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Aula 4 – Teoria geral do processo. Direito material e processual. Fontes do Direito Processual. Fases metodológicas do processo. Para diferenciar os institutos do direito material do direito processual, nos valemos, num primeiro momento, da doutrina de Milton de Paulo Carvalho que assim a faz: O direito objetivo, ou ordenamento jurídico, escrito e não escrito, compõe-se de normas disciplinadoras das relações entre os indivíduos e os bens da vida, bem como disciplinadoras das relações entre os sujeitos entre si. São em número infinito essas disposições, mas com a intenção de tornar clara a exposição, lembram-se algumas: as que regem as relações de família, de propriedade, de posse, as obrigações em geral e os contratos em particular, as sucessões, os direitos dos cidadãos diante da autoridade política, os direitos da autoridade estatal ao tributo e as obrigações respectivas dos contribuintes, os contratos administrativos, os direitos dos sócios ou associados em sociedades mercantis ou associações simples etc. Esse é o direito material, que também se costumar designar substancial, sendo por vezes nomeado impropriamente direito substantivo. Pertencem ao direito material o direito constitucional, o civil, o comercial, o do trabalho, o administrativo, o tributário. Por fim, como se viu pelos exemplos, o direito material pode constituir-se de ramos do direito público ou do direito provado. Esse mesmo direito objetivo, ou ordenamento jurídico, escrito e não escrito, compõe-se também de normas reguladoras do modo de ser do processo judicial e das atividades dos sujeitos que dele participam. Tendo em conta o escopo da atuação jurisdicional conforme as exigências e os característicos do litígio a ser resolvido, as leis processuais estabelecem o modo de desenvolver-se o processo (procedimento), a forma de apuração dos fatos destinados à caracterização e adequação à fattispecie – hipótese definida na regra material ou prevista no direito material não escrito -, bem como as atribuições dos sujeitos parciais da relação jurídica processual, autor e réu, e as do sujeito imparcial e representante do Estado, que é o juiz. Essas leis constituem o direito processual, também chamado direito formal, sendo ultrapassada a designação de direito adjetivo, que juristas do começo do século XX empregavam. Como instrumentos, todavia, as regras do processo amoldam- se às contingências das situações jurídico-materiais, assim no procedimento como no modo de atuação das partes e do juiz, para melhor obterem a efetivação do direito substancial. Parecem bem delimitadas as áreas do direito material e do direito processual1, quase que se podendo fazer a seguinte afirmação: o CPC tem normas eminentemente processuais e o CC tem normas eminentemente de direito material. Isso seria verdadeiro ou falso? Um Código, ou uma lei, pode ter as duas facetas, quer de direito material, quer de direito processual. O Código de Defesa de Consumidor é uma lei que tem por base esta dualidade. No CPC o artigo 461, o art. 811, no CC o artigo 212 e o artigo 221, todos são exemplos dessas incursões. Indistinção entre direito material e processual? Busca de um processo justo traz novas concepções ao estudo, sendo que os planos quase começam a se confundir, uma vez que o direito processual passa a ser um instrumento de realização do direito material e este é o disciplinador das relações entre sujeitos, tentando-se um processo de 1 Para se entender melhor a divisão, COELHO, Fábio Alexandre. Teoria geral do processo. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 2: “Como ponto de partida, é preciso observar que existem duas esperas (ou ramos) básicos do direito: o material e o processual. No caso, utilizamos uma metáfora, uma associação através da qual temos a árvore representando o direito e os seus galhos, raízes ou ramos sua divisão. O primeiro ramo cuida das matérias, assuntos que precisam ser disciplinados para permitir a vida em sociedade. Quanto ao segundo, diz respeito às regras voltadas para a solução dos conflitos que estão relacionados às condutas impostas pelo direito material. Ocorre, no entanto, que o direito, ao disciplinar as condutas que reputa importantes, as divide de acordo com a matéria ou assunto. Surge, assim, por exemplo, o direito do trabalho, para cuidar das relações de trabalho, tratando de temas como férias, 13º salário etc. O mesmo modelo é válido para o direito processual, embora não tenhamos uma perfeita identidade. Explicando melhor, no ramo do direito material encontramos o direito penal, o direito civil, o direito do trabalho, o direito administrativo, o direito tributário, o direito constitucional, o direito penal militar etc., enquanto que na esfera processual nos deparamos apenas com o direito processual civil, do trabalho, penal e penal militar. De fato, o processo civil abrange não apenas o direito civil, mas também o administrativo, tributário, constitucional etc”. resultados. Mas isso não faz com que os planos se confundam, cada qual com suas linhas bem delineadas. Jônatas Luiz Moreira de Paula2 prefere exemplificar a diferenciação entre direito material e processual, inserindo o direito natural, e chamando a atual denominação de direito subjetivo e objetivo. Refere: Logo, pertine a questão da dualidade do direito material e direito processual. Pois, imprescindível