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Educação e trabalho no Brasil o estado da questão

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EDUCAÇÃO E TRABALHO NO BRASIL: 
o estado da questão 
Presidente da República 
Fernando Collor de Mello 
Ministro da Educação 
Carlos Chiarelli 
Diretor-Geral do INEP 
João Ferreira 
Chefe da Coordenadoria de Pesquisa 
Mariza Vieira da Silva 
Chefe da Coordenadoria de Divulgação e Informações Bibliográficas 
Wânia de Aragão Costa Rigueira 
Chefe do Serviço de Informações Bibliográficas em Educação 
Gaetano Lo Mônaco 
Chefe do Serviço de Divulgação de Estudos e Pesquisas em Educação 
Silvia Maria Galliac Saavedra 
Responsável pelo Sistema de Informações Bibliográficas em Educação/REDUC 
Marisa Perrone Campos Rocha 
Edição de Texto 
Silvia Maria Galliac Saavedra 
Revisão 
Oswaldo Dutra de Siqueira 
Silvia Maria Galliac Saavedra 
Capa 
Fernando Rabello Costa 
Serviço Editoriais Auxiliares 
Miguel Antonio Caixeta 
Coordenador-Geral da REDUC 
Luis Brahn Menge 
INEP 
Coordenadoria de Divulgação • Informações Bibliográficas 
Caixa Posta] 04/0366 
Tel: (061) 347-6960 
70910 - Brasília,DF 
K95 Kuenzer, Acácia Zeneida 
Educação e trabalho no Brasil : o estado 
da questão / Acácia Zeneida Kuenzer.— 2. 
impressão.— Brasília : INEP ; Santiago : 
REDUC, 1991. 
125 p. ; 29,7 x 21,0 cm. 
1. Educação e Trabalho - Brasil. I. INEP. 
II. REDUC. 
CDU: 37:331 
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS 
EDUCAÇÃO E TRABALHO NO BRASIL 
o estado da questão 
Acácia Zeneida Kuenzer 
Doutora em Educação pela PUC-SP 
UFPr: Pró-Reitora de Assuntos Co 
munitários 
Professora do Deptº de Pla-
nejamento e Administração 
Escolar 
Brasília 
1991 
Rede Latino-Americana de Informação e Documentação em Educação 
Copyright 1987. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais 
2ª impressão 
Ê vedada a reprodução total ou parcial desta obra. 
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS - INEP 
Campus da Universidade de Brasília - UnB 
Ala Sul - Asa Norte 
CEP: 70910 - Brasília-DF 
RED LATINOAMERICANA DE INFORMACIÓN Y DOCUMENTACIÓN EN EDUCACIÓN - REDUC 
CENTRO DE INVESTIGACIÓN Y DESARROLLO DE LA EDUCACIÓN - CIDE 
Erasmo Escala, 1825 
Santiago - Chile 
Impresso no Brasil - 1991 
SUMARIO 
Introdução 5 
A Relação entre Educação e Trabalho: Pressupostos 
Teóricos 21 
Educação e Trabalho no Brasil: 0 Processo de Constru-
ção das Idéias e as Principais Contribuições 35 
Educação e T r a b a l h o ou T r a b a l h o e Educação 91 
T r a b a l h o e Educação : Sobre a P r o v i s o r i e d a d e 
da S í n t e s e 103 
B i b l i o g r a f i a 1 0 7 
INTRODUÇÃO 
tas pelas relações sociais concretas é um trabalho que se impõe 
principalmente no caso brasileiro, onde as conquistas democrá-
ticas são incipientes e a cidadania é pouco mais que uma con-
cepção formal, em decorrência do que a oferta educacional tem 
sido insuficiente e inadequada. 
A relação entre educação e trabalho na prática: o caso brasi-
leiro 
Se a divisão social e técnica do trabalho é condição 
indispensável para a constituição do modo capitalista de produ 
ção, ã medida em que, rompendo a unidade entre teoria e práti-
ca, prepara diferentemente os homens para que atuem em posi-
ções hierárquica e tecnicamente diferenciadas no sistema produ 
tivo, deve-se admitir como decorrência natural deste princí-
pio a constituição de sistemas de educação marcados pela duali-
dade estrutural. No Brasil, a constituição do sistema de ensi 
no não se deu de outra forma. 
Desde o momento que surge, a educação diretamente ar-
ticulada ao trabalho se estrutura como um sistema diferenciado 
e paralelo ao sistema de ensino regular marcado por finalidade 
bem específica: a preparação dos pobres, marginalizados e des-
validos da sorte para atuarem no sistema produtivo nas funções 
técnicas localizadas nos níveis baixo e médio da hierarquia 
ocupacional. Sem condições de acesso ao sistema regular de en-
sino, esses futuros trabalhadores seriam a clientela, por exce-
lência, de cursos de qualificação profissional de duração e in 
tensidade variáveis, que vão desde os cursos de aprendizagem 
aos cursos técnicos. 
Dessa forma, são criados pelo governo federal, em 
1909, os primeiros cursos profissionais, com o nascimento de 
19 escolas de aprendizes artífices, subordinadas ao Ministério 
da Agricultura, Indústria e Comércio. 
Embora relacionado às transformações sociais e econô-
micas que o Brasil vivia na época, o surgimento destas esco-
las, como mostra Cunha, não pode ser apontado como decorrência 
direta das necessidades de mão-de-obra qualificada, em virtude 
do caráter incipiente do desenvolvimento industrial naquele pe 
ríodo (Cunha, 197 7) . 
Além de inicial, o desenvolvimento industrial no Bra-
sil no início do século, era extremamente desigual, localizan-
do-se basicamente no centro e sul, particularmente em São Pau-
o. Isto significa que a maioria das escolas de aprendizes ar-
artífices localizou-se em estados onde praticamente não exis-
tiam indústrias, em decorrência do que se voltaram antes para 
a qualificação de artesãos do que para a qualificação de pro-
fissionais para a indústria. Da mesma forma, a localização das 
escolas, sempre nas capitais, obedeceu antes a critérios polí-
ticos do que a critérios de desenvolvimento urbano e sócio-eco-
nômico. Mais do que a preocupação com as necessidades da eco-
nomia, parece que a motivação que justificou a criação dessas 
escolas foi a preocupação do Estado em oferecer alguma alterna 
tiva de inserção no mercado de trabalho aos jovens oriundos 
das camadas mais pobres da população. 
0 atendimento ã demanda da economia por mão-de-obra 
qualificada só vai surgir como preocupação objetiva na década 
de 40, quando a Lei Orgânica do Ensino Industrial cria as ba-
ses para a organização de um "sistema de ensino profissional 
para a indústria", articulando e organizando o funcionamento 
das escolas de aprendizes artífices(1942); é criado o SENAI -
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (1942) e o SENAC -
Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (1946), resultantes 
do estímulo do Governo Federal ã institucionalização de um sis-
tema nacional de aprendizagem custeado pelas empresas para a-
tender às suas próprias necessidades. 
Essas escolas se caracterizaram por uma proposta cur-
ricular eminentemente prática, onde as preocupações com a for-
mação teórica raramente apareciam em contrapartida às poucas 
escolas técnicas que foram criadas junto a escolas de engenha-
ria na década de 30. 
A partir de 1942, com a Lei Orgânica, todas as esco-
las criadas em 1909 passam a oferecer cursos técnicos, além 
dos cursos industriais básicos e dos cursos de aprendizagem. 
Essa Lei estabelece equivalência parcial com o sistema regular 
de ensino, permitindo aos concluintes dos cursos técnicos in-
gressarem em cursos superiores "relacionados". 
Até essa época, portanto, verifica-se que a educação 
para o trabalho é atribuição específica de um sistema federal 
de ensino técnico, complementado por um sistema privado de for-
mação profissional para a indústria e para o comércio, através 
do SENAI e do SENAC. Ambos se desenvolvem paralelamente ao sis-
tema regular de ensino, articulando-se a este através de um me 
canismo relativo e de execução duvidosa, representado pela "con 
tinuidade em cursos relacionados", só tardiamente definidos 
(1953). 
Com relação à dependência administrativa, verifica-se 
a mesma dualidade que se mantém hoje. Por um lado, dois siste-
mas paralelos no Ministério da Educação, ao qual se subordina-
ram as escolas de aprendizes artífices desde a sua criação -um 
de ensino regular e outro de ensino profissional; por outro a 
existência de um sistema privado de formação profissional, man 
tido pelas empresas privadas, com plena autonomia. 
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1961) 
não chega aalterar essa situação, embora tenha propiciado a-
vanço significativo quanto à articulação dos dois sistemas de 
ensino, na medida em que incorpora ao sistema regular os cursos 
técnicos de nível médio, estabelecendo a equivalência plena en 
tre os cursos propedêuticos e os profissionalizantes. Esta Lei 
(nº 4.024/61) reúne na mesma estrutura os dois sistemas, pas-
sando a existir dois ramos de ensino médio diferenciados mas 
equivalentes: um propedêutico, representado pelo científico e 
outro profissionalizante, com os cursos normal (magistério), in 
dustrial, comercial e agrícola. 
A lógica do sistema, no entanto, permanece a mesma,le-
gitimando o caráter seletivo e classista da escola, uma vez que 
a distribuição dos alunos pelos ramos continua a ser feita em 
conformidade com a sua origem de classe. Apenas por volta de 
30% da clientela, oriunda das camadas sociais menos priviligia-
das, optavam pelos cursos profissionalizantes, atraídos pelo 
seu caráter terminal. A grande maioria das matrículas ocorria 
no ramo propedêutico, e era composta por candidatos ao ensino 
superior, privilégio praticamente inatingível para as camadas 
populares. 
Até então mantêm-se a separação entre "educação" e 
"formação profissional" como expressão da divisão entre traba-
lho intelectual e trabalho manual, através da existência de um 
sistema de ensino com dois ramos equivalentes, porém diferencia 
dos, e de um sistema privado de qualificação para trabalhadores. 
Assim, os jovens e adultos são preparados para exercer fun-
ções diferenciadas - intelectuais ou manuais - na hierarquia 
do trabalhador coletivo. 
