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AN02FREV0
1 
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA 
Portal Educação 
 
 
 
 
 
 
CURSO DE 
LITERATURA BRASILEIRA, 
LITERATURA PORTUGUESA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aluno: 
 
EaD - Educação a Distância Portal Educação 
 
 
  AN02FREV0
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CURSO DE 
LITERATURA BRASILEIRA, 
LITERATURA PORTUGUESA 
 
 
 
 
MÓDULO I 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este 
Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição 
do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido 
são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. 
 
 
 
 
 
  AN02FREV0
3 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
MÓDULO I 
1 LITERATURA 
1.1 AFINAL O QUE É LITERATURA? 
1.2 TEATRO 
1.3 PROSA DE FICÇÃO 
1.4 HISTÓRIA EM VERSO 
1.5 OS TEXTOS SEM HISTÓRIA 
1.6 NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO 
1.6.1 Texto 
1.6.2 Linguagem literária e não literária 
1.6.3 O lugar da teoria literária 
1.6.4 O “motivo” da literatura 
1.6.5 Existem assuntos “poéticos”? 
1.6.6 Denotação e conotação 
1.7 GÊNEROS LITERÁRIOS 
1.7.1 Gênero lírico 
1.7.2 Gênero épico 
1.7.3 Gênero dramático 
1.8 ESPÉCIES LITERÁRIAS 
2 LITERATURA PORTUGUESA 
2.1 TROVADORISMO 
2.1.1 A lírica trovadoresca 
2.1.2 As cantigas ou cantares de amor 
2.1.3 As Cantigas ou Cantares de Amigo 
2.1.3.1 Classificação das Cantigas de Amigo 
2.1.4 Cantiga de Ribeirinha 
 
 
 
 
  AN02FREV0
4 
 
MÓDULO II 
2.2 ELABORAÇÃO E TEMÁTICA DAS CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER 
2.3 CANTIGAS DE AMOR 
2.4 CANTIGAS DE AMIGO 
2.5 CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER 
2.6 OS CANCIONEIROS 
2.7 A LÍRICA TROVADORESCA 
2.8 A PROSA DA PRIMEIRA ÉPOCA MEDIEVAL 
2.8.1 Novelas de cavalaria 
2.8.2 Amadis de Gaula 
2.8.3 Demanda de Santo Graal 
2.9 HUMANISMO 
2.9.1 Fernão Lopes 
2.9.2 A poesia palaciana 
2.9.3 Gil Vicente 
2.9.3.1 Classificação das peças de Gil Vicente 
2.9.3.2 Farsa de Inês Pereira 
2.10 CLASSICISMO 
2.10.1 Luís Vaz de Camões 
2.10.2 Barroco anunciado 
 
 
MÓDULO III 
2.10.3 Poesia épica 
2.10.3.1 Proposição 
2.10.3.2 Canto I 
2.10.3.3 Canto II 
2.10.3.4 Canto III 
2.10.3.5 Canto IV 
2.10.3.6 Canto V 
2.10.3.7 Canto VI 
2.10.3.8 Canto VII 
 
 
  AN02FREV0
5 
2.10.3.9 Canto VIII 
2.10.3.10 Canto IX 
2.10.3.11 Canto X 
2.11 BARROCO 
2.11.1 Contexto histórico-social 
2.11.2 Padre Antônio Vieira 
2.11.2.1 Profecias 
2.11.2.2 Cartas 
2.11.2.3 Sermões 
2.12 ARCADISMO 
2.13 NEOCLASSICISMO 
2.13.1 Pseudônimos pastoris 
2.13.2 Carpe Diem 
2.13.3 Fugere Urbem 
2.14 NOVA ARCÁDIA 
2.14.1 Manuel Maria Barbosa Du Bocage 
2.14.1.1 Sonetos 
 
 
MÓDULO IV 
3 LITERATURA BRASILEIRA 
3.1 O ROMANTISMO 
3.1.1 Almeida Garrett 
3.1.2 Frei Luís de Sousa 
3.1.3 Alexandre Herculano 
3.1.4 Camilo Castelo Branco 
3.1.5 Júlio Dinis 
3.2 LITERATURA INFORMATIVA SOBRE O BRASIL 
3.2.1 Momento histórico 
3.2.2 A literatura informativa 
3.2.3 Literatura dos jesuítas 
3.3 ESTILOS DE ÉPOCA 
3.3.1 Barroco em Portugal 
 
