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7 O PODER DO ESTADO 1. Do conceito de poder — 2. Imperatividade e natureza integrativa do poder estatal — 3. A capacidade de auto-organização — 4. A unidade e indivisibilidade do poder — 5.0 princípio de legalidade e legitimidade — 6. A soberania. 1. Do conceito de poder Elemento essencial constitutivo do Estado, o poder representa sumariamente aquela energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a unida, coesa e solidária. Autores há que preferem defini-lo como “a faculdade de tomar decisões em nome da coletividade” (Afonso Arinos). Com o poder se entrelaçam a força e a competência, compreendida esta última como a legitimidade oriunda do consentimento. Se o poder repousa unicamente na força, e a Sociedade, onde ele se exerce, exterioriza em primeiro lugar o aspecto coercitivo com a nota da dominação material e o emprego freqüente de meios violentos para impor a obediência, esse poder, não importa sua aparente solidez ou estabilidade, será sempre um poder de fato. Se, todavia, busca o poder sua base de apoio menos na força do que na competência, menos na coerção do que no consentimento dos governados, converter-se-á então num poder de direito. O Estado moderno resume basicamente o processo de despersonalização do poder, a saber, a passagem de um poder de pessoa a um poder de instituições, de poder imposto pela força a um poder fundado na aprovação do grupo, de um poder de fato a um poder de direito. No vocabulário político ocorre com freqüência o emprego indistinto das palavras força, poder e autoridade. Exigências de clareza porém recomendam a correção dos abusos aqui perpetrados. A nosso ver, a força exprime a capacidade material de comandar interna e externamente; o poder significa a organização ou disciplina jurídica da força e a autoridade enfim traduz o poder quando ele se explica pelo consentimento, tácito ou expresso, dos governados (quanto mais consentimento mais legitimidade e quanto mais legitimidade mais autoridade). O poder com autoridade é o poder em toda sua plenitude, apto a dar soluções aos problemas sociais. Quanto menor a contestação e quanto maior a base de consentimento e adesão do grupo, mais estável se apresentará o ordenamento estatal, unindo a força ao poder e o poder à autoridade. Onde porém o consentimento social for fraco, a autoridade refletirá essa fraqueza; onde for forte, a autoridade se achará robustecida. Com respeito ao poder do Estado, urge considerá-lo através dos traços que lhe emprestam a fisionomia costumeira, alguns dos quais comportam intermináveis debates relativos ao seu caráter contingente ou absoluto. Esses traços são: a imperatividade e natureza integrativa do poder estatal, a capacidade de auto-organização, a unidade e indivisibilidade do poder, o princípio de legalidade e legitimidade e a soberania. 2. Imperatividade e natureza integrativa do poder estatal A Sociedade, termo genérico, abrange formas específicas de organização social, cuja distinção se faz pelos objetivos, pela extensão e pelo grau de intensidade dos laços que prendem os indivíduos aos diversos tipos de associação conhecidos, que vão desde as sociedades religiosas até aquelas de cunho meramente recreativo. O Estado, posto que seja uma forma de sociedade, não é a única, nem a mais vasta, conforme lembra Del Vecchio, pois coexiste com outras que lhe são anteriores no plano histórico, como a Família, ou o ultrapassam na dimensão geográfica e nos quadros de participação, como sói acontecer com algumas confissões religiosas: o cristianismo, por exemplo, no qual se filiam povos de vários Estados. Que traço essencial resta assim para separar o Estado, como organização do poder, das demais sociedades que exercem também influência e ação sobre o comportamento de seus membros? Inquestionavelmente, esse traço fundamental se cifra no caráter inabdicável, obrigatório ou necessário da participação de todo indivíduo numa sociedade estatal. Nascemos no Estado e ao menos contemporaneamente é inconcebível a vida fora do Estado. Ao passo que as demais associações são de participação voluntária, conservando sempre livre aos seus membros a porta de entrada e saída, o Estado, que possui o monopólio da coação organizada e incondicionada, não somente emite regras de comportamento senão que dispõe dos meios materiais imprescindíveis com que impor a observância dos princípios porventura estatuídos de conduta social. Atua o Estado por conseguinte na ambiência coletiva, quando necessário, com a máxima imperatividade e firmeza, formando aquele vasto círculo de segurança e ação no qual se movem outros círculos menores dele dependentes ou a ele acomodados, que são os grupos e indivíduos, cuja existência ganha ali certeza e personificação jurídica. Examinada atentamente a natureza do poder estatal, verifica-se que todo Estado, comunidade territorial, implica uma diferenciação entre governantes e governados, entre homens que mandam e homens que obedecem, entre os que detêm o poder e os que a ele se sujeitam. A minoria dos que impõem à maioria a sua vontade por persuasão, consentimento ou imposição material forma o governo que, tendo a prerrogativa exclusiva do emprego da força, exerce o poder estatal através de leis que obrigam, não porque sejam “boas, justas ou sábias”, mas simplesmente porque são leis, pautas de convivência, imperativos de conduta. Dispõe a autoridade governativa da capacidade unilateral de ditar à massa dos