O que caracteriza, portanto, a relação entre educação 
e trabalho até esse período é a inexistência de articulação en 
tre o mundo da "educação", que deve desenvolver as capacidades 
intelectuais independentemente das necessidades do sistema pro 
dutivo, e o mundo do trabalho, que exige o domínio de funções 
operacionais que são ensinadas em cursos específicos, de forma 
ção profissional. Esta desarticulação se explica pelo caráter 
de classe do sistema educativo, uma vez que a distribuição dos 
alunos pelos diferentes ramos e modalidades de formação se faz 
a partir de sua origem de classe. Em resumo, permanece a mesma 
situação existente no início do século, quando da criação dos 
cursos profissionais: educação para a burguesia e formação pro 
fissional para o povo. 
A partir de 1964, em decorrência da proposta de racio 
nalização de todos os setores da vida social, política e econô-
mica do país, apresentada como ideário da ditadura militar, o-
correram significativas transformações ao nível formal, na es-
trutura do sistema de ensino e de formação profissional. 
0 novo discurso, fundamentado na Teoria do Capital Hu 
mano, apontava a baixa produtividade e a inadequação da propos-
ta educacional em relação ao momento histórico que o país atra. 
vessava, principalmente no que diz respeito às necessidades do 
mercado de trabalho em função das metas de desenvolvimento eco 
nômico acelerado e de desmobilização política. Segundo esta ló-
gica, as maiorias dos cursos eram "excessivamente acadêmicos" e 
não preparavam para o exercício das funções produtivas, não a-
tendendo às necessidades do mercado de trabalho, o que se con-
sidera um dos fatores explicativos para a crise econômica em 
que mergulhara o país. 
Assim, fazia-se necessária uma reestruturação que do-
tasse o ensino, em todos os níveis, de maior racionalidade, 
constituindo-se em fator de desenvolvimento individual e so-
cial, através da constituição de um sistema educacional que di-
minuisse a demanda pelo ensino superior e substituísse o cará-
ter acadêmico pela formação profissional já no 29 Grau. Para 
tanto, surge a Lei n9 5.629/71, em cuja exposição de motivos 
assinada pelo Ministro da Educação expressa-se a nova concep-
ção: "... também na educação a palavra de ordem terá de ser a 
racionalização dos investimentos, para que ela própria venha 
a constituir o investimento nobre, por excelência, sobre o 
qual há de assentar-se o processo de desenvolvimento" (Exposi-
ção de Motivos nº 273, de 30 de março de 1971). 
Em termos estruturais, a Lei nº 5.692/71 pretendeu 
romper com a dualidade, substituindo os antigos ramos propedêu-
tico e profissionalizante por um sistema único - por onde todos 
passam independentemente de sua origem de classe - cuja finali-
dade é a qualificação para o trabalho através da habilitação 
profissional conferida pela escola. 
A terminalidade como norma no ensino de 2º grau defi-
ne uma nova forma de relação entre educação e trabalho neste 
nível: o compromisso da escola com a formação profissional, in 
dependentemente da classe social a que pertence o aluno. 
Do ponto de vista da prática concreta, no entanto,pou 
ca coisa mudou, em função de inúmeros fatores estruturais e 
conjunturais que impediram que a pretendida homogeneidade ocor-
resse. Na verdade, o que se pretendeu foi resolver no interior 
da escola, através da homogeneidade, a divisão entre trabalho 
intelectual e manual e as diferenças de classe que estão pos-
tas na sociedade, o que significa, no mínimo, ingenuidade. As 
condições desiguais de acesso ã escola, aliadas à falta de von 
tade politica para assegurar as condições financeiras necessá-
rais ã viabilização da nova proposta, ã falta de professores 
qualificados, às dificuldades metodológicas de articulação en-
tre teoria e prática e ao desinteresse do capital em ampliar e 
regulamentar as carreiras de nível técnico, acabaram por impe-
dir a efetivação da proposta. 
Desta forma persiste a diversidade como a principal 
característica do ensino de 2º grau; continuam a existir vá-
rios tipos de escola de 2º grau, com distintos níveis de quali-
dade. As escolas que, antes da Lei nº 5.692/71, ministravam 
cursos profissionalizantes de qualidade, continuam a fazê-lo, 
basicamente, nas áreas de ensino técnico industrial, agropecuá-
rio, comercial e de formação de professores para as primeiras 
séries do 19 grau. As escolas que preparavam os filhos da bur-
guesia e da pequena burguesia para o vestibular continuam a fa 
zê-lo usando artifícios para esconder seu caráter propedêutico 
sob uma falsa proposta profissionalizante. Quanto às escolas 
públicas de 2º grau, de modo geral em face de suas precárias 
condições de funcionamento, não conseguiram desempenhar funções 
nem propedêuticas, nem profissionalizantes, caracterizando-se 
por uma progressiva perda de qualidade. 
Conseqüentemente, ao lado de sua já reduzida capacida-
de de atendimento à demanda social, acresce-se a desigualdade 
no processo de distribuição do saber neste grau de ensino. Em-
bora se tenha claro que o acesso a posições no mercado de tra-
balho não se defina primordialmente através da passagem pela 
escola de 2º grau e sim pelas necessidades e peculiaridades 
conjunturais do sistema produtivo, sabe-se que a aquisição de 
um determinado saber sobre o trabalho na escola pode referen-
dar ou não posições sociais determinadas pela origem de classe. 
A medida em que a posse de determinados "saberes" é um dos cri 
térios utilizados pelo sistema produtivo no momento do recruta 
mento da força de trabalho, o caráter desigual do ensino de 29 
grau reveste-se de tendências elitistas e, portanto, antidemo-
cráticas. Se esta situação não chegou a ser alterada pela Lei 
nº 5.692/71, embora fosse este o seu objetivo, isto ocorreu, 
fundamentalmente, pela contradição entre a proposta legal e as 
condições concretas do desenvolvimento capitalista no Brasil. 
Foi esse mesmo desenvolvimento que fez cair por terra 
uma das mais caras justificativas dos defensores da generali-
zação da formação profissional no 2º grau: as necessidades do 
mercado de trabalho relativas a técnicos de nível médio, surgi-
dos em decorrência do crescimento econômico acelerado no "tem-
po do milagre econômico"(1968/1972) . Basta uma análise superfi-
cial da situação concreta do sistema produtivo, determinado 
por opções econômicas comprometidas com a inovação tecnológica, 
com a produção em grande escala e com a competitividade dos pro 
dutos no mercado externo, o que vale dizer, com o grande capi-
tal. Em decorrência, o setor primário se moderniza, com o que 
passa a desmobilizar mão-de-obra, acentuando a migração que já 
era significativa desde os anos 40, acarretando a formação de 
bolsões de pobreza nas periferias dos grandes centros urbanos, 
para onde se deslocam os trabalhadores rurais em busca de ocu-
pação. Com precária ou inexistente qualificação, esses trabalha 
dores são incorporados, basicamente, pelo mercado informal. O 
setor primário, modernizado, apresenta baixa capacidade de ab-
sorção de mão-de-obra em geral, e de técnicos de nível médio 
em particular, que são absorvidos principalmente pelas insti-
tuições governamentais que prestam assistência técnica às em-
presas agropecuárias. 
O setor secundário, estimulado a desenvolver a indús-
tria de ponta através da utilização de tecnologia intensiva de 
capital, passa por um processo de simplificação dos processos 
de trabalho, exigindo cada vez menos mão-de-obra qualificada, 
além de se caracterizar por baixos índices de absorção de for-
ça de trabalho. 
O setor terciário, por sua vez, embora sempre tenha 
se caracterizado como absorvedor residual de mão-de-obra, não 
consegue incorporar a oferta excedente, muito superior à deman 
da. De qualquer modo, é ainda o setor que absorve maior número 
de profissionais de nível médio, em função das necessidades bu-
rocráticas das organizações privadas e estatais, que exigem o 
domínio de certas habilidades de leitura, escrita, compreensão, 
calculo, desenho, os quais só a escolarização oferece. 
Desta forma, as características do desenvolvimento do 
processo produtivo, acrescido às precárias condições de funcio-
namento da escola de 2º grau, acabam por invibializar completa 
mente a proposta de articulação entre educação e trabalho nos 
moldes da Teoria do Capital Humano, expressa na proposta de u-
nificação através da obrigatoriedade da qualificação profissio-
nal nesse nível de ensino. Esta limitação é reconhecida pelo 
próprio MEC, que quatro anos depois da Lei nº 5.6 92, fornece 
nova orientação através do Parecer n9 76/75 do Conselho Fe-
deral de Educação, na tentativa de resolver o impasse criado 
com a impossibilidade concreta de generalizar a habilitação 
profissional a nível técnico, através do ensino de 29 grau. 
Esse Parecer recoloca a questão conceptual, negando a 
antinomia entre educação geral e formação especial, reafirman-
do o caráter complementar de ambos, uma vez que a cultura ge-
ral é o alicerce para a formação profissional, que não ocorre 
no vazio; reafirma, também, a importância da formação tecnoló-
gica, mostrando o contra-senso de se ter formação exclusivamen-
te geral no atual estágio de desenvolvimento das sociedades in 
dustriais. 
Apesar dessa concepção que integra educação e traba-
lho, o parecer inicia o processo de descompromisso da escola 
com a generalização da formação profissional, enquanto propõe 
a educação profissionalizante como objetivo do 2º grau, em subs-
tituição ã habilitação profissional. Assim, o 2º grau deixa de 
ter como função a preparação específica para ocupações defini-
das, em nível técnico ou auxiliar técnico, para comprometer-se 
com o "preparo básico para iniciação em uma área de ativida-
de", que irá completar-se só após o ingresso no mercado de tra-
brabalho. Pretende, este Parecer, que a escola de 2º grau ofe-
reça uma formação mais abrangente, possibilitando uma visão 
ampla do mundo e uma adaptação mais fácil às mudanças ocorri-
das no âmbito do trabalho, através do domínio das bases cientí-
ficas de uma profissão. 
Passam a coexistir, portanto, dois tipos de habilita 
ção: as plenas e parciais, voltadas para a formação de técni-
cos e auxiliares, segundo o espírito da Lei nº 5.692/71, ex-
presso no Parecer 15/72, e as básicas, de caráter mais geral, 
propostas pelo Parecer 76/75. 