 
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6 
3.3.2 Arcadismo 
3.4 ROMANTISMO 
3.4.1 Características gerais 
3.4.2 Produção literária 
3.4.2.1 José de Alencar 
3.4.2.1.1 Romance urbano: Senhora 
3.4.2.1 Manuel Antônio de Almeida 
3.5 REALISMO/ NATURALISMO 
3.5.1 Portugal 
3.5.1.1 Prosa – Eça de Queiros 
3.5.1.2 Poesia – Antero de Quental 
3.5.2 Brasil 
3.5.2.1 Aluísio Azevedo 
3.5.2.2 Machado de Assis 
3.6 SIMBOLISMO 
3.6.1 Características 
3.6.1.1 Eugênio de Castro 
3.6.1.2 Antônio Nobre 
3.6.2 BRASIL 
3.6.2.1 Cruz e Sousa 
3.6.2.2 Alphonsus de Guimaraens 
3.7 MODERNISMO EM PORTUGAL 
3.7.1 Fernando Pessoa 
3.7.2 Alberto Caeiro 
3.7.3 Álvaro Campos 
3.7.4 Ricardo Reis 
3.7.5 Fernando Pessoa – ele mesmo 
3.7.6 Mário de Sá Carneiro 
3.8 1ª GERAÇÃO MODERNISMO BRASILEIRO – CARACTERÍSTICAS 
ESPECÍFICAS 
3.8.1 Autores modernistas 
3.8.1.1 Mário de Andrade 
3.8.1.1.1 Macunaíma 
 
 
  AN02FREV0
7 
3.8.1.2 Manuel Bandeira 
3.8.1.3 Outros autores 
3.9 2ª GERAÇÃO DO MODERNISMO BRASILEIRO 
3.9.1 Características específicas 
3.9.2 Poetas da 2ª fase 
3.9.2.1 Carlos Drummond de Andrade 
3.9.2.2 Cecília Meireles 
3.9.2.3 Vinícius de Moraes 
3.10 PROSA DO MODERNISMO 2ª FASE: 
3.10.1 José Américo de Almeida 
3.10.2 Rachel de Queirós 
3.10.2.1 O Quinze 
3.10.3 José Lins do Rego 
3.10.4 Jorge Amado 
3.10.5 Graciliano Ramos 
3.11 POESIA PÓS-MODERNA 
3.11.1 João Cabral de Melo Neto 
3.11.2 Concretismo 
3.11.3 Ferreira Gullar 
3.12 PROSA PÓS-MODERNA 
3.12.1 Clarice Lispector 
3.12.2 Guimarães Rosa 
3.13 PRODUÇÕES CONTEMPORÂNEAS 
3.13.1 Lygia Bojunga (1932 - ) 
3.13.2 Rubem Braga (1913-1990) 
3.13.3 Fernando Sabino (1923 - 2004) 
3.13.4 Paulo Coelho (1947) 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
 
 
 
 
 
  AN02FREV0
8 
 
 
MÓDULO I 
 
 
1 LITERATURA 
 
 
Definir literatura é marcar fins, limites, margens em que um objeto perde sua 
individualidade e seu nome. Deixa de ser. Dá lugar a algo que precisamente não é 
mais aquilo de que até então se tratava. O conhecimento – sempre hipotético – 
dessa linha que demarca o momento em que um ser perde sua identidade e surge 
um segundo, dele diverso, é o que possibilitaria definições. No caso da literatura, 
além de estarmos, como em qualquer outro, às voltas com esta questão, estamos 
também diante de agravantes que tornam ainda mais difícil qualquer aproximação: é 
que definir literatura se confunde com a definição do poético e da beleza. Ou seja: 
coloca, de uma penada, em toda a plenitude, a questão estética no centro da 
discussão. E esta, sabemos, permanece irresolvida, impossível que é desvinculada 
da questão do gosto, da regência de usos e costumes e situações contextuais, da 
ideologia, de relativizações de toda ordem. Como disse Paul Valéry a propósito do 
Romantismo, seria preciso perder toda noção de rigor para tentar esta definição. 
Sendo assim, fica evidente que do ponto de vista teórico jamais será 
possível saber em que momento um texto jornalístico, por exemplo, por definição 
será não literário ou não artístico passe a apresentar, por méritos de seu autor e/ou 
de sua feitura, características tais que façam dele um texto literário – vale dizer, um 
texto artístico. Frequentemente, textos que se queriam artísticos não passam de 
narrativas perfeitamente reconhecíveis como jornalísticas, ao mesmo tempo em que 
outros, jornalísticos ou historiográficos ou de registros em diários, memórias, etc., 
decolam de seu estado inicial para alçar o voo do literário e da produção artística. 
Há casos-limite em que uma coisa é a outra, mas sempre podendo deixar dúvidas 
em nosso espírito catalogador, de modo que se cria uma “zona neutra”, de 
impossível definição. Da mesma forma se coloca a questão do poético. Nota-se 
(digamos logo), aqui nestas palavras, que empreguei expressões como “alçar-se” e 
 
