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A educação na Europa pós socialista

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A EDUCAÇÃO NA EUROPA POS-SOCIALISTA 
Cândido Alberto Gomes 
Série Documental: Antecipações, n.l, junho/1993 
DIRETOR 
Divonzir Arthur Gusso 
COORDENADORA DE PESQUISA 
Margarida Maria Souza de Oliveira 
COORDENADORA DE ADMINISTRAÇÃO 
Medusa Rego Nascimento 
COORDENADOR DE ESTUDOS DE 
POLÍTICAS PÚBLICAS 
Tancredo Maia Filho 
GERENTE DO PROGRAMA EDITORIAL 
Arsênio Canísio Becker 
GERENTE DO CENTRO DE INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS EM EDUCAÇÃO 
Gaetano Lo Mônaco 
RESPONSÁVEL EDITORIAL 
Tânia Maria Castro 
DIAGRAMAÇÃO ELETRÔNICA 
Francisco Edilson de C. Silva 
Tânia Maria Castro 
Apoio Gráfico 
Maria Madalena Argentino 
SERIES DOCUMENTAIS: 
Antecipações 
Avaliação 
Estudos de Políticas Públicas 
Eventos 
Inovações 
Relatos de Pesquisa 
Traduções 
Série Documental: Antecipações, 1 
Tiragem: 300 exemplares 
INEP - Gerência do Sistema Editorial 
Campus da UnB, Acesso Sul 
Asa Norte 
70910-900 Brasília - DF 
Fone: (061) 347 8970 
Fax: (061) 273 3233 
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DESPORTO - MEC 
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS 
EDUCACIONAIS 
A EDUCAÇÃO NA EUROPA 
PÓS-SOCIALISTA 
Cândido Alberto Gomes* 
* Professor das Faculdades Integradas da Católica 
de Brasília. Presidente da Sociedade Brasileira de 
Educação Comparada. Presidente do Comitê de 
Pesquisa do Conselho Mundial das Sociedades de 
Educação Comparada. 
Brasília/1993 
APRESENTAÇÃO 
Uma das funções institucionais do INEP consiste em prover e estimular a 
disseminação e discussão de conhecimentos e informações sobre educação, visando ao 
seu desenvolvimento e domínio público, através de sua produção editorial. 
Com o objetivo de contribuir para a democratização de parte desses conhecimen-
tos, de modo mais ágil e dinâmico, o INEP criou recentemente as Séries Documentais, 
com o mesmo desenho de capa: elas formam um novo canal de comunicações, 
diversificado quanto a público, temática e referenciaçáo; abrangendo vários campos, elas 
podem alcançar, com tiragens monitoradas, segmentos de público com maior presteza e 
focalização; cada série poderá captar material em diferentes fontes (pesquisas em anda-
mento ou concluídas, estudos de caso, papers de pequena circulação, comunicações feitas 
em eventos técnico-científicos, textos estrangeiros de difícil acesso, etc). 
São as seguintes as séries: 
1. Antecipações tem o objetivo de apresentar textos produzidos por pesquisado-
res nacionais, cuja circulação está em fase inicial nos meios acadêmicos e técnicos. 
2. Avaliação tem o objetivo de apresentar textos e estudos produzidos pela 
Gerência de Avaliação. 
3. Estudo de Políticas Públicas tem o objetivo de apresentar textos e documentos 
relevantes para subsidiar a formulação de políticas da Educação. 
4. Eventos tem o objetivo de publicar textos e conferências apresentados em 
eventos, quando não se publicam seus anais. 
5. Inovações tem o objetivo de apresentar textos produzidos pelo Centro de 
Referências sobre Inovações e Experimentos Educacionais (CRIE). 
6. Relatos de Pesquisa tem o objetivo de apresentar relatos de pesquisas 
financiadas pelo INEP. 
7. Traduções tem o objetivo de apresentar traduções de textos básicos sobre 
Educação produzidos no Exterior. 
SUMARIO 
INTRODUÇÃO 9 
A EDUCAÇÃO SOCIALISTA 10 
A CRISE DOS ANOS 80 13 
A EDUCAÇÃO EM MUDANÇA 16 
A Educação na União Soviética 17 
A Educação na Tcheco-Eslováquia 19 
A Educação na Polônia 22 
CONCLUSÕES (OU "CARAPUÇAS" PARA A AMÉRICA LATINA) 25 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 27 
INTRODUÇÃO 
A bela cidade de Praga é um dos cenários 
das transformações sofridas pela sociedade 
e pela educação no Centro e no Leste da 
Europa. Continua o mesmo o admirável 
conjunto de prédios barrocos, muitos com 
suas fachadas elaboradamente pintadas e 
esculpidas. O Moldávia prossegue em seu 
leito e os cisnes brancos continuam a 
desfilar, indiferentes às mudanças polí-
tico-econômicas. O cartão de visitas para 
quem sai do aeroporto na primavera é um 
imenso campo recoberto de flores brancas, 
embora nem tudo sejam flores na transição 
atualmente vivida. Saúdam-se a liberdade 
e o corte de laços de dependência com a 
ex-União Soviética, porém o reverso da 
medalha é o incremento da pobreza ab-
soluta, o declínio dos salários reais, a 
inserção do desemprego na paisagem e os 
duros ajustes econômicos, em parte seme-
lhantes aqueles vividos pela América Lati-
na. A educação vive momento de grandes 
mudanças. A sua própria base axiológica 
sofre alterações, com a reformulação de 
currículos, programas e métodos, tendo em 
vista formar para a nova cidadania demo-
crática. Em Bratislava, no ano passado, o 
Secretariado do Conselho da Europa e a 
Unesco realizaram significativa conferência 
sobre "A educação para uma cidadania 
democrática na Europa", visando à revisão 
de programas de educação de 2° grau. 
Enquanto isso, obsolesceu grande quan-
tidade de livros-texto, sobretudo na área 
de ciências sociais. São também muito 
amplas as necessidades de treinamento de 
professores, cujos salários, pelo menos na 
maioria dos países, estão em queda franca. 
Têm surgido escolas particulares, caras, 
porém muito disputadas pela população 
por fugirem ao velho formulário. 
Na vizinha Hungria, embora as mudanças 
tenham começado muito antes da revolu-
ção de veludo tcheco-eslovaca, com aber-
tura para o capital estrangeiro e empresas 
particulares, o trauma da transição não é 
fácil. Já não existem mais restrições ou 
contato de educadores do exterior, como 
outrora, mas as faces das pessoas retratam 
as preocupações do desemprego e do 
empobrecimento. Em Budapeste o fluxo de 
turistas aumentou ainda mais nas belas 
pontes que cruzam o Danúbio e no antigo 
Castelo, que se debruça, entre as colinas 
verdejantes de Buda, sobre o rio e a planí-
cie de Peste. Entretanto, ainda que os 
preços sejam relativamente baixos para os 
visitantes das sociedades capitalistas avan-
çadas, eles são sufocantes para os cidadãos 
do país. A sociedade busca enfrentar os 
desafios da competitividade e da liberdade 
numa situação em que o velho não é mais 
útil e o novo é ainda incerto. 
O autor guarda recordações da par-
ticipação em congressos de educação com-
parada realizados antes e depois das trans-
formações de 1989. Setor de alto risco para 
o ancien regime, a educação comparada e 
internacional representava o contato sub-
versivo, que poderia marcar corações e 
mentes de educadores. Antes da abertura, 
a Hungria, com sua admirável hospitalida-
de, foi anfitriã de um congresso europeu 
deste campo, se bem que dele não tives-
sem podido participar os educadores 
húngaros da nova geração. Já em 1992, 
como marco do reatamento das relações 
com todo o mundo, Praga acolheu o VIII 
Congresso Mundial de Educação Com-
parada. Apesar destas visitas e numerosos 
contatos com colegas do Centro e Leste 
europeu, o autor não cedeu à tentação de 
fazer uma análise impressionística. Tudo o 
que não constitui dado científico serviu 
apenas como discreto pano de fundo. Ten-
do em vista apresentar uma análise su-
mária da realidade de alguns países, cin-
gimo-nos apenas à literatura especializada. 
Assim, este trabalho começa por situar a 
educação socialista, suas realizações e seu 
posicionamento na Europa. Em seguida, 
apresenta um panorama sumário das 
p r i n c i p a i s t r a n s f o r m a ç õ e s econô-
mico-sociais e políticas ocorridas nos úl-
timos anos. Em prosseguimento, oferece 
uma visão mais pormenorizada das mu-
danças educacionais ocorridas na ex-União 
Soviética, na Tcheco-Eslováquia e na Polô-
nia. As conclusões incluem algumas ilações 
de interesse para a América Latina. 