Desta forma, o avanço conseguido em 1971, com a propos-
ta de uma escola única, fica comprometido pelo ressurgimento da 
dualidade estrutural anterior, embora não explicitamente admi-
tida. As escolas que atendiam às classes média e burguesa reas-
sumem sua função propedêutica, continuando a preparar os alu-
nos para o ingresso na universidade. As escolas públicas esta 
tais, que atendem as classes média, baixa e trabalhadora, não 
tendo condições mínimas para oferecer habilitação profissional 
demandada por sua clientela, em virtude da precariedade de seus 
recursos financeiros, materiais e humanos, fazem um arremedo 
de profissionalização, não dando conta da formação geral e tão 
pouco da formação profissional. Apenas as escolas que já ofere-
ciam, desde as últimas décadas, ensino técnico industrial e a-
qropecuário, continuaram a oferecer habilitação profissional 
em nível técnico, sem que as mudanças na legislação lhe impu-
sessem alterações qualitativas significativas. 0 mesmo não o-
correu com as escolas que ministravam cursos de formação de ma 
gistério e de contabilidade em nível de 2º grau, que tiveram 
sua proposta de habilitação descaracterizada por currículos 
que, incorporando a obrigatoriedade do núcleo comum, passaram 
a ter caráter preponderantemente propedêutico. 
Essa situação caótica, que expressa a indefinição do 
papel da escola média em relação ao mundo do trabalho, e, em 
decorrência, evidencia a perda de significado social do ensino 
de 29 grau, passa a ser legitimada em 1982, pela Lei n9 7.044, 
que extingue ao nível formal a escola única de profissionaliza-
ção obrigatória, que nunca chegou a existir concretamente. Em-
bora tenha apenas pretendido "corrigir um excesso... qual seja, 
a universalidade da profissionalização obrigatória e a predo-
minância da formação especial em prejuízo da educação geral no 
29 grau", a nova Lei ao substituir o objetivo de qualificação 
profissional por uma genérica "preparação para o trabalho",que 
até hoje carece de conceituação, provocou uma efetiva "contra-
-reforma" neste grau de ensino. A nova proposta apenas reedita 
a concepção vigente antes de 71, e referenda, mais uma vez, o 
compromisso da escola com a classe dominante, ao descompromis-
sá-la do mundo do trabalho e reconhecê-la como predominantemen-
te propedêutica. Como a Lei n9 5.692/71 e seus pareceres com-
plementares não foram revogados, nada mudou, ao nível da práti-
ca, continuando a coexistirem todas as opções possíveis desde 
a escola de formação geral exclusiva até as de formação profis-
sional em nível técnico, passando por todas as formas interme-
diárias, cabendo a opção a cada escola. 
O fato da dualidade estrutural não ter sido resolvida 
no interior do sistema de ensino, apesar da tentativa feita pe-
la Lei nº 5.6 92/71, não deve causar espanto, na medida em que 
ela apenas expressa a divisão que está posta na sociedade bra-
sileira, enquanto separa trabalhadores intelectuais e trabalha 
dores manuais e exige que se lhes dê distintas formas e quanti-
dades de educação. Ao mesmo tempo, essa impossibilidade revela, 
mais uma vez , a ingenuidade das propostas que pretendem resol-
ver, através da escola, problemas que são estruturais nas so-
ciedades capitalistas. Neste sentido, a escola brasileira, an-
tes de resolver a dicotomia educação/trabalho no seu interior, 
referenda, através do seu caráter seletivo e excludente, esta 
separação, que é uma das condições de sobrevivência das socie-
dades capitalistas, uma vez que determinada pela contradição 
fundamental entre capital e trabalho. 
Ou, como diz Marx (Marx e Engels, s.d) não é por coin 
cidência que a classe que detém o poder material em uma dada 
sociedade é a que tem a posse dos meios de produção intelectu-al. 
Os dados estatísticos dos últimos anos referendam es-
ta afirmação, ao mesmo tempo que evidenciam a dimensão e a com 
plexidade da questão: dentre 100 crianças que ingressam na 1ª 
série do ensino de 19 grau, aproximadamente 20% chegam ã 8ª Sé-
rie, sendo que apenas 8% atingem a 3ª série do 2º grau, e não 
necessariamente concluem este grau de ensino. Em média, o ensi-
no de 29 grau atende apenas a 14% da população na faixa etária 
de 15 a 19 anos. Não por coincidência, os excluídos do que se 
considera a educação básica para a formação do cidadão perten-
cem às camadas da população de baixa renda, que constituem por 
volta de 80% da população brasileira (filhos de assalariados 
de base, de trabalhadores rurais, de trabalhadores independen-
tes urbanos, de trabalhadores do mercado informal e de margina 
lizados). 
Os dois grupos que se constituem a partir da seleção 
da escola - os que permanecem no seu interior e que são excluí 
dos - apropriam-se diferentemente do saber sobre o trabalho. 
Os que permanecem na escola vão se apropriar do saber 
sobre o trabalho no seu interior, recebendo uma certificação 
que lhes permitirá ocupar, na hierarquia do trabalhador coleti-
vo, o exercício das funções intelectuais: são os técnicos de 
nível médio e os profissionais de nível superior. 
A estes profissionais a escola faculta o acesso ao 
"saber teórico", constituído pelos princípios teóricos e meto-
dológicos que a sociedade produziu historicamente através do 
trabalho coletivo e que sistematizou através de seus intelec-
tuais. A escola, reconhecida como "locus" de reprodução do sa-
ber teórico, não lhes dá, contudo, acesso a outras formas de 
articulação com o trabalho concreto e tão pouco com a prática 
social em que ele se insere. Pelo contrário, o trabalho escolar 
nos diversos níveis, no caso brasileiro, apoiado na fragmenta-
ção e autonomização da ciência e nos métodos empíricos, tem re 
produzido uma teoria reificada derivada de uma concepção ideo-
lógica da ciência tida como neutra e universal, o que tem impe 
dido a necessária captação das dimensões de totalidade, de mo-
vimento, de historicidade do real. 
Em decorrência, pode-se afirmar que os profissionais 
que aprendem o saber sobre o trabalhador na escola, aprendem 
"teoria sem prática". 
Essa limitação só poderá ser vencida após o ingresso 
no mercado de trabalho, e mesmo assim, dependerá da qualidade 
de fundamentação teórica que a escola ofereceu. Se o profissio-
nal teve acesso a um quadro teórico atual, adequado e articula-
do com a realidade do trabalho concreto, com um curto período 
de prática ele se constitui efetivamente em profissional compe-
tente. 
Caso isto não ocorra, o lugar que ele ocupará na hie-
rarquia do trabalhador coletivo dependerá antes de seu poder 
de negociação em função da oferta e demanda de força-de-traba-
lho , de conjuntura econômica e das suas relações políticas do 
que do se grau de domínio do saber sobre o trabalho. Embora es-
tas variáveis também estejam presentes para o profissional tec-
nicamente competente, o domínio do conteúdo do trabalho lhe am 
plia o espaço de negociação. (Kuenzer, 1985). 
De qualquer modo, esta é uma limitação para o traba-
lhador, e não para o capital, que resolve a questão da qualifi-
cação independentemente da escola, formando seus próprios con-
tigentes em treinamentos determinados pelas necessidades espe-
cíficas de cada processo produtivo, realizados nas próprias em 
presas ou em agências específicas de formação profissional nos 
diversos níveis, inclusive de pós-graduação. 
Por outro lado, considerando-se que o saber científi-
co e tecnológico "de ponta" não é produzido na escola, mas no 
interior das relações de produção, reconhece-se que historica-
mente esse saber tem sido desenvolvido e apropriado pelo capi-
tal, mesmo que para isto ele se utilize das instituições públi-
cas de ensino e pesquisa. Cabe à escola, portanto, a distribui-
Ção do saber produzido socialmente, e segundo as necessidades 
do capital, o que permite entender que a sua não democratiza-
ção expressa pelo seu caráter seletivo e excludente não é uma 
disfunção, mas a sua própria forma de articulação com o capi-
tal. 
Não obstante reconheça-se os limites da formação pro-
fissional na escola, em termos de seu caráter de distribuição 
desigual do saber e da qualidade do saber reproduzido, é ine-
gável o valor do "certificado escolar", ã medida em que abre 
as portas para o exercício das funções intelectuais no mercado 
de trabalho e confere as habilidades, comportamentos e conheci-
mentos minimamente necessários para a aquisição de competência 
através do exercício profissional. 
Até aqui tratou-se da educação para o trabalho dos 
que a adquirem através do sistema escolar; torna-se necessário 
analisar o que ocorre com os excluídos, que no Brasil se cons-
tituem em aproximadamente 92% da população escolarizável. A es-
tes, não é permitida a aquisição do saber sobre o trabalho na 
escola; quando muito, adquirem através de alguns anos de esco-
laridade as habilidades básicas de leitura, escrita e cálculo. 
Estes, aprendem o trabalho trabalhando, ou seja, na prática. 
Que aprendizado é esse? 
Independentemente de sua condição subalterna, de mero 
executor de tarefas parciais pré-determinadas pela divisão téc-
nica do trabalho, o trabalhador se defronta com questões con-
cretas que a sua prática cotidiana lhe coloca, as quais ele 
tem que resolver. Neste processo, através da observação dos 
companheiros, da ação dos instrutores, de treinamentos eventu-
ais, ele vai experimentando, analisando, discutindo, refletindo, 
descobrindo e, desta forma, desenvolvendo um conjunto de modos 
próprios de fazer e de explicar esse fazer, que extrapola o âm-
bito do próprio trabalho, a partir das necessidades determina-
das pela vida em sociedade. Assim, o trabalhador vai elaboran-
do um saber eminentemente prático, fruto de suas experiências 
empíricas, que, sendo parciais em função da divisão técnica do 
trabalho, originam um saber igualmente parcial e fragmentado. 
Por outro lado, ã medida que esse trabalhador não tem acesso 
ã escola e, portanto, aos princípios teóricos e metodológicos 
que explicam sua prática, o saber por ele produzido reveste-se 
de reduzido nível de sistematização teórica, permanecendo ao 
nível do senso comum. Como mostra Gramsci, este saber se apre-
senta como uma concepção genérica, composta por elementos difu-
sos e dispersos, comuns a certa época e a certo ambiente popu-
lar; em decorrência, "o homem ativo de massa atua praticamen-
te, mas não tem uma clara consciência teórica desta sua ação 
que, não obstante, ê um conhecimento do mundo na medida em que 
o transforma" (Gramsci, 1981, p. 18). Ou seja, não obstante 
seu caráter fragmentado, o saber produzido desta forma reveste 
-se de poder explicativo e de caráter utilitário, na medida 
em que permite a solução de problemas e orienta a prática co-
tidiana. De qualquer forma, esta análise permite concluir que 
os excluídos do sistema de ensino aprendem na prática "o fa-
zer" , sem a compreensão dos princípios teórico-metodológicos 
que o regem, ou seja, aprendem prática sem teoria. 
