respirató- rio, seja tornando-o mais sensível à pC0 2, seja estimu- lando-o independentemente, resultando cm aumento da ventilação alveolar que se deve, principalmente, a aumen- to no volu me corrente, já que a frequência ventilatória é pouco modificada durante a gravidez e o espaço morto não se altera9 O volume corrente aumenta gradativamente ao longo da gestação, havendo acréscimo de aproximadamente 39%. O volume-minuto e a captação-minuto de 0 2 também apre- sentam aumento significativo, 42 e 32%, respectivamente. A capacidade residual fu ncional (volume de reserva expiratória + volume residual) é reduzida à custa da re- dução do volume residual (pela elevação diafragmática). Quando a gestante passa da posição sentada para a supi- na, há mais redução da capacidade residual funcional, que é mais representativa nas fases mais avançadas da gravi- dez. Apesar drsso, a capacidade pulmonar total (volume de reserva inspiratória + volume corrente + volume de reserva expiratória +volume residual) não sofre alteração significativa. Como consequência de tais adaptações, a pC02 no sangue materno é reduzida, facilitando o transporte, atra- vés da placenta, do CO, do feto para a mãe. H á também aumento da p02 sanguínea materna, promovendo melhor suprimento para o feto. O pH sanguíneo se mantém de- vido ao aumento na excreção renal de bicarbonato, confi- gurando quadro de "alcalose respiratória compensada"" . Muitas gestantes (60 a 70%) apresentam queixa de dispncia. O aumento do volume corrente parece ser o mecanismo responsável pela percepção dessa "dispncia fisiológica". A.lém disso, a mucosa do trato respiratório fica edemaciada pelo embebimento gravidico, dificultando o trajcto do ar corrente. A dispneia ligeira não tem muito significado c, no caso de estar muito acentuada, devem-se pesquisar problemas cardíacos, respiratórios ou hipertireoidismo. 47 ALTERAÇÕES DA PELE E FÂNEROS PELE As alterações pigmentares, vasculares, do tecido conjun- tivo e dos anexos cutâneos são comuns na gestação. O aumento do honnônio melanotrófico, com mais tendência à pigmentação, leva ao aparecimento do doas- ma na f.1ce (parte central e/ ou malar e mandibular) cm 50- 70% das grávidas. No abdome, a linha alba torna-se uma linha negra (ou /inea nigrn) (Figura 3.4). A hiperpigmenta- çào, presente em 90% das gestantes, é visível na vulva, face interna da coxa, axila, aréola e abdome. Os níveis aumen- tados de estrogênio c progcsterona estimulam a mela no- gênese. As manchas da pele permanecem após o parto cm 3096 das mulheres, sendo aconselhável usar filtro solar e abster-se de exposição ao sol, pois dependem de predispo- sição individual, genética c racial. Os nevos pigmentados tendem a aumentar, as efélides (sardas) e cicatrizes de ferimentos ocorridos durante a gra- videz tendem a ficar mais escuras. Figura 3.4 1 Abdome de gestante com presença de linha negra. Ver Prancha Colorida. As estrias atróficas aparecem devido ao esti ramento localizado da pele, aliado ao estímulo hormonal (adreno- cortical, estrogênio, relaxina), levando à rotura das cama- das subjacentes do tecido subepitelial, com separação dos feixes cOnJuntivos e elásticos. A princípio, são róseo-violá- ceas e, apesar de indeléveis, tornam-se menos visíveis, ao tomarem coloração branco-nacarada. O apárecimento ou agravamento de estrias preexistentes é visto no abdome, mamas, braços, nádegas e coxas como linhas paralelas, cir- culares ou irregulares.29 O nível aumentado de hormônios da suprarrenal contribui para o aparecimento das estrias. Todavia, estas podem estar ausentes em uma gestação e aparecer, na mesma mulher, numa próxima gravidez em que houver mais ganho de peso, evidenciando limite de distensão da pele. São importantes dieta, uso de sutiãs, cin- tas e massagens com hidratantes. Para evitar que a pele res- seque, os banhos devem ser menos quentes, mais rápidos e com pouco sabão neutro. A hipertrofia e hiperfu nçãodas glândulas sudoríparas e sebáceas promovem ma i~ transpiração. O elevado fluxo sanguíneo na pele causa considerável ascensão no grau de calor do corpo.• As alterações vasculares da gravidez, com aumento do volume sanguíneo circulante, levam à proliferação e à dila- tação dos vasos cutâneos, com aparecimento de aranha vas- cular, eritema palmar, petéquias e hcmangiomas. Heman- gioendotcliomas e glomangiomas subcutaneos podem surgir nas mamas e abdome, com aparência verrucosa. As dermatites de contato alérgicas ou irritativas são mais co- muns durante a gravidez, pois os produtos aplicados sobre a pele são absorvidos com mais intensidade nesse período3 0 A gravidez aumenta o risco de recorrência do melano- ma. 2 Quando o diagnóstico é feito no decorrer da gravidez, os tumores cutâneos são mais espessos_, P ELOS E UNHAS Pelos finos (hipertricose) podem aparecer c normal- mente caem após o parto. O hirsutismo leve pode se dar cm virtude de aumento dos androgênios ovarianos. As principais áreas afetadas são face, abdome, pernas e braços. As unhas crescem mais e