A leitura deste trabalho, entretanto, requer 
cautela. Ele é a fotografia (não o filme) de 
uma paisagem in fieri. Como no deserto o 
vento muda as dunas do dia para anoite, 
de modo que o viajante encontra, ao acor-
dar, um panorama diferente daquele que 
viu ao anoitecer, o Centro e o Leste euro-
peus estão em rápida mutação. Por isso, o 
que aqui escrevemos deve ser relativizado, 
inclusive pela dificuldade de acesso à 
literatura nas línguas originais. Exemplo 
vivo das mudanças é o "divórcio de velu-
do" das Repúblicas Tcheca e Eslovaca. O 
próprio autor, se permanecesse por mais 
tempo em sua viagem, poderia ter no seu 
passaporte o carimbo de entrada num país, 
a Tcheco-Eslováquia, e o carimbo de saída 
de outro, a República Tcheca. Afinal, se-
riam ossos do ofício. 
A EDUCAÇÃO SOCIALISTA 
Marx dedicou pouco espaço em sua obra à 
educação, o que indica não ter sido este 
um dos setores de que esperou contribui-
ção mais substancial para o estabelecimen-
to de uma sociedade revolucionária. Se-
gundo ele, a educação é peculiar no sen-
tido de que "...de um lado, é preciso que as 
circunstâncias sociais mudem para que se 
estabeleça um sistema adequado de educa-
ção, mas, de outro lado, é necessário um 
sistema educacional adequado para pro-
duzir-se a mudança das circunstâncias 
sociais" (Marx, 1964). Em coerência, Lenine 
considerou que a revolução deve preceder 
a reconstrução cultural, ficando num papel 
subordinado, sob controle governamental, 
servindo à luta de classes por meio da 
conscientização das massas (Lilge, 1978, 
p.556). Neste papel, a tônica foi a da edu-
cação politécnica, ou seja, a combinação de 
trabalho produtivo, educação mental, 
exercício físico e treinamento politécnico. A 
abolição da divisão de trabalho, segundo 
Marx, requer a associação de trabalho 
manual e intelectual, encarregando-se a 
educação, assim, da preparação das pes-
soas para os novos papéis a elas des-
tinados na sociedade socialista (Gomes, 
1989). 
Com base nestes fundamentos teóricos, a 
educação nos países socialistas alcançou 
com freqüência resultados significativos. O 
sistema escolar se expandiu rapidamente, 
atingindo todos os grupos sociais, inclusive 
e especialmente aqueles que estavam à 
margem do poder, como camponeses, 
operários, mulheres e minorias étnicas. A 
escolaridade, como indicadora de com-
petência técnica e socialização política, 
tornou-se critério axial do posicionamento 
dos indivíduos na sociedade. Clã, parentes-
co, lugar de nascimento, etnia, raça, reli-
gião e relações pessoais se tornaram muito 
menos importantes que a escolaridade no 
emprego e no recrutamento para posições 
de autoridade. Caminhou-se para socieda-
des baseadas no mérito, mesmo onde se 
encontravam reminiscências do regime 
feudal (Jamoff, 1991). 
Todavia, embora aliada à abolição da 
propriedade privada, as sociedades socia-
listas enfrentaram dois problemas, entre 
outros: o burocratismo do Estado, que 
dificultou a participação dos cidadãos e 
emperrou o setor, reduzindo-lhe a eficiên-
cia e a qualidade, e, por outro lado, a 
perda de eqüidade, à medida que as revo-
luções perderam seu ímpeto, esta-
bilizaram-se interesses e grupos e desace-
lerou-se a mobilidade social. Inúmeros 
obstáculos levaram a educação nos países 
socialistas a desvios em relação aos ideais 
originais. Parece que as demandas de 
mão-de-obra qualificada e as exigências do 
desenvolvimento econômico em geral, 
como a eficiência, são os mais sérios obstá-
culos às políticas socialistas. A insuficiên-
cia crônica de mão-de-obra, particular-
mente de pessoal científico e técnico, além 
da escassez de recursos econômicos na 
Rússia, durante o período Lenine, levaram 
à manutenção de um sistema educacional 
dualista. No período de Stalin, as escolas 
voltaram a ser livrescas e a enfatizar graus 
e exames (Lilge, 1978, p.561). Nos anos 6 0 , 
os padrões de desigualdade no acesso à 
educação de 39 grau, relacionados em nível 
de escolaridade, ocupação e aspirações dos 
pais, continuavam a ser um assunto muito 
importante da União Soviética (Dobson, 
1978). 
Em Cuba, a demanda de mão-de-obra es-
pecializada, segundo Carnoy e Wertheim 
(1978, p.583), levou a uma tendência elitis-
ta, em virtude da seleção baseada no apro-
veitamento escolar para certas escolas de 
2- grau que, por sua vez, conduzem à uni-
versidade. Segundo aqueles autores, esta 
tendência pode facilitar a autoperpetuação 
de uma elite por meio da educação. 
No que tange à Europa Central e Oriental, 
um estudo comparativo realizado com 
amplas amostras de jovens urbanos, focali-
zando origens sociais e familiares, educa-
ção e trabalho, na Bulgária, Hungria, Tche-
co-Eslováquia e União Soviética evidenciou 
grandes diferenças de oportunidades edu-
cacionais entre estes países. Em qualquer 
caso, foi observado um notável crescimen-
to da realização educacional daqueles 
países, mas os padrões de oportunidades 
(ou os melhoramentos realizados) diferiam 
significativamente, apesar de os quatro 
países esposarem a mesma ideologia e 
pertencerem ao mesmo bloco. A União 
Soviética e a Bulgária mostraram as mais 
baixas barreiras sociais na educação. Já a 
Tcheco-Eslováquia revelou uma estrutura 
relativamente fechada, ao passo que a 
Hungria e a Polônia ocuparam posições 
intermediárias. 
Uma visão do desempenho dos sistemas 
educacionais do Leste e Centro europeus 
encontra-se nas tabelas 1 e 2. Antes de 
mais nada, deve-se assinalar que o regime 
socialista partiu em alguns casos de uma 
realidade econômica muito modesta. Os 
dados mostram que os países europeus 
não incluídos na Comunidade Européia 
apresentavam o mais alto PNB per capita e 
menor variação em torno da média. Se-
guem-se a Comunidade Européia, com 
maior heterogeneidade, e os antigos países 
socialistas, com o mais alto desvio padrão, 
se bem que faltem a Albânia e a República 
Democrática Alemã. O Centro e o Leste 
europeus, portanto, tinham menor renda e 
maiores disparidades sob este ponto de 
vista que o resto do continente. 
Da mesma forma, na Europa Central e 
Oriental era mais baixa a taxa bruta de 
escolaridade do ls grau, com valores in-
feriores a 100 e altas medidas de dispersão, 
o que indica a existência de crianças fora 
da escola. Também no que se refere ao 
ensino de 2° e 3º graus, os países socia-
listas apresentavam valores menores, 
enquanto os países não incluídos na Co-
munidade Européia permaneciam na pon-
ta. Os números sugerem severa política 
contencionista do ensino de 3º grau, sobre-
tudo na Albânia e Romênia. Este indicador 
é confirmado pelo número de estudantes 
de 3º grau por 100 mil habitantes. 
No que se refere às finanças, o maior 
esforço em favor da educação, mensurado 
pela percentagem de despesas públicas 
sobre o PNB, foi efetuado pelos "outros 
países". Seguiram-se a Comunidade Euro-
péia e os países socialistas. Estes últimos 
apresentaram, ao contrário da Comunidade 
Européia, a menor dispersão em torno da 
média, embora faltassem alguns países. 
Destaque-se, porém, que a União Soviética, 
imenso país eurasiático, foi o que alcançou 
nível mais alto. Devemos lembrar, con-
tudo, que, além deste percentual, os países 
capitalistas tinham ainda as despesas 
privadas em educação. 
O percentual das despesas educacionais 
sobre o total das despesas governamentais 
indica perfil semelhante. Os países socialis-
tas alcançaram a menor média e a maior 
dispersão, sugerindo novamente desigual-
dades no seu bloco. Alguns países de 
modesto orçamento, como a Albânia e a 
Polônia, tiveram participação relativamente 
grande das despesas educacionais. O em-
perramento da máquina administrativa era 
provavelmente responsável pelo mau 
aproveitamento dos recursos e pelos mo-
destos resultados. 
Por fim, o percentual das despesas corren-
tes sobre o total indica que os países do 
Leste e Centro europeus realizaram mais 
despesas de capital que os demais. Pos-
sivelmente pelo crescimento demográfico 
maisalto em certos casos, eram construí-
das mais escolas, adquiridos mais equi-
pamentos e talvez tenham sido pagos 
salários mais baixos ao pessoal. 
