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resumão cidadania_A1

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1- Antiguidade clássica - Grécia e Roma 
Inicialmente muitos autores buscaram as raízes do termo cidadania na Antiguidade Clássica (Grécia e Roma), porém, a cidadania exercida naquele momento histórico guardava características próprias. Segundo Guarinello, podemos aproximar dois mundos diferentes, mantendo sempre a consciência dessa distinção, e evidenciar processos históricos que podem iluminar os limites e as possibilidades da ação humana no campo das relações entre indivíduos (Guarinello, 2003: 29). 
Não devemos olhar simplesmente para a Antiguidade Clássica, com o olhar de hoje. O termo cidadania foi criado em meio a um processo de exclusão. Dizer quem era cidadão, ao contrário de hoje, em que supomos se tratar da maioria, era uma maneira de garantir os privilégios de uma minoria e eliminar a possibilidade de a maioria participar. Inclusão total é uma leitura contemporânea (Karnal, 2003: 144). 
Os homens livres, adultos e naturais de Atenas eram considerados cidadãos, para tanto a relação entre educação e cidadania era um ideal consciente e praticado na Grécia. 
Numa sociedade claramente excludente, os eupátridas (aristocratas, proprietários rurais) possuíam um patamar mais elevado, cabendo a eles (cidadãos) a participação ativa na vida e no espaço público. Assim estavam excluídos mulheres, crianças, idosos, escravos e estrangeiros. 
A cidadania romana, inicialmente, era exercida pelos grandes proprietários de terra que possuíam o direito de voto (censitário). Posteriormente foi ampliada para os estrangeiros conquistados que passaram a integrar o Império Romano. 
Duas características práticas aproximavam Grécia e Roma: a cidadania exercida diretamente sem a mediação da representação; e consequentemente, a necessidade de tempo livre para se dedicar ao fazer político: a realização plena do homem (pensar, discutir e praticar política, esportes e artes), formando assim seu areté – mérito ou qualidade nos quais alguém é o melhor: excelência do corpo, da alma e da inteligência. Traduzido costumeiramente como virtude. (Chauí, 1994: 343).
Antropocentrismo/Revolução Inglesa/Industrial 
O período que precedeu o Antropocentrismo ficou conhecido como Idade Média, tendo início com a queda do Império Romano no Ocidente e se estendendo até a tomada de Constantinopla pelos turcos Otomanos (divisão meramente didática). Subdividido em Alta Idade Média (séc. V ao XI) e Baixa Idade Média (séc. XII ao XV), marcado por invasões; pela notabilidade da cultura muçulmana; formação das línguas modernas e alicerce das nações européias; supremacia da Igreja Católica; estabelecimento das bases do mercantilismo e da expansão marítima. 
Por ignorância com relação aos fatos citados anteriormente, este período foi rotulado de Idade das Trevas. Porém, se analisarmos apenas o homem como ator social do processo histórico/cultural, percebemos com facilidade que a prática Teocêntrica permitiu à Igreja se impor como guardiã dos hábitos e costumes, dominando assim o espaço público e doutrinando o homem a não desobedecer os “desígnios de Deus”, leia-se, da própria Igreja. 
As constantes invasões levaram os “senhores”, proprietários de terra (meio de produção), a murarem a unidade nuclear de suas propriedades e dentro destes a vida cotidiana ficou circunscrita, em sua grande maioria. Relações servis/vassalas, trocas de mercadorias e devoção/medo a Deus eram elementos característicos do período. O custo desse modo de vida se fez perceber sobre o homem e sua relação com a política e o espaço público, alienando-o de um dos pressupostos básicos para sua formação/sociabilidade. 
Ainda que a prática da construção do pensamento estivesse sob a égide da Igreja, o povo encontrava mecanismos para formar e expressar suas opiniões. Um bom exemplo foi descrito por Carlos Ginzburg em O Queijo e os Vermes. A mudança na forma de ver o mundo e consequentemente a relação do homem com Deus, tendo como perspectiva sua centralidade e relações sociais, passaram a ser de nominadas Antropocentrismo. Tal posicionamento levou o homem a questionar a si e o mundo. A valorização do homem resultante destes questionamentos reconstruiu, ao longo da modernidade, a política e o espaço público, como práxis e lócus do exercício do desejo humano (no sentido Hobbesiano). Durante a Idade Moderna, a burguesia procurou criar condições para sua ascensão sociocultural e política, e consequentemente, tal busca levou ao questionamento da ordem estabelecida em diversas regiões geográficas e momentos históricos distintos. Destes a Revolução Inglesa/Industrial, a Independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa e a Declaração dos Direitos Universais destacam-se na formação da cidadania burguesa ocidental. 