governados, se necessário pela compulsão, o cumprimento irresistível de suas ordens, preceitos e determinações de comportamento social. Ao poder do Estado aderem certos traços ou qualidades fundamentais. O primeiro é a natureza integrativa ou associativa do poder estatal, já em parte compreendida nas considerações antecedentes e que faz que o portador do poder do Estado, do ponto de vista jurídico, não seja uma pessoa física nem várias pessoas físicas, mas sempre e indispensavelmente a pessoa jurídica, o Estado.1 3. A capacidade de auto-organização O segundo traço essencial que deriva da existência do poder estatal é a sua capacidade de auto-organização. O caráter estatal de uma organização social decorre precisamente da circunstância de proceder de um direito próprio, de uma faculdade autodeterminativa, de uma autonomia constitucional o poder que essa organização exerce sobre os seus componentes. Há Estado desde que o poder social esteja em condições de elaborar ou modificar por direito próprio e originário uma ordem constitucional. Pouco monta que prescrições jurídicas venham embaraçar ou circunscrever a extensão dessa capacidade ou tirar-lhe o princípio de exclusividade como acontece por exemplo no caso das organizações federativas. Existindo instrumento autônomo de poder financeiro, policial e militar com capacidade organizadora e regulativa aí existirá o Estado.2 4. A unidade e indivisibilidade do poder A indivisibilidade do poder configura outra nota característica do poder estatal. Significa que somente pode haver um único titular desse poder, que será sempre o Estado como pessoa jurídica ou aquele poder social que em última instância se exprime, segundo querem alguns publicistas, pela vontade do monarca, da classe ou do povo. O princípio de unidade ou indivisibilidade do poder do Estado resulta historicamente da superação do dualismo medievo que repartia o poder entre o príncipe e as corporações, dotadas estas por vezes de um poder de polícia e jurisdição, quebem exprimia a concepção jusprivatista e patrimonial imperante na sociedade ocidental até o século XVI. Com a noção de unidade e indivisibilidade do poder, aufere o Estado moderno um de seus postulados essenciais que, desprendendo o poder do Estado do poder pessoal do governante, permite compreender a comunidade regida fora das concepções civilistas do direito de propriedade, dominantes no período medievo. Cumpre distinguir a titularidade do poder estatal do exercício desse mesmo poder, conforme adverte Kuechenhoff. Titulares do poder são aquelas pessoas cuja vontade se toma como vontade estatal. Essa vontade, expressando o poder do Estado, se manifesta através de órgãos estatais, que determinam em seus atos e decisões o caráter e os fins do ordenamento político. Dá o citado autor alemão a esse respeito claro e persuasivo exemplo com o que se passa no Estado democrático contemporâneo. A titularidade do poder estatal pertence aqui ao povo; o seu exercício, porém, aos órgãos através dos quais o poder se concretiza, quais sejam o corpo eleitoral, o Parlamento, o Ministério, o chefe de Estado, etc.3 A distinção acima enunciada faculta compreender a contradição aparente que resultaria do postulado essencial da unidade do poder contraposto ao princípio da chamada separação de poderes consagrado pela teoria constitucional e elaborado por Montesquieu em Do Espírito das Leis (1748). O poder do Estado na pessoa de seu titular é indivisível: a divisão só se faz quanto ao exercício do poder, quanto às formas básicas de atividade estatal. Distribuem-se através de três tipos fundamentais para efeito desse mesmo exercício as múltiplas funções do Estado uno: a função legislativa, a função judiciária e a função executiva, que são cometidas a órgãos ou pessoas distintas, com o propósito de evitar a concentração de seu exercício numa única pessoa. Não menos falaz vem a ser a pretendida quebra do axioma da unidade do poder do Estado em face da existência do Estado federal. A União e os Estados-membros não compõem subjetivamente duas vontades distintas, portadoras do poder estatal, o qual se conserva referido a uma só pessoa, a um único titular. Houve tão-somente divisão do objeto, das tarefas, dos trabalhos e assuntos pertinentes à ação do Estado, em suma, na boa linguagem jurídica, divisão de competência e não do poder do Estado propriamente dito. 5. O principio de legalidade e legitimidade Autores há que fazem da legalidade e legitimidade condições essenciais do poder do Estado tanto quanto da capacidade constitucional e da indivisibilidade desse mesmo poder. Outros porém trilhando via oposta, entendem que a noção de legalidade e legitimidade não pertence à caracterização do poder, nem constitui sequer traço do poder estatal. 6. A Soberania A soberania, que exprime o mais alto poder do Estado, a qualidade de poder supremo (suprema potestas), apresenta duas faces distintas: a interna e a externa. A soberania interna significa o imperium que o Estado tem sobre o território e a população, bem como a superioridade do poder político frente aos demais poderes sociais, que lhe ficam sujeitos, de forma mediata ou imediata. A soberania externa é a manifestação independente do poder do Estado perante outros Estados. 1. Friedrich Giese, Allgemeines Staatsrecht, p. 20. 2. G. Jellinek, Allgemeine Staatslehre, 3ª ed., pp. 427-504. 3. Guenther e Erich Kuechenhoff, Allgemeine Staatslehre, pp. 42-43.
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