Como se observa, a antiga Europa socialis-
ta situava-se num patamar visivelmente 
inferior ao restante da Europa. Todavia, 
não se deve desprezar que, apesar da falta 
de alguns dados, os indicadores educacio-
nais em tela não se encontram tão distan-
tes dos outros dois grupos quanto o PNB 
per capita. 
A CRISE DOS ANOS 80 
Uma das melhores definições sobre a 
situação a partir de 1989 é que a Europa 
das incertezas tomou o lugar da Europa da 
guerra fria (Marés, 1991). As mudanças 
ocorridas no Leste resultaram basicamente 
da nova orientação impressa por Gor-
batchev ao bloco soviético, à decadência 
dos Partidos Comunistas e ao ressurgimen-
to da sociedade civil. Quando, após a 
Segunda Guerra Mundial, o Leste europeu 
passou à órbita da União Soviética, os 
vencedores escreveram uma nova história, 
ligada ao internacionalismo socialista, que 
obscureceu — mas nunca apagou — as 
identidades nacionais e étnicas reor-
ganizadas pela superpotência emergente. 
Os anos da reconstrução e industrialização, 
que entraram pelo decênio dos 50, carac-
terizaram-se per acelerado crescimento 
econômico e pela ativa mobilidade estrutu-
ral ascendente. Portanto, concretizava-se 
no seio e no horizonte das sociedades a 
utopia da ascensão pelo mérito, pela edu-
cação e pelo engajamento político, par-
ticularmente na Hungria, Polônia e Tche-
co-Eslováquia. A partir dos anos 60, entre-
tanto, ocorreu uma desaceleração do fluxo 
de mobilidade, tanto inter quanto intrage-
racional, e anunciou-se a tendência de os 
grupos sociais se auto-reproduzirem. As-
sim, na Polônia dos anos 60 o filho de um 
camponês tinha 24 vezes menos opor-
tunidades de ingressar no grupo de diplo-
mados de nível superior que o filho de um 
graduado (Mink e Szurek, 1991). Os anos 
80 agravaram esta tendência, com a crise 
econômica e o conseqüente declínio do 
valor da escolaridade como critério de 
conquista de posições sociais. Segundo 
uma pesquisa realizada na Polônia, a 
adesão aos valores políticos dominantes e 
ao Partido Comunista assim como a exten-
são do estágio no Partido eram os deter-
minantes da posição social, ou seja, as 
variáveis que davam acesso à escolaridade, 
à ocupação e à renda. Ao mesmo tempo 
que a burocratização dificultava a produ-
ção e circulação de bens, desenvolveu-se a 
economia paralela, ensejando altos ganhos 
para pessoas que praticamente não neces-
sitavam de competências adquiridas na 
escola. 
A caixa de Pandora do nacionalismo, das 
etnias e do descontentamento aproximava-
se cada vez mais do ponto de abertura — 
ou, em certos casos, de explosão. 
No caso da União Soviética devemos as-
sinalar que os anos 80 foram particular-
mente adversos para a agricultura. Secas 
freqüentes, bem como estocagem e trans-
portes inadequados, levaram à crise do 
abastecimento e à dependência de impor-
tações. Em 1989, depois de 13 anos, o país 
teve seu primeiro déficit comercial. A 
produção da indústria cresceu durante 
aquela década, mas teve um declínio de 
1,2% em 1990. No início desse ano, 3,5% 
da força de trabalho se encontravam de-
sempregados, um valor muito alto para 
um país até pouco tempo oficialmente sem 
desempregados. No primeiro trimestre de 
1991 a produção em geral havia declinado 
12%, enquanto cresciam a inflação, o de-
semprego e a dívida externa (Soviet Union, 
1991). 
O descontentamento com a burocratizada 
máquina produtiva estatal mostrou, no 
meio dos anos 80, que seria preciso empre-
ender grandes reformas. Além disso, pres-
sionavam os problemas de dissidências 
políticas, nacionalismo étnico ou regional 
e religião. As respostas de Gorbatchev, 
eleito Secretário Geral do Comitê Central 
do Partido Comunista em 1985, sin-
tetizaram-se na campanha por crescente 
glasnost (transparência) e perestroika (rees-
truturação), compreendendo a gradual 
liberalização política e econômica. Como é 
amplamente sabido, o governo de Gor-
batchev foi marcado por crises que cul-
minaram com o seu afastamento tem-
porário por forças contrárias às reformas. 
A ascensão cada vez maior de Yeltsin, 
presidente da Rússia, refletiu o desejo de 
reformas mais radicais, de proscrição do 
Partido Comunista e de dissolução da 
própria União Soviética. O declínio sovié-
tico como superpotência encerrou o ciclo 
da guerra fria e rompeu as amarras que a 
ela prendiam, desde o pós-guerra, os 
países do Leste europeu. 
Nestes países, em compensação, os proces-
sos não foram tão traumáticos. Um exem-
plo é a Hungria, que começou suas mu-
danças econômicas muito tempo antes, 
abrindo-se para o capital estrangeiro e 
permitindo a formação de empresas coope-
rativas, ao lado do setor estatal da econo-
mia. Protestos por maior liberdade de 
imprensa, de associação e reformas estru-
turais ganharam corpo a partir de 1988. 
Em sucessivas conferências do Partido 
Comunista foram aprovadas alterações de 
programas e de pessoal. Em 1989 o Comitê 
Central do Partido concordou em apoiar a 
transição para um regime multipartidário. 
Em outubro foi proclamada a República da 
Hungria. As primeiras eleições livres e 
multipartidárias ocorreram em 1990. For-
mou-se então uma coalizão partidária para 
o governo, que, no entanto, enfrentou 
duros reveses nas eleições locais do mes-
mo ano, atribuídos à sua incapacidade de 
enfrentar o aumento da inflação e do 
desemprego. Com efeito, após uma década 
de crescimento do PNB per capita, a Hun-
gria passou a enfrentar sérios problemas 
econômicos. Em 1989, a par do grande 
déficit orçamentário, a taxa anual de infla-
ção atingiu 35%. Em abril de 1991 o de-
semprego chegou a 3,4% da força de traba-
lho. A contínua deterioração econômica 
levou o governo a adotar severo programa 
de austeridade, com reduções drásticas dos 
subsídios para alimentação e habitação. Ao 
final de 1989 cerca de 1/5 da população 
vivia abaixo do nível nacional de subsis-
tência (Hungary, 1991). 
. A Tcheco-Eslováquia, por seu lado, viveu 
uma revolução relativamente pacífica, 
conhecida como "revolução de veludo", ao 
lado, porém, de sérias dificuldades na 
economia. A pressão por reformas econô-
micas e políticas cresceu cada vez mais a 
partir dos anos 80, sem que as alterações 
do governo atendessem às demandas. O 
ano de 1989 foi marcado por dramáticas 
manifestações em favor da democracia. Em 
novembro desse ano constituiu-se o Fórum 
Cívico, abrangendo várias organizações de 
oposição e de defesa dos direitos humanos. 
Com isso e estimuladas pela queda do 
regime nos países vizinhos, aumentaram as 
demonstrações até que foi formado um 
governo de transição, constituído em maio-
ria por não comunistas. Em janeiro de 1990 
realizaram-se conversações entre partidos 
e grupos para preparar as primeiras elei-
ções legislativas livres do país, que vieram 
a realizar-se em junho. No segundo semes-
tre verificou-se crescente inquietação na 
Eslováquia, à medida que partidos e gru-
pos reivindicavam autonomia (Czechos-
lovakia, 1991). O processo culminou com o 
chamado "divórcio de veludo" em 1993, 
pelo qual a República Tcheca — predomi-
nantemente industrial, onde novas eleições 
conduziram a um governo de centro-direi-
ta e ao apoio a um programa de ajuste 
econômico ortodoxo — separou-se da 
República Eslovaca — predominantemente 
agrária, com um governo de centro-esquer-
da, opositor das reformas econômicas 
neoliberais. A divisão do país, cujo PNB 
vinha declinando na década de 80, poderá 
melhorar as perspectivas para a Tchéquia, 
enquanto provavelmente dificultará ainda 
mais a situação da Eslováquia. Exemplo 
disso está na tendência contínua de o 
desemprego declarado ser maior na última 
que na primeira. No primeiro trimestre de 
1991 taisdados eram, respectivamente, de 
3,7% e 2% da força de trabalho (Kápl, 
Sojka e Tepper, 1991). 
Passando à Polônia, o Solidariedade, movi-
mento sindical que surgira fora da buro-
cracia do Estado, tornou-se, ao longo do 
decênio de 80, uma força política, com 
base na luta por melhores salários e nos 
protestos contra a administração econô-
mica e política do país. Entre 1980 e 1989 
o PNB per capita declinou, em valores reais, 
a uma taxa anual de 1,8% (Poland, 1991). 