A Revolução Inglesa/Industrial possui grande importância na construção da cidadania por três motivos em especial: primeiro – por se tratar de um momento de transição da sociedade (agrária, ligada à produção de gêneros alimentícios, para o urbano, voltado à produção de manufaturas), logo, o questionamento da ordem política e social marcou a ascensão da burguesia; segundo – esta ascensão burguesa necessitava de uma nova estrutura social que alicerçasse a urbanização e conseqüentemente a produção e o consumo das manufaturas, produzindo uma nova mentalidade ligada ao prazer terreno (potencialidade do desejo); terceiro – a legitimação desta nova estrutura social implicava em determinar novas hierarquias sociais (burgueses e proletários), mas havia também a necessidade de construir possibilidades (ideologias) de ascensão e de igualdades. Estes processos serão a tônica principal de todas as disputas ideológicas e físicas do século XX e XXI.
As lutas na Inglaterra do século XVII e XVIII semearam as bases das liberdades individuais, encerrando a relação de subordinação do homem com a ordem estabelecida(Igreja e nobreza). Foram firmados os direitos e as liberdades costumeiras do povo inglês: “todos são iguais perante a lei”. Resumidamente, a necessidade de segmentos sociais ingleses alterarem a ordem social produziu uma nova construção, na qual estavam alicerçadas as condições para a universalização das bases dos direitos civis (direito à vida e às liberdades – corpo, espírito e mente). 
Ainda assim, o surgimento desta base necessitava de ampliação quantitativa, inclusive na própria Inglaterra, pois o surgimento da classe dos proprietários levou ao surgimento da classe dos homens sem propriedade, possuidores apenas de sua força física para dispor como moeda de troca. Estava inaugurada uma nova fase social, marcada pela luta na aquisição de direitos políticos e sociais, deslocando os proprietários da condição de classe revolucionária para conservadora. Novas transformações caberiam às classes excluídas do processo histórico de obtenção de propriedades. Antes de prosseguirmos na Inglaterra, vejamos os efeitos das transformações nos Estados Unidos e a França sobre a cidadania.
Independência EUA e Revolução Francesa 
A importância dos Estados Unidos para o mundo (Ocidental e Oriental) é anterior à edificação de sua hegemonia pós-Segunda Guerra Mundial, suscitando paixões (amor e ódio). A análise da sociedade norte-americana nos permite compreender os referenciais que formaram a cidadania yankee. Os alicerces conceituais encontravam-se na Grécia Clássica e na metrópole inglesa, sendo forjados na luta de independência contra a própria Inglaterra, e posteriormente servindo de inspiração para as colônias da América espanhola e portuguesa. 
Os EUA, na formação de sua matriz conceitual, perseguiram a construção de uma democracia (grega) liberal (inglesa). Simbolizando a ascensão de um grupo específico da colônia (brancos, saxões, protestantes e proprietários), que tinham a vocação de edificar o sonho iniciado com o Mayflower e resgatado na luta contra a opressão inglesa: a liberdade. Embora a luta de independência tenha envolvido outros setores sociais (negros, mulheres, brancos pobres, índios e imigrantes), a nação aguardaria um novo momento histórico para que
estes setores encontrassem sua cidadania, confirmando assim a exclusão típica das transformações sociais que conduzem uma única classe bem definida ao poder. 
Um rápido olhar sobre a história dos Estados Unidos lança diversas questões relacionadas à cidadania. Neste roteiro apontaremos algumas, e o debate realizado no fórum poderá suscitar novos olhares e questões. A Declaração de Independência traz em seu conteúdo pontos cruciais para formação da cidadania na nova nação: autodeterminação, igualdade e liberdade. 
A autodeterminação está relacionada ao momento histórico e à condição de subserviência que a colônia norte-americana vivenciava em relação à metrópole inglesa. A independência possibilitaria aos colonos a construção livre de seu estatuto político, assegurando seu desenvolvimento econômico, social e cultural. A igualdade, reivindicada na Declaração de Independência, elevava os ex-colonos, (agora estadunidenses), à igualdade com os ingleses. Idealizada na teoria e distante na 
prática, a nova democracia tratava de forma diferenciada homens pobres, mulheres, negros e índios. A igualdade era aplicada aos iguais - brancos, saxões, protestantes e proprietários.