Para esse contingente, a única alternativa de apro-
priação do saber sobre o trabalho, de forma sistematizada e em 
sua dimensão de totalidade, é a escola apesar de seus limites. 
Configura-se, deste modo, a necessidade premente de se propor 
formas de educação para o imenso contingente de trabalhadores 
que já foram ou estão sendo absorvidos pelo processo produtivo, 
bem como daqueles que sequer conseguem nele ingressar. Esta 
premência se evidencia ao considerar-se que, do total de jo-
vens que ingressam a cada ano no mercado de trabalho, aproxima 
damente 85% não têm acesso à formação profissional e 92% da po 
pulação economicamente ativa ocupada têm acesso apenas à práti-
ca do trabalhoe não ao saber sobre o trabalho. 
As modalidades de educação para o trabalho aqui expos-
tas, diferenciadas para os contigentes que a recebem na escola 
e fora dela, ao mesmo tempo refletem e reproduzem a divisão 
social e técnica do trabalho. Os que vão desempenhar as fun-
ções intelectuais aprendem o saber sobre o trabalho na esco-
la; os demais, que vão desempenhar as tarefas de execução, a-
prendem o trabalho na prática, com auxílio dos treinamentos ou 
cursos profissionais de curta duração. 
Esta ruptura se concretiza, a nível institucional na 
divisão de tarefas, entre o Ministério da Educação, responsá-
vel pelo Sistema de Ensino, e o Ministério do Trabalho, ao 
qual vincula-se o Sistema Nacional de Formação de Mão-de-Obra. 
0 primeiro expulsa 92% da população em idade escolar, no pe-
ríodo compreendido entre a 1ª série do 1º grau e o término do 
29 grau, não se colocando a questão da qualidade do ensino ofe-
recido, o que tornaria ainda mais grave o problema. 0 segundo, 
composto pelo conjunto de órgãos do setor público ou privado 
que proporcionam formação, qualificação, especialização ou 
treinamento profissional (SENAI, SENAC, SENAR, empresas, etc), 
atinge um pequeno contingente da população economicamente ati-
va e tem sua função restrita ao ensino operacional de proces-
sos de trabalho. 
Em resumo, a educação do trabalhador constitui-se em 
um imenso espaço vazio que não tem sido assumido efetivamente 
nem pelo Sistema de Ensino, nem pelo Sistema Nacional de Forma 
Ção de Mão-de-Obra. 
A mesma ruptura entre o pensar e o fazer se expressa 
nos currículos que compõem as propostas pedagógicas tanto dos 
cursos regulares do Sistema de Ensino quanto dos cursos de 
treinamento do Sistema Nacional de Formação de Mão-de-Obra. Is-
to se dá através da divisão do currículo em duas partes: uma 
de educação geral, com o objetivo de apropriação dos princí-
pios teórico-metodológicos, de desenvolvimento do raciocínio, 
de aquisição da cultura, e outra, de formação especial, em que 
se privilegia o aprendizado de formas operacionais; ou seja, 
os currículos reproduzem a divisão de trabalho sob a forma da 
clássica dicotomia entre saber humanista e saber técnico. 
A análise desenvolvida até aqui envidencia o estado 
da questão da relação entre educação e trabalho no Brasil: 
- ao nível do trabalhador concreto, a constatação da 
sua impossibilidade real de acesso ao saber social-
mente produzido de modo geral, e ao saber imediata-
mente relacionado ao trabalho, de modo específico, 
em função do caráter seletivo e exclüdente, tanto 
do Sistema de Ensino quanto das instituições de for-
mação profissional. 
- ao nível do Sistema de Ensino, a reduzida clareza a 
cerca das formas de articulação com o mundo do tra-
balho, particularmente no ensino de 2 9 grau, e em 
menor grau no ensino superior, onde as propostas pe-
dagógicas oscilam entre o academicismo e a profis-
sionalização estreita através de currículos que não 
conseguem superar a divisão entre teoria e prática, 
posta no interior das relações sociais; no ensino 
de 19 grau, se a relação entre educação e trabalho 
não está resolvida, pelo menos já se tem clareza 
que a formação do cidadão trabalhador exige, ao ní-
vel da educação fundamental, a aquisição dos instru-
mentos básicos de leitura, escrita e cálculo com 
vistas ã compreensão e participação na vida social 
e produtiva. 
O enfrentamento satisfatório destas questões, se tem 
sido dificultado em parte por falta de ações políticas compro-
metidas com a efetiva democratização do saber, esbarra em uma 
dificuldade de outra ordem: a falta de clareza teórica sobre 
como e onde se dá a educação para o trabalho, e qual o papel 
que cabe à escola, a partir da ótica dos trabalhadores. Do pon-
to de vista do capital, a Teoria do Capital Humano fornece um 
aparato conceptual que resolve plenamente esta questão. Resta 
saber como avançar concretamente, a partir da constituição de 
outro corpo de conhecimentos, na construção de um projeto peda 
gógico comprometido com a educação do trabalhador no processo 
de construção de sua hegemonia. É esta a proposta que tem nor-
teado as pesquisas, os debates e as práticas de um grupo de e-
ducadores brasileiros que têm se dedicado à linha de investiga-
ção que se convencionou chamar de Educação e Trabalho. 
É importante destacar, antes de delinear o marco teó-
rico que tem orientado os trabalhos nesta área,que este grupo 
se constituiu no Brasil muito recentemente, nos últimos 10 
anos, e se diferencia do grupo de pesquisadores voltados para 
a área de sociologia industrial, que já se desenvolve há mais 
tempo. A diferença reside no ponto de vista; enquanto as pes-
quisas na área da sociologia industrial investigam a problemá-
tica do trabalhador a partir das formas de organização do pro-
cesso produtivo, as pesquisas na área de Educação e Trabalho 
investigam as formas através das quais o trabalhador, Contradi-
toriamente, se educa/deseduca, no interior das relações de pro-
dução, com ou sem a mediação da escola. 
A RELAÇÃO ENTRE A EDUCAÇÃO E TRABALHO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 
0 saber não é produzido na escola 
Uma questão que tem dificultado a compreensão do pa-
pel na (re)produção do saber sobre o trabalho é a reduzida cla-
reza que se tem sobre o processo de produção e de distribuição 
do conhecimento. Não raramente, confunde-se a relação entre e-
ducação e trabalho com a relação entre escola e trabalho, como 
se o processo de produção e reprodução do conhecimento ocorres 
se no seu interior. 
Esta é a primeira falácia que precisa ser desmistifi-
cada. 
0 saber não é produzido na escola, mas no interior 
das relações sociais em seu conjunto; é uma produção coletiva 
dos homens em sua atividade real, enquanto produzem as condi-
ções necessárias à sua existência através das relações que es-
tabelecem com a natureza, com outros homens e consigo mesmos. 
0 ponto de partida para a produção do conhecimento, 
portanto, são os homens em sua atividade prática, ou seja, em 
seu trabalho, compreendido como todas as formas de atividade 
humana através das quais o homem apreende, compreende e trans-
forma as circunstâncias ao mesmo tempo que é transformado por 
elas. Desta forma, o trabalho é a categoria que se constitui 
no fundamento do processo de elaboração do conhecimento. (Marx 
e Engels, s.d. p. 24 a 27) 
0 processo de produção do saber, portanto, ê social e 
historicamente determinado, resultado das múltiplas relações 
sociais que os homens estabelecem na sua prática produtiva. 
Os "locus", portanto, da produção do conhecimento, é 
o conjunto das relações sociais; são inúmeras as formas de pro-
dução e distribuição do saber, resultantes do confronto coti-
diano do homem com a natureza e com os seus pares, que lhe a-
presenta questões que o obrigam a desenvolver formas próprias 
* C o n f e r ê n c i a a p r e s e n t a d a no Seminá r io L a t i n o Americano: Em bus 
ca de uma nova e s t r u t u r a e d u c a t i v a , promovida p e l a DEA e 
UFba, em S a l v a d o r , f e v e r e i r o de 1987 e p u b l i c a d o na R e v i s t a 
B r a s i l e i r a de A d m i n i s t r a ç ã o da Educação, P o r t o A l e g r e , 4(1) 
jan/jun de 1986, aqui r e p r o d u z i d a com a a u t o r i z a ç ã o da RBAE. 
de pensar e fazer, experimentando, discutindo, analisando, des-
cobrindo. 
A escola é apenas uma parte, e não a mais importante, 
neste conjunto de relações responsáveis pela produção e distri-
buição do conhecimento. 
0 processo de distribuição do conhecimento é desigual e a 
escola contribuiu para que tal aconteça 
Se o s a b e r é p r o d u z i d o s o c i a l m e n t e , p e l o c o n j u n t o dos 
homens nas r e l a ç õ e s que e s t a b e l e c e m no t r a b a l h o p a r a g a r a n t i r 
sua s o b r e v i v ê n c i a , e l e é e l a b o r a d o , s i s t em a t i z a d o , p r ivadamen-
t e . H i s t o r i c a m e n t e , a c l a s s e s o c i a l que detém a p o s s e dos i n s -
t r u m e n t o s materiais também, e não por coincidência, detém a posse dos 
instrumentos in te lecuta is que lhe permitem sistematizar o saber socialmen-
te produzido, transformando-o em "teoria" . Assim, mesmo existindo nas re la 
ções soc ia i s , o saber é elaborado pela classe dominante, passando a assu-
mir o pon to de v i s ta de uma classe soc ia l , que o u t i l i z a a seu favor. 
O saber socialmente produzido transformado em teoria 
passa a ter um lugar próprio para se distribuir: a escola: 
Que teoria é essa, a quem a escola a distribui? 