A imposição da lei marcial em 1981 pôde 
ajudar a enfraquecer, mas não destruir o 
movimento, que foi movido por um des-
contentamento popular crescente com as 
condições do país. Em 1989 o governo 
concordou com a reemergência do Solida-
riedade como um movimento nacional 
desde que este desse apoio às reformas 
propostas pelo governo do general Jaru-
zelski. Eleições livres levaram, afinal, 
depois de quase 45 anos, um membro do 
Solidariedade ao poder, Mazowiecki se 
tornou primeiro-ministro. Em 1990 houve 
as primeiras eleições plenas e livres. 
Em contraste com a crescente liberdade 
política, a Polônia enfrentou graves proble-
mas econômicos. Em 1990 o PNB declinou 
13,5%, a produção agrícola, que vinha 
aumentando, reduziu-se em 1% e a produ-
ção industrial baixou quase 2% em 1989. O 
setor público sofreu progressiva redução, 
enquanto os salários por ele pagos só em 
1990 caíram 28% em termos reais. O de-
semprego, que era de 6,1% em dezembro 
de 1990, passou da barreira dos 10% em 
1991. Dos desempregados 61,1% tinham, 
em junho de 1991, entre 15 e 34 anos e 
68,3% eram operários (Mink e Szurek, 
1991). A administração de uma grande 
dívida externa, aliada à vulnerável situação 
econômico-financeira, levou a Polônia a 
negociar com o FMI um duro programa de 
estabilização econômica (Poland, 1991). 
Ao contrário das repúblicas precedentes, as 
transformações dos países socialistas bal-
cânicos não podem ser resumidas como 
revoluções de veludo. Na Romênia a depo-
sição de Ceausescu se revestiu de caráter 
sangrento. A Albânia, com sua economia 
agrária e sua ultra-ortodoxia socialista, 
também sofreu profundos abalos. A Iugos-
lávia , com seus problemas étnicos e nacio-
nais, desintegrou-se e hoje é marcada 
barbaramente pela guerra civil. As mudan-
ças na Bulgária, apesar da instabilidade da 
situação político-partidária, não teve um 
processo tão traumático quanto os vizinhos 
mencionados. De qualquer forma, estes 
países se caracterizam por uma luta mais 
ferrenha entre as forças contrárias e favorá-
veis ao ancien regime. Com uma economia 
burocratizada e de fortes bases rurais, em 
muitos casos, as forças aliadas aos antigos 
Partidos Comunistas lutavam e lutam 
tenazmente no novo cenário político. E-
xemplo disso foi a intervenção dos minei-
ros romenos nos protestos de Bucareste, a 
pedido do governo de Iliescu. Há também 
a questão das minorias étnicas, como os 
turcos na Bulgária e os húngaros na Es-
lováquia, Romênia e Sérvia, motivo contí-
nuo de conflitos. Em face deste panorama, 
a economia enfrenta o terremoto das mu-
danças políticas, com declínio do PNB, 
aumento do desemprego e da inflação e 
depreciação dos salários, tornando ainda 
mais difícil o consenso político e a recupe-
ração dos respectivos países. 
Exceção em parte neste panorama foi a 
República Democrática Alemã. Apesar de 
uma transição mais suave, facilitada pela 
reunificação alemã, nem por isso, porém, a 
nova convivência se faz isenta de pesados 
sacrifícios econômico-financeiros para os 
antigos lados ocidental e oriental. O radi-
calismo de certas posições políticas reflete 
a situação do país e se torna um complica-
dor de grande projeção internacional, que 
se traduz às vezes em exaltadas ger-
manofilia e germanofobia. 
Conforme Marés (1991), no fundo o Leste 
e o Centro europeus devem resolver hoje 
os problemas com que a Europa Ocidental 
se defrontou em 1945 e que superou graças 
à ajuda externa. Como conclui o autor, 
caso a democracia se torne sinônimo de 
recessão econômica, seu futuro será duvi-
doso numa região onde a autarquia, as 
tentativas de hegemonia e, sobretudo, os 
populismos têm profundas raízes. 
A EDUCAÇÃO EM MUDANÇA 
Paradoxalmente, ainda que estudantes, 
professores e intelectuais tenham um papel 
primordial na transformação política dos 
países em tela, a educação não é em geral 
setor de alta prioridade política. Ao contrá-
rio, ela muitas vezes aparece como um 
setor secundário, em torno do qual é difícil 
alcançar certo consenso. Pior ainda, é 
vítima, junto com outras áreas sociais, de 
cortes orçamentários que obedecem via de 
regra à ótica neoliberal. Se antes, com o 
intuito de elevar a eqüidade, a educação 
foi estatizada e submetida a controles 
centralizadores e à padronização nacional 
de currículos, o passar do tempo, ainda no 
regime socialista, estabeleceu uma diferen-
ciação de qualidade. Os grupos mais a-
quinhoados presidiram à sua privatização 
oculta, como meio de fazer face à deterio-
ração qualitativa (Mink e Szurek, 1991). 
Hoje, com a crise do Estado, o declínio do 
PNB e das receitas fiscais, a privatização e 
a descentralização — muitas vezes sem os 
correspondentes recursos — estabelecem-se 
linhas claras de contraste, em termos de 
acesso, qualidade e eqüidade. Operários, 
camponeses, migrantes, mulheres, desem-
pregados são os novos pobres. De outro 
lado, têm acesso à melhor educação, em 
especial nas escolas particulares renovadas, 
os novos empresários, tenham fortuna 
especulativa ou não, e talvez uma incerta 
classe média. Quanto à velha nomenklatu-
ra,parece que uma parte se enriqueceu, 
valendo-se das preciosas informações 
econômicas que monopolizava em suas 
funções no Estado. No entanto, o assunto 
é controvertido. 
Buscando traçar um panorama, podemos 
dizer que, nos anos 70, as reformas educa-
cionais procuraram fazer face aos proble-
mas de qualidade com maior centralização. 
E claro que estas iniciativas falharam, de 
modo que as novas democracias enfrentam 
o clamor pela flexibilização, pela diver-
sificação curricular, pela autonomia univer-
sitária, pelo atendimento às minorias ét-
nicas e às diferentes nacionalidades. Em 
face disso, contam com escassos recursos 
fiscais e instabilidade política, que não lhes 
permite delinear políticas duradouras para 
a educação, com valores, objetivos e estra-
tégias claros. Freqüentemente a educação 
é objeto de transações políticas, sem mu-
danças efetivas (Darvas, 1991). 
Neste ninho de insatisfações, a Alemanha 
parece ser em parte uma exceção. O sis-
tema do Leste, considerado dos mais avan-
çados do bloco socialista, está sendo reor-
ganizado segundo a estrutura básica do 
lado ocidental, numa estratégia prudente 
de mudança gradativa. Discute-se ainda o 
que fazer com o ensino médio que, na 
República Democrática Alemã, tinha um 
ano a menos de duração que na República 
Federal da Alemanha (Kuebart, 1992). 
Não sendo possível, porém, esboçar um 
panorama completo da Europa Central e 
Oriental, deter-nos-emos adiante na reali-
dade de três países, em relação aos quais 
as fonte são relativamente mais acessíveis. 
A Educação na União Soviética 
Antes que os governos pós-socialistas do 
Centro e Leste europeus tentassem suas 
reformas, a União Soviética buscou efetuar 
as suas. O descontentamento tão bem 
captado por Gorbatchev motivou a peres-
troika como um meio de enfrentar os desa-
fios e de frear a decadência, a corrupção e 
a desintegração do país. Tratava-se de 
momento histórico em que sopravam 
ventos de forte insatisfação com as buro-
cracias estatais, quer no Leste, quer no 
Oeste, onde pontificavam líderes como 
Thatcher e Reagan. Gorbatchev exerceu 
então o seu carisma como um antídoto às 
tradicionais lideranças burocráticas, de 
caráter gerontocrático, do seu país (Mc-
Lean e Voskresenskaya,1992). As refor-
mas, aceleradas entre 1985 e 1988, tiveram 
ímpeto cada vez menor a partir de então. 
Seus inimigos eram poderosos, pois elas 
lutavam contra a super-regulamentação 
estatal e buscavam liberar a iniciativa e 
criatividade individuais. Como as demais 
políticas públicas do período Gorbatchev, 
elas também tinham em mira preservar o 
marxismo-leninismo. Esta tentativa de 
fazer o omelete sem quebrar os ovos foi 
certamente um dos motivos da radicaliza-
ção da oposição e do conseqüente afas-
tamento do líder, que se tornou, a partir 
de certo momento, dirigente de uma União 
Soviética em extinção. Esta busca de con-
ciliação da perestroika no setor educacional 
se reflete nos seus princípios, adotados por 
um congresso de todos os sindicatos de 
educadores em 1988: continuidade, des-
centralização, democratização, humaniza-
ção, diferenciação e integração. Com base 
nestes princípios, buscava-se criar um 
sistema de educação permanente, des-
centralizar os assuntos educacionais para a 
jurisdição das repúblicas e das autoridades 
locais; criação de conselhos de pais, es-
tudantes e professores, com funções exe-
cutivas em todos os níveis de governo; 
desenvolver o autogoverno estudantil; 
introduzir modificações curriculares para 
abranger temas como religião; aumentar o 
número de cursos optativos e proporcionar 
mais opções curriculares, pelo menos no 
ensino de 2- grau (Malkova, 1991) . 