Entre todos os ideais que alicerçam a construção da identidade e da cidadania estadunidense, é sobre a liberdade que repousa seu maior constructo e simbolismo (interno e externo). Foi em busca da liberdade, e fugindo de perseguição religiosa, que os ingleses migraram para a colônia; em nome desta acordaram a união das frações coloniais, usando-a como elemento de coesão de segmentos distintos; conclamaram sua autodeterminação e tomaram o lugar da Inglaterra no comércio mundial; através de seu uso consagraram-se seus protetores (a terra da liberdade); e dos abusos, cometidos em seu nome, se intitularam seu perpétuo defensor, possibilitando-os ocuparem o lugar de xerifes da nova ordem mundial, via intervenções que buscam garantir liberdade, democracia e paz. 
A Revolução Francesa é inegavelmente um dos momentos históricos dotados de maior simbolismo para o imaginário coletivo contemporâneo (moderno e pós-moderno). 
Seus ideais, práticas, consequências e questionamentos expressam transformações, continuidades e contradições existentes na nova ordem social ocidental (capitalismo). 
A Revolução Francesa extrapolou os limites em ações com a prática do “terror”; e ideologicamente, ao acreditar na possibilidade de criar liberdade, igualdade e fraternidade, como valores fundamentais para construção de uma sociedade harmônica e justa. Estes três pilares harmonizam-se com a busca iniciada no antropocentrismo e perseguida pela modernidade: a conciliação entre os homens dotados de instintos, paixões, desejos e racionalidade. A busca pela realização de suas vontades (felicidade) está baseada no direito natural que cada homem possui, sendo este inalienável. 
A Revolução Francesa representou a ascensão da burguesia ao poder através de um processo violento e sangrento, alternando momentos de extremismo e profunda reflexão sobre o indivíduo/sociedade. Marca o uso do povo pela burguesia para dominar o cenário político e garantir direitos, estabelecendo limites para sua ação. Posterior à Revolução Francesa, o proletariado formado pós-Revolução Industrial assumiu o papel de agente revolucionário da história, o que direcionou a burguesia para o plano do status quo ou establishment. Tal configuração social entrou em choque no início do século XX, motivada pela Revolução Russa (1917), Crise de 1929, as Guerras Mundiais e os regimes totalitários.
2- Cidadania Contemporânea I – Brasil: Da Primeira República ao 
Estado Novo 
Objetivo do estudo 
Contextualizar as questões referentes a Construção da cidadania contemporânea no Brasil , da Primeira Republica ao Estado Novo. Período da história do Brasil iniciado desde a Proclamação da República até a Revolução de 30, esta marcado por inúmeros eventos que nos permitem perceber claramente a relação entre as elites detentoras do capital, o Estado e as classes alijadas dos meios de produção. Erroneamente, alguns cientistas sociais e políticos afirmam se tratar de um período no qual a cidadania não era exercida pelo povo brasileiro, suas análises partindo de aspectos formais das relações sociais. 
Na contramão desta corrente ideológica utilizamos outra perspectiva para analisar e compreender a história da sociedade brasileira. Neste aspecto o início da República nos apresenta elementos substanciais para análise profunda e reflexiva de nossa gente, nossas escolhas, nosso passado e presente. 
Embora proclamada em 1889, a República Brasileira não nasceu de uma ruptura radical com o passado monarquista, ao contrário, a transição vinha ocorrendo lentamente, num processo que permitiu às elites sua adaptação a este novo momento histórico. Grande parte do nosso malfadado presente nos surge como herança ou dívida das opções do nosso passado histórico e de nossas ações políticas. Uma não ação também é uma forma de agir! 
As raízes da persistência do mal-estar social brasileiro podem ser facilmente apontadas nos seguintes pilares: terra, negro, educação, trabalho, pobreza, “assistencialismos” e corrupção. A história brasileira revela-se diante dos olhos do observador mais atento como um jogo de soma zero, no qual as elites se alternam no poder (respeitando a conjuntura internacional). 