Como mostra Snyders, (1977, p. 327-331) se a teoria 
sistematizada pelos intelectuais da classe dominante tem as re-
lações sociais como sua base de elaboração, embora dotada de 
caráter de classe, não se constitui em pura mistificação da 
realidade, o que se evidencia pelas transformações que a ciên-
cia oficial tem causado nas sociedades. Por outro lado, não se 
constitui em verdade absoluta e universal porque expressa o 
ponto de vista da classe a que pertencem os intelectuais que a 
sistematizaram. 
Assim, permeada de verdades e mistificações, a ciên-
cia oficial é passível de utilizações contraditórias. 
A classe trabalhadora, por sua vez, mesmo que partici 
pe do processo de produção do conhecimento através de sua prá-
tica cotidiana, fica em desvantagem a partir do momento em que, 
historicamente, não tem tido acesso aos instrumentos teórico-
-metodológicos que lhe permitiriam a sistematização de um sa-
ber articulado ao seu projeto hegemônico. 
É indiscutível a força do capital no processo de pro-
dução da ciência oficial contemporânea; ê ele quem determina 
os objetos de investigação, financia pesquisadores e institui-
ções, forma recursos humanos de alto nível, produz a "boa ciên-
cia" e principalmente, se apropria privadamente dos resultados, 
uma vez que esta apropriação é ura dos determinantes de sua re-
produção ampliada, na medida em que aumenta a produtividade .Es-
te saber, portanto, não é democratizado; no interior do proces 
so produtivo, o trabalhador recebe a "qualificação" que é con-
veniente aos interesses do capital, não devendo receber nem a 
mais, nem a menos, desenvolvendo-se um processo de distribui-
ção desigual do saber, ao qual articula-se a escola. 
Essa articulação se dá, no caso brasileiro, basicamen-
te pela exclusão da grande maioria da população do interior da 
escola; os poucos que conseguem furar a barreira imposta pelas 
múltiplas formas de seletividade, vão se apropriar, da 
"teoria", na escola em seus níveis superiores, como já se dis-
cutiu anteriormente. 
É necessário, no entanto, não supervalorizar as afir-
mações de Snyders acerca das virtudes da "ciência oficial" a-
tribuindo excessiva importância à escola na sua difusão (falá-
cia em que tem caído muitos conteudistas), pois a escola não 
é depositária do saber científico e tecnológico de ponta, domi-
nado pelo capital; ela democratiza, quando muito, alguns princí-
Pios teóricos e metodológicos que poderão, no exercício do tra-
balho, permitir essa apropriação. Por outro lado, o próprio de-
senvolvimento capitalista, com suas necessidades de especiali-
zação, acaba por inviabilizar a construção da ciência oficial 
enquanto totalidade, à medida que força a autonomização e a 
fragmentação no processo de produção do conhecimento, o que faz 
com que a "teoria" se imobilize, se descole do movimento do 
real e se sobreponha à sua dinamicidade. (Luckács, 1974, p.56) 
Assim, dificilmente a teoria aprendida na escola corres-
pode à dinamicidade das relações sociais, o que não deixa de 
ser um serviço ao capital em seu movimento de acumulação, para 
o que a produção e apropriação privada de certos conhecimentos 
é fundamental. 
Articulam-se, pois, escola e empresa, no. processo de 
distribuição desigual do saber, o que, longe de ser imcompetên-
cia da escola, constitui-se na sua própria função. 
No modo de produção capitalista, o trabalho é ao mesmo tempo, 
determinante de educação 8 de qualificação e de desqualifica-
rão do trabalhador 
A não historicização da concepção de trabalho expres-
sa anteriormente pode levar à falsa percepção de que todo e 
qualquer trabalho é desigualmente humanizador e transformador 
das r e l a ç õ e s s o c i a i s . Havemos d e c o n s i d e r a r q u e , embora, d e t e r 
minadas c a r a c t e r í s t i c a s do t r a b a l h o se façam p r e s e n t e s em t o -
das as épocas e formações s o c i a i s , o que p e r m i t e que se formu-
le uma concepção de t r a b a l h o em g e r a l , e l e se r e v e s t e de e s p e -
c i f i c i d a d e s d e c o r r e n t e s de cada modo de p r o d u ç ã o . 
D e s t a forma, o modo de produção cap i t a l i s t a c o n f e r e ao t r a 
ba lho c a r a c t e r í s t i c a s que l h e s são p r ó p r i a s , d e t e r m i n a d a s p e l a 
r e l a ç ã o que s e e s t a b e l e c e e n t r e c a p i t a l e t r a b a l h o , a s q u a i s 
vão por sua vez d e t e r m i n a r c e r t a s r e l a ç õ e s e n t r e educação e 
t r a b a l h o . Daí a n e c e s s i d a d e de se ap ro funda r e s t a q u e s t ã o . 
Retomando o c o n c e i t o de t r a b a l h o em g e r a l , a n t e r i o r -
mente e x p l i c i t a d o , v e r i f i c a - s e que a c a r a c t e r í s t i c a d i f e r e n c i a 
d o r a do t r a b a l h o humano é sua p o s s i b i l i d a d e t r a n s f o r m a d o r a e 
d i n â m i c a ; o homem é o ún ico s e r na n a t u r e z a capaz de conceber 
a sua ação a n t e r i o r m e n t e ã s u a execução e de a v a l i á - l a a par 
t i r de f i n s d e t e r m i n a d o s . Assim, o t r a b a l h o se a p r e s e n t a como 
o momento de a r t i c u l a ç ã o e n t r e s u b j e t i v i d a d e e o b j e t i v a ç ã o , en 
t r e c o n s c i ê n c i a e mundo da p r o d u ç ã o , e n t r e s u p e r e s t r u t u r a 
e i n f r a e s t r u t u r a , compreendidos como p ó l o s da r e l a ç ã o d i a l e 
t i c a que d e f i n e o o b j e t o como p r o d u t o da a t i v i d a d e s u b j e t i v a 
a r t i c u l a d a à a t i v i d a d e r e a l , m a t e r i a l (Vasquez, 1968, p . 153) . 
Conceber o t r a b a l h o d e s t a forma i m p l i c a r e c o n h e c ê - l o 
como a t i v i d a d e ao mesmo tempo t e ó r i c a e p r á t i c a , r e f l e x i v a e 
a t i v a . Cons iderando o que é i n t r í n s e c o ao t r a b a l h o humano, no 
seu a c o n t e c e n d o , i n d e p e n d e n t e m e n t e do modo de p r o d u ç ã o , e l e 
tem sempre duas d i m e n s õ e s , p o i s d e c i s ã o e ação são momentos 
i n s e p a r á v e i s . Não e x i s t e a t i v i d a d e humana da q u a l se p o s s a ex-
c l u i r t o d a e q u a l q u e r a t i v i d a d e i n t e l e c u t a l , ass im como toda 
a t i v i d a d e i n t e l e c t u a l e x i g e algum t i p o de e s f o r ç o f í s i c o ou a -
t i v i d a d e i n s t r u m e n t a l . 
Se t a l r u p t u r a não é p o s s í v e l ao n í v e l do t r a b a l h o no 
s e u a c o n t e c e n d o , o mesmo não o c o r r e ao n í v e l das r e l a ç õ e s s o -
c i a i s c a p i t a l i s t a s , que operam a r u p t u r a e n t r e t e o r i a e p r á t i -
c a , d e c i s ã o e a ç ã o , t r a b a l h o i n t e l e c t u a l e t r a b a l h o manual . 
É a p a r t i r d e s t a r u p t u r a que a c o n s c i ê n c i a p a s s a a su 
p o r - s e como s e p a r a d a e s u p e r i o r à p r á t i c a ; é a p a r t i r d e s t e mo 
mento que o t r a b a l h o i n t e l e c t u a l se s e p a r a do manua l , sobrepon-
d o - s e ã r e a l i d a d e , emanc ipando-se do m u n d o , r e i f i c a n d o - s e . Em 
d e c o r r ê n c i a , o e x e r c í c i o das funções i n t e l e c t u a i s e manua i s , o 
l a z e r e o t r ab a l h o , o consumo e a p r o d u ç ã o , passam a caber a 
i n d i v í d u o s d i s t i n t o s n a s o c i e d a d e , conforme a s d e t e r m i n a ç õ e s 
de c l a s s e . Assim, a um qrupo r e d u z i d o de p e s s o a s cabe o e x e r c í -
c i o das funções i n t e l e c t u a i s , j u s t i f i c a d o p e l a c apac idade e 
competênc ia que permitem e s c o l a r i d a d e mais e x t e n s a , e scamotean -
do - se o c a r á t e r de c l a s s e s de r e f e r i d a d i v i s ã o ; j á ã m a i o r i a da 
população compete o e x e r c í c i o das t a r e f a s de e x e c u ç ã o , p a r a o 
que não se e x i g e m u i t a i n s t r u ç ã o e e x p e r i ê n c i a , sob a a l e g a -
ção, f o r n e c i d a p e l a e s c o l a e j á i n c o r p o r a d a ao d i s c u r s o do t r a 
b a l h a d o r , d a s u a s u p o s t a i n c a p a c i d a d e p a r a a p r e n d e r . 
0 que é i n s e p a r á v e l no homem p a s s a a s e r s e p a r a d o 
nas r e l a ç õ e s s o c i a i s , d e s q u a l i f i c a n d o - s e e de suman izando - se o 
t r a b a l h o a t r a v é s d e sua d i v i s ã o t é c n i c a ; d e s t i t u í d o d e suas 
q u a l i d a d e s de c r i a ç ã o e r e f l e x ã o , o t r a b a l h o p e r d e sua c a r a c t e 
r í s t i c a f u n d a m e n t a l , i g u a l a n d o - s e ao t r a b a l h o a n i m a l , no momen 
to em que se c o n v e r t e num c o n j u n t o de ações r e p e t i t i v a s , f r a g -
mentadas e d e s i n t e r e s s a n t e s . E s t a b e l e c e - s e , e n t ã o uma h i e r a r -
qu ia n o t r a b a l h o c o l e t i v o , que d i f e r e n c i a o s n í v e i s d e c r i -
ação, s u p e r v i s ã o e e x e c u ç ã o , e s p e r a n d o - s e que a e s c o l a d i s t r i -
bua educação em d o s e s c o m p a t í v e i s com as d e t e r m i n a ç õ e s do 
mercado de t r a b a l h o . 