Apesar da participação de educadores, a 
perestroika enfrentou graves obstáculos, que 
a transformaram num conjunto de boas 
intenções em grande parte não concretiza-
das. Se, de um lado, ela representou uma 
reforma de cima para baixo, sua imple-
mentação foi completamente permissiva, 
com base nos princípios de democratiza-
ção, individualização e humanização. De 
fato, os desafios requeriam respostas à 
altura. Se os recursos à época eram escas-
sos, a tendência não era nova. Os critérios 
de alocação de recursos eram rígidos e 
residuais, isto é, seguiam a tendência 
histórica, sem atentar para novas neces-
sidades, e só atendiam à educação e outros 
setores depois dos gastos militares e da 
indústria pesada. Uma vez estabelecido o 
quantum da educação, os abusos políticos, 
ideológicos e pessoais abriam as portas 
para toda sorte de desperdício. Assim, por 
exemplo, o ensino de 3º grau na União 
Soviética era um caos, onde algumas insti-
tuições excelentes ombreavam com a me-
diocridade da maioria. Nada menos que 14 
ministérios e comitês mantinham institui-
ções de ensino superior, tornando virtual-
mente impossível uma política para o setor 
(Merkuriev, 1991). Jogavam-se fora eleva-
dos recursos em valores absolutos, ao 
mesmo tempo que se convivia com a 
escassez relativa, decorrente da modesta 
prioridade concedida à educação. 
O pior é que o sistema soviético se consti-
tuiu no modelo para todo o bloco. Dessa 
forma, as prebendas da nomenklatura em 
altos cargos do sistema educacional, o 
desrespeito aos princípios do mérito e da 
produção intelectual criaram uma teia de 
abusos e ineficácia na Europa Oriental e 
Central. Por exemplo, estimava-se que 10% 
das instituições de ensino de 3º grau da 
Polônia deviam ser fechadas, por terem 
sido criadas por motivos políticos ou por 
lhes faltar qualquer vitalidade intelectual 
(Sadlak, 1991). Na Hungria, o rígido sis-
tema de aiocação de recursos, aliado às 
pressões políticas, provocou uma alar-
mante carência de espaço nas escolas de lº 
grau, obrigando as crianças a terem aulas 
em corredores, refeitórios, ginásios e até 
em escritórios, indústrias e apartamentos 
vizinhos aos estabelecimentos, numa suces-
são de eternos "planos de emergência" 
(Varga, 1991). 
Apesar de todos os pesares, entretanto, na 
União Soviética, em 1989, o currículo 
padrão havia sido praticamente abolido, 
existindo apenas a obrigatoriedade de 
cinco matérias (russo, literatura, matemáti-
ca, ciências e estudos sociais). O restante 
era um assunto das repúblicas, dos gover-
nos locais e das escolas. As humanidades 
passaram a ocupar mais da metade do 
tempo dos currículos, fazendo recuar as 
ciências. Deixou de haver livros-texto 
compulsórios únicos e os professores se 
tornaram livres para ensinar história com 
base numa variedade de perspectivas. 
Renunciou-se, portanto, ao espaço por 
excelência de ideologização. Em certas 
repúblicas, como a Geórgia, foi introduzi-
do o ensino religioso. As universidades e 
institutos passaram a dispor de completa 
autonomia acadêmica, propriedade do seu 
patrimônio e controle dos seus orçamentos. 
Ademais, declinaram ou desapareceram as 
instituições do Partido Comunista, des-
tinadas a exercer influência sobre os es-
tabelecimentos de ensino. Surgiram escolas 
particulares como opção para os pais, 
algumas de caráter acadêmico altamente 
seletivo. 
No entanto, houve graves dificuldades de 
efetuar certas mudanças efetivas. De um 
lado, os recursos se tornaram cada vez 
mais escassos, em geral apenas alguns 
rublos por ano para aquisição de equi-
pamentos e material de consumo pelas 
escolas. Os salários dos professores per-
maneceram abaixo da média nacional. As 
habitações fornecidas aos docentes rurais 
continuaram abaixo dos padrões. De outro 
lado, o velho regime foi desmantelado sem 
que houvesse outra proposta clara e decisi-
va. A autonomia liberou forças e deman-
das que não podiam ser atendidas, levan-
do ao conflito entre os atores. A isso se 
devem — além da situação geral do país 
— a crescente apatia e desinteresse de 
professores e estudantes pela educação. 
Destruída a esclerosada burocracia, o que 
fazer? (Kerr, 1990; McLean e Voskresens-
kaya, 1992). 
O agravamento da situação política e 
econômica, amplamente noticiado pela 
imprensa, levantou preocupações mais 
fundamentais que o investimento no futu-
ro, via educação. As questões passaram a 
ser do presente, com alta inflação e des-
controladas forças de mercado, tornando 
dominante a preocupação com itens de 
sobrevivência, como a obtenção de alimen-
tos, habitação e tratamento médico, e o 
enfrentamento de conflitos étnicos e nacio-
nais. A legislação liberal sobre propriedade 
do solo, aluguéis e tributação, deixou as 
instituições de ensino em má situação 
(Avis, 1992). A cobrança de anuidades se 
tornava cada vez mais inescapável, ao lado 
da multiplicação de instituições particula-
res, que procuravam cobrar preços modes-
tos por seus serviços, a fim de atender ao 
poder aquisitivo dos seus clientes. As 
empresas, por seu lado, já não têm o dever 
legal de empregar os diplomados pelo 
sistema escolar público. Também por isso, 
o desemprego em geral e o juvenil em 
particular se tornaram nova praga a as-
solar a Comunidade de Estados Indepen-
dentes. Mudanças como estas, aliadas à 
deterioração econômica e ao crescimento 
da economia paralela — em que não são 
necessárias ao enriquecimento competên-
cias adquiridas na escola — têm levado ao 
profundo desprestígio da educação. Com 
os salários em queda, os professores fazem 
greves e se evadem da profissão, junto 
com cientistas renomados (Avis, 1992). 
Esta visão desanimadora reflete os comple-
xos problemas de uma superpotência de 
dimensões continentais e de caráter mul-
tiétnico e multinacional. Desmontar o 
gigante enfraquecido é fácil, difícil é par-
tejar uma nova situação em que exista 
consenso suficiente sobre o que construir. 
Reformas educacionais custam dinheiro e 
a liberdade e autonomia não são suficien-
tes para prover os meios necessários ao 
aperfeiçoamento da educação. Ainda que 
as verbas fossem abundantes, seria impor-
tante que a autonomia e a liberdade esti-
vessem acompanhadas pela adesão a obje-
tivos comuns mínimos, para evitar o des-
perdício. Se isso não ocorre e ainda existe 
aguda escassez, o pouco de que se dispõe 
corre o risco de ser pior utilizado,agravan-
do a penúria e as tensões. 
A liderança carismática de Gorbatchev 
tentou, pois, salvar o insalvável, sem que-
rer romper inteiramente com o antigo 
regime. Porém, desencadeou forças acumu-
ladas e poderosas, que desviaram o curso 
dos acontecimentos. A sombra produzida 
por estes fatos tão dramáticos obscurece 
para o observador de hoje os méritos de 
suas reformas e a extensão do tortuoso 
caminho percorrido. O futuro é imprevisí-
vel e muito há que se reestruturar antes 
que a educação possa seguir uma linha 
ascendente. 
A Educação na Tcheco-Eslováquia 
Conforme Prucha e Walterová (1992, p.23), 
a educação na Tcheco-Eslováquia foi mar-
cada, no período socialista, pelo dualismo 
constituído pela cultura kitsch oficial, sub-
missa, que gerou uma "crise do horizonte 
absoluto" (conforme a expressão de Havei), 
e a cultura não-oficial, dissidente, subter-
rânea e emigrante, que manteve vivas as 
tradições do país. Em meio a este doloroso 
fenômeno, vigia um sistema educacional 
centralizado e uniforme, criado em 1948. 
