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A EDUCAÇÃO NA EUROPA POS-SOCIALISTA Cândido Alberto Gomes Série Documental: Antecipações, n.l, junho/1993 DIRETOR Divonzir Arthur Gusso COORDENADORA DE PESQUISA Margarida Maria Souza de Oliveira COORDENADORA DE ADMINISTRAÇÃO Medusa Rego Nascimento COORDENADOR DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS Tancredo Maia Filho GERENTE DO PROGRAMA EDITORIAL Arsênio Canísio Becker GERENTE DO CENTRO DE INFORMAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS EM EDUCAÇÃO Gaetano Lo Mônaco RESPONSÁVEL EDITORIAL Tânia Maria Castro DIAGRAMAÇÃO ELETRÔNICA Francisco Edilson de C. Silva Tânia Maria Castro Apoio Gráfico Maria Madalena Argentino SERIES DOCUMENTAIS: Antecipações Avaliação Estudos de Políticas Públicas Eventos Inovações Relatos de Pesquisa Traduções Série Documental: Antecipações, 1 Tiragem: 300 exemplares INEP - Gerência do Sistema Editorial Campus da UnB, Acesso Sul Asa Norte 70910-900 Brasília - DF Fone: (061) 347 8970 Fax: (061) 273 3233 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DESPORTO - MEC INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS A EDUCAÇÃO NA EUROPA PÓS-SOCIALISTA Cândido Alberto Gomes* * Professor das Faculdades Integradas da Católica de Brasília. Presidente da Sociedade Brasileira de Educação Comparada. Presidente do Comitê de Pesquisa do Conselho Mundial das Sociedades de Educação Comparada. Brasília/1993 APRESENTAÇÃO Uma das funções institucionais do INEP consiste em prover e estimular a disseminação e discussão de conhecimentos e informações sobre educação, visando ao seu desenvolvimento e domínio público, através de sua produção editorial. Com o objetivo de contribuir para a democratização de parte desses conhecimen- tos, de modo mais ágil e dinâmico, o INEP criou recentemente as Séries Documentais, com o mesmo desenho de capa: elas formam um novo canal de comunicações, diversificado quanto a público, temática e referenciaçáo; abrangendo vários campos, elas podem alcançar, com tiragens monitoradas, segmentos de público com maior presteza e focalização; cada série poderá captar material em diferentes fontes (pesquisas em anda- mento ou concluídas, estudos de caso, papers de pequena circulação, comunicações feitas em eventos técnico-científicos, textos estrangeiros de difícil acesso, etc). São as seguintes as séries: 1. Antecipações tem o objetivo de apresentar textos produzidos por pesquisado- res nacionais, cuja circulação está em fase inicial nos meios acadêmicos e técnicos. 2. Avaliação tem o objetivo de apresentar textos e estudos produzidos pela Gerência de Avaliação. 3. Estudo de Políticas Públicas tem o objetivo de apresentar textos e documentos relevantes para subsidiar a formulação de políticas da Educação. 4. Eventos tem o objetivo de publicar textos e conferências apresentados em eventos, quando não se publicam seus anais. 5. Inovações tem o objetivo de apresentar textos produzidos pelo Centro de Referências sobre Inovações e Experimentos Educacionais (CRIE). 6. Relatos de Pesquisa tem o objetivo de apresentar relatos de pesquisas financiadas pelo INEP. 7. Traduções tem o objetivo de apresentar traduções de textos básicos sobre Educação produzidos no Exterior. SUMARIO INTRODUÇÃO 9 A EDUCAÇÃO SOCIALISTA 10 A CRISE DOS ANOS 80 13 A EDUCAÇÃO EM MUDANÇA 16 A Educação na União Soviética 17 A Educação na Tcheco-Eslováquia 19 A Educação na Polônia 22 CONCLUSÕES (OU "CARAPUÇAS" PARA A AMÉRICA LATINA) 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 27 INTRODUÇÃO A bela cidade de Praga é um dos cenários das transformações sofridas pela sociedade e pela educação no Centro e no Leste da Europa. Continua o mesmo o admirável conjunto de prédios barrocos, muitos com suas fachadas elaboradamente pintadas e esculpidas. O Moldávia prossegue em seu leito e os cisnes brancos continuam a desfilar, indiferentes às mudanças polí- tico-econômicas. O cartão de visitas para quem sai do aeroporto na primavera é um imenso campo recoberto de flores brancas, embora nem tudo sejam flores na transição atualmente vivida. Saúdam-se a liberdade e o corte de laços de dependência com a ex-União Soviética, porém o reverso da medalha é o incremento da pobreza ab- soluta, o declínio dos salários reais, a inserção do desemprego na paisagem e os duros ajustes econômicos, em parte seme- lhantes aqueles vividos pela América Lati- na. A educação vive momento de grandes mudanças. A sua própria base axiológica sofre alterações, com a reformulação de currículos, programas e métodos, tendo em vista formar para a nova cidadania demo- crática. Em Bratislava, no ano passado, o Secretariado do Conselho da Europa e a Unesco realizaram significativa conferência sobre "A educação para uma cidadania democrática na Europa", visando à revisão de programas de educação de 2° grau. Enquanto isso, obsolesceu grande quan- tidade de livros-texto, sobretudo na área de ciências sociais. São também muito amplas as necessidades de treinamento de professores, cujos salários, pelo menos na maioria dos países, estão em queda franca. Têm surgido escolas particulares, caras, porém muito disputadas pela população por fugirem ao velho formulário. Na vizinha Hungria, embora as mudanças tenham começado muito antes da revolu- ção de veludo tcheco-eslovaca, com aber- tura para o capital estrangeiro e empresas particulares, o trauma da transição não é fácil. Já não existem mais restrições ou contato de educadores do exterior, como outrora, mas as faces das pessoas retratam as preocupações do desemprego e do empobrecimento. Em Budapeste o fluxo de turistas aumentou ainda mais nas belas pontes que cruzam o Danúbio e no antigo Castelo, que se debruça, entre as colinas verdejantes de Buda, sobre o rio e a planí- cie de Peste. Entretanto, ainda que os preços sejam relativamente baixos para os visitantes das sociedades capitalistas avan- çadas, eles são sufocantes para os cidadãos do país. A sociedade busca enfrentar os desafios da competitividade e da liberdade numa situação em que o velho não é mais útil e o novo é ainda incerto. O autor guarda recordações da par- ticipação em congressos de educação com- parada realizados antes e depois das trans- formações de 1989. Setor de alto risco para o ancien regime, a educação comparada e internacional representava o contato sub- versivo, que poderia marcar corações e mentes de educadores. Antes da abertura, a Hungria, com sua admirável hospitalida- de, foi anfitriã de um congresso europeu deste campo, se bem que dele não tives- sem podido participar os educadores húngaros da nova geração. Já em 1992, como marco do reatamento das relações com todo o mundo, Praga acolheu o VIII Congresso Mundial de Educação Com- parada. Apesar destas visitas e numerosos contatos com colegas do Centro e Leste europeu, o autor não cedeu à tentação de fazer uma análise impressionística. Tudo o que não constitui dado científico serviu apenas como discreto pano de fundo. Ten- do em vista apresentar uma análise su- mária da realidade de alguns países, cin- gimo-nos apenas à literatura especializada. Assim, este trabalho começa por situar a educação socialista, suas realizações e seu posicionamento na Europa. Em seguida, apresenta um panorama sumário das p r i n c i p a i s t r a n s f o r m a ç õ e s econô- mico-sociais e políticas ocorridas nos úl- timos anos. Em prosseguimento, oferece uma visão mais pormenorizada das mu- danças educacionais ocorridas na ex-União Soviética, na Tcheco-Eslováquia e na Polô- nia. As conclusões incluem algumas ilações de interesse para a América Latina. A leitura deste trabalho, entretanto, requer cautela. Ele é a fotografia (não o filme) de uma paisagem in fieri. Como no deserto o vento muda as dunas do dia para anoite, de modo que o viajante encontra, ao acor- dar, um panorama diferente daquele que viu ao anoitecer, o Centro e o Leste euro- peus estão em rápida mutação. Por isso, o que aqui escrevemos deve ser relativizado, inclusive pela dificuldade de acesso à literatura nas línguas originais. Exemplo vivo das