 
  AN02FREV0
9 
todo um tom de valorização do literário e do artístico em relação aos seus “opostos”. 
Isto já é um comportamento automático, ideológico, privilegiado de um texto – ou de 
postura ante os textos – em detrimento de outros. Tudo o que se disser, no campo 
das definições, está, deve estar sujeito a tais reparos. No momento em que se 
arbitrar a favor de ir em frente, numa linha de conceitos dada, em detrimento de 
outras, é preciso saber o que seestá fazendo. Não raramente é preciso ser arbitrário 
– quando se considera um objeto de estudo, mas é preciso saber o que estamos 
sendo e fazendo, é preciso ter consciência de que teremos então abandonado algo 
de nossa consciência crítica, embora tal atitude vise uma finalidade que em seu 
contexto justifique a decisão. 
A compreensão do que seja literatura em termos de dicionário é impossível e 
o leitor dos nossos dias sabe disso: não há mais ingenuidade alguma, pelo menos 
entre aqueles que possam um dia manusear este livro, capaz de conceber como 
possível uma definição do tipo dicionário do que seja literatura, poesia, ou o belo. 
Somente o recurso ao discurso enciclopédia poderá facilitar um pouco a questão e 
creio que as aproximações sucessivas, os avanços e recuos, as idas e vindas são 
perfeitamente naturais, aqui. O que não aborrece a prática de alguma ordem e 
disciplina. 
 
 
1.1 AFINAL O QUE É LITERATURA? 
 
 
Encontra-se em aspectos variados a palavra 
literatura. Entretanto, talvez não se saiba ainda dizer o 
significado dela. Neste caso, mais importante é você 
entender do que se trata, em vez de tentar gravar o sentido do termo. Agora que é 
possível perceber o que representa viver numa cultura, já é capaz de perceber que a 
arte é uma atividade cultural em meio a outras e já captará a importância da palavra 
em nossa sociedade, estará habilitado a entender o que é literatura. 
Literatura é o nome que tem sido dado às produções artísticas que utilizam o 
código verbal, isto é, a língua. Embora haja literatura oral (letras de música e poesia 
 
 
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10 
popular, textos teatrais, por exemplo), a maior parte dos textos literários, hoje, é 
escrita para se destinar à leitura silenciosa. 
Vamos imaginar o conjunto de todos os textos do mundo. Ele se divide em 
dois subgrupos: textos literários e textos não literários. Os dois conjuntos possuem 
elementos comuns, pontos de interseção, que vão depender da época e do contexto 
cultural. Por exemplo, em uma época, certos discursos políticos são apreciados 
como literários, em outra, não. 
Normalmente, hoje, textos não literários são os científicos, os filosóficos, os 
noticiosos, entre outros. Mas há textos que estão na interseção e, dependendo de 
suas características e finalidades, podem ser considerados ou não como literários. É 
o caso, por exemplo, de muitas biografias, narrativas de memórias ou mesmo de 
certos trechos de jornal. 
Seria possível tentarmos distinguir o texto literário do não literário com base 
no verdadeiro e no inventado. De fato, os textos científicos e jornalísticos devem 
estar calcados em fatos reais, e a literatura tem sua origem na imaginação do 
escritor, mesmo quando ela se vale de dados reais. 
No entanto, às vezes, é impossível separar o verdadeiro do inventado. 
Pense nas “fofocas” e ficará de acordo com isso. Na literatura, o leitor fica na mesma 
condição de quem ouve uma “fofoca” será? Não será? Mas as semelhanças acabam 
por aí, pois no caso da “fofoca” o ouvinte pode resolver tirar tudo a limpo e, no caso 
da literatura, o leitor, se quiser mesmo ler, vai ter que “embarcar” no que lhe dizem e 
ler tudo como se fosse a verdade, embora saiba que pode ser pura imaginação. Isso 
porque o texto literário, como arte que é, cria sua própria “verdade”, por meio da 
linguagem. Por exemplo, quando Manuel Bandeira diz: 
 
Sou bem nascido. Menino 
Fui como os demais, feliz; 
Depois veio o mau destino 
E fez de mim o que quis. 
 
Pouco importa que tenha ou não sido assim mesmo a infância do poeta. 
Para nós, que lemos seus versos, o sentimento e a vivência passam como se 
fossem reais. Essa é a magia da arte literária. 
 
 
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O artista da palavra consegue essa magia porque sabe criar contextos em 
que a linguagem revela sentidos pouco evidentes no uso cotidiano. Nesses 
contextos verbais inesperados, as palavras mostram possuir outros sentidos – 
conotativos – ocultos sob seu significado próprio – denotativo. Repare nos textos a 
seguir: 
 
“O coração é um músculo oco, de fibras estriadas, revestido externamente 
pelo pericárdio e dividido por um septo vertical em duas metades. (...) Em cada 
contração do coração, o sangue é bombeado, com certa pressão, para o interior dos 
vasos sanguíneos (artérias, arteríolas, capilares, vênulas e veias)” (Demétrio 
Gowdak) 
 
 
Ah, um soneto... 
 