Há no Brasil um triplo movimento: primeiro, capitaneado pelas elites econômicas, que utilizam todo o aparato estatal e ideológico para manutenção de seu establishment (Estado, leis, políticas educacionais, poder de polícia, intelectuais, mecanismos de mídia e ideologias); segundo, manifesto pela classe média, que vive um dilema histórico: estabelecer-se economicamente, negando a pobreza que a circunda como construção socioeconômica, pois deseja ser cooptada pela elite ou assumir seu caráter revolucionário enfrentando a ordem instaurada e construindo uma nova ordem social, assentada no equilíbrio entre condições econômicas e sociais; terceiro, o povo: limitado de um lado pela ausência de educação como base formadora de consciência crítica, mas ainda assim dotado de energia transformadora e arrasadora das massas (turba), com a experiência“... das costas 
marcadas e as mãos calejadas ...”. Optando por sobreviver, entorpecido com políticos, carnavais, futebol, novelas e a própria preguiça embebida no sebastianismo. Para uma análise mais profunda de nossas raízes e da atual realidade brasileira ver os livros linkados e a lista de referência (anexo). Cabe ressaltar que estes livros possibilitam um panorama da nossa sociedade, mas não exaurem as possibilidades interpretativas. 
Optamos aqui por identificar dois elementos fundamentais para a dinâmica da cidadania:o coronelismo, uma das principais formas de poder; e a Revolta da Vacina, levante social que contraria a lógica da cidadania formal, e que consistiu na luta da população contra o saneamento e a reforma urbana. Na história ofi cial foi interpretado como resistência à política sanitarista e defesa de valores morais. 
A sociedade brasileira da virada do século possuía uma configuração política complexa em que as oligarquias ascenderam ao poder tendo como base o coronelismo nos Municípios e Estados, sendo referendada pela Constituição que concedia autonomia aos Estados, logo delegando autoridade para constituir/aparelhar suas forças militares, organizar a justiça e contrair empréstimos no exterior. Tal prática era possível pois nossa República (federativa e presidencialista) era constituída a partir do sufrágio “universal” (excetuando os analfabetos, mulheres, menores de 21 anos, mendigos, militares sem patente e religiosos de ordens monásticas).
A base de todo este sistema era o coronelismo, que operava a partir da exclusão dos meios de produção sobre as classes mais pobres, propiciando ao proprietário rural poder econômico, ainda que decadente. A estrutura agrária permitia ao poder privado seu estabelecimento nos municípios, sendo este redimensionado pela relação com o poder
público. 
A relação consistia num sistema de retroalimentação, no qual o governo se beneficiava dos currais eleitorais (voto de cabresto), garantindo em troca verbas aos coronéis objetivando a manutenção da estrutura de mando. Logo, o sistema eleitoral da Primeira República se encontrava viciado e excludente, o que impossibilitava o estabelecimento da cidadania plena. Apesar da impossibilidade da “cidadania formal”, esta não deixou de se realizar neste período. Ao observarmos as manifestações sociais (Canudos, Contestado, Cangaço, Revolta da Chibata, Vacina, greves proletárias e os movimentos tenentistas) percebemos facilmente a mobilização social e o enfrentamento à ordem vigente. Outra possibilidade interpretativa soma a estes fatores a remoção imposta às classes pobres para bairros do subúrbio, objetivando não apenas a higienização e remodelação da capital, mas também a criação de espaços para a nova cidade e sua especulação. A resistência da população demonstrou o exercício da cidadania espontânea. 
Welfare State 
A partir da era das revoluções, a sociedade capitalista ocidental experimentou um período contínuo de aceleração da produção e riqueza, gerando consumismo desenfreado atrelado ao lucro e à ganância. Tal prática resultou na especulação desmedida no setor financeiro, levando à quebra da bolsa, arrastando o mundo para um período de crise. Desde a expansão industrial e o surgimento do capitalismo (sistema econômico e político), uma nova forma de relação social foi sendo construída, baseada no conflito entre a burguesia e o proletariado: a luta de classes. Neste processo contínuo de enfrentamentos, a aquisição da cidadania possuiu uma dinâmica própria em cada país. O início do século marcou uma série de greves por parte do proletariado, sob a influência de novas ideologias (anarquismo, comunismo e socialismo), objetivando conquistas civis, políticas e sociais. A crise de 29 revelou as limitações do laisser faire. A alternativa encontrada por muitos países foi o desenvolvimento do welfare state (estado de bem-estar social) - elevação do Estado à condição de principal agente regulamentador de investimentos na geração de empregos e assistencialismo. A base desta política era a realização de parcerias entre os sindicatos proletários e a burguesia proprietária. A necessidade de recuperação do sistema capitalista e a pressão do proletariado os direitos sociais avançaram. Brasil pós-30 O Brasil passou pelo mesmo processo seguindo a tendência internacional, resguardando suas peculiaridades, tradições e modus operandi de sua política/relações de força. Duas pré-condições merecem destaque: concomitância do setor industrial modernizante, com setores conservadores/tradicionais ligados à agroexportação e a posição do País no cenário mundial. As ações do governo Vargas objetivaram impulsionar definitivamente a transferência do eixo econômico do setor agrário para o urbano, logo o estabelecimento de leis trabalhistas e o incentivo do Estado na industrialização, associado a políticas de cunho social (direitos sociais) e assistencialistas, marcaram 1930 como o período divisor de águas na história do Brasil, segundo Eli Diniz. Em contrapartida, o sistema agrário não sofria alterações, o que garantia a sobrevivência do poder de mando no campo e toda construção sociopolítica baseada na exclusão da terra. O Brasil vivia um momento de recuperação econômica assentada em contradições sociais e políticas. As lutas proletárias dos anos 20 (incipientes) formaram consciência de classe. 