Os educadores de hoje o definem como 
fruto do Comitê Central do Partido, es-
timulado por decisões políticas e admi-
nistrativas. A escola compreensiva foi 
abolida, bem como a atenção às diferenças 
individuais e qualquer referência a pen-
samentos e sentimentos alternativos, inclu-
sive religiosos. A reforma mais recente, de 
1976, segundo seus críticos, fez rebaixar 
ainda mais a credibilidade social e o status 
cultural da educação, pelo caráter reacioná-
rio de suas medidas. A "revolução de 
veludo", em 1989, logo reformou a Consti-
tuição, abolindo as organizações do Par-
tido em todas as escolas, universidades, 
institutos de pesquisa e outras entidades. 
Partindo do ponto de vista de que a refor-
ma educacional não deve ser implemen-
tada administrativa nem diretivamente, 
mas de baixo para cima, com o apoio de 
professores, pais e alunos, diversas modifi-
cações foram efetuadas. Como sinal da 
nova filosofia, foi realizada pesquisa sobre 
as atitudes dos pais tchecos de alunos do 
ensino de lº e 2º graus. Os resultados 
mostraram que mais de 50% dos respon-
dentes consideravam que a escola não 
desenvolvia certas competências neces-
sárias à vida, como o ensino de línguas 
estrangeiras. Por outro lado, 37% deles 
declararam que os currículos tinham maté-
rias dispensáveis, como algumas partes de 
matemática teórica. A maioria desejava 
mais diversificação do sistema escolar e 
maior flexibilidade de programas e méto-
dos. A maioria desejava também mais 
escolas particulares que competissem com 
as estatais (Prucha e Walterová, 1992). No 
entanto, analisando os dados, verificamos 
que, se aproximadamente a metade dos 
pais entrevistados era "liberal" e "radical", 
cerca de 25% eram favoráveis ao sistema 
público centralizado e cerca de 25% eram 
particularmente interessados na educação. 
Havia, pois, uma oposição ponderável, 
mesmo considerando que a pesquisa foi 
feita apenas na Tchéquia. Certamente tais 
resultados seriam menos favoráveis a 
mudanças radicais na Eslováquia. Já desde 
o início do processo percebia-se que as 
duas partes do país divergiam e chegaria 
o momento de trilhar caminhos diversos. 
A estrutura vigente até a reforma consistia 
da educação pré-escolar (3 a 6 anos), edu-
cação de lº grau (6 a 14 anos), educação de 
2º grau, com grande ênfase à profis-
sionalização (14 a 18 anos), e a educação 
de 3º grau (18 a 23 e /ou 24 anos). A esco-
laridade compulsória era de 10 anos. Em 
1990 ste sistema unificado e verticalmente 
organizado foi ampliado e horizontalmente 
diferenciado. A escola de 1º grau foi divi-
dida nos níveis inferior (6 a 10 anos) e 
superior (10 a 15 anos). O primeiro oferece 
conhecimentos e habilidades básicas em 
língua materna, matemática e ciências. O 
segundo adota um currículo mais especia-
lizado, incluindo uma língua estrangeira. 
A partir daí os alunos se diferenciam 
segundo seus interesses e habilidades. As 
escolas especializadas de lº grau provêem 
educação geral e as escolas de lº grau de 
artes preparam os alunos para as escolas 
de 29 grau do mesmo ramo (música, dança, 
artes plásticas, literatura e teatro). Segue-se 
a escola de 2º grau, com três alternativas: 
1) escolas de treinamento profis-
sionalizante (2 a 4 anos; 52% dos alunos no 
letivo de 1991-1992); 2) escolas profis-
sionalizantes (4 anos; 30% dos alunos no 
mesmo ano letivo); 3) escolas de educação 
geral ou ginásios (4 anos; 18% dos alunos 
aproximadamente), preparatórias para a 
educação de 3º grau. As primeiras cor-
respondem a uma velha tradição nacional, 
antes patrocinadas exclusivamente por 
empresas. Este ramo hoje é sustentado 
pelo Estado e assegura a terminalidade dos 
estudos, inclusive a terminalidade an-
tecipada. O segundo ramo proporciona 
formação profissional mais complexa, 
preparando os seus alunos para profissões 
especializadas ou para a educação de 39 
grau (escolas de tecnologia, economia, 
educação, agricultura, profissões da saúde 
etc). Por fim, o ginásio abrange as opções 
geral, humanidades e ciências. A diver-
sificação em parte se baseia na tese de que 
esta facilita o avanço dos alunos mais bem 
dotados, perdendo eqüidade, mas ganhan-
do qualidade. 
A educação de 3º grau, por sua vez, ex-
pandiu-se aceleradamente e se diversificou, 
incluindo os níveis geral (3 anos) e espe-
cializado (2 a 3 anos). Depois dos estudos 
gerais é possível uma mudança do campo 
de especialização ou a transferência para 
outra faculdade. Existem ainda o ensino 
pós-secundário e a educação de adultos, 
tendo esta se desintegrado e em vias de 
ser reestruturada (Institut pour lInforma-
tion sur 1'Enseignment, 1992; Prucha e 
Walterová, 1992; Von Kopp, 1992). Quanto 
à educação de 3º grau, devemos mencionar 
que a matrícula cresceu nada menos que 
33% entre os anos acadêmicos de 1989-
1990 e 1990-1991. 
Currículos, programas e livros-texto, antes 
centralizados e elaborados principalmente 
por acadêmicos e administradores educa-
cionais, foram substituídos por orientações 
elaboradas por professores e psicólogos. 
Estas orientações eliminaram a sobrecarga 
de conteúdos, incentivaram o cultivo do 
raciocínio, em vez da memória, e deixaram 
o uso de aproximadamente 10% do tempo 
letivo a critério dos docentes. No ginásio 
40% do tempo é dedicado às matérias 
optativas. Um terço dos conteúdos de cada 
matéria pode ser modificado pelos profes-
sores para atender às condições locais e 
regionais, ao avanço dos conhecimentos na 
área e à experiência pessoal do professor. 
As primeiras orientações curriculares, 
como era de se esperar, foram as de civis-
mo, história e literatura. Os livros-texto em 
geral são avaliados pelo Ministério da 
Educação e os diretores fazem a escolha 
dentre os aprovados oficialmente. 
Tais mudanças implicam a necessidade de 
aumento de recursos financeiros, mas os 
orçamentos têm sido muito limitados. E 
preciso retreinar professores (por exemplo, 
professores de russo devem ser preparados 
em geral para ensinar outra língua estran-
geira, já que o idioma deixou de ser obri-
gatório), publicar novos livros-texto e, na 
educação de 3° grau, atender à demanda 
reprimida e crescente, já que caíram as 
barreiras políticas ao seu ingresso. Uma 
das estratégias sugeridas é reduzir a matrí-
cula das escolas profissionalizantes e au-
mentar a das acadêmicas, cujo custo/aluno 
é muito mais baixo. No entanto, este cami-
nho poderá estimular ainda mais a procura 
pela educação de 39 grau. Outra alternativa 
é a privatização. No ano letivo de 1991-
1992, havia 105 escolas particulares e 22 
escolas confessionais (Prucha e Walterová, 
1992), apenas 1,3% do total de estabeleci-
mentos existentes. Os currículos destas 
escolas são livres, embora aprovados e 
inspecionados pelo Estado. Porém, o seu 
custo é relativamentealto: no ginásio 
particular de Praga a anuidade era de 6 
mil coroas, ao passo que o salário médio 
no setor público era de 42 mil coroas em 
1991. Assim, são os intelectuais os que 
mais matriculam seus filhos nas poucas 
escolas particulares. 
A descentralização administrativa, se bem 
conduzida, pode levar também a economi-
zar recursos. A resolução de 1990 deu 
maior responsabilidade as escolas, direto-
res e professores e estabeleceu que a ges-
tão se faça por intermédio de conselhos 
municipais de educação nas comunidades 
locais e de conselhos escolares em nível 
distrital. Tais colegiados têm funções exe-
cutivas, inclusive de alocação de recursos, 
e seus membros devem estar assim distri 
buídos: 1/3 dos assentos para a camâra 
municipal local, 1/3 para os professores e 
1/3 para os pais. 
Na educação de 39 grau a autonomia uni-
versitária avançou bastante, ao ponto de se 
considerar as instituições hoje praticamente 
independentes. A gestão se faz por meio 
de colegiados, com representantes eleitos 
dos professores e estudantes. Diretores e 
reitores são também eleitos e não mais 
politicamente indicados pelo Parado. 
A Tcheco-Eslováquia, desse modo, segue 
também o caminho da diversificação e da 
descentralização. O Ministério da Educação 
renunciou a grande parte de suas funções 
executivas, delegadas aos níveis inter-
mediário e local de governo. Com isso, 
perde-se em heterogeneidade e eqüidade, 
esperando-se ganhar em iniciativa, respon-
sabilidade e liberdade. Muitas são as espe-
ranças, restando saber em que medida elas 
se concretizarão. 