para o aprofundamento do estudo, mister se faz a divisão de direito natural, direito subjetivo e direito objetivo. Das várias doutrinas a respeito, opta-se por aquela que determina ser o direito natural todas as aspirações do indivíduo, como valores máximos e inalienáveis para a satisfação de suas necessidades, consubstanciadas em princípios naturais. Nesse ponto, o direito natural segue como fonte de um modelo perfeito para as legislações positivas. Numa etapa seguinte, tem-se a recepção e a transformação dos princípios naturais em norma escrita, abstrata e impessoal. Essa transformação pode ser definida em norma subjetiva. [...] Contudo, pode surgir um litígio versando sobre direito de propriedade em que, por exemplo, João se diz senhor de um imóvel de propriedade de José. Face o nosso sistema de tutela de direitos, haverá a propositura da ação reivindicatória de propriedade, seguido de um processo até a sentença, na qual, concluirá com base no art. 5º, caput e inciso XXII, da CF, e artigo 524, do CC, que João é o proprietário do referido imóvel. Percebe-se que através de um ato jurisdicional, estabeleceu uma relação jurídica pessoal, direta e concreta, definida por direito objetivo. 2 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. Teoria geral do processo. São Paulo: Editora de Direito, 1999, p. 19- 20. Direito processual: Fontes. Fonte, como o nome próprio nome indica, consiste no lugar onde algo inicia ou se origina. Duas são as formas ou enfoques utilizados para o emprego da palavra fonte no direito, o primeiro no sentido de criação e o segundo o de expressão da norma. A primeira dá-se o nome de fonte material e a segunda de fonte formal. A fonte material do direito processual civil, penal e trabalhista é o próprio Estado, pois é da competência exclusiva da União legislar privativamente sobre o direito processual, a teor do que preceitua o art. 22, I, da Constituição Federal. Uma curiosidade é apontada por Roberto Moreira de Almeida que está elencada no artigo 125 da Constituição Federal: A Constituição Federal autorizou os Estados a elaborar sua lei de organização judiciária, cabendoao Tribunal de Justiça a sua iniciativa. Isso é de suma importância para a fixação das regras de competência na Justiça Comum Estadual, já que podem ser criadas vara comuns ou especializadas em determinadas matérias, tais como família, sucessões, infância e juventude, entorpecentes, delitos de trânsito etc. Isso traz à tona a importância do quase nunca lembrado, mas de extrema importância, Regimento Internos dos Tribunais, e aqui não somente lembrando os Tribunais de Justiça, mas também dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais Regionais Federais, assim como os Tribunais Superiores. Já a fonte formal é a própria lei promulgada. Já a denominação teoria geral do processo, é de se relembrar que anteriormente era a disciplina chamada de direito judiciário, o qual deixou de ser empregado pelo simples fato de que nem tudo que está no Judiciário é processo. O direito processual faz parte do direito público, por questões óbvias de que trata de atividade jurisdicional estatal. Também é de ser relembrado que o direito processual divide-se em três grandes ramos, quais sejam, o direito processual civil, o penal e o trabalhista. Contudo, novos horizontes abrem-se para outros ramos, como o do processo tributário, administrativo, constitucional etc. As grandes fases metodológicas do processo na visão de Daniel Mitidiero. Marco Félix Jobim. A tese apresentada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, aprovada com nota máxima, por banca distinta, é condensada na obra acima referida, onde o autor traz um belo trabalho à comunidade acadêmica e jurídica sobre suas reflexões ao longo dos anos em que passou pelo doutoramento. Entre elas, discorre o autor sobre as quatro fases metodológicas do direito processual civil: o praxismo, o processualismo, o instrumentalismo e o formalismo-valorativo. Refere Mitidiero: [...] em termos de fases metodológicas, alinham-se quatro grandes linhas atinentes ao direito processual civil: o praxismo, o processualismo, o instrumentalismo e o formalismo- valorativo. A existência dessas diferentes formas de pensar o processo civil, aliás, já indica o alto grau de comprometimento existente entre cultura e processo, autorizando a impostação deste como um fenômeno eminentemente cultural. Ao discorrer sobre cada uma dessas fases, o autor, esclarecido sobre o tema, assim o faz: O praxismo corresponde à pré-história do direito processual civil, tempo em que se aludia ao processo como ‘procedura’ e não ainda como ‘diritto processual civile’. Época, com efeito, em que não se vislumbrava o processo como um ramo autônomo do direito, mas como mero apêndice do direito material. Direito adjetivo, pois, que só ostentava existência útil se ligado ao direito substantivo. Aduz que ao período que denomina de praxista, também é conhecido como sincretista, ou seja, um só. Depois conceitua a segunda fase: O processualismo, deveras, nasce com o conceito de relação jurídica processual, sendo esse o objeto da ciência processual. A partir daí, a tarefa da doutrina cifra-se à racional construção do arcabouço dos conceitos do direito processual civil. Não por acaso, pois, aponta-se como marco inicial do processo civil o direito racional, presidido pelas altas e abstratas idéias inerentes ao clima