Porém, a criação do sindicato único tutelado pelo Estado cerceou e/ou condicionou à elaboração de uma concepção de mundo pelos trabalhadores. Em contrapartida, boa parte das reivindicações dos operários foram atendidas a partir das Leis Trabalhistas. Deve-se ressaltar que tais garantias apenas vigoravam nos centros urbanos e para aqueles que aceitavam ser cooptados pelo sindicato único. A implementação de políticas voltadas para o setor social (educação, moradia, saúde, emprego e infra- estrutura) asseguraram o fortalecimento do espectro de segurança social criado pelo governo. O custo desta política (direitos sociais) foi o cerceamento de direitos civis e políticos. 
As transformações sociais e o governo Getúlio Vargas (1930/1945 e 1951/1954) deixaram marcas 
definitivas no imaginário brasileiro: ditador ou pai dos pobres? Estadista revolucionário ou politiqueiro tradicional? Modernizador ou conservador? As visões variam de acordo com o lugar do observador/ analista, e sua perspectiva. 
Mas, sem dúvida, a construção da cidadania brasileira tem neste período uma de suas maiores contribuições. Marca o reconhecimento por parte do Estado, do povo como agente da história. A relação entre o trabalho e a cidadania é definitivamente construída e reverenciada neste período histórico. Cidadão é o trabalhador de carteira assinada!
3- Cidadania Contemporânea II - Brasil: Do Pós-Guerra a Atualidade 
Objetivo de Estudo 
Contextualizar as questões referentes a Construção da cidadania contemporânea no 
Brasil , do pós- guerra a atualidade. 
A partir de 1945 uma nova conjuntura internacional passou a influenciar as ações mundiais (âmbito interno e externo): a guerra fria. Os efeitos deste período de tensão político/nuclear ... guerra improvável, paz impossível ... refletiu-se nos conflitos e opções que a sociedade brasileira passou a realizar, tendo ainda associado o populismo. O período de 1945 a 1964, considerado por muitos cientistas sociais/políticos como democrático, trouxe diversos atores sociais para a cena política. A cidadania, ainda excludente, era exercida por diversos setores sociais incluídos em sua plenitude, ou 
seja, por meio da participação social e política. 
Este cenário produzia uma conjuntura interna instável. Para alguns setores (tradicionais, conservadores, associados ao capital internacional e/ou militares) tal efervescência simbolizava um real perigo vermelho ou a possibilidade de um governo sindical-populista. Logo, o recurso desses setores foi recorrer ao “padrão moderador” das Forças Armadas, praticado ao longo da história republicana. 
Embora as Forças Armadas não apresentassem uma unidade ideológico/política, os fatores descritos anteriormente, somados à possibilidade de quebra de hierarquia da corporação (resultado da própria divisão ideológica e das práticas políticas), foram decisivos para a concretização da opção intervencionista. A sede de Estado, por parte dos militares, ressurgiu no período de tensão entre 1951/54. Golpes à democracia foram pensados e arquitetados, defesa da Constituição e ambições de chegar ao poder através das urnas foram cogitados e testados. Estava latente o desejo pelo controle da máquina estatal, porém o povo como agente histórico e as divergências da corporação militar adiaram em dez anos a tomada do poder pelos militares. 
O golpe, para alguns “revolução”, marcou um novo momento histórico da cidadania no Brasil, representando na prática um período de drásticas intervenções no processo social. O resultado foi o surgimento e exacerbação de problemas sociais, ainda não superados em nossa sociedade. No que tange à cidadania ocorreu uma ampliação dos direitos sociais, restrição dos direitos políticos e supressão dos direitos civis. Porém, cabe ressaltar o apoio de parte da sociedade ao intervencionismo: o bloco associado ao capital internacional; proprietários rurais; setores da classe média e igreja; e diversos governadores. 