Meu coração é um almirante louco 
Que abandonou a profissão do mar 
E que vai relembrando pouco a pouco 
Em casa a passear, a passear... 
 
No movimento (eu mesmo me desloco 
Nesta cadeira, só de imaginar) 
O mar abandonado fica em foco nos 
Músculos cansados de parar. 
 
Há saudades nas pernas e nos braços. 
Há saudades no cérebro por fora. 
Há grandes raivas feitas de cansaço. 
 
Mas esta é boa! – era do coração 
Que eu falava... e donde diabo estou eu agora 
Com almirante em vez de sensação?... 
(Álvaro de Campos) 
 
 
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12 
 
Ambos os textos descrevem o coração. Em ambos há “músculos” e 
“movimento/contração”. A primeira oração dos dois textos apresenta pontos 
marcantes de semelhança: 1. Sintática – sujeito + predicado nominal; 2. Métrica e 
musical – a do 1° texto tem 9 sílabas, a do 2° tem 10; rima quase perfeita entre “oco 
e “louco”. 
Mas com exceção desses aspectos, predominam as diferenças, referentes 
aos contextos, aos modos de usar a linguagem. 
É interessante analisar o contexto em que a palavra “coração” aparece. Em 
ambos os casos ela é o núcleo do sujeito, mas isto não define seu sentido como 
denotativo ou conotativo. Tudo se esclarece, porém, do segundo termo das orações 
em diante – predicativo do sujeito: atribuir ao “coração” à característica de “músculo 
oco, de fibras estriadas...” conduz o leitor à compreensão nítida de que “coração” 
tem como referente o órgão encarregado de bombear o sangue pelo corpo. Todas 
as palavras se ajustam umas às outras, reunindo-se num contexto em que a 
denotação – o sentido próprio – evidencia-se de tal modo que impossibilita a 
interpretação livre de cada termo. Cabe ao leitor um sentido único, que não lhe exige 
o senso imaginativo. 
Agora observe como o autor do segundo texto trabalha com a mesma 
palavra: quando descreve o “coração” do eu-poético como “um almirante louco”; ele 
mistura elementos de contexto bem diversos – corpo humano e mundo da 
navegação. Sabemos que no universo real é impossível um órgão tornar-se um 
navegante – nem importa se “louco” ou não. O que aconteceu então? O poeta 
metamorfoseou o mundo “real” num mundo “verbal”. O texto não é uma cópia da 
realidade – é uma realidade em si mesmo. Nesta realidade, “coração” deixa de 
indicar denotativamente, “parte do corpo” e carrega-se de conotação – sentido 
segundo – de “mundo afetivo, sede abstrata de sentimentos, centro do universo 
emocional”. 
Além disso, “almirante louco” permite múltiplas interpretações individuais – 
cada leitor colabora no texto com sua própria visão pessoal desse “coração” 
poeticamente maluco. 
 
 
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Assim, podemos afirmar que, de modo geral, um texto se define como 
literário quando sua proposta semântica resulta num discurso aberto à participação 
do leitor. 
 
 
1.2 TEATRO 
 
 
 
 
Há histórias literárias que são escritas para serem 
representadas. São chamadas peças teatrais. Quando assistimos a 
alguma peça, os atores falam e agem diante de nossos olhos, há 
cenário, figurinos, música nos momentos adequados, luzes, etc. 
Isso não faz parte da literatura, mas de outra arte: o teatro. Literário 
dentro da peça é o texto, isto é, aquilo que os atores devem falar, 
constituindoa base verbal da história que está sendo representada. 
Ler uma peça pode ser cansativo, pois parece estar faltando algo. De fato, está 
faltando algo, falta o espetáculo teatral, complemento indispensável ao texto literário 
que se destina ao teatro. 
 
 
1.3 PROSA DE FICÇÃO 
 
 
Há histórias literárias, narradas em prosa, destinadas a serem lidas por 
indivíduos que ora “devoram” livros inteiros, ora leem devagar, um pouquinho de 
cada vez. São histórias que normalmente aparecem em livros, mas podem aparecer 
em revistas e mesmo em jornais chamados de literários. São histórias que, às vezes, 
são contadas em trezentas páginas, outras vezes em três. Costuma-se, no Brasil, 
dividi-las em três tipos básicos: romances, novelas e contos. Depois você aprenderá 
a distingui-las. 
Chamamos qualquer romance, novela ou conto de prosa de ficção. Prosa 
porque nenhum deles emprega o verso para narrar às histórias. De ficção porque se 
 
 
  AN02FREV0
14 
trata de histórias baseadas na imaginação do escritor e, mesmo quando calcadas na 
realidade, não podem ser confundidas com uma notícia ou com uma verdade 
científica. 
 