Assim, a educação p a r a o t r a b a l h o se da de forma d i f e -
r e n c i a d a , a p a r t i r da o r igem de c l a s s e ; a pequena p a r c e l a da 
população que i n g r e s s a e permanece na e s c o l a se a p r o p r i a no 
seu i n t e r i o r , do s a b e r s o b r e o t r a b a l h o sob a forma de p r i n c í -
p ios t e ó r i c o s e m e t o d o l ó g i c o s , o que lhe p e r m i t i r á o c u p a r , me-
d i a n t e alguma n e g o c i a ç ã o f r e n t e ã o f e r t a de o c u p a ç õ e s , as 
funções i n t e l e c t u a i s na h i e r a r q u i a do t r a b a l h a d o r c o l e t i v o . A 
grande m a i o r i a d a p o p u l a ç ã o , composta p e l a c l a s s e t r a b a l h a d o r a 
e x c l u í d a do s i s t e m a de e n s i n o , r e s t a a p r e n d e r o t r a b a l h o na 
" p r á t i c a " . 
Embora j á e s t e j a i n c o r p o r a d a ao d i s c u r s o o f i c i a l a a -
firmação que só se aprende a t r a b a l h a r no i n t e r i o r do p r o c e s s o 
p r o d u t i v o , o que l i b e r t a r i a a e s c o l a da r e s p o n s a b i l i d a d e de ar 
t i c u l a r s u a p r o p o s t a p e d a g ó g i c a a o mundo d o t r a b a l h o , t o r n a -
n e c e s s á r i o e s c l a r e c e r que a p r e n d i z a d o é e s s e , re tomando as 
afirmações a n t e r i o r e s . Cons ide rando que a c a r a c t e r í s t i c a funda 
mental do t r a b a l h o no modo de p rodução c a p i t a l i s t a é sua d i v i -
f r agmen tação , o que se ap rende t r a b a l h a n d o sob e s t a s con 
d ições é i gua lmen te p a r c i a l e f r agmen tado , e , p e l o seu c a r á t e r 
t i c o , d e s t i t u í d o d e s i s t e m a t i z a ç ã o e fundamentação t e ó r i c a . 
- s e , p o r t a n t o , o c a r á t e r d e s q u a l i f i c a d o r d a d i v i s ã o d o 
t r a b a l h o , que deve s e r compreendido como dimensão c o n t r a d i t ó -
o c a r á t e r q u a l i f i c a d o r i n e r e n t e a o t r a b a l h o c o n c r e t o , e n -
s í n t e s e p o s s í v e l e n t r e t e o r i a e p r á t i c a . E s t e c a r á t e r 
d e s q u a l i f i c a d o r s e e x p r e s s a a t r a v é s das e s t r a t é g i a s que a s o -
como um t o d o , e p a r t i c u l a r m e n t e a e s c o l a e a empresa , 
desencadeiam com vistas ã distribuição desigual do saber, de-
terminando diferentes mediações através das quais as classes so 
ciais transformam em conhecimento suas experiências e relações 
com o real. Como já se indicou anteriormente, esta diferença 
se transforma em desvantagem para a classe trabalhadora, por-
quanto a impede de se apropriar dos princípios teóricos e me-
todológicos que permitam a compreensão de sua prática, de sua 
função social, de sua visão de mundo. 
Se a lógica do capital é a distribuição desigual do saber, a 
escola presta um serviço ã classe trabalhadora, e não ao capi-
tal, ao formular propostas pedagógicas que democratizem o sa-
ber sobre o trabalho. Contrariamente, ao articular-se às neces 
sidades do mercado de trabalho, serve ao capital, 
Tem sido uma tendência presente entre os críticos da 
escola burguesa, particularmente após a difusão da teoria do 
Capital Humano, afirmar que a educação para o trabalho serve 
aos interesses do capital no processo de exploração da força-
-de-trabalho. Alguns, tentando superar essa limitação, propõe 
uma escola cujo projeto pedagógico não se articule aos interes-
r 
ses do capital, mas ensine o trabalho segundo os interesses do 
trabalhador. 
Estas afirmações, bastante freqüentes, ingenuamente 
deixam de considerar que capital e trabalho são pólos contradi-
tórios, dialeticamente entrelaçados, de uma mesma relação. Des-
ta forma, enquanto esta contradição não se resolver, não dá pa-
ra pensar propostas que se articulem ou ao capital ou ao traba 
lho, enquanto realidades separadas ; as propostas, embora predo-
minante articuladas aos interesses de um dos pólos, sempre te-
rão efeitos contraditórios. 
Os estudos têm demonstrado, e os trabalhadores têm 
afirmado que,a desqualificação só interessa ao patronato, por-
quanto, através do esvaziamento do conteúdo do trabalho, trans 
forma os operários em meros prolongamentos da máquina, facil-
mente substituíveis e isolados, o que dificulta a sua organiza, 
ção. Para os trabalhadores, a qualificação é uma forma de po 
der que pode determinar outras formas de relação no interior 
da divisão social e técnica do trabalho, à medida em que lhe 
permite compreender a ciência que seu trabalho incorpora, au-
mentando sua possibilidade de criação e participação nas deci-
sões sobre o processo produtivo e sua organização. Da mesma 
forma, a qualificação, por lhe conferir competência, aumenta 
s e u poder de n e g o c i a ç ã o . 
Em p e s q u i s a r e c e n t e m e n t e r e a l i z a d a , v e r i f i c o u - s e que 
e s t a " q u a l i f i c a ç ã o " não s e e s g o t a n a c e r t i f i c a ç ã o p e l a f r eqüên-
Cia ã d e t e r m i n a d o c u r s o , s e j a e l e do s i s t e m a r e g u l a r de e n s i n o 
ou de formação p r o f i s s i o n a l e s p e c í f i c a . Ao c o n t r á r i o , o t r a b a -
lhador e o e m p r e s á r i o entendem por q u a l i f i c a ç ã o a c a p a c i d a d e 
t é c n i c a - a l i a d a À p o s s e d o s a b e r t e ó r i c o , o u s e j a , ' a c a p a c i d a d e 
de r e s o l v e r os p rob lemas na p r á t i c a , a p a r t i r do conhec imento 
da t e o r i a . A e s c o l a r i z a ç ã o r e g u l a r tem peso mui to r e l a t i v o nes-
Ta q u a l i f i c a ç ã o , ã medida em que a e s c o l a tem f e i t o mui to pou-
ca 
co n e s t e s e n t i d o . (KUENZER, 1985) 
No B r a s i l , p a r t i c u l a r m e n t e , as p r o p o s t a s p e d a g ó g i c a s 
têm o s c i l a d o e n t r e um academicismo v a z i o , que não dá c o n t a de 
d e m o c r a t i z a r s e q u e r o s p r i n c í p i o s e l e m e n t a r e s d a c i ê n c i a con-
t emporânea , e a p r o f i s s i o n a l i za ç ã o e s t r e i t a , que se a tém, quan-
do m u i t o , a e n s i n a r a e x e c u t a r algumas o p e r a ç õ e s sem que h a j a 
a p r eocupação de e n s i n a r os p r i n c í p i o s t e ó r i c o s e metodo lóg i -
cos que as s u s t e n t a m . 
A mesma c r í t i c a pode s e r f e i t a aos c u r s o s de formação 
p r o f i s s i o n a l , que têm como concepção p e d a g ó g i c a b á s i c a e n s i -
e 
nar a f a z e r , sem o domínio da c i ê n c i a s o b r e o t r a b a l h o , com ra 
r a s e x c e s s õ e s . D e s t a forma,, a e s c o l a r e g u l a r e os c u r s o s de 
formação1 p r o f i s s i o n a l acabam por r e p r o d u z i r a mesma p e d a g o g i a 
da f á b r i c a , que c o n s i s t e b a s i c a m e n t e em promover o a p r e n d i z a d o 
de um c o n j u n t o de o p e r a ç õ e s p a r c i a i s , m u i t a s vezes d e s c o n e x a s , 
sem que se p o s s i b i l i t e a a p r e e n s ã o de uma t a r e f a em sua t o t a l i -
d a d e , c o n s i d e r a n d o i n c l u s i v e a c i ê n c i a que i n c o r p o r a . 
Em e n t r e v i s t a s f e i t a s com o p e r á r i o s , as r e s p o s t a s fo 
ram consensuais a respei to da necessidade de "aprender a teor ia para me-
lhor compreender e e:xecutar o trabalho" à medida que eles adquirem f a c i l -
mente a p rá t i ca no exercício prof iss ional . Ademais, a apropriação da 
teor ia aparece como faci l i tadora de novas opções de t rabalho, maior poder 
de negociação, melhor compreensão do mundo e melhores condições de organi-
zação e participação p o l í t i c a . (KUENZER, 1985) 
Ao c o n s i d e r a r - s e o c a r á t e r d e s q u a l i f i c a d o r da p e d a g o -
g i a da f á b r i c a , que é a p r ó p r i a p e d a g o g i a c a p i t a l i s t a , a e s co 
Ia a p a r e c e como a ú n i c a a l t e r n a t i v a dos ' ' t r a b a l h a d o r e s p a r a a 
a p r o p r i a ç ã o dos i n s t r u m e n t o s b á s i c o s da c i ê n c i a e dos p r i n c í -
p i o s t e ó r i c o s e m e t o d o l ó g i c o s s o c i a l m e n t e c o n s t r u í d o s , a p e s a r 
de t o d a s as l i m i t a ç õ e s . E tem s i d o e s t a e s c o l a que os t r a b a l h a 
d o r e s tem r e i v i n d i c a d o p a r a s i e p a r a s e u s f i l h o s : l o c a l d e 
ace s so ao s a b e r s o c i a l , a p a r t i r do que compreenderão melhor 
seu mundo, s u a p r á t i c a , sua s i t u a ç ã o de c l a s s e e m e l h o r a r ã o 
suas condições de vida. 
A escola e os cursos de formação profissional que al 
estão, no momento, estão longe de apresentarem competência pa-
ra atender a essas reivindicações em função de seu caráter ex-
cludente, da inadequação de suas formas de organização e de 
suas propostas curriculares, completamente desvinculadas do 
mundo do trabalho e das características do trabalhador, 
Isto não significa que se deva abandonar a escola co-
mo alternativa de distribuição do saber, mesmo desigual, por-
que esta é a sua função no capitalismo. Ao contrário, deve-se 
reivindicar a democratização de sua proposta e a expansão de 
sua oferta, em todos os níveis, a toda a população. Tem-se cla-
ro que só a pressão das camadas populares forçará sua revisão; 
para isto, é preciso que novas alternativas sejam coletivamen-
te elaboradas, o que exige clareza teórica e comprometimento 
político. 