A Educação na Polônia 
O antigo regime na Polônia deixou como 
grandes legados a eliminação quase com-
pleta do analfabetismo e o rápido desen-
volvimento da educação nos seus três 
graus. Entretanto, a deterioração do sis-
tema começou ainda no governo socialista, 
com os cortes orçamentários nas áreas da 
educação e da cultura, atingindo sobretudo 
os salários. O declínio das recompensas do 
magistério foi acompanhado pela queda de 
status e pela doutrinação (Kuzma, 1992), 
seguindo a tônica da uniformidade: unifor-
midade de recompensas, de currículos, de 
programas, de livros-texto, de formação de 
docentes e, enfim, de filosofia da educação. 
Em todos os tipos de escolas todos os 
estudantes deviam dominar o mesmo 
conhecimento — assim foi traduzido o 
princípio marxista-leninista de equivalência 
e igualdade em educação. Todavia, con-
forme Kozakiewicz (1992), este sistema na 
prática nunca existiu e, caso existisse, não 
distaria muito da ficção orwelliana. 
A distância entre o ideal e o real se deve 
sobretudo a enorme influência da Igreja 
Católica sobre 90% das crianças e 60 a 70% 
dos adolescentes. Ademais, a família, com 
sua educação radicada nas tradições nacio-
nais e católicas, serviu como um anteparo 
a educação escolar (Kozakiewicz, 1992). 
Assim, depois de 1989 o governo pós-so-
cialista enfrentou uma série de problemas, 
alguns minorados, outros agravados. Um 
deles foi a relação conflituosa com a Igreja 
dos pontos de vista ideológico e financeiro. 
No primeiro caso, o Ministro da Educação 
baixou uma resolução para o ano letivo de 
1990-1991, permitindo o ensino religioso 
nas escolas, desde que os pais por ele 
optassem, no caso das crianças menores, e 
os jovens o escolhessem. Apesar da acu-
sação de Inconstitucionalidade, cerca de 
95% dos escolares começaram a ter ensino 
religioso nas escolas públicas. Do ponto de 
vista financeiro, 20 mil sacerdotes e cate-
quistas então admitidos tinham que ser 
pagos pelo menos em parte pelo governo. 
Além disso, as leis de reprivatização asse-
guram o retorno à Igreja de prédios ante-
riormente nacionalizados. Com freqüência 
tais instalações abrigam hoje escolas, cre-
ches, ambulatórios e outros serviços so-
ciais. A alta dos aluguéis pode causar 
ainda mais prejuízos ao setor, já combalido 
pela crise. 
O novo governo tratou também de enfren-
tar o antigo centralismo. Os currículos 
eram de tal forma sobrecarregados de 
conteúdos que os professores, após muita 
luta, conseguiram 6% do tempo de ensino 
para atividades à sua escolha. Em 1990 o 
novo regime substituiu os currículos ofi-
ciais por programas temporários. Assim, 
por exemplo, nas escolas acadêmicas de 29 
grau, o programa de Matemática deixava 
a critério do professor 18% do tempo na 
primeira série, 25% na segunda série, 15% 
na terceira série e 40% na quarta. Todavia, 
o problema mais dramático foi o de His-
tória, onde se realizava a maior parte da 
doutrinação política: os professores pas-
saram a contar com 70% do tempo a seu 
critério na primeira série, 69% na segunda, 
57% na terceira e 66% na quarta. Na escola 
de lº grau a situação se tornou similar. A 
razão disso é que os velhos livros-texto são 
inservíveis e alguns anos seriam neces-
sários para produzir novos materiais. 
Inúmeros tópicos de História foram aban-
donados, enquanto temas da História 
polonesa, inclusive sua participação na 
Segunda Guerra Mundial, foram acrescen-
tados. Em literatura novos autores, antes 
desconhecidos, foram incluídos: Rabelais, 
Boccaccio, Descartes, Pascal, Appolinaire, 
Kafka, Garcia Márquez, Fromm, Simone 
Weil e muitos outros, além de grande 
número de autores poloneses antes con-
siderados "politicamente incorretos" (Koza-
wiewicz, 1992). 
Atores fundamentais na reforma são evi-
dentemente os professores. Degradados em 
seu status pela crise econômica dos anos 
80, seu recrutamento passou a ser feito 
entre pessoas menos capacitadas. Segundo 
uma pesquisa, 75% dos alunos de escolas 
acadêmicas de 29 grau que escolheram o 
magistério não conheciam a profissão, suas 
exigências, vantagens e desvantagens. O 
aconselhamento era, portanto, falho (Ku-
zma, 1992). Talvez pior que isso, porém, 
sejam as difíceis relações entre o Estado e 
os professores. Do meio milhão de mestres, 
cerca de 1/3 era filiado ao Solidariedade e 
os demais à Associação Polonesa de Pro-
fessores (ZNP), um sindicato de 80 anos, 
de tendência mais esquerdista que propria-
mente comunista. Anteriormente um em 
cada três professores era filiado ao Partido 
e 10% aos partidos a ele aliados. Os super-
visores e diretores eram necessariamente 
membros do Partido Comunista. O gover-
no pós-sociahsta, apesar das promessas, 
não havia ainda aberto à livre competição 
os cargos de diretor de escola. Esta-
beleceu-se então uma "limpeza da casa", 
utilizando métodos similares aos do antigo 
regime. Segundo professores, bastava ter 
pertencido ao Partido, independente de 
competência, para não merecer nenhum 
cargo relevante (Kozakiewicz, 1992). 
Por outro lado, o Solidariedade, ao contrá-
rio de outros setores, não tinha grande 
p e n e t r a ç ã o no magis té r io . Prag-
maticamente, o ZNP defendia de modo 
obstinado privilégios, como aposentadoria 
especial (com menos cinco anos de ser-
viço), gratificações por tempo de serviço e 
estabilidade no cargo. Se era então um 
obstáculo às reformas neoliberais que se 
processavam em relação a outros grupos 
profissionais, como os dos policiais, milita-
res e mineiros (Kozakiewicz, 1992). 
Fica claro que prossegue a tendência a 
cortar mais despesas no item pessoal, 
sendo difícil imaginar como se enfrentará 
a crise em tais circunstâncias. Kuzma 
(1992) declara que as reformas financeiras 
arruinaram as áreas de ciência, educação, 
cultura, saúde e bem-estar social, muito 
frágeis para serem deixadas exclusivamen-
te "à mão invisível do mercado". Em sua 
crítica, ele frisa que tais áreas em todo o 
mundo são financiadas diretamente pelo 
Estado ou por instituições que gozam de 
isenções fiscais. Tal não é a tendência na 
Polônia, uma vez que, por meios até desas-
trosos, o Estado procura se ver livre dos 
encargos financeiros. Um exemplo foi a 
descentralização de competências sem queos governos locais, em sua maioria, dispu-
sessem de fundos assegurados previamen-
te por uma reforma fiscal. Para completar 
este quadro, entre 1989 e 1990 aumentaram 
acima da inflação as dotações estatais para 
a saúde, a educação de 3o grau e a previ-
dência social, ao passo que diminuíram em 
termos reais as despesas para educação em 
geral, cultura, esporte e turismo. Como um 
todo, diminuíram as despesas de capital e 
se retraíram os serviços sociais, em número 
de leitos hospitalares, dispensários, vagas 
em escolas de 1º e 2º graus etc. Simultane-
amente, aumentou a demanda de ensino 
de 2º e 3º graus. 
Tal situação, próxima do caos, gerou o 
aparecimento de escolas particulares. A 
estatização do após-guerra havia deixado 
de fora apenas uma universidade católica, 
seminários teológicos, algumas escolas 
católicas, alguns jardins de infância, es-
colas profissionalizantes, cooperativas e 
outras poucas instituições. Desde 1965 uma 
lei previa escolas não estatais, mas sem 
qualquer subsídio. Só em 1982 os governos 
locais foram autorizados a subsidiar certo 
número de jardins de infância dirigidos 
por religiosas. Tais verbas cobriam a dife-
rença entre o custo da vaga e o montante 
pago pelos pais. Em 1989 os subsídios 
foram legalizados e ampliados. No caso 
das escolas religiosas, eles eram deter-
minados pelo custo equivalente em insti-
tuições públicas. Em 1990 o Ministério da 
Educação estendeu os recursos a escolas 
privadas, à base de metade dos custos das 
escolas estatais (Kozakiewicz, 1992). 