Centrando a discussão no impacto do regime militar sobre a prática cidadã, 1964/1985 reflete um momento de tensão máxima entre a cidadania teórica e prática, concedida e conquistada. Como já havia ocorrido no Estado Novo (Ditadura Vargas), os direitos sociais foram assegurados, e durante os primeiros anos, como resultado do milagre econômico, havia oferta de empregos, agradando o operariado urbano. Os trabalhadores rurais passaram a ser ouvidos, diminuindo a pressão no campo. Porém, o fator determinante para o controle social esteve centrado na satisfação,
ainda que passageira, alcançada pela classe média. 
O regime militar brasileiro foi marcado pela forte preocupação em assegurar juridicamente sua autoridade. Tal prática levou à implementação de um sistema político denominado “democrático”, ao permitir à população escolher seus representantes políticos entre dois partidos: a Arena (partido do governo) e o MDB (oposição consentida). Assim foi garantido aos militares a construção de um imaginário efi caz sobre parte da população, enaltecendo a vitória da tradição, segurança e família sobre os revolucionários terroristas que objetivavam destruir o país através da cooptação de jovens estudantes. Logo, “nossa vocação” estava garantida: sermos o País do futuro. 
A imposição do novo modelo econômico-político, e o fi m da “ameaça vermelha” sindical populista, só seriam alcançados com o fi m da cidadania. Neste aspecto a edição dos Atos Institucionais (AI) cerceava de alguma forma direitos civis e/ou políticos. Logo, parte da sociedade civil iniciou um período de intensa manifestação e ação política, enfrentando diretamente os militares. A juventude de todo o mundo iniciava um processo de contestação da ordem vigente (maio de 1968, França, organização estudantil; Brasil, paz e amor e lutas sociais; Estados Unidos; Primavera de Praga e outros), sintetizado na frase: “Sejam realistas, exijam o impossível!”. A resposta radical veio por meio do AI-5, iniciando o recrudescimento definitivo do regime: censura, tortura e execuções. (Des)Construções ideológico-políticas realizadas durante o regime deixaram marcas profundas na sociedade, mesmo após o fi m do regime militar: o “controle” ideológico da Rede Globo; a truculência herdada pela PM, a rejeição desta Instituição pela sociedade como personifi cação do mal, e seu resgate contra o mal maior (violência oriunda da desigualdade social) visto nos pedidos de intervenção contra os “favelados criminosos” – Tropa de Elite; falência da educação pública e o crescimento das redes privadas; e o mal-estar na discussão política. Neoliberalismo A política neoliberal fi ncou raízes a partir da Escola Austríaca (Friedrich Wieser - O Valor Natural/1889; Friedrich August von Hayek – O caminho da servidão/1944; e Ludwig von Mises – Ação humana/1949). Em comum, defendiam a liberdade do indivíduo e do mercado. Hayek e Mises afi rmavam que as políticas keynesianas (implementadas no pós-29) possuíam limitações e frustrariam o desenvolvimento natural da economia, logo, inibindo a potencialidade libertadora para o indivíduo. No início da década de 70, as idéias associadas ao livre mercado e a crítica voraz ao 
sistema keynesiano (Welfare State) voltaram à pauta. A Escola de Chicago (monetarista) tinha na fi gura de Milton Friedman seu principal expoente. Defensor da teoria monetarista, pregava o combate à infl ação através da oferta de moeda, o fi m do salário mínimo ou qualquer piso salarial, pois ambos distorciam o custo da produção. 
Segundo a Escola de Chicago, as crises da década de 70 (fi m da paridade dólar-ou- ro/1971; crise do petróleo, OPEP/1973 e Irã/1979), atingiram as economias ocidentais de forma drástica. O sistema keynesiano não possuía mais fôlego para responder à crise; para os monetaristas, a oferta de moeda por bancos centrais motivou a inflação; impostos elevados, somados a tributos excessivos e 
regulamentação estatal da economia, ocasionaram a queda da produção. 
A cartilha neoliberal pregava: redução do Estado (mínimo) e dos gastos públicos (cortes no sistema welfare state); diminuição da carga tributária; desregulamentação dos preços e privatizações. O enfraquecimento de sindicatos atrairia novos investidores aumentando a geração de empregos e consequentemente a circulação de capitais e riquezas. O equilíbrio seria alcançado através da prática da Lei de Say, que de forma simplista pode ser entendida como: oferta cria demanda, logo, a previdência pública, as leis trabalhistas, os subsídios à saúde e à educação passaram a ser vistos como entraves econômicos. Ressaltavam que tais setores, sob a guarda do Estado, impediam a atuação do capital privado, cerceando as liberdades econômicas dos indivíduos. 