Afirmou-se, no início deste item, que a articulação 
da escola às necessidades do mercado de trabalho é um serviço 
ao capital mais do que ao trabalhador. 
Considerando-se, conforme o anteriormente exposto, que 
o mercado de trabalho demanda um pequeno grupo de profissio -
nais altamente qualificados, alguns técnicos e uma grande mas-
sa de trabalhadores desqualificados, adequar a proposta pedagó-
gica da escola a esta realidade significa legitimar seu cará-
ter seletivo e excludente. Esta constatação se reforça ao se 
observar que o desenvolvimento do processo de simplificação do 
trabalho pelo avanço tecnológico nesta fase do capitalismo mo 
nopolista tende a reduzir cada vez mais a necessidade de pro-
fissionais com altos índices de escolaridade. Há, pois, que ' se 
contraporá esta tendência, considerando que a apropriação do 
saber socialmente produzido, que inclui o saber sobre o traba-
lho, é um direito do trabalhador; a luta política que pra se 
desenvolve e para que a escola negue sua função de referendado 
• 
ra das desigualdades, e abra suas portas a toda a população. 0 
acesso para todos, à toda a forma de educação que se desejar, 
é direito do cidadão e dever do Estado. A adequação da oferta 
às necessidades do mercado de trabalho é outra questão. 
Evidentemente, o ingresso no mercado de trabalho faz 
parte das necessidades do trabalhador, e portanto a escola não 
deverá ignorá-la, desde que o faça na perspectiva anteriormen-
te exposta: de promover o acesso ao saber científico e tecnoló 
gico que permita ao trabalhador inserir-se, participar e usu-
fruir dos benefícios de processo produtivo 
A perspectiva que tem fundamentado as análises da re-
lação entre escola e mercado de trabalho, contudo, não tem si 
do esta, mas a da vinculação, tanto quanto possível, da oferta 
de profissionais segundo as necessidades da economia. 
São vários os argumentos que colocam por terra essa 
forma de relação, a começar pelas críticas feitas pelos pró-
prios autores da Teoria do Capital Humano, que, revendo suas 
posições, concluem da impossibilidade dessa articulação, dada 
a dinamicidade e a irracionalidade do mercado de trabalho. 0 
argumento mais contundente, no entanto, é que a prática tem de-
monstrado que o preenchimento dos cargos e funções na hierar -
quia do trabalhador coletivo não é determinado pela qualifica-
ção, mas pela relação entre oferta e demanda de profissionais 
pelo mercado. Quando há muita disponibilidade de um certo tipo 
de mão-de-obra qualificada requerida, aumentam os requisitos 
de ingresso, em termos de escolarização e experiência. Quando 
há escassez, as exigências diminuem e as empresas acionam seus 
próprios esquemas de treinamento, não dependendo da escola e 
dos cursos de formação profissional. A empresa nunca dependeu 
da escola para preencher seus quadros, segundo suas próprias 
necessidades, uma vez que dispõe de sua própria pedagogia; 
quem leva desvantagem ao ter por única alternativa o aprendiza-
do na prática é o trabalhador, condenado à apropriação parcial 
e fragmentada do conhecimento. 
Por outro lado, o capital não tem problemas com a 
abundância da oferta, ã medida em que dispõe para escolha um 
contingente de trabalhadores com mais capacitação para se sub-
meter aos seus próprios treinamentos, de vez que não há curso 
que dê conta de ensinar a tecnologia que o processo produtivo 
encerra. 
0 mesmo raciocínio pode ser feito com relação ã arti-
culação entre salários e qualificação. Na pesquisa anterior -
mente citada, verificou-se que, na composição da estrutura sa-
larial, a qualificação é entendida como domínio do conteúdo de 
trabalho, definida pelo grau de instrução e experiência, dos 
quais derivam-se as demais capacidades: de decidir, de julgar, 
de supervisionar, de criar, de assumir responsabilidades. No 
momento do preenchimento do cargo, no entanto, não é a "quali-
ficação" o único determinante, nem necessariamente o mais im-
portante, de vez que intervém outros fatores de ordem conjuntu-
ral, e internos à empresa; tipo de mão-de-obra oferecida pelo 
mercado de trabalho em relação ã demanda da empresa, nível da 
força-de-trabalho excedente, tipo e número das vagas ofertadas, 
politica salarial e politica de recursos humanos vigente, etc. 
Não há, pois, uma determinação anterior, quer de esco 
laridade, quer de experiência, que defina a posição que o indi-
vlduo vai ocupar na hierarquia do trabalho coletivo. 
0 exercício das capacidades de decidir, supervisionar 
ou executarnão é definido "a priori" pela qualificação, ou 
pela certificação escolar; ele só se define no interior do pro 
cesso produtivo, nas relações concretas de produção, dependen-
do do poder de barganha que o trabalhador tem em função de sua 
competência e dos fatores internos e externos à empresa. 
Em resumo, se a instrução e a experiência são utiliza 
das como critério, de seleção, são insuficientes para determi -
nar a ocupação e o salário; esta determinação se faz pelas ne-
Cessidades e possibilidades do capital; o mercado tem suas pró 
prias leis, que independem da oferta da escola. 
Esta analise reforça o argumento anterior, de que a 
escola deve cada vez mais promover a democratização do saber 
sobre o trabalho, de todas as formas e em todos os níveis, co-
mo um direito do cidadão trabalhador, que deste modo terá au-
mentado o seu poder de negociação no mercado de trabalho, no 
momento da definição do seu salário, e de sua ocupação. Neste 
caso, mesmo beneficiando o trabalhador, em função do caráter 
contraditório da relação capital/trabalho, a escola não deixa 
de prestar um serviço ao capital. Contribuir para a desqualifi-
cação, no entanto, é um serviço ainda maior no capital, e um 
desserviço ao trabalhador. 
A relação da escola com o mercado de trabalho passa 
pelo exercício da função que lhe é precipua: socializar o sa-
ber. Não é da sua responsabilidade resolver os problemas do 
mercado de trabalho; esta tarefa compete ao capital, que o faz 
com primazia, ã medida em que forma seus quadros em todos os 
níveis, com indiscutível competência. 
Se toda forma de ação do homem sobre a natureza para transfor-
má-la é trabalho, então todas as formas de educação se consti-
tuem em educação para o trabalho, e têm, ao mesmo tempo, uma 
dimensão teórica e uma dimensão prática. 
Partindo desta afirmação, verifica-se que a clássica 
dicotomia entre saber geral e formação especial, entre educa-
ção geral e edutécnica, não tem sustentação em relação ao que 
é intrínseco ao trabalho humano. Se esta separação ocorre no 
mercado de trabalho e nas instituições que separadamente se en 
carregam da formação em um ou outro destes aspectos, é porque 
ela é necessária para a manutenção das relações sociais capita 
listas. 
Pode-se inclusive afirmar que a existência da escola 
em separado do mundo do trabalho se explica através desta ne-
cessidade, que lhe impõe como função a formação teórica, e ao 
trabalho, a formação prática. Ao nível das relações capitalis-
tas a reunificação supostamente se faz pela integração entre 
os diversos níveis hierárquicos, onde as funções fragmentadas 
reconstituem a totalidade do trabalho coletivo. Na verdade, o 
impedimento do acesso ao saber enquanto totalidade é uma estra 
Tégia, por um lado, inerente ao próprio desenvolvimento da ci-
ência no capitalismo, com a metodologia que lhe ê peculiar, e 
por outro, uma estratégia de manutenção da hegemonia do capi-
tal. O domínio do saber científico e tecnológico e da informa 
ção são estratégias vitais para a manutenção do domínio do ca-
pital e para sua reprodução ampliada. 
Ora, se a escola é a expressão do saber dividido, res-
ta saber até que ponto, no seu interior, poderá ocorrer a reu-
nificação entre teoria e prática, enquanto a cisão permanece 
ao nível das relações sociais. Esta indagação, embora óbvia, 
parece necessária, uma vez que têm surgido algumas propostas 
nesta linha, muito bem intencionadas, porém simplistas, dentre 
os intelectuais comprometidos com a educação do trabalhador. 
Definir o real espaço da escola em seu compromisso com a 
maioria da população, continua sendo, pois, a grande 
questão. 
Partindo do pressuposto que uma escola define seu com 
promisso político através de sua proposta pedagógica, torna-se 
necessário discutir melhor esta questão do saber teórico/saber 
pratico. Por sua própria natureza, não existem conteúdos que 
sejam exclusivamente gerais, voltados para a "compreensão da 
cultura em que se vive", como reza o discurso oficial, a par 
outros que formem exclusivamente para o trabalho. 
Assim, a aquisição dos mecanismos de leitura, escrita 
calculo, a geografia, a história, a física, a química, a 
biologia, desempenham ao mesmo tempo as duas funções: são ins-
trumentos de compreensão das relações sociais concretas e pre-
paração para o trabalho. Do mesmo modo, não se pode afirmar 
• aprender como se opera uma máquina seja uma atividade isen-
ta de qualquer esforço intelectual. De fato, esta atividade po 
-a se restringir ao aprendizado de um conjunto de operações 
devem ser realizadas em determinada seqüência, sem a com-
preensão do processo, como também se pode ensinar a 
resolver problemas de física através da memorização de 
"macetes". 
Conclui-se, portanto, que a compreensão dos princí-
pios ou a mera automatização não depende da natureza do conteú-
do que vai ser aprendido, mas da forma como ele é ensinado: en 
sinar a "fazer" um conjunto de operações que se constituem em 
fragmentos de um conhecimento mais amplo ou ensinar a compreen-
der os princípios teóricos e metodológicos que explicam deter-
minadas operações que possibilitam captar as relações que esta 
belecem entre si, de modo a obter a visão da totalidade do 
trabalho. 