tornam-se quebradiças. Os cabe- los tendem a não cair du rante a gravidez, ficando sedosos c volumosos, devido ao alto nível estrogênico aumentar a proporção de fios na f.1se anágena. Haverá queda com- pensatória, com a troca de cabelos, aproximadamente três meses após o parto. A gueixa de que os cabelos estão cain- do em grande quantidade (eflúvio telogênico) deve-se ao acúmulo da queda motivada pelo ciclo natural do cabelo. Entre as dermatoses próprias da gestaçáo, estão. o her- pes (ou penfigoide) gestationis (lesões bolhosas nãovi'raís), a Noções Prática s de Obstetric ia erupção polimórfica gravídica (erupção cm placas ou pápu- las, com prurido intenso) e o impetigo hcrpctiforme-' ALTERAÇÕES DO ESTADO EMOCIONAL A gravidez desencadeia um turbilhão de emoções contraditórias. As mudanças percebidas acarretam refle- xões e descobertas que alternam momentos de alegria e temores, anseios e dúvidas. A necessidade de repouso se faz sentir pelo sono, para reserva de energia. A sonolência costuma desaparecer de forma espontânea em torno do quarto mês de gestação. Em caso de sonolência excessiva, observa-se reação regressiva, cm que a gestante procura se identificar com o feto, ou mesmo uma situação de fuga, cm quadros depressivos. Ligeiro edema nas papilas gustativas pode provocar mudança no paladar, mas algumas mulheres apresentam, durante a gravidez, desejo de ingerir algo específico, por vezes bizarro. Os desejos re fletem uma satisfação antiga, caracterizando um estado regressivo, influenciado por sen- timentos de autoprotcção, culpa e rejeição. Muitas gestan- tes utilizam o desejo para reforçar sua importância e cen- tralizar atenções, tendo isso cunho nitidamente culturaL O aumento da sensibilidade provoca momentos de ex- trema irritação, recheados de sensação de culpa. ~ oportu- no trocar ideias com outras grávidas, procurar o apoio dos amigos e familiares, cuidar do corpo e do equilíbrio emo- cionaL A estrutura conjugal é fator determinante. Qyanto mais integração tem o casal, mais segura a gestante se sen- te, por estar sendo proporcionada a ela a sensação de poder e importância, diminuindo sua apreensão, seus temores e suas fantasias. A percepção das mudanças que ocorrem no corpo acarreta desde orgulho pelo perfil grávido até ver- gonha c depressão, ao se sentir feia ou deformada. Com a proximidade do parto, a ansiedade tende a aumentar. O déficit de memória que acompanha o perfodo grá- vido-pucrperal não é explic.1vcl pelos ensaios hormonais," mas os dados mostram evidência dircta do envolvimento dos hormônios estrogênio c progcstcrona no desenvolvi- mento da depressão pós-parto. Existem estudos que su- gerem que mulheres com história de depressão pós-parto são mais sensíveis aos efeitos desestabilizadores do humor provocados pelos esteroides gonadais." O pós-parto é a continuação da situação de trans- formação, pois ocorrem novas mudanças fisiológicas Adaptação Materna à Gravidez ' - , 1'7~V .~·,, I • ,. .., ' • ' ~'• • •i:l ' '·I 1 -~~~ '"' ,, • ~ • i ; -{t. ~Ji 1 • '! : ~~ na mulher, que podem agravar ou desencadear estados depressivos. As alterações tircoidianas são associadas a sintomas de depressão pós-parto e não existe diferença estatisticamente significativa na frequência e gravidade das alterações da tireoide no pós-parto cm mulheres que apresentam variações de TSH, mas sim naquelas que apresentam aumento de antiTPO. Estudo feito na Dina- marca evidenciou (nível A) que a avaliação de antiTPO na gravidez pode predizer mulheres de alto risco para desen- volvimento de alterações da tireoide no pós-parto. O risco foi de 35, 54 c 7596, respectivamente, quando o antiTPO foi encontrado em nível abaixo de 200, entre 200 c 900 ou acima de 900 U/ L.31 A grávida é, muitas vezes, uma mulher sozinha diante de fatores difíceis, como um fiU1o não planejado, falta de apoio F.tmiliar, dificuldades económicas, relações tumul- tuosas c, mesmo em caso de gestações programadas, teme não ser bem-sucedida na gravidez e no parto. A responsabilidade de amtmir um filho e, junto com ele, todo um cortejo de abdicações na perda de sua indi- vidualidade arrasta a mulher a sensações ambivalentes, entremeando a alegria c o prazer da maternidade com a ansiedade e o pavor do fi lho desconhecido. Portanto, os cuidados médicos de\'em considerar não somente as adaptações físicas, mas, também, as modifica- ções psíquicas que ocorrem no ciclo grávido-puerperal. REFERÊNCIAS Harrison TR, FauciAS,cditorcs. Harrison Medicina Interna. 17• ed. Rio de Janeiro: McGraw -!Iiii; 2008. 2. Cunningham FG, Leve no KJ, Bloom SL, Hauth JC, Gilstrap III LC, Wenstron KD. Will iams Obstetrics. 22' cd. 1\'ew York: McGraw- H iii; 2005. 3. RaineyWE, Carr BR, Sasano OH,Smuki T, MasonJI. Dis- sccting human adrenal :mdrogcn production. Trcnds. Endo- crinol Metab. 2002; 13:234-9. 4. Goodman HM. Controle Hormonal da Reprodução na Mu- lher: GravidC'L e Lactação. ln:Johnson LR. Fundamentos da Fi>iologia Médica. 2' cd. 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