 
1.4 HISTÓRIA EM VERSO 
 
 
Será que existe jeito de contar uma história em verso? Claro que existe: são 
os chamados poemas narrativos, muito cultivados em épocas mais antigas. Hoje, 
quem quer contar uma história prefere a prosa de ficção. Entretanto, ainda 
encontramos bons poemas narrativos de autores contemporâneos, como o Caso do 
vestido, de Carlos Drummond de Andrade. 
 
 
1.5 OS TEXTOS SEM HISTÓRIA 
 
 
Até agora falamos de histórias destinadas ao teatro e de histórias narradas 
para leitura silenciosa. Vimos que essas histórias recebem nomes especiais, de 
acordo com suas características. Mas, como só falamos em textos que contam 
histórias, fica a dúvida: afinal, há textos, que não contam histórias? 
Existem, sim, tais textos. Desde a Antiguidade, e em grande número. São 
textos chamados de líricos, porque antigamente eram recitados com 
acompanhamento da lira. Geralmente aparecem em verso, embora existam também 
em prosa. São textos que tratam de emoções (desejos, dores, revoltas, 
entusiasmos, amores, etc.), sem narrar acontecimentos. Sua força reside na própria 
linguagem, que se torna mais densa, mais sugestiva e muito mais carregada de 
recursos sonoros que a prosa de ficção. Quando estudar os gêneros literários 
entenderá isso melhor. 
 
 
 
 
 
  AN02FREV0
15 
 
1.6 NATUREZA DO FENÔMENO LITERÁRIO 
 
 
Quando procuramos entender a natureza do fenômeno literário devemos nos 
perguntar o que queremos dizer com “natureza” e “fenômeno”. Só assim 
entenderemos melhor como eles se aplicam ao literário. Tanto natureza como 
fenômeno são conceitos filosóficos que comportam um amplo número de 
significados. Como não se trata de discutir tais conteúdos filosóficos, é importante 
que o leitor esteja, ao menos, atento ao problema. 
Natureza aqui significa a preocupação de compreender a especificidade do 
literário. Natureza é aí tomada na acepção da essência, substância, aquilo que faz 
com que uma coisa seja aquilo e não outra. Uma definição ou conceituação tende a 
levar a um entendimento fechado e muitas vezes estático. 
 
 
1.6.1 Texto 
 
 
Objeto que está lançado diante de alguém, no caso da literatura, o objeto 
imediatamente diante de nós é o texto. O que é um texto? 
 
1. Texto vem do verbo tecer: é o entrelaçamento de linhas, no caso, as 
orações e os períodos. 
2. A disposição das linhas e seu entrelaçamento, a ocupação e 
disposição espacial são itens que podem contribuir para a caracterização do literário. 
Chamamos a esse aspecto o “formato” para diferenciá-lo da forma. O formato está 
relacionado com a diagramação e tem uma grande importância na chamada 
literatura infantil. No texto-formato, a ilustração e a diagramação devem ser de tal 
maneira consonantes, que a sua união faça surgir a harmonia: é a obra enquanto 
apresentação. A apresentação surge como um esforço de integração entre as 
facetas do formato e da forma. Antes de entrarmos na tematização do texto 
enquanto forma especificamente literária, vejamos outras concepções de texto. 
 