mudanças é o "divórcio de velu- do" das Repúblicas Tcheca e Eslovaca. O próprio autor, se permanecesse por mais tempo em sua viagem, poderia ter no seu passaporte o carimbo de entrada num país, a Tcheco-Eslováquia, e o carimbo de saída de outro, a República Tcheca. Afinal, se- riam ossos do ofício. A EDUCAÇÃO SOCIALISTA Marx dedicou pouco espaço em sua obra à educação, o que indica não ter sido este um dos setores de que esperou contribui- ção mais substancial para o estabelecimen- to de uma sociedade revolucionária. Se- gundo ele, a educação é peculiar no sen- tido de que "...de um lado, é preciso que as circunstâncias sociais mudem para que se estabeleça um sistema adequado de educa- ção, mas, de outro lado, é necessário um sistema educacional adequado para pro- duzir-se a mudança das circunstâncias sociais" (Marx, 1964). Em coerência, Lenine considerou que a revolução deve preceder a reconstrução cultural, ficando num papel subordinado, sob controle governamental, servindo à luta de classes por meio da conscientização das massas (Lilge, 1978, p.556). Neste papel, a tônica foi a da edu- cação politécnica, ou seja, a combinação de trabalho produtivo, educação mental, exercício físico e treinamento politécnico. A abolição da divisão de trabalho, segundo Marx, requer a associação de trabalho manual e intelectual, encarregando-se a educação, assim, da preparação das pes- soas para os novos papéis a elas des- tinados na sociedade socialista (Gomes, 1989). Com base nestes fundamentos teóricos, a educação nos países socialistas alcançou com freqüência resultados significativos. O sistema escolar se expandiu rapidamente, atingindo todos os grupos sociais, inclusive e especialmente aqueles que estavam à margem do poder, como camponeses, operários, mulheres e minorias étnicas. A escolaridade, como indicadora de com- petência técnica e socialização política, tornou-se critério axial do posicionamento dos indivíduos na sociedade. Clã, parentes- co, lugar de nascimento, etnia, raça, reli- gião e relações pessoais se tornaram muito menos importantes que a escolaridade no emprego e no recrutamento para posições de autoridade. Caminhou-se para socieda- des baseadas no mérito, mesmo onde se encontravam reminiscências do regime feudal (Jamoff, 1991). Todavia, embora aliada à abolição da propriedade privada, as sociedades socia- listas enfrentaram dois problemas, entre outros: o burocratismo do Estado, que dificultou a participação dos cidadãos e emperrou o setor, reduzindo-lhe a eficiên- cia e a qualidade, e, por outro lado, a perda de eqüidade, à medida que as revo- luções perderam seu ímpeto, esta- bilizaram-se interesses e grupos e desace- lerou-se a mobilidade social. Inúmeros obstáculos levaram a educação nos países socialistas a desvios em relação aos ideais originais. Parece que as demandas de mão-de-obra qualificada e as exigências do desenvolvimento econômico em geral, como a eficiência, são os mais sérios obstá- culos às políticas socialistas. A insuficiên- cia crônica de mão-de-obra, particular- mente de pessoal científico e técnico, além da escassez de recursos econômicos na Rússia, durante o período Lenine, levaram à manutenção de um sistema educacional dualista. No período de Stalin, as escolas voltaram a ser livrescas e a enfatizar graus e exames (Lilge, 1978, p.561). Nos anos 6 0 , os padrões de desigualdade no acesso à educação de 39 grau, relacionados em nível de escolaridade, ocupação e aspirações dos pais, continuavam a ser um assunto muito importante da União Soviética (Dobson, 1978). Em Cuba, a demanda de mão-de-obra es- pecializada, segundo Carnoy e Wertheim (1978, p.583), levou a uma tendência elitis- ta, em virtude da seleção baseada no apro- veitamento escolar para certas escolas de 2- grau que, por sua vez, conduzem à uni- versidade. Segundo aqueles autores, esta tendência pode facilitar a autoperpetuação de uma elite por meio da educação. No que tange à Europa Central e Oriental, um estudo comparativo realizado com amplas amostras de jovens urbanos, focali- zando origens sociais e familiares, educa- ção e trabalho, na Bulgária, Hungria, Tche- co-Eslováquia e União Soviética evidenciou grandes diferenças de oportunidades edu- cacionais entre estes países. Em qualquer caso, foi observado um notável crescimen- to da realização educacional daqueles países, mas os padrões de oportunidades (ou os melhoramentos realizados) diferiam significativamente, apesar de os quatro países esposarem a mesma ideologia e pertencerem ao mesmo bloco. A União Soviética e a Bulgária mostraram as mais baixas barreiras sociais na educação. Já a Tcheco-Eslováquia revelou uma estrutura relativamente fechada, ao passo que a Hungria e a Polônia ocuparam posições intermediárias. Uma visão do desempenho dos sistemas educacionais do Leste e Centro europeus encontra-se nas tabelas 1 e 2. Antes de mais nada, deve-se assinalar que o regime socialista partiu em alguns casos de uma realidade econômica muito modesta. Os dados mostram que os países europeus não incluídos na Comunidade Européia apresentavam o mais alto PNB per capita e menor variação em torno da média. Se- guem-se a Comunidade Européia, com maior heterogeneidade, e os antigos países socialistas, com o mais alto desvio padrão, se bem que faltem a Albânia e a República Democrática Alemã. O Centro e o Leste europeus, portanto, tinham menor renda e maiores disparidades sob este ponto de vista que o resto do continente. Da mesma forma, na Europa Central e Oriental era mais baixa a taxa bruta de escolaridade do ls grau, com valores in- feriores a 100 e altas medidas de dispersão, o que indica a existência de crianças fora da escola. Também no que se refere ao ensino de 2° e 3º graus, os países socia- listas apresentavam valores menores, enquanto os países não incluídos na Co- munidade Européia permaneciam na pon- ta. Os números sugerem severa política contencionista do ensino de 3º grau, sobre- tudo na Albânia e Romênia. Este indicador é confirmado pelo número de estudantes de 3º grau por 100 mil habitantes. No que se refere às finanças, o maior esforço em favor da educação, mensurado pela percentagem de despesas públicas sobre o PNB, foi efetuado pelos "outros países". Seguiram-se a Comunidade Euro- péia e os países socialistas. Estes últimos apresentaram, ao contrário da Comunidade Européia, a menor dispersão em torno da média, embora faltassem alguns países. Destaque-se, porém, que a União Soviética, imenso país eurasiático, foi o que alcançou nível mais alto. Devemos lembrar, con- tudo, que, além deste percentual, os países capitalistas tinham ainda as despesas privadas em educação. O percentual das despesas educacionais sobre o total das despesas governamentais indica perfil semelhante. Os países socialis- tas alcançaram a menor média e a maior dispersão, sugerindo novamente desigual- dades no seu bloco. Alguns países de modesto orçamento, como a Albânia e a Polônia, tiveram participação relativamente grande das despesas educacionais. O em- perramento da máquina administrativa era provavelmente responsável pelo mau aproveitamento dos recursos e pelos mo- destos resultados. Por fim, o percentual das despesas corren- tes sobre o total indica que os países do Leste e Centro europeus realizaram mais despesas de capital que os demais. Pos- sivelmente pelo crescimento demográfico maisalto em certos casos, eram construí- das mais escolas, adquiridos mais equi- pamentos e talvez tenham sido pagos salários mais baixos ao pessoal. Como se observa, a antiga Europa socialis- ta situava-se num patamar visivelmente inferior ao restante da Europa. Todavia, não se deve desprezar que, apesar da falta de alguns dados, os indicadores educacio- nais em tela não se encontram tão distan- tes dos outros dois grupos quanto o PNB per capita. A CRISE DOS ANOS 80 Uma das melhores definições sobre a situação a partir de 1989 é que a Europa das incertezas tomou o lugar da Europa da guerra fria (Marés, 1991). As mudanças ocorridas no Leste resultaram basicamente da nova orientação impressa por Gor- batchev