científico da modernidade, nem pode surpreender que já se tenha identificado na produção intelectual de Chiovenda um mentalismo conceitual exacerbado, já que o ‘doutrinarismo’ dominou mesmo os primeiros tempos da história do direito processual civil (o que se deu, vale frisar, por absoluta necessidade, porque se tratava de fundar uma nova ciência, surgindo então a necessidade de se forjarem todos os instrumentos conceituais necessários a tal intento). A terceira fase, dita instrumentalista, é assim definida tendo como marco, nas palavras do autor, a obra de Cândido Rangel Dinamarco: A perspectiva instrumentalista do processo assume o processo civil como um sistema que tem escopos sociais, políticos e jurídicos a alcançar, rompendo com a idéia de que o processo deve ser encarado apenas pelo seu ângulo interno. Em termos sociais, o processo serve para persecução da paz social e para a educação do povo; no campo político, o processo afirma-se como um espaço para a afirmação da autoridade do Estado, da liberdade dos cidadãos e para a participação dos atores sociais; no âmbito jurídico, finalmente, ao processo confia-se a missão de concretizar a ‘vontade concreta do direito’. Após, o autor refere sobre a transição da fase instrumentalista para o formalismo-valorativo, assim o fazendo: Como o novo se perfaz afirmando-se contrariamente ao estabelecido, confrontando-o, parece-nos, haja vista o exposto, que o processo civil brasileiro já está a passar por uma quarta fase metodológica, superada a fase instrumentalista. Com efeito, da instrumentalidade passa-se ao formalismo-valorativo, que ora se assume como um verdadeiro método de pensamento e programa de reforma de nosso processo. Trata- se de uma nova visão metodológica, uma nova maneira de pensar o direito processual civil, fruto de nossa evolução cultural. O processo vai hoje informado pelo formalismo-valorativo porque, antes de tudo, encerra um formalismo cuja estruturação responde a valores, notadamente aos valores encartados em nossa Constituição. Com efeito, o processo vai dominado pelos valores justiça, participação leal, segurança e efetividade, base axiológica da qual ressaem princípios, regras, postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação. Vale dizer: do plano axiológico ao plano deontológico. Assim, nota-se que no âmbito acadêmico já existem autores que defendem que o formalismo-valorativo já é consagrada uma nova fase metodológica do processo civil brasileiro, fase agarrada em um processo que não fuja de seu compromisso com os direitos fundamentais e com o estado constitucional de direito. Para saber mais sobre a obra e as ideias do autor leia “Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos”, de Daniel Mitidiero, publicado pela Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009. Já em outros livros de teoria geral do processo, encontram-se somente listadas três grandes fases do processo, a sincretista, a processualista e a instrumentalista. Isso pode ser visto na obra de Cintra, Grinover e Dinamarco3: A história do direito processual inclui três fases metodológicas fundamentais. Até meados do século passado, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos (daí, direito adjetivo, expressão incompatível com a hoje reconhecida independência do direito processual). A ação era entendida como sendo o próprio direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação da lesão sofrida. Não se tinha consciência da autonomia da relação jurídica processual em face da relação jurídica de natureza substancial eventualmente ligando os sujeitos do processo. Nem se tinha noção do próprio direito processual como ramo autônomo do direito e, muito menos, elementos para a sua autonomia científica. Foi o longo período do sincretismo, que prevaleceu das origens até quando os alemães começaram a especular a natureza jurídica do processo. A segunda fase foi autonomista ou conceitual, marcada pelas grandes construções científicas do direito processual. Foi 3 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, CândidoRangel. Teoria geral do processo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 48-49. durante esse período de praticamente um século que tiveram lugar as grandes teorias processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições daquela e os pressupostos processuais, erigindo-se definitivamente uma ciência processual. A afirmação da autonomia científica do direito processual foi uma grande preocupação desse período, em que as grandes estruturas do sistema foram traçadas e os conceitos largamente discutidos e amadurecidos. A fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem sido, já não basta encarar o sistema do ponto-de-vista dos produtores de serviço processual (juízes, advogados, promotores de justiça): é preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse serviço, ou seja, à população destinatária. Então vê-se uma grande diferença entre a escola paulista e a gaúcha de pensamento, estando aquela na fase instrumentalista e esta, por alguns processualistas do Sul do país já pensando uma outra fase, de formalismo-valorativo. Até mesmo um dos autores da obra acima referida que admite estar em plena fase instrumentalista é o autor da obra “a instrumentalidade do processo”, onde delineia o que vem a ser esta fase metodológica do processo.
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