A política neoliberal foi implementada na Inglaterra de Margaret Thatcher e nos EUA de Ronald Reagan, muito embora a experiência viesse ocorrendo no Chile sob a batuta ditatorial de Pinochet (rendendo a Milton Friedman acusações de colaboração com a ditadura chilena). A opção neoliberal não era a única alternativa, mas foi a escolhida pelos países capitalistas. No fi nal da década de 80, com o fi m da alternativa Russa e a queda do Muro de Berlim, o neoliberalismo passou a ser a ideologia hegemônica, amplamente difundida pelo Consenso de Washington, por Davos, pelo FMI e o Banco Mundial.
Brasil anos 80 
Os anos 80 reinauguram a prática cidadã, restaurando a efervescência política. Uma nova conjuntura internacional prenunciou possíveis transformações num horizonte a curto prazo. Foi o momento de reavaliação do nosso passado, formação social e matriz econômica. Momento também de projetar alternativas para superar nossos dilemas históricos. Mas, existiam dois aspectos basilares para tal processo: 1o encontrar um caminho para redução das desigualdades sociais em meio à crise econômica brasileira, sob a nova lógica do capital internacional; 2o calcular o impacto do governo autoritário sobre a sociedade. 
A crise econômica da década de 80 está relacionada a três acontecimentos econômicos internacionais: fim da paridade ouro-dólar (1971 – EUA); 1a crise do petróleo (1973, OPEP); e 2a crise do petróleo (1979, Irã). Esses acontecimentos levaram à retração da economia internacional e à adoção de um conjunto de políticas que inaugurou a prática neoliberal nos Estados Unidos da América e na Inglaterra. Interligados a estes fatores exógenos (basilares), havia o reflexo das políticas econômicas praticadas pelos governos militares: aprofundamento da dívida externa; gastos públicos desordenados e ineficazes atrelados à corrupção (malversação do erário público) e agravamento da concentração de renda, gerando o crescimento do abismo social entre ricos e pobres. 
Com a estagnação econômica, os problemas sociais emergiram trazendo à cena a desigualdade social e a exclusão. A praça pública transformou-se no fórum de discussão e reivindicação política. A cidadania voltava a ser exercida nas fábricas do ABC paulista; nas ruas das cidades exigindo e festejando a anistia; no início das lutas dos excluídos socialmente (ressurgimento da luta pela terra, moradia e outros); e nas manifestações políticas pelas Diretas Já. Embora as ruas das cidades estivessem inundadas por pessoas, cantos e bandeiras, o regime militar tentava resistir e a Rede Globo ajudava a maquiar a realidade social, atribuindo o rótulo de manifestação cultural (aniversário da cidade de São Paulo) aos atos políticos que exigiam Diretas Já. 
A população somava esperança (econômica), ideologia (política), vontade (cultura) e desespero (social) no fim do regime militar e no início da Nova República ... no novo tempo, apesar dos perigos/da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta/pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver/pra que nossa esperança seja mais que a vingança/seja sempre um caminho que se deixa de herança ... porém, a política não é campo da inocência. O povo, esperançoso, logo seria traído numa construção arquitetada no seio do poder: acordos entre o PMDB, o PP e as dissidências ligadas ao regime.
A campanha das Diretas Já foi mantida, mesmo após a derrota da Emenda Dante de Oliveira. Tinha início a transição do lócus da política, do espaço público para o privado, através da video política. Também é possível observar o início da crise de representação política que alicerça a falta de credibilidade e interesse do povo com a democracia republicana. A morte de Tancredo e os pacotes econômicos do governo Sarney (fiscais dos preços) aceleraram o processo de conversão da política. O povo durante a década de 80 conheceu a possibilidade de
organização e mobilização política, concomitante ao comportamento de desinteresse, negligência, acomodação e leviandade com o bem público. Entre politização e despolitização a Constituição cidadã (1988) foi aprovada. Inicialmente despertou euforia na população, porém, o artigo 5o converteu-se em letra morta, ajudando a aumentar o descrédito do povo com a política e as leis vigentes. Floresceu assim um discurso caro e perigoso para a sociedade brasileira: ... a descrença na política, e nos políticos considerados corruptos, bem como a certeza de que as leis não são para todos... Tal discurso passou a legitimar o descompromisso social que identifica para fora de si problemas intrínsecos à nossa formação: jeitinho brasileiro; “sabe com quem está falando?”; “somos todos iguais”; e o “todo mundo faz ...” (justifi cativa que engloba de corrupção a jogar lixo na rua). 