ao bloco soviético, à decadência dos Partidos Comunistas e ao ressurgimen- to da sociedade civil. Quando, após a Segunda Guerra Mundial, o Leste europeu passou à órbita da União Soviética, os vencedores escreveram uma nova história, ligada ao internacionalismo socialista, que obscureceu — mas nunca apagou — as identidades nacionais e étnicas reor- ganizadas pela superpotência emergente. Os anos da reconstrução e industrialização, que entraram pelo decênio dos 50, carac- terizaram-se per acelerado crescimento econômico e pela ativa mobilidade estrutu- ral ascendente. Portanto, concretizava-se no seio e no horizonte das sociedades a utopia da ascensão pelo mérito, pela edu- cação e pelo engajamento político, par- ticularmente na Hungria, Polônia e Tche- co-Eslováquia. A partir dos anos 60, entre- tanto, ocorreu uma desaceleração do fluxo de mobilidade, tanto inter quanto intrage- racional, e anunciou-se a tendência de os grupos sociais se auto-reproduzirem. As- sim, na Polônia dos anos 60 o filho de um camponês tinha 24 vezes menos opor- tunidades de ingressar no grupo de diplo- mados de nível superior que o filho de um graduado (Mink e Szurek, 1991). Os anos 80 agravaram esta tendência, com a crise econômica e o conseqüente declínio do valor da escolaridade como critério de conquista de posições sociais. Segundo uma pesquisa realizada na Polônia, a adesão aos valores políticos dominantes e ao Partido Comunista assim como a exten- são do estágio no Partido eram os deter- minantes da posição social, ou seja, as variáveis que davam acesso à escolaridade, à ocupação e à renda. Ao mesmo tempo que a burocratização dificultava a produ- ção e circulação de bens, desenvolveu-se a economia paralela, ensejando altos ganhos para pessoas que praticamente não neces- sitavam de competências adquiridas na escola. A caixa de Pandora do nacionalismo, das etnias e do descontentamento aproximava- se cada vez mais do ponto de abertura — ou, em certos casos, de explosão. No caso da União Soviética devemos as- sinalar que os anos 80 foram particular- mente adversos para a agricultura. Secas freqüentes, bem como estocagem e trans- portes inadequados, levaram à crise do abastecimento e à dependência de impor- tações. Em 1989, depois de 13 anos, o país teve seu primeiro déficit comercial. A produção da indústria cresceu durante aquela década, mas teve um declínio de 1,2% em 1990. No início desse ano, 3,5% da força de trabalho se encontravam de- sempregados, um valor muito alto para um país até pouco tempo oficialmente sem desempregados. No primeiro trimestre de 1991 a produção em geral havia declinado 12%, enquanto cresciam a inflação, o de- semprego e a dívida externa (Soviet Union, 1991). O descontentamento com a burocratizada máquina produtiva estatal mostrou, no meio dos anos 80, que seria preciso empre- ender grandes reformas. Além disso, pres- sionavam os problemas de dissidências políticas, nacionalismo étnico ou regional e religião. As respostas de Gorbatchev, eleito Secretário Geral do Comitê Central do Partido Comunista em 1985, sin- tetizaram-se na campanha por crescente glasnost (transparência) e perestroika (rees- truturação), compreendendo a gradual liberalização política e econômica. Como é amplamente sabido, o governo de Gor- batchev foi marcado por crises que cul- minaram com o seu afastamento tem- porário por forças contrárias às reformas. A ascensão cada vez maior de Yeltsin, presidente da Rússia, refletiu o desejo de reformas mais radicais, de proscrição do Partido Comunista e de dissolução da própria União Soviética. O declínio sovié- tico como superpotência encerrou o ciclo da guerra fria e rompeu as amarras que a ela prendiam, desde o pós-guerra, os países do Leste europeu. Nestes países, em compensação, os proces- sos não foram tão traumáticos. Um exem- plo é a Hungria, que começou suas mu- danças econômicas muito tempo antes, abrindo-se para o capital estrangeiro e permitindo a formação de empresas coope- rativas, ao lado do setor estatal da econo- mia. Protestos por maior liberdade de imprensa, de associação e reformas estru- turais ganharam corpo a partir de 1988. Em sucessivas conferências do Partido Comunista foram aprovadas alterações de programas e de pessoal. Em 1989 o Comitê Central do Partido concordou em apoiar a transição para um regime multipartidário. Em outubro foi proclamada a República da Hungria. As primeiras eleições livres e multipartidárias ocorreram em 1990. For- mou-se então uma coalizão partidária para o governo, que, no entanto, enfrentou duros reveses nas eleições locais do mes- mo ano, atribuídos à sua incapacidade de enfrentar o aumento da inflação e do desemprego. Com efeito, após uma década de crescimento do PNB per capita, a Hun- gria passou a enfrentar sérios problemas econômicos. Em 1989, a par do grande déficit orçamentário, a taxa anual de infla- ção atingiu 35%. Em abril de 1991 o de- semprego chegou a 3,4% da força de traba- lho. A contínua deterioração econômica levou o governo a adotar severo programa de austeridade, com reduções drásticas dos subsídios para alimentação e habitação. Ao final de 1989 cerca de 1/5 da população vivia abaixo do nível nacional de subsis- tência (Hungary, 1991). . A Tcheco-Eslováquia, por seu lado, viveu uma revolução relativamente pacífica, conhecida como "revolução de veludo", ao lado, porém, de sérias dificuldades na economia. A pressão por reformas econô- micas e políticas cresceu cada vez mais a partir dos anos 80, sem que as alterações do governo atendessem às demandas. O ano de 1989 foi marcado por dramáticas manifestações em favor da democracia. Em novembro desse ano constituiu-se o Fórum Cívico, abrangendo várias organizações de oposição e de defesa dos direitos humanos. Com isso e estimuladas pela queda do regime nos países vizinhos, aumentaram as demonstrações até que foi formado um governo de transição, constituído em maio- ria por não comunistas. Em janeiro de 1990 realizaram-se conversações entre partidos e grupos para preparar as primeiras elei- ções legislativas livres do país, que vieram a realizar-se em junho. No segundo semes- tre verificou-se crescente inquietação na Eslováquia, à medida que partidos e gru- pos reivindicavam autonomia (Czechos- lovakia, 1991). O processo culminou com o chamado "divórcio de veludo" em 1993, pelo qual a República Tcheca — predomi- nantemente industrial, onde novas eleições conduziram a um governo de centro-direi- ta e ao apoio a um programa de ajuste econômico ortodoxo — separou-se da República Eslovaca — predominantemente agrária, com um governo de centro-esquer- da, opositor das reformas econômicas neoliberais. A divisão do país, cujo PNB vinha declinando na década de 80, poderá melhorar as perspectivas para a Tchéquia, enquanto provavelmente dificultará ainda mais a situação da Eslováquia. Exemplo disso está na tendência contínua de o desemprego declarado ser maior na última que na primeira. No primeiro trimestre de 1991 taisdados eram, respectivamente, de 3,7% e 2% da força de trabalho (Kápl, Sojka e Tepper, 1991). Passando à Polônia, o Solidariedade, movi- mento sindical que surgira fora da buro- cracia do Estado, tornou-se, ao longo do decênio de 80, uma força política, com base na luta por melhores salários e nos protestos contra a administração econô- mica e política do país. Entre 1980 e 1989 o PNB per capita declinou, em valores reais, a uma taxa anual de 1,8% (Poland, 1991). A imposição da lei marcial em 1981 pôde ajudar a enfraquecer, mas não destruir o movimento, que foi movido por um des- contentamento popular crescente com as condições do país. Em 1989 o governo concordou com a reemergência do Solida- riedade como um movimento nacional desde que este desse apoio às reformas propostas pelo governo do general Jaru- zelski. Eleições livres levaram, afinal, depois de quase 45 anos, um membro do Solidariedade ao poder, Mazowiecki se tornou primeiro-ministro. Em 1990 houve as primeiras eleições plenas e livres. Em contraste com a crescente liberdade política, a Polônia enfrentou