 
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16 
 
3. O texto enquanto tecido de signos repetidos numa cadência regular 
não é algo em si, mas expressa e manifesta a relação do homem com as realidades 
e dos homens entre si. Então o texto tem de ser visto e relacionado a três referentes: 
o homem, a realidade e a expressão. Explicitamente, podemos fazer um corte e 
determo-nos num dos referentes, mas implicitamente os outros dois sempre estarão 
obrigatoriamente presentes. Isto é importante para penetrar no entendimento de um 
texto literário, embora qualquer texto implique sempre os três referentes. Começa a 
ficar claro que a relação do leitor com o texto ultrapassa uma simples relação 
objetiva. Em outras palavras, todo texto é resultado de uma leitura. Uma leitura, 
enquanto modalidade de relação radical do homem, com a realidade, resulta em 
produtividade, conforme um texto. Um texto é, pois, em última instância uma 
elaboração humana, um trabalho. O trabalho é a ação humana pela qual o homem 
textualizando, significando o real se significa. Por outro lado esta elaboração só 
encontra sua plenitude na medida em que ao elaborar ele colabora, isto é, 
pressupõe o outro (socializar) como polo necessário de sua ação significativa. Toda 
leitura supõe a colaboração, porque o texto não se lê, o instrumento não se lê. Logo, 
toda elaboração pressupõe o outro, a colaboração. Por outro lado, tal noção 
evidencia que o texto não se limita ao escrito, implicando, sobretudo o oral. E vai 
mais longe: uma fotografia, uma estátua, um instrumento, etc., é um texto, na 
medida em que expressa uma relação do homem com o real. Entre tantas 
modalidades de texto, quando um texto é especificamente literário? Este é o grande 
problema. Não há uma fórmula pronta e acabada que dê a resposta. O que há são 
muitos encaminhamentos, tentativas de compreensão. O caminho mais correto é o 
leitor apreender essas focalizações, pensá-las criteriosamente, sobretudo na leitura 
das grandes obras literárias (o mais importante), e assim ir configurando, 
dinamicamente, a compreensão do fenômeno literário. Portanto, em um processo 
radicalmente dialético. É a constatação do óbvio: o mestre pode ensinar as mais 
excelentes técnicas de nadar, mas o aluno aprende a nadar... nadando...então é 
inútil a presença da teoria literária? Não. Podemos usar outra metáfora. Digamos 
que a literatura é uma floresta. Penetrar e movimentar-se nela, é difícil. Numa 
primeira etapa, percorremos as trilhas já abertas e conhecidas. De posse destes 
 
 
  AN02FREV0
17 
caminhos, querendo conhecer melhor a floresta empreendemos a abertura de novas 
trilhas. É uma procura que entusiasma, por isso gratificante. 
 
4. Numa distinção simples, podemos apontar duas espécies de texto: o 
texto-objeto e o texto-obra. O texto-objeto é constituído, sobretudo pelo discurso 
referencial cotidiano e técnico. Nele predomina uma oposição entre sujeito e objeto, 
em que o sistema expressivo, como tal, é colocado em plano secundário. Se alguém 
quer transmitir uma ordem ou então enunciar uma instrução técnica, não vai 
escolher palavras bonitas nem elaborar frases harmoniosas. O importante é ser 
compreendido o mais claramente possível, daí ser objetivo e prático. Noutras 
palavras, tal texto será tanto melhor quanto for objetivo, impessoal, útil e funcional. 
Um texto é literário quando começa a ultrapassar essa utilidade e funcionalidade. 
Não que deixe de ser útil e funcional. Quando se usam os textos literáriosna escola 
para instruir, eles são úteis e funcionais. Mas além dessa, apresentam outras 
dimensões. O texto literário é um texto-obra que lança mão do discurso metafórico. 
O poder metafórico, por sua plurissignificação, põe em tensão o emissor e o 
receptor, o leitor e a realidade (lida), de tal maneira que entre esses dois polos se 
estabelece uma relação produtiva, dinâmica, daí texto-obra – ou texto que opera 
transformações e manifestações. Dom Casmurro, de Machado de Assis, é um texto-
obra – por ser ambígua, geração de leitores e críticos vêm debatendo o “caso” 
Capitu: do julgamento moral (adultério) à interpretação psicanalítica. O importante 
não é decidir quem está certo, mas atender para a produtividade de interpretações. 
 
 
 
 
 
PARA SABER MAIS... 
 
Machado de Assis - Um mestre na periferia 
http://portal.mec.gov.br/machado/index.php?option=com_content&task=view&id
=157&Itemid=158 
 
 
 
  AN02FREV0
18 
 
 
 
 
 
1.6.2 Linguagem literária e não literária 
 
 
Na literatura, as palavras podem não ter o mesmo valor das palavras que 
utilizamos na vida diária. Em nosso cotidiano, as palavras têm um valor utilitário, ao 
passo que, se usadas no texto literário, adquirem valor artístico, podendo criar um 
mundo poético ou ficcional, por meio da maneira como são usadas. 
O artista da palavra pode nos retratar uma realidade ao seu modo. A 
realidade literária (a criação literária) pode estar em desacordo com a realidade 
sensível, objetiva. 
A linguagem literária é conotativa, utiliza figuras (palavras de sentido 
figurado), em que as palavras adquirem sentidos mais amplos do que geralmente 
possuem. 
Na linguagem literária há preocupação com a escolha e a disposição das 
palavras, que acabam dando vida e beleza a um texto. 
A linguagem não literária é objetiva, denotativa, preocupa-se em transmitir 
o conteúdo, utiliza a palavra em seu sentido próprio, utilitário, sem preocupação 
artística. 
 
INDICAÇÃO DE LEITURA 
 
Dom Casmurro- Machado de Assis 
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action
=&co_obra=1888 
 
 
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19 
Portanto, a literatura é de grande importância, porque é a expressão do ser 
humano e da vida, e porque retrata épocas, costumes e ideias. 
 