A realidade tem demonstrado que os cursos que se pau-
tam por essa linha de trabalho, embora com propostas pedagógi-
cas voltadas para a formação profissional, conduzem ã formação 
geral de qualidade, permitindo ao profissional ampliar sua ba-
se de conhecimento e de atuação. Ou seja, resguardada a dimen-
são de totalidade, a maior especialização, concebida como apro 
Fundamento teórico aliado ã intimidade com a prática, resulta 
em maior poder de generalização. Já os cursos, tanto acadêmi-
cos quanto profissionalizantes, que trabalham em sua proposta 
uma ampla gama de assuntos tratados superficial e desarticula-
damente, não têm conseguido nem uma coisa nem outra. 
Esta forma de abordar a questão pode levar à conclu-
são de que o problema é de ordem exclusivamente metodológica e, 
já que qualquer educação ê educação para o trabalho, qualquer 
conteúdo serve, o que não ê verdade. 
Enquanto existir a contradição entre capital e traba-
lho determinando uma certa forma de divisão social e técnica 
do trabalho que, por sua vez, determina o tipo e a quantidade 
de saber a que cada um tem direito em função de sua origem de 
classe e de seu lugar social, a seleção dos conteúdos é polí-
tica. 
Esta constatação impõe ã escola o repensar de seu pro 
jeto pedagógico a partir de alguns critérios fundamentais: 
- a adequação à realidade concreta na qual vive o alu 
no, que deverá ser capaz de compreendê-la e trans -
formá-la; em síntese, seriam privilegiados os con-
teúdos revestidos de atualidade, que, resguardado o 
caráter de totalidade das unidades selecionadas, 
compõem os diversos campos do conhecimento, conside-
rados indispensáveis para que o aluno possa compre-
ender e participar da vida social e produtiva, mar-
cada pelo avanço científico e tecnológico e pelos 
imperativos de democratização econômica e política; 
ou seja, a escola deve tomar a prática social como 
ponto de partida e critério de adequação; 
- a consideração da concepção de mundo, das formas de 
aprender, dos interesses e necessidades da maioria 
da população particularmente no que diz respeito ao 
exercício do trabalho e da cidadania, propondo con-
teúdos e formas metodológicas que permitam ao aluno 
usufruir de seus direitos e participar ativamente 
da vida política e dos benefícios gerados pela pro-
dução; 
- a proposição de formas de organização flexíveis e 
adequadas às características do aluno concreto, se-
ja ele criança ou adulto, estudante ou trabalhador. 
Este repensar exige um trabalho coletivo, que congre-
gue os trabalhadores, seus intelectuais e os profissionais da 
educação, fruto do conjuntodas suas lutas e reivindicações; é 
um processo lento que extrapola os muros da escola para ocor-
rer no interior de cada unidade produtiva, em cada sindicato, 
em cada universidade, em cada centro de pesquisa; é um proces-
so que se articula com a transformação das relações sociais em 
seu conjunto, na gestação da nova sociedade. 
Finalmente, as idéias até aqui expostas permitem a re 
visão da concepção de "educação técnica". 
Tal como foi aqui tratada, a educação para o trabalho 
não implica em formação profissional estreita, em treinamento 
ou adestramento. Pelo contrário, como mostra Marx, a educação 
técnica "combina o ensino intelectual com o trabalho físico, 
articulando teoria e prática, através de um ensino politécnico 
que compensa os inconvenientes da divisão do trabalho e que im-
pedem ao trabalhador dominar o conteúdo e os princípios que re-
gem seu trabalho e sua forma de existir". (MARX, 1978 p. 285) 
Ou, como diz Lettieri, "a educação para o trabalho 
-em como tarefa essencial restituir ao homem a possibilidade 
realizar suas capacidades e desenvolver-se através do traba 
lho isto é, a possibilidade de conhecer, de apropriar-se, de 
transformar o processo de produção aproveitando as potenciali-
dades do desenvolvimento técnico". (LETTIERI, 1980 p. 199) 
Compreendida desta forma, a educação técnica se con-
funde com o processo de educação em geral, que tem em vista 
"a formação integral, que se constitui em socialização compe-
tente para a participação na vida social e em qualificação pa 
ra o trabalho entendido como produção das condições gerais da 
existência humana". (SALGADO, 1981, p. 6) 
EDUCAÇÃO E TRABALHO NO BRASIL: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DAS 
IDÉIAS E AS PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES 
Como o próprio título evidencia, não se pretende nes-
te item esgotar a produção científica na área, uma vez que, da-
do o seu desenvolvimento recente enquanto linha de investiga -
ção, não se dispõe ainda de um mapeamento completo das pesqui-
sas, publicações, artigos e pesquisadores. 
Partindo-se do pressuposto que cada etapa do desenvol-
vimento do processo produtivo gera suas próprias formas de pro 
duzir ciência, determina a relevância desta ou daquela linha 
de investigação, as quais por sua vez, originam determinadas 
políticas e projetos pedagógicos, o que se pretende é tentar 
captar o movimento da construção das idéias em sua relação com 
as peculiaridades do desenvolvimento brasileiro recente e, 
neste movimento, identificar os marcos teóricos mais relevan-
tes. Por ser uma primeira tentativa, reconhece-se o caráter 
inicial e provisório deste texto, que deverá ser revisto a 
partir das contribuições e críticas dos pesquisadores da área; 
assume-se, contudo, o risco de iniciar esta tarefa, como forma 
de provocar a reconstituição histórica do desenvolvimento de 
uma linha de investigação que tem demonstrado ser extremamente 
profícua para os que, comprometidos com a classe trabalhadora, 
estão envolvidos no processo de democratização política e eco-
nômica do país. 
Como decorrência do pressuposto adotado, para compre-
ender o movimento de constituição da área de investigação,"Edu 
cação e Trabalho", é preciso que se tome como referência o pro 
prio processo de produção da ciência da educação no Brasil, a 
partir das suas dimensões contextuais. Algumas análises recen-
tes realizadas com este objetivo (CNPq, 1983) demonstram que 
o desenvolvimento sistemático da pesquisa em educação no Bra-
sil só vem a ocorrer a partir da segunda metade da década de 
60 com a criação e expansão dos programas de Pós-graduação, 
com a intensificação das políticas de financiamento através do 
INEP, CAPES, CNPq e FINEP e com a organização dos pesquisado-
res através da criação da ANPed, 
Não obstante este esforço, muitas dificuldades per-
diam esse desenvolvimento, destacando-se o caráter de desconti-
nuidade e dispersão decorrente da indefinição de áreas temáti-
cas e da dificuldade de consolidação de grupos de pesquisado -
res, em virtude das políticas de financiamento e de apoio ã 
pesquisa desenvolvidas pelas agências financiadoras e pelas 
universidades. Como conseqüência, os avanços ocorridos na pes-
quisa em educação têm resultado antes da competência individu-
al e do comprometimento pessoal de alguns pesquisadores do que 
do esforço institucional. 0 aspecto mais grave, no entanto, 
diz respeito ã qualidade dessa produção, determinada pelas 
suas possibilidades explicativas e transformadoras da situação 
educacional brasileira, considerada em suas articulações com o 
estágio de desenvolvimento político e econômico que o país 
atravessa. 
A abordagem da teoria do capital humano 
No caso específico de "Educação e Trabalho", esta 
preocupação merece especial atenção, uma vez que a área se 
constituiu a partir da crítica à Economia da Educação, linha 
de investigação que se desenvolveu no Brasil nos anos 
60, com a difusão de "Teoria de Capital Humano", de origem no£ 
te-americana. A entrada, o fortalecimento e o significado polí-
tico desta teoria no Brasil são determinados por duas ordens 
convergentes de fatores. 
Em primeiro lugar, o fato de que, até 198], 46% dos 
doutores e mestres, potencialmente os docentes e pesquisadores 
das universidades brasileiras, eram qualificados no exterior, 
preferentemente nos Estados Unidos, em função da insuficiência 
de cursos no país. Esta qualificação se dava, e ainda se dá, 
através de paradigmas teóricos e medodológicos produzidos a 
partir de outros determinantes sociais, econômicos, culturais, 
políticos, ou seja, de outra base empírica, que tem sua pró-
pria especificidade (KUENZER, 1987). Do ponto de vista método 
lógico, essa formação viu-se perpassada por uma concepção posi-
tivista da ciência, que justifica o empirismo como método. 
Em segundo lugar, as condições políticas e econômicas 
específicas do Brasil a partir de 64, com a aliança entre For-
ças Armadas, capitalismo internacional e capitalismo nacional, 
que propõe o modelo de "desenvolvimento com segurança" e o ali 
nhamento ao bloco ocidental sob a hegemonia dos Estados Uni-
dos, ofereceram o terreno fértil para o desenvolvimento vigoro 
so Teoria do Capital Humano. Mais do que isto, esta teoria se 
constituiu num dos suportes ideológicos do regime, uma vez que 
36 
a palavra de ordem passou a ser "racionalização", não só do 
sistema produtivo, mas de todos os setores da vida social, a 
ser obtida através do desenvolvimento tecnológico e da adminis-
tração científica. 
Em função das exigências do desenvolvimento, apoiado 
nos novos mecanismos de poder exercidos pelo Estado e no cres-
cente controle financeiro e tecnológico exercido pelo capital 
internacional, a racionalização implicou em inúmeras medidas 
que centralizaram cada vez mais o controle, limitando, ao mes-
mo tempo, a participação da sociedade civil. A proposta econô-
mica impôs reajustamentos de estrutura de demanda, maior acumu-
lação de recursos para investimentos produtivos, definição de 
projetos rentáveis que complementassem a capacidade produtiva 
existente e a correção da estrutura de produção; a acumulação 
necessária ao patamar de desenvolvimento pretendido deu-se a 
partir da compressão salarial, com prejuízo para os estratos 
mais baixos. 0 próprio modelo de desenvolvimento adotado trou-
xe em si uma força desestabilizadora que, se não controlada, 
poderia pôr em risco a "Segurança Nacional". Era preciso disse-
minar uma ideologia que mostrasse que o sacrifício era temporá-
rio, e assim que se obtivessem maiores taxas de crescimento 
econômico, a sua distribuição favoreceria a todos. Simultânea 
mente, essa ideologia deveria apontar o caminho, em termos in-
dividuais, para o atingimento de níveis mais altos de renda, 
que seria a qualificação profissional que, aumentando 
a produtividade marginal, causaria elevação de salário; o su-

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