Além destas instituições, que poderiam ser 
chamadas de públicas não estatais, mul-
tiplicaram-se as escolas leigas. A deteriora-
ção da qualidade e a insatisfação geral com 
o ensino levou ao aparecimento de escolas 
que dão nova dimensão ao relacionamento 
entre os atores do processo educacional, 
limitam o número de estudantes por tur-
ma, individualizam o ensino, intensificam 
o estudo de línguas estrangeiras desde a 
primeira série e enfatizam a educação 
física. No ano letivo de 1990-1991 havia 
197 escolas particulares, com 10 mil alu-
nos, ou seja, uma gota d'água no oceano, 
da ordem de menos de 0,001% da matrícu-
la total. A mensalidade média era de 350 
mil zloty's (500 mil em Varsóvia), chegando 
em pelo menos um caso a 2 milhões de 
zloty's. O salário mensal médio nos cinco 
principais ramos da economia em junho de 
1991 era de 1,4 milhões de zloty's. Por isso, 
80% dos pais que tinham filhos matricula-
dos nas escolas particulares eram profis-
sionais liberais e chefes de empresas, en-
quanto estas categorias representam menos 
de 30% dos pais de alunos das escolas 
públicas (Mink e Szurek, 1991). 
Como podemos observar, a estatização do 
após-guerra parece ter sido mais fácil e 
menos traumática que a saída da mesma. 
A ebulição política, a falta de consenso em 
torno de normas e projetos e a certos 
interesses grupais em jogo — que desejam 
aproveitar para si as oportunidades — 
conduzem a um processo pouco ordenado 
e coerente, em que se aprofundam as 
iniqüidades (antes reduzidas e dis-
simuladas) e os mais fracos levam a pior. 
Só a mitologia clássica, com a caixa de 
Pandora, pode figurar o drama em curso. 
CONCLUSÕES (OU "CARAPUÇAS" 
PARA A AMÉRICA LATINA) 
Consideradas semelhanças e diferenças, a 
experiência dos países em foco resulta em 
"carapuças" que se ajustam mais ou menos 
bem à América Latina. Não temos neste 
continente burocracias com tão profundas 
raízes históricas e tanta inflexibilidade 
quanto as da Europa Central e Oriental. 
No caso da ex-União Soviética estas sólidas 
raízes chegavam ao rigor de Pedro, o 
Grande, e de Ivan, o Terrível. O admirável 
Processo, de Kafka, também não foi latino-
-americano. Nossas burocracias são preten-
siosas, mas provavelmente dispomos de 
mais mecanismos de evasão, que distan-
ciam o formal do real. 
Entretanto, durante muito tempo grande 
parte dos latino-americanos confiou no 
Estado como motor de desenvolvimento e 
promotor da justiça social, até que a crise 
dos anos 80 abalou profundas convicções. 
Privatização e descentralização, cá como lá, 
são remédios prescritos por especialistas 
renomados. Cá como lá, nas novas demo-
cracias o receituário ortodoxo é proposto 
como salvação, apesar dos altíssimos cus-
tos sociais pagos, como sempre, pela popu-
lação de baixa renda. Cá como lá, cabe a 
advertência já citada de Marés (1991), 
segundo a qual caso a democracia se torne 
sinônimo de recessão econômica, seu 
futuro será duvidoso numa região onde os 
populismos têm profundas raízes. 
Caminhar sobre a lâmina da faca parece a 
sina em ambos os casos, dos países pós-so-
cialistas e latino-americanos. Debruçan-
do-nos sobre a realidade estudada, vemos 
que a experiência soviética é mais antiga e 
já foi avaliada pelos acontecimentos que se 
sucederam à perestroika inconclusa. A 
Hungria, a Polônia e as Repúblicas Tcheca 
e Eslovaca, além de outros países, estão a 
caminho e ainda é precipitado avaliar. Dos 
seus dramas emergem, porém, alguns 
pontos para reflexão. 
Antes de tudo, parece mais fácil entrar do 
que sair de um regime em que o Estado 
assume presença dominante. Saudado 
muitas vezes como salvador, o Estado 
intervém, controla e consegue frutos.. Isso 
é inegável. Mas, pelo menos nas experiên-
cias em tela, ele se esclerosou, deixou de 
ser um juiz imparcial (se algum dia o foi) 
e passou a aninhar toda sorte de interesses 
lesivos à maioria. Ele, que havia sido 
proposto como meio de promover a e-
qüidade (e, com certeza alcançou resul-
tados nada desprezíveis nesta área), viu-se 
anatematizado como responsável pela falta 
de liberdade, pela ineficiência e pela inefi-
cácia. Em termos estritamente econômicos, 
diríamos que os custos da intervenção do 
Estado na vida social, da centralização, da 
inibição das iniciativas individuais e locais, 
do cerceamento das liberdades vieram a se 
tornar maiores que os seus benefícios. 
Caminhou-se então no caminho inverso: 
descentralizar, delegar, flexibilizar, privati-
zar, liberar as forças de mercado, abrir 
mão da suposta eqüidade para ganhar em 
qualidade e atender às diferenças in-
dividuais e grupais. Em outras palavras, 
substituir a "mão visível" pela "mão in-
visível". 
A transição não é indolor. O mar de rosas 
logo mostra seus espinhos sob a forma de 
deterioração das condições de vida dos 
grupos mais vulneráveis, desemprego, 
subemprego, inflação, violência, con-
centração de renda etc. São os custos da 
liberalização, amaldiçoados por aqueles 
que, no passado, pelo menos tinham a 
segurança de não cair mais na escala so-
cial. Espera-se que os benefícios superem 
os custos, pois, do contrário, a situação se 
tornará insustentável. A questão é como 
custos e benefícios são distribuídos pela 
coletividade, para que esta não se desin-
tegre à medida que uns passam a contar 
quase que apenas com os últimos e outros 
com os primeiros. Daí pode resultar um 
movimento pendular, de volta à es-
tatização e a centralização, conforme os 
sinais que parecem vir da divorciada Es-
lováquia e que alguns observadores cap-
tam sobretudo em áreas rurais da Rússia, 
Romênia e outros países. 
Outro ponto é que a liberdade torna-se 
muito atrativa do alto dos palanques po-
pulistas. No entanto, a liberdade é con-
dição necessária, mas não suficiente, para 
resolver os problemas. Laissez faire, laissez 
passer é um belo lema, porém fazer o quê? 
Ir onde? O ideal é que o projeto do novo 
seja claro e determinado antes que o velho 
se vá. Todavia, o racional não é neces-
sariamente real e vice-versa, como queriam 
os iluministas. Cabe, então, cultivar a 
prudência de tornar projetos tão claros 
quanto possível antes de destruir o status 
quo. Esta deveria ser uma cobrança do 
povo, que paga a conta das mudanças: 
criticar é fácil, reconstruir é difícil.Ainda outro ponto é que, no ancien regime, 
a educação ficou submetida à prioridade 
outorgada à grande indústria e aos gastos 
militares. Hoje, apesar de os estudantes, 
professores e intelectuais terem saído às 
ruas para trazer à luz uma nova ordem 
política, a educação continua em segundo-
plano, entregue, como os demais setores 
sociais, à baixa prioridade governamental 
e as forças de mercado. 
E fácil dizer muitas coisas na academia, 
quando as palavras soam com facilidade e 
não se tem as dificuldades de quem se 
senta nas cadeiras do poder, enfrentando 
as complexidades e as pressões da política. 
Apesar disso, cumpre frisar alguns pontos. 
Primeiro, como o Estado não é panacéia e 
sair do controle estatal parece mais difícil 
do que nele ingressar, a presença do Es-
tado deve ser muito bem ponderada e 
dosada antes que se gestem problemas 
maiores que os que se quer resolver. 
Segundo, coerente com esta linha, é preciso 
indagar pelo balanço entre custos e benefí-
cios da intervenção estatal. Como não se 
pode conseguir tudo ao mesmo tempo, é 
obra por excelência da arquitetura política 
saber que benefícios buscar, com que 
custos arcar, quem paga os custos e quem 
ganha os benefícios. 
Terceiro, já que o liberalismo como teoria 
raramente se concretizou na realidade (se 
é que algum dia, em algum lugar se con-
cretizou), convém indagar se os setores 
sociais — a educação entre eles —, com 
sua fragilidade, podem ficar inteiramente 
à diposição da mão invisível — ou de uma 
desastrada mão que se esconde, pretenden-
do-se invisível. 
Quarto, como liberdade não é sinônimo de 
anomia, indispensável elaborar, discutir e 
selecionar projetos para uma nova ordem, 
capazes de ser construídos em liberdade. 
Muitas outras questões poderiam ser colo-
cadas se as informações fossem mais por-
menorizadas, se o analista fosse melhor e 
se houvesse um pouco mais de distan-
ciamento no tempo em face das reformas 
em realização. Mas, como um trabalho 
pode ser o princípio de outro mais comple-
to, temos a esperança de que a perspectiva 
venha a ser ampliada e aprofundada. 
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