graves proble- mas econômicos. Em 1990 o PNB declinou 13,5%, a produção agrícola, que vinha aumentando, reduziu-se em 1% e a produ- ção industrial baixou quase 2% em 1989. O setor público sofreu progressiva redução, enquanto os salários por ele pagos só em 1990 caíram 28% em termos reais. O de- semprego, que era de 6,1% em dezembro de 1990, passou da barreira dos 10% em 1991. Dos desempregados 61,1% tinham, em junho de 1991, entre 15 e 34 anos e 68,3% eram operários (Mink e Szurek, 1991). A administração de uma grande dívida externa, aliada à vulnerável situação econômico-financeira, levou a Polônia a negociar com o FMI um duro programa de estabilização econômica (Poland, 1991). Ao contrário das repúblicas precedentes, as transformações dos países socialistas bal- cânicos não podem ser resumidas como revoluções de veludo. Na Romênia a depo- sição de Ceausescu se revestiu de caráter sangrento. A Albânia, com sua economia agrária e sua ultra-ortodoxia socialista, também sofreu profundos abalos. A Iugos- lávia , com seus problemas étnicos e nacio- nais, desintegrou-se e hoje é marcada barbaramente pela guerra civil. As mudan- ças na Bulgária, apesar da instabilidade da situação político-partidária, não teve um processo tão traumático quanto os vizinhos mencionados. De qualquer forma, estes países se caracterizam por uma luta mais ferrenha entre as forças contrárias e favorá- veis ao ancien regime. Com uma economia burocratizada e de fortes bases rurais, em muitos casos, as forças aliadas aos antigos Partidos Comunistas lutavam e lutam tenazmente no novo cenário político. E- xemplo disso foi a intervenção dos minei- ros romenos nos protestos de Bucareste, a pedido do governo de Iliescu. Há também a questão das minorias étnicas, como os turcos na Bulgária e os húngaros na Es- lováquia, Romênia e Sérvia, motivo contí- nuo de conflitos. Em face deste panorama, a economia enfrenta o terremoto das mu- danças políticas, com declínio do PNB, aumento do desemprego e da inflação e depreciação dos salários, tornando ainda mais difícil o consenso político e a recupe- ração dos respectivos países. Exceção em parte neste panorama foi a República Democrática Alemã. Apesar de uma transição mais suave, facilitada pela reunificação alemã, nem por isso, porém, a nova convivência se faz isenta de pesados sacrifícios econômico-financeiros para os antigos lados ocidental e oriental. O radi- calismo de certas posições políticas reflete a situação do país e se torna um complica- dor de grande projeção internacional, que se traduz às vezes em exaltadas ger- manofilia e germanofobia. Conforme Marés (1991), no fundo o Leste e o Centro europeus devem resolver hoje os problemas com que a Europa Ocidental se defrontou em 1945 e que superou graças à ajuda externa. Como conclui o autor, caso a democracia se torne sinônimo de recessão econômica, seu futuro será duvi- doso numa região onde a autarquia, as tentativas de hegemonia e, sobretudo, os populismos têm profundas raízes. A EDUCAÇÃO EM MUDANÇA Paradoxalmente, ainda que estudantes, professores e intelectuais tenham um papel primordial na transformação política dos países em tela, a educação não é em geral setor de alta prioridade política. Ao contrá- rio, ela muitas vezes aparece como um setor secundário, em torno do qual é difícil alcançar certo consenso. Pior ainda, é vítima, junto com outras áreas sociais, de cortes orçamentários que obedecem via de regra à ótica neoliberal. Se antes, com o intuito de elevar a eqüidade, a educação foi estatizada e submetida a controles centralizadores e à padronização nacional de currículos, o passar do tempo, ainda no regime socialista, estabeleceu uma diferen- ciação de qualidade. Os grupos mais a- quinhoados presidiram à sua privatização oculta, como meio de fazer face à deterio- ração qualitativa (Mink e Szurek, 1991). Hoje, com a crise do Estado, o declínio do PNB e das receitas fiscais, a privatização e a descentralização — muitas vezes sem os correspondentes recursos — estabelecem-se linhas claras de contraste, em termos de acesso, qualidade e eqüidade. Operários, camponeses, migrantes, mulheres, desem- pregados são os novos pobres. De outro lado, têm acesso à melhor educação, em especial nas escolas particulares renovadas, os novos empresários, tenham fortuna especulativa ou não, e talvez uma incerta classe média. Quanto à velha nomenklatu- ra,parece que uma parte se enriqueceu, valendo-se das preciosas informações econômicas que monopolizava em suas funções no Estado. No entanto, o assunto é controvertido. Buscando traçar um panorama, podemos dizer que, nos anos 70, as reformas educa- cionais procuraram fazer face aos proble- mas de qualidade com maior centralização. E claro que estas iniciativas falharam, de modo que as novas democracias enfrentam o clamor pela flexibilização, pela diver- sificação curricular, pela autonomia univer- sitária, pelo atendimento às minorias ét- nicas e às diferentes nacionalidades. Em face disso, contam com escassos recursos fiscais e instabilidade política, que não lhes permite delinear políticas duradouras para a educação, com valores, objetivos e estra- tégias claros. Freqüentemente a educação é objeto de transações políticas, sem mu- danças efetivas (Darvas, 1991). Neste ninho de insatisfações, a Alemanha parece ser em parte uma exceção. O sis- tema do Leste, considerado dos mais avan- çados do bloco socialista, está sendo reor- ganizado segundo a estrutura básica do lado ocidental, numa estratégia prudente de mudança gradativa. Discute-se ainda o que fazer com o ensino médio que, na República Democrática Alemã, tinha um ano a menos de duração que na República Federal da Alemanha (Kuebart, 1992). Não sendo possível, porém, esboçar um panorama completo da Europa Central e Oriental, deter-nos-emos adiante na reali- dade de três países, em relação aos quais as fonte são relativamente mais acessíveis. A Educação na União Soviética Antes que os governos pós-socialistas do Centro e Leste europeus tentassem suas reformas, a União Soviética buscou efetuar as suas. O descontentamento tão bem captado por Gorbatchev motivou a peres- troika como um meio de enfrentar os desa- fios e de frear a decadência, a corrupção e a desintegração do país. Tratava-se de momento histórico em que sopravam ventos de forte insatisfação com as buro- cracias estatais, quer no Leste, quer no Oeste, onde pontificavam líderes como Thatcher e Reagan. Gorbatchev exerceu então o seu carisma como um antídoto às tradicionais lideranças burocráticas, de caráter gerontocrático, do seu país (Mc- Lean e Voskresenskaya,1992). As refor- mas, aceleradas entre 1985 e 1988, tiveram ímpeto cada vez menor a partir de então. Seus inimigos eram poderosos, pois elas lutavam contra a super-regulamentação estatal e buscavam liberar a iniciativa e criatividade individuais. Como as demais políticas públicas do período Gorbatchev, elas também tinham em mira preservar o marxismo-leninismo. Esta tentativa de fazer o omelete sem quebrar os ovos foi certamente um dos motivos da radicaliza- ção da oposição e do conseqüente afas- tamento do líder, que se tornou, a partir de certo momento, dirigente de uma União Soviética em extinção. Esta busca de con- ciliação da perestroika no setor educacional se reflete nos seus princípios, adotados por um congresso de todos os sindicatos de educadores em 1988: continuidade, des- centralização, democratização, humaniza- ção, diferenciação e integração. Com base nestes princípios, buscava-se criar um sistema de educação permanente, des- centralizar os assuntos educacionais para a jurisdição das repúblicas e das autoridades locais; criação de conselhos de pais, es- tudantes e professores, com funções exe- cutivas em todos os níveis de governo; desenvolver o autogoverno estudantil; introduzir modificações curriculares para abranger temas como religião; aumentar o número de cursos optativos e proporcionar mais opções curriculares, pelo menos no ensino de 2- grau (Malkova, 1991) . Apesar da participação de educadores, a perestroika enfrentou