Brasil anos 90 
Os anos 90 marcaram um novo momento na história do mundo ocidental. A supremacia hegemônica conquistada pelos EUA através do poder econômico e militar lhe permitiu galgar o posto de xerife da nova ordem mundial. No Brasil, os últimos anos da década de 80 permitiram ao cidadão viver experiências autoritárias (tropas invadindo e executando trabalhadores na CSN/1988) e democráticas (disputa eleitoral em 89, deixando frente a frente duas ideologias antagônicas: o neoliberalismo de Collor/PRN apoiado pela burguesia nacional e os grupos Civita/Marinho de mídia privada e o socialismo de Lula/PT, com apoio das esquerdas e a força de suas Caravanas). A vitória de Collor alinhou o projeto econômico brasileiro com a economia internacional. Logo,a ortodoxia das políticas neoliberais passou a ser implementada tendo efeito direto sobre a cidadania formal estabelecida. Privatizações, iniciadas ainda no governo Sarney; ataque ao Estado/funcionalismo público, sob o rótulo de marajás; confisco dos rendimentos; proposta de desregulamentação da CLT e abertura da economia para o novo capital internacional financeiro substituíram a euforia do propalado progresso modernizante pela dura realidade do aumento dos índices de desemprego. O trabalhador sentiu o golpe, e sem aumento de salários, e com a falência dos direitos sociais, o padrão de vida foi a “nocaute”.
A população passou, em pouco tempo, a acompanhar letargicamente as denúncias de corrupção no governo Collor. A cidadania participativa foi iniciada pela sociedade civil organizada no Movimento pela Ética na Política. No dia 1o de junho de 1992, foi iniciada a CPI, e logo, o PT passou a exigir o afastamento do presidente. No dia 11 de agosto, jovens pararam a Avenida Paulista para protestar. A certeza da impunidade, a demagogia e a arrogância levaram o presidente a conclamar a população a uma demonstração pública de apoio nas cores verde e amarelo (remetendo ao período da campanha). O episódio, ocorrido no dia 18 de agosto, passou a ser chamado de domingo negro (cor que simbolizou o repúdio da população) e foi o estopim de uma série de manifestações exigindo o impeachment de Collor, culminando com a renúncia e a condenação no Senado, impondo-lhe inelegibilidade por oito anos.
Diversos estudos acadêmicos associam a mobilização dos jovens, denominada caraspintadas, à minissérie da Rede Globo “Anos Rebeldes”, iniciada em 14 de julho, que possuía como tema a participação política dos jovens na década de 60 e a contestação à ditadura militar. Logo, a música tema da minissérie passou a ser entoada nas manifestações ... caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento num sol de quase dezembro, eu vou ... os jovens, alguns pela primeira vez, experimentavam a participação político-cidadã. 
O impeachment de Collor não inaugurou um novo momento político para o Brasil, nem mesmo entre os jovens. As denúncias que levaram Collor à renúncia não foram comprovadas. Posteriormente, o tesoureiro da campanha de 89, PC Farias, e a sua namorada, Suzana Marcolino, foram mortos sob condições miste riosas. Com eles morreu a explicação de todo esquema de corrupção do governo. Em 2007, Fernando Collor tomou posse no Senado Federal (mandato de oito anos), e hoje, no PTB, volta a cena política nacional. 
O governo Itamar Franco prosseguiu na implementação do neoliberalismo, sendo intensificado durante os oitos anos do governo Fernando Henrique Cardoso(FHC). Sob a bandeira do Plano Real, e tendo como garoto propaganda o preço do frango, o PSDB tornou-se o maior partido político do período. A partir do governo federal, o PSDB mudou a lógica política do País, pois permeou a política local alcançando redutos regionais. 
Posteriormente, seriam descobertos esquemas de corrupção (mensalão, propinoduto e outros) que permitiram a hipertrofia do partido. A prática não foi restrita ao grupo liderado por FHC, pois o PT, alavancado pelo desejo de mudança da população, chegou à presidência da República com Lula. Logo, figuras centrais do partido tiveram seus nomes envolvidos no mesmo esquema de corrupção. Em nenhum dos casos a sociedade civil fez uso de sua cidadania para invadir as ruas e entoar cantos e gritos de protesto... Talvez sentisse falta de um estopim poderoso para alavancar seus espíritos e, principalmente, o imaginário.

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