 
1.6.3 O lugar da teoria literária 
 
 
A teoria literária, desde o início do século XX, debruçou-se sobre os 
problemas que o termo literatura assumiu, em consonância com as transformações 
históricas e sociais focalizando a literatura em diferentes posições. Considerando a 
literatura como floresta, rica de espécies, flores e frutos, verão que tais 
encaminhamentos abriram muitas trilhas e clareiras, mas devemos caminhar 
atentos, pois tais caminhos devem revelar a floresta e é a ela que devemos ficar 
atentos. Quem quiser eleger um caminho como único convirá que é limitar o 
conhecimento da floresta. Por outro lado só se conhece a floresta penetrando nela. 
O método (palavra grega que significa “caminho para”) de compreensão da natureza 
do literário não pode concebê-la como um objeto distante de um sujeito que, munido 
de uma teoria ou conceito, vai alcançá-la. Só se compreende a literatura lendo-a, 
como só se conhece a floresta percorrendo-a. 
 
 
1.6.4 O “motivo” da literatura 
 
 
Uma literatura faz-se com obras. Porém, como distinguir uma obra literária 
de uma não literária? As especializações dos saberes tornaram mais agudas e 
pertinentes este problema. A química, a física, a matemática, a política, etc., sabem 
bem qual é o seu objeto de conhecimento. E a literatura? Teria ela afinal um objeto 
ou será que isso não é um problema de determinado momento histórico que legitima 
certas formas em detrimento de outras? Vidas Secas, de Graciliano Ramos, é 
literatura, sem dúvida nenhuma, assim como tantos outros romances dramas e 
poemas. Nessa ótica de objeto específico do literário, poderia se dizer o mesmo dos 
Sermões do Padre Antônio Vieira, da História do Brasil, de Frei Vicente do 
 
 
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20 
Salvador? Mais recentemente temos de Fernando Veríssimo, O analista de Bagé e 
As memórias de Pedro Nava já no sexto volume. São literaturas? É difícil negar que 
não sejam. 
O termo literatura, além da simples designação da bibliografia ou texto 
escrito, denomina também certo tipo de obras que teriam algo em comum com as 
plenamente aceitas como literárias, de caráter estritamente estético e ficcional. Por 
outro lado, a indústria cultural pública tem uma enorme quantidade de obras em que 
o “ficcional” predomina e que, no entanto, não são consideradas literárias. 
As agências de propaganda, onde trabalham muitos escritores, produzem 
textos comerciais utilizando muitos dos recursos retóricos e poéticos: É literatura? 
Diante de tantas formas de literatura o que considerar como uma obra literária? 
Para definir a natureza do literário devemos atender ao momento histórico e 
seu contexto, que pela classe dominante institui os parâmetros de legitimação do 
literário, à “criatividade” do escritor, aos recursos estilísticos e retóricos do texto, ao 
“gosto” dos leitores segundo a indústria cultural? 
Parece mais fácil para os teóricos da literatura apontar dificuldades do que 
propor soluções. Isso mostra a complexidade do problema, sendo uma forma de ir 
expondo a natureza do literário. 
 
 
1.6.5 Existem assuntos “poéticos”? 
 
 
Qualquer assunto pode inspirar uma obra de arte, desde que o autor 
trabalhe bem, transmita a emoção estética. As palavras estão aí, à disposição de 
qualquer pessoa. Se houvesse palavras literárias em si mesmas, para escrever um 
poema bastaria comprar um dicionário de palavras poéticas na livraria da esquina e 
pronto! Mais um novo poeta na praça! 
Porém, não há uma hierarquia de palavras: as comuns, para os míseros 
mortais; as difíceis, para os professores, políticos e intelectuais; e as poéticas. Isso 
não ocorre, pois todas as palavras podem se tornar literárias; o que as transforma é 
o arranjo, a relação nova dada entre elas. 
 
 
 
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“Chega mais perto e contempla as palavras. 
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra.” 
(Carlos Drummond de Andrade) 
 
A língua já foi comparada a um dicionário, de modo que os exemplares 
idênticos são distribuídos entre os indivíduos, e cada indivíduo pode fazer uso desse 
“dicionário” de forma particular, desde que obedeça a algumas regras gerais da 
língua. Desta forma, ao realizar um ato de comunicação verbal, o indivíduo escolhe, 
seleciona as palavras, para depois organizá-las, combiná-las, conforme a sua 
vontade. E todo esse trabalho de seleção e combinação não é aleatório, não é 
realizado por acaso (afinal, seleção significa “escolha fundamentada”), mas está 
intimamente ligado à intenção de quem fala ou escreve. 
Quando esta intenção está voltada para o próprio texto, quer na sua 
estrutura, quer na seleção e combinação das palavras, ocorre a função poética da 
linguagem. 
Ao selecionar e combinar de maneira particular e especial as palavras, o 
poeta procura obter alguns elementos fundamentais da linguagem poética: 
 
 
• O ritmo; 
• A sonoridade; 
• O belo e o inusitado das imagens. 
 