graves obstáculos, que a transformaram num conjunto de boas intenções em grande parte não concretiza- das. Se, de um lado, ela representou uma reforma de cima para baixo, sua imple- mentação foi completamente permissiva, com base nos princípios de democratiza- ção, individualização e humanização. De fato, os desafios requeriam respostas à altura. Se os recursos à época eram escas- sos, a tendência não era nova. Os critérios de alocação de recursos eram rígidos e residuais, isto é, seguiam a tendência histórica, sem atentar para novas neces- sidades, e só atendiam à educação e outros setores depois dos gastos militares e da indústria pesada. Uma vez estabelecido o quantum da educação, os abusos políticos, ideológicos e pessoais abriam as portas para toda sorte de desperdício. Assim, por exemplo, o ensino de 3º grau na União Soviética era um caos, onde algumas insti- tuições excelentes ombreavam com a me- diocridade da maioria. Nada menos que 14 ministérios e comitês mantinham institui- ções de ensino superior, tornando virtual- mente impossível uma política para o setor (Merkuriev, 1991). Jogavam-se fora eleva- dos recursos em valores absolutos, ao mesmo tempo que se convivia com a escassez relativa, decorrente da modesta prioridade concedida à educação. O pior é que o sistema soviético se consti- tuiu no modelo para todo o bloco. Dessa forma, as prebendas da nomenklatura em altos cargos do sistema educacional, o desrespeito aos princípios do mérito e da produção intelectual criaram uma teia de abusos e ineficácia na Europa Oriental e Central. Por exemplo, estimava-se que 10% das instituições de ensino de 3º grau da Polônia deviam ser fechadas, por terem sido criadas por motivos políticos ou por lhes faltar qualquer vitalidade intelectual (Sadlak, 1991). Na Hungria, o rígido sis- tema de aiocação de recursos, aliado às pressões políticas, provocou uma alar- mante carência de espaço nas escolas de lº grau, obrigando as crianças a terem aulas em corredores, refeitórios, ginásios e até em escritórios, indústrias e apartamentos vizinhos aos estabelecimentos, numa suces- são de eternos "planos de emergência" (Varga, 1991). Apesar de todos os pesares, entretanto, na União Soviética, em 1989, o currículo padrão havia sido praticamente abolido, existindo apenas a obrigatoriedade de cinco matérias (russo, literatura, matemáti- ca, ciências e estudos sociais). O restante era um assunto das repúblicas, dos gover- nos locais e das escolas. As humanidades passaram a ocupar mais da metade do tempo dos currículos, fazendo recuar as ciências. Deixou de haver livros-texto compulsórios únicos e os professores se tornaram livres para ensinar história com base numa variedade de perspectivas. Renunciou-se, portanto, ao espaço por excelência de ideologização. Em certas repúblicas, como a Geórgia, foi introduzi- do o ensino religioso. As universidades e institutos passaram a dispor de completa autonomia acadêmica, propriedade do seu patrimônio e controle dos seus orçamentos. Ademais, declinaram ou desapareceram as instituições do Partido Comunista, des- tinadas a exercer influência sobre os es- tabelecimentos de ensino. Surgiram escolas particulares como opção para os pais, algumas de caráter acadêmico altamente seletivo. No entanto, houve graves dificuldades de efetuar certas mudanças efetivas. De um lado, os recursos se tornaram cada vez mais escassos, em geral apenas alguns rublos por ano para aquisição de equi- pamentos e material de consumo pelas escolas. Os salários dos professores per- maneceram abaixo da média nacional. As habitações fornecidas aos docentes rurais continuaram abaixo dos padrões. De outro lado, o velho regime foi desmantelado sem que houvesse outra proposta clara e decisi- va. A autonomia liberou forças e deman- das que não podiam ser atendidas, levan- do ao conflito entre os atores. A isso se devem — além da situação geral do país — a crescente apatia e desinteresse de professores e estudantes pela educação. Destruída a esclerosada burocracia, o que fazer? (Kerr, 1990; McLean e Voskresens- kaya, 1992). O agravamento da situação política e econômica, amplamente noticiado pela imprensa, levantou preocupações mais fundamentais que o investimento no futu- ro, via educação. As questões passaram a ser do presente, com alta inflação e des- controladas forças de mercado, tornando dominante a preocupação com itens de sobrevivência, como a obtenção de alimen- tos, habitação e tratamento médico, e o enfrentamento de conflitos étnicos e nacio- nais. A legislação liberal sobre propriedade do solo, aluguéis e tributação, deixou as instituições de ensino em má situação (Avis, 1992). A cobrança de anuidades se tornava cada vez mais inescapável, ao lado da multiplicação de instituições particula- res, que procuravam cobrar preços modes- tos por seus serviços, a fim de atender ao poder aquisitivo dos seus clientes. As empresas, por seu lado, já não têm o dever legal de empregar os diplomados pelo sistema escolar público. Também por isso, o desemprego em geral e o juvenil em particular se tornaram nova praga a as- solar a Comunidade de Estados Indepen- dentes. Mudanças como estas, aliadas à deterioração econômica e ao crescimento da economia paralela — em que não são necessárias ao enriquecimento competên- cias adquiridas na escola — têm levado ao profundo desprestígio da educação. Com os salários em queda, os professores fazem greves e se evadem da profissão, junto com cientistas renomados (Avis, 1992). Esta visão desanimadora reflete os comple- xos problemas de uma superpotência de dimensões continentais e de caráter mul- tiétnico e multinacional. Desmontar o gigante enfraquecido é fácil, difícil é par- tejar uma nova situação em que exista consenso suficiente sobre o que construir. Reformas educacionais custam dinheiro e a liberdade e autonomia não são suficien- tes para prover os meios necessários ao aperfeiçoamento da educação. Ainda que as verbas fossem abundantes, seria impor- tante que a autonomia e a liberdade esti- vessem acompanhadas pela adesão a obje- tivos comuns mínimos, para evitar o des- perdício. Se isso não ocorre e ainda existe aguda escassez, o pouco de que se dispõe corre o risco de ser pior utilizado,agravan- do a penúria e as tensões. A liderança carismática de Gorbatchev tentou, pois, salvar o insalvável, sem que- rer romper inteiramente com o antigo regime. Porém, desencadeou forças acumu- ladas e poderosas, que desviaram o curso dos acontecimentos. A sombra produzida por estes fatos tão dramáticos obscurece para o observador de hoje os méritos de suas reformas e a extensão do tortuoso caminho percorrido. O futuro é imprevisí- vel e muito há que se reestruturar antes que a educação possa seguir uma linha ascendente. A Educação na Tcheco-Eslováquia Conforme Prucha e Walterová (1992, p.23), a educação na Tcheco-Eslováquia foi mar- cada, no período socialista, pelo dualismo constituído pela cultura kitsch oficial, sub- missa, que gerou uma "crise do horizonte absoluto" (conforme a expressão de Havei), e a cultura não-oficial, dissidente, subter- rânea e emigrante, que manteve vivas as tradições do país. Em meio a este doloroso fenômeno, vigia um sistema educacional centralizado e uniforme, criado em 1948. Os educadores de hoje o definem como fruto do Comitê Central do Partido, es- timulado por decisões políticas e admi- nistrativas. A escola compreensiva foi abolida, bem como a atenção às diferenças individuais e qualquer referência a pen- samentos e sentimentos alternativos, inclu- sive religiosos. A reforma mais recente, de 1976, segundo seus críticos, fez rebaixar ainda mais a credibilidade social e o status cultural da educação, pelo caráter reacioná- rio de suas medidas. A "revolução de veludo", em 1989, logo reformou a Consti- tuição, abolindo as organizações do Par- tido em todas as escolas, universidades, institutos de pesquisa e outras entidades. Partindo do ponto de vista de que a refor- ma educacional não deve ser implemen- tada administrativa nem diretivamente, mas de baixo para cima, com o apoio de professores, pais e alunos, diversas modifi- cações foram efetuadas. Como sinal da nova filosofia, foi realizada pesquisa sobre as atitudes dos pais tchecos de alunos do ensino de lº e 2º graus. Os resultados mostraram que mais de 50% dos respon- dentes consideravam que a escola não desenvolvia certas competências neces- sárias à vida, como o ensino de línguas estrangeiras. Por outro lado, 37% deles declararam que os currículos tinham maté- rias dispensáveis, como algumas partes de matemática teórica. A maioria desejava mais diversificação do sistema escolar e maior flexibilidade de programas e méto- dos. A maioria desejava também mais escolas particulares que competissem com as estatais (Prucha e Walterová, 1992). No entanto, analisando os dados, verificamos que, se aproximadamente a metade dos pais entrevistados era "liberal" e "radical", cerca de 25% eram favoráveis ao sistema público centralizado e cerca de 25% eram particularmente interessados na educação. Havia, pois, uma oposição ponderável, mesmo considerando que a pesquisa foi feita apenas na Tchéquia. Certamente tais resultados seriam menos favoráveis a mudanças radicais na Eslováquia. Já desde o início do processo percebia-se que as duas partes do país divergiam e chegaria o momento de trilhar caminhos diversos. A estrutura vigente até a reforma consistia da educação pré-escolar (3 a 6 anos), edu- cação de lº grau (6 a 14 anos), educação de 2º grau, com grande ênfase à profis- sionalização (14 a 18 anos), e a educação de 3º grau (18 a 23 e /ou 24 anos). A esco- laridade compulsória era de 10 anos. Em 1990 ste sistema unificado e verticalmente organizado foi ampliado e horizontalmente diferenciado. A escola de 1º grau foi divi- dida nos níveis inferior (6 a 10 anos) e superior (10 a 15 anos). O primeiro oferece conhecimentos e habilidades básicas em língua materna, matemática e ciências. O segundo adota um currículo mais especia- lizado, incluindo uma língua estrangeira. A partir daí os alunos se diferenciam segundo seus interesses e habilidades. As escolas especializadas de lº grau provêem educação geral e as escolas de lº grau de artes preparam os alunos para as escolas de 29 grau do mesmo ramo (música, dança, artes plásticas, literatura e teatro). Segue-se a escola de 2º grau, com três alternativas: 1) escolas de treinamento profis- sionalizante (2 a 4 anos; 52% dos alunos no letivo de 1991-1992); 2) escolas profis- sionalizantes (4 anos; 30% dos alunos no mesmo ano letivo); 3) escolas de educação geral ou ginásios (4 anos; 18% dos alunos aproximadamente), preparatórias para a educação de 3º grau. As primeiras cor- respondem a uma velha tradição nacional, antes patrocinadas exclusivamente por empresas. Este ramo hoje é sustentado pelo Estado e assegura a terminalidade dos estudos, inclusive a terminalidade an- tecipada. O segundo ramo proporciona formação profissional mais complexa, preparando os seus alunos para profissões especializadas ou para a educação de 39 grau (escolas de tecnologia, economia, educação, agricultura, profissões da saúde etc). Por fim, o ginásio abrange as opções geral, humanidades e ciências. A diver- sificação em parte se baseia na tese de que esta facilita o avanço dos alunos mais bem dotados, perdendo eqüidade, mas ganhan- do qualidade. A educação de 3º grau, por sua vez, ex- pandiu-se aceleradamente e se diversificou, incluindo os níveis geral (3 anos) e espe- cializado (2 a 3 anos). Depois dos estudos gerais é possível uma mudança do campo de especialização ou a transferência para outra faculdade. Existem ainda o ensino pós-secundário e a educação de adultos, tendo esta se desintegrado e em vias de ser reestruturada (Institut pour lInforma- tion sur 1'Enseignment, 1992; Prucha e Walterová, 1992; Von Kopp, 1992). Quanto à educação de 3º grau, devemos mencionar que a matrícula cresceu nada menos que 33% entre os anos acadêmicos de 1989- 1990 e 1990-1991. Currículos, programas e livros-texto, antes centralizados e elaborados principalmente por acadêmicos e administradores educa- cionais, foram substituídos por orientações elaboradas por professores e psicólogos. Estas orientações eliminaram a sobrecarga de conteúdos, incentivaram o cultivo do raciocínio, em vez da memória, e deixaram o uso de aproximadamente 10% do tempo letivo a critério dos docentes. No ginásio 40% do tempo é dedicado às matérias optativas. Um terço dos conteúdos de cada matéria pode ser modificado pelos profes- sores para atender às condições locais e regionais, ao avanço dos conhecimentos na área e à experiência pessoal do professor. As primeiras orientações curriculares, como era de se esperar, foram as de civis- mo, história e literatura. Os livros-texto em geral são avaliados pelo Ministério da Educação e os diretores fazem a escolha dentre os aprovados oficialmente. Tais mudanças implicam a necessidade de aumento de recursos financeiros, mas os orçamentos têm sido muito limitados. E preciso retreinar professores (por exemplo, professores de russo devem ser preparados em geral para ensinar outra língua estran- geira, já que o idioma deixou de ser obri- gatório), publicar novos livros-texto e, na educação de 3° grau, atender à demanda reprimida e crescente, já que caíram as barreiras políticas ao seu ingresso. Uma das estratégias sugeridas é reduzir a matrí- cula das escolas profissionalizantes e au- mentar a das acadêmicas, cujo custo/aluno é muito mais baixo. No entanto, este cami- nho poderá estimular ainda mais a procura pela educação de 39 grau. Outra alternativa é a privatização. No ano letivo de 1991- 1992, havia 105 escolas particulares e 22 escolas confessionais (Prucha e Walterová, 1992), apenas 1,3% do total de estabeleci- mentos existentes. Os currículos destas escolas são livres, embora aprovados e inspecionados pelo Estado. Porém, o seu custo é relativamentealto: no ginásio particular de Praga a anuidade era de 6 mil coroas, ao passo que o salário médio no setor público era de 42 mil coroas em 1991. Assim, são os intelectuais os que mais matriculam seus filhos nas poucas escolas particulares. A descentralização administrativa, se bem conduzida, pode levar também a economi- zar recursos. A resolução de 1990 deu maior responsabilidade as escolas, direto- res e professores e estabeleceu que a ges- tão se faça por intermédio de conselhos municipais de educação nas comunidades locais e de conselhos escolares em nível distrital. Tais colegiados têm funções exe- cutivas, inclusive de alocação de recursos, e seus membros devem estar assim distri buídos: 1/3 dos assentos para a camâra municipal local, 1/3 para os professores e 1/3 para os pais. Na educação de 39 grau a autonomia uni- versitária avançou bastante, ao ponto de se considerar as instituições hoje praticamente independentes. A gestão se faz por meio de colegiados, com representantes eleitos dos professores e estudantes. Diretores e reitores são também eleitos e não mais politicamente indicados pelo Parado. A Tcheco-Eslováquia, desse modo, segue também o caminho da diversificação e da descentralização. O Ministério da Educação renunciou a grande parte de suas funções executivas, delegadas aos níveis inter- mediário e local de governo. Com isso, perde-se em heterogeneidade e eqüidade, esperando-se ganhar em iniciativa, respon- sabilidade e liberdade. Muitas são as espe- ranças, restando saber em que medida elas se concretizarão. A Educação na Polônia O antigo regime na Polônia deixou como grandes legados a eliminação quase com- pleta do analfabetismo e o rápido desen- volvimento da educação nos seus três graus. Entretanto, a deterioração do sis- tema começou ainda no governo socialista, com os cortes orçamentários nas áreas da educação e da cultura, atingindo sobretudo os salários. O declínio das recompensas do magistério foi acompanhado pela queda de status e pela doutrinação (Kuzma, 1992), seguindo a tônica da uniformidade: unifor- midade de recompensas, de currículos, de programas, de livros-texto, de formação de docentes e, enfim, de filosofia da educação. Em todos os tipos de escolas todos os estudantes deviam dominar o mesmo conhecimento — assim foi traduzido o princípio marxista-leninista de equivalência e igualdade em educação. Todavia, con- forme Kozakiewicz (1992), este sistema na prática nunca existiu e, caso existisse, não distaria muito da ficção orwelliana. A distância entre o ideal e o real se deve sobretudo a enorme influência da Igreja Católica sobre 90% das crianças e 60 a 70% dos adolescentes. Ademais, a família, com sua educação radicada nas tradições nacio- nais e católicas, serviu como um anteparo a educação escolar (Kozakiewicz, 1992). Assim, depois de 1989 o governo pós-so- cialista enfrentou uma série de problemas, alguns minorados, outros agravados. Um deles foi a relação conflituosa com a Igreja dos pontos de vista ideológico e financeiro. No primeiro caso, o Ministro da Educação baixou uma resolução para o ano letivo de 1990-1991, permitindo o ensino religioso nas escolas, desde que os pais por ele optassem, no caso das crianças menores, e os jovens o escolhessem. Apesar da acu- sação de Inconstitucionalidade, cerca de 95% dos escolares começaram a ter ensino religioso nas escolas públicas. Do ponto de vista financeiro, 20 mil sacerdotes e cate- quistas então admitidos tinham que ser pagos pelo menos em parte pelo governo. Além disso, as leis de reprivatização asse- guram o retorno à Igreja de prédios ante- riormente nacionalizados. Com freqüência tais instalações abrigam hoje escolas, cre- ches, ambulatórios e outros serviços so- ciais. A alta dos aluguéis pode causar ainda mais prejuízos ao setor, já combalido pela crise. O novo governo tratou também de enfren- tar o antigo centralismo. Os currículos eram de tal forma sobrecarregados de conteúdos que os professores, após muita luta, conseguiram 6% do tempo de ensino para atividades à sua escolha. Em 1990 o novo regime substituiu os currículos ofi- ciais por programas temporários. Assim, por exemplo, nas escolas acadêmicas de 29 grau, o programa de Matemática deixava a critério do professor 18% do tempo na primeira série, 25% na segunda série, 15% na terceira série e 40% na quarta. Todavia, o problema mais dramático foi o de His- tória, onde se realizava a maior parte da doutrinação política: os professores pas- saram a contar com 70% do tempo a seu critério na primeira série, 69% na segunda, 57% na terceira e 66% na quarta. Na escola de lº grau a situação se tornou similar. A razão disso é que os velhos livros-texto são inservíveis e alguns anos seriam neces- sários para produzir novos materiais. Inúmeros tópicos de História foram aban- donados, enquanto temas da História polonesa, inclusive sua participação na Segunda Guerra Mundial, foram acrescen- tados. Em literatura novos autores, antes desconhecidos, foram incluídos: Rabelais, Boccaccio, Descartes, Pascal, Appolinaire, Kafka, Garcia Márquez, Fromm, Simone Weil e muitos outros, além de grande número de autores poloneses antes con- siderados "politicamente incorretos" (Koza- wiewicz, 1992). Atores fundamentais na reforma são evi- dentemente os professores. Degradados em seu status pela crise econômica dos anos 80, seu recrutamento passou a ser feito entre pessoas menos capacitadas. Segundo uma pesquisa, 75% dos alunos de escolas acadêmicas de 29 grau que escolheram o magistério não conheciam a profissão, suas exigências, vantagens e desvantagens. O aconselhamento era, portanto, falho (Ku- zma, 1992). Talvez pior que isso, porém, sejam as difíceis relações entre o Estado e os professores. Do meio milhão de mestres, cerca de 1/3 era filiado ao Solidariedade e os demais à Associação Polonesa de Pro- fessores (ZNP), um sindicato de 80 anos, de tendência mais esquerdista que propria- mente comunista. Anteriormente um em cada três professores era filiado ao Partido e 10% aos partidos a ele aliados. Os super- visores e diretores eram necessariamente membros do Partido Comunista. O gover- no pós-sociahsta, apesar das promessas, não havia ainda aberto à livre competição os cargos de diretor de escola. Esta- beleceu-se então uma "limpeza da casa", utilizando métodos similares aos do antigo regime. Segundo professores, bastava ter pertencido ao Partido, independente de competência, para não merecer nenhum cargo relevante (Kozakiewicz, 1992). Por outro lado, o Solidariedade, ao contrá- rio de outros setores, não tinha grande p e n e t r a ç ã o no magis té r io . Prag- maticamente, o ZNP defendia de modo obstinado privilégios, como aposentadoria especial (com menos cinco anos de ser- viço), gratificações por tempo de serviço e estabilidade no cargo. Se era então um obstáculo às reformas neoliberais que se processavam em relação a outros grupos profissionais, como os dos policiais, milita- res e mineiros (Kozakiewicz, 1992). Fica claro que prossegue a tendência a cortar mais despesas no item pessoal, sendo difícil imaginar como se enfrentará a crise em tais circunstâncias. Kuzma (1992) declara que as reformas financeiras arruinaram as áreas de ciência, educação, cultura, saúde e bem-estar social, muito frágeis para serem deixadas exclusivamen- te "à mão invisível do mercado". Em sua crítica, ele frisa que tais áreas em todo o mundo são financiadas diretamente pelo Estado ou por instituições que gozam de isenções fiscais. Tal não é a tendência na Polônia, uma vez que, por meios até desas- trosos, o Estado procura se ver livre dos encargos financeiros. Um exemplo foi a descentralização de competências sem queos governos locais, em sua maioria, dispu- sessem de fundos assegurados previamen- te por uma reforma fiscal. Para completar este quadro, entre 1989 e 1990 aumentaram acima da inflação as dotações estatais para a saúde, a educação de 3o grau e a previ- dência social, ao passo que diminuíram em termos reais as despesas para educação em geral, cultura, esporte e turismo. Como um todo, diminuíram as despesas de capital e se retraíram os serviços sociais, em número de leitos hospitalares, dispensários, vagas em escolas de 1º e 2º graus etc. Simultane- amente, aumentou a demanda de ensino de 2º e 3º graus. Tal situação, próxima do caos, gerou o aparecimento de escolas particulares. A estatização do após-guerra havia deixado de fora apenas uma universidade católica, seminários teológicos, algumas escolas católicas, alguns jardins de infância, es- colas profissionalizantes, cooperativas e outras poucas instituições. Desde 1965 uma lei previa escolas não estatais, mas sem qualquer subsídio. Só em 1982 os governos locais foram autorizados a subsidiar certo número de jardins de infância dirigidos por religiosas. Tais verbas cobriam a dife- rença entre o custo da vaga e o montante pago pelos pais. Em 1989 os subsídios foram legalizados e ampliados. No caso das escolas religiosas, eles eram deter- minados pelo custo equivalente em insti- tuições públicas. Em 1990 o Ministério da Educação estendeu os recursos a escolas privadas, à base de metade dos custos das escolas estatais (Kozakiewicz, 1992). Além destas instituições, que poderiam ser chamadas de públicas não estatais, mul- tiplicaram-se as escolas leigas. A deteriora- ção da qualidade e a insatisfação geral com o ensino levou ao aparecimento de escolas que dão nova dimensão ao relacionamento entre os atores do processo educacional, limitam o número de estudantes por tur- ma, individualizam o ensino, intensificam o estudo de línguas estrangeiras desde a primeira série e enfatizam a educação física. No ano letivo de 1990-1991 havia 197 escolas particulares, com 10 mil alu- nos, ou seja, uma gota d'água no oceano, da ordem de menos de 0,001% da matrícu- la total. A mensalidade média era de 350 mil zloty's (500 mil em Varsóvia), chegando em pelo menos um caso a 2 milhões de zloty's. O salário mensal médio nos cinco principais ramos da economia em junho de 1991 era de 1,4 milhões de zloty's. Por isso, 80% dos pais que tinham filhos matricula- dos nas escolas particulares eram profis- sionais liberais e chefes de empresas, en- quanto estas categorias representam menos de 30% dos pais de alunos das escolas