 
Importante é perceber que a função poética não é exclusiva da poesia; você 
poderá encontrá-la em textos escritos em prosa, em anúncios publicitários e mesmo 
na linguagem cotidiana. 
A seguir, alguns exemplos da função poética da linguagem: 
 
“Diante dele, as pessoas, as coisas, perdiam o peso de ser. Os lugares, o 
Mutum – se esvaziavam, numa ligeireza, vagarosos. E Miquilim mesmo se achava 
diferente de todos. Ao vago, dava a mesma ideia deuma vez, em que, muito 
pequeno, tinha dormido de dia, fora de seu costume – quando acordou, sentiu o 
 
 
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existir do mundo em hora estranha, e perguntou assustado: - Uai, Mãe, hoje já é 
amanhã?!” 
(Guimarães Rosa) 
 
 
A palavra 
Já não quero dicionários 
Consultados em vão. 
Quero só a palavra 
Que nunca estará neles 
Nem se pode inventar 
Que resumiria o mundo 
E o substituiria. 
Mais sol do que o sol, 
Dentro da qual vivêssemos 
Todos em comunhão, 
Mudos, 
Saboreando-a. 
(Carlos Drummond de Andrade) 
 
O texto de Guimarães Rosa, escrito em prosa, é um brilhante exemplo da 
função poética da linguagem. Nele predomina a linguagem figurada, resultante da 
seleção e da combinação especial de palavras. Dessa forma, mesmo isoladas do 
contexto, as frases têm um valor, porque o foco está na própria arrumação da 
mensagem. É o que ocorre em “os lugares se esvaziam, numa ligeireza, vagarosos” 
ou “sentiu o existir do mundo em hora estranha” ou ainda “hoje já é amanhã?”. 
O poema de Drummond apresenta dois aspectos interessantes. Por um 
lado, trata-se de um poema cujo tema é a palavra: Drummond se utiliza da palavra 
(do poema) como meio para fazer reflexões sobre a própria palavra – temos, aqui, 
uma função da linguagem chamada metalinguística. Por outro lado, o poema é 
também o fim: sua materialização se dá por intermédio da palavra – temos, aqui, a 
função poética da linguagem. 
 
 
 
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1.6.6 Denotação e conotação 
 
 
A linguagem humana difere da comunicação animal por envolver um 
trabalho mental, pois o homem, ao contrário do animal, retém o significado de uma 
palavra. E mais: o homem tem imaginação criadora e a usa frequentemente. Dessa 
forma, na linguagem humana, uma palavra pode ter seu significado ampliado, 
remetendo-nos a novos conceitos por meio de associações, dependendo de sua 
colocação numa determinada frase. Como exemplo, compare os dois casos que 
seguem: 
 
1. Ele está com a cara manchada. 
2. “Deus me fez um cara fraco, desdentado e feio”. 
(Chico Buarque de Holanda) 
 
No primeiro exemplo, a palavra cara significa “rosto”, a parte anterior da 
cabeça, conforme consta nos dicionários. Já no segundo exemplo, a mesma palavra 
teve seu significado ampliado e, por uma série de associações, entendemos que 
significa “indivíduo”, “sujeito”, “pessoa”. 
Às vezes, numa mesma frase pode apresentar duas (ou mais) possibilidades 
de interpretação. 
 
João quebrou a cara. 
 
Em seu sentido literal, frio, impessoal, a frase significa que João, por um 
acidente qualquer, fraturou o rosto. Entretanto, podemos entendê-la num sentido 
figurado, como “João se saiu mal”, isto é, foi malsucedido em algo que tentou fazer. 
Pelos exemplos, nota-se que uma mesma palavra pode apresentar 
variações em seu significado, ocorrendo, basicamente, duas possibilidades: 
 
 
 
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• Na primeira, a palavra apresenta seu sentido original, impessoal, 
independente do contexto, tal como aparece no dicionário; nesse caso, prevalece o 
sentido denotativo – ou denotação – do signo linguístico; 
• Na segunda, a palavra aparece com significado alterado, passível de 
interpretações diferentes, dependendo do contexto em que é empregada; nesse 
caso, prevalece o sentido conotativo – ou conotação – do signo linguístico. 
 
A linguagem poética explora o sentido conotativo das palavras, num 
contínuo trabalho de criar ou alterar o significado, já cristalizado, dessas mesmas 
palavras. Dessa forma, ao interpretar o sentido conotativo das palavras, o leitor 
transforma-se