públicas (Mink e Szurek, 1991). Como podemos observar, a estatização do após-guerra parece ter sido mais fácil e menos traumática que a saída da mesma. A ebulição política, a falta de consenso em torno de normas e projetos e a certos interesses grupais em jogo — que desejam aproveitar para si as oportunidades — conduzem a um processo pouco ordenado e coerente, em que se aprofundam as iniqüidades (antes reduzidas e dis- simuladas) e os mais fracos levam a pior. Só a mitologia clássica, com a caixa de Pandora, pode figurar o drama em curso. CONCLUSÕES (OU "CARAPUÇAS" PARA A AMÉRICA LATINA) Consideradas semelhanças e diferenças, a experiência dos países em foco resulta em "carapuças" que se ajustam mais ou menos bem à América Latina. Não temos neste continente burocracias com tão profundas raízes históricas e tanta inflexibilidade quanto as da Europa Central e Oriental. No caso da ex-União Soviética estas sólidas raízes chegavam ao rigor de Pedro, o Grande, e de Ivan, o Terrível. O admirável Processo, de Kafka, também não foi latino- -americano. Nossas burocracias são preten- siosas, mas provavelmente dispomos de mais mecanismos de evasão, que distan- ciam o formal do real. Entretanto, durante muito tempo grande parte dos latino-americanos confiou no Estado como motor de desenvolvimento e promotor da justiça social, até que a crise dos anos 80 abalou profundas convicções. Privatização e descentralização, cá como lá, são remédios prescritos por especialistas renomados. Cá como lá, nas novas demo- cracias o receituário ortodoxo é proposto como salvação, apesar dos altíssimos cus- tos sociais pagos, como sempre, pela popu- lação de baixa renda. Cá como lá, cabe a advertência já citada de Marés (1991), segundo a qual caso a democracia se torne sinônimo de recessão econômica, seu futuro será duvidoso numa região onde os populismos têm profundas raízes. Caminhar sobre a lâmina da faca parece a sina em ambos os casos, dos países pós-so- cialistas e latino-americanos. Debruçan- do-nos sobre a realidade estudada, vemos que a experiência soviética é mais antiga e já foi avaliada pelos acontecimentos que se sucederam à perestroika inconclusa. A Hungria, a Polônia e as Repúblicas Tcheca e Eslovaca, além de outros países, estão a caminho e ainda é precipitado avaliar. Dos seus dramas emergem, porém, alguns pontos para reflexão. Antes de tudo, parece mais fácil entrar do que sair de um regime em que o Estado assume presença dominante. Saudado muitas vezes como salvador, o Estado intervém, controla e consegue frutos.. Isso é inegável. Mas, pelo menos nas experiên- cias em tela, ele se esclerosou, deixou de ser um juiz imparcial (se algum dia o foi) e passou a aninhar toda sorte de interesses lesivos à maioria. Ele, que havia sido proposto como meio de promover a e- qüidade (e, com certeza alcançou resul- tados nada desprezíveis nesta área), viu-se anatematizado como responsável pela falta de liberdade, pela ineficiência e pela inefi- cácia. Em termos estritamente econômicos, diríamos que os custos da intervenção do Estado na vida social, da centralização, da inibição das iniciativas individuais e locais, do cerceamento das liberdades vieram a se tornar maiores que os seus benefícios. Caminhou-se então no caminho inverso: descentralizar, delegar, flexibilizar, privati- zar, liberar as forças de mercado, abrir mão da suposta eqüidade para ganhar em qualidade e atender às diferenças in- dividuais e grupais. Em outras palavras, substituir a "mão visível" pela "mão in- visível". A transição não é indolor. O mar de rosas logo mostra seus espinhos sob a forma de deterioração das condições de vida dos grupos mais vulneráveis, desemprego, subemprego, inflação, violência, con- centração de renda etc. São os custos da liberalização, amaldiçoados por aqueles que, no passado, pelo menos tinham a segurança de não cair mais na escala so- cial. Espera-se que os benefícios superem os custos, pois, do contrário, a situação se tornará insustentável. A questão é como custos e benefícios são distribuídos pela coletividade, para que esta não se desin- tegre à medida que uns passam a contar quase que apenas com os últimos e outros com os primeiros. Daí pode resultar um movimento pendular, de volta à es- tatização e a centralização, conforme os sinais que parecem vir da divorciada Es- lováquia e que alguns observadores cap- tam sobretudo em áreas rurais da Rússia, Romênia e outros países. Outro ponto é que a liberdade torna-se muito atrativa do alto dos palanques po- pulistas. No entanto, a liberdade é con- dição necessária, mas não suficiente, para resolver os problemas. Laissez faire, laissez passer é um belo lema, porém fazer o quê? Ir onde? O ideal é que o projeto do novo seja claro e determinado antes que o velho se vá. Todavia, o racional não é neces- sariamente real e vice-versa, como queriam os iluministas. Cabe, então, cultivar a prudência de tornar projetos tão claros quanto possível antes de destruir o status quo. Esta deveria ser uma cobrança do povo, que paga a conta das mudanças: criticar é fácil, reconstruir é difícil.Ainda outro ponto é que, no ancien regime, a educação ficou submetida à prioridade outorgada à grande indústria e aos gastos militares. Hoje, apesar de os estudantes, professores e intelectuais terem saído às ruas para trazer à luz uma nova ordem política, a educação continua em segundo- plano, entregue, como os demais setores sociais, à baixa prioridade governamental e as forças de mercado. E fácil dizer muitas coisas na academia, quando as palavras soam com facilidade e não se tem as dificuldades de quem se senta nas cadeiras do poder, enfrentando as complexidades e as pressões da política. Apesar disso, cumpre frisar alguns pontos. Primeiro, como o Estado não é panacéia e sair do controle estatal parece mais difícil do que nele ingressar, a presença do Es- tado deve ser muito bem ponderada e dosada antes que se gestem problemas maiores que os que se quer resolver. Segundo, coerente com esta linha, é preciso indagar pelo balanço entre custos e benefí- cios da intervenção estatal. Como não se pode conseguir tudo ao mesmo tempo, é obra por excelência da arquitetura política saber que benefícios buscar, com que custos arcar, quem paga os custos e quem ganha os benefícios. Terceiro, já que o liberalismo como teoria raramente se concretizou na realidade (se é que algum dia, em algum lugar se con- cretizou), convém indagar se os setores sociais — a educação entre eles —, com sua fragilidade, podem ficar inteiramente à diposição da mão invisível — ou de uma desastrada mão que se esconde, pretenden- do-se invisível. Quarto, como liberdade não é sinônimo de anomia, indispensável elaborar, discutir e selecionar projetos para uma nova ordem, capazes de ser construídos em liberdade. Muitas outras questões poderiam ser colo- cadas se as informações fossem mais por- menorizadas, se o analista fosse melhor e se houvesse um pouco mais de distan- ciamento no tempo em face das reformas em realização. Mas, como um trabalho pode ser o princípio de outro mais comple- to, temos a esperança de que a perspectiva venha a ser ampliada e aprofundada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AVIS, George. Survey of events: Soviet Union. Comparatíve Education Review, v.36, n.2, p.271-273, May 1992. CARNOY, Martin, WERTHEIN, Jorge. Socialist ideology and the transfor- mation of Cuban education. In: KARA- BEL, Jerome, HALSEY, A.H. (Orgs.). Power and ideology in education. New York Oxford, 1978, p. 573-588. DARVAS, Peter. Survey of events: Eastern Europe. Comparatíve Education Re- view, v.35, n.2, p.395-396, May 1991. DOBSON, Richard. Social status and ine- quality of access to higher education in the USSR. In: KARABEL, Jerome, HAL- SEY, A. H. (Orgs.). Power and ideology in education. New York Oxford, 1978. THE EUROPA WORLD YEAR BOOK, 1991. London: Europe Publ., 1991. Cze- choslovakia. THE EUROPA WORLD YEAR BOOK, 1991. London: Europe Publ., 1991. Hun- gary. THE EUROPA WORLD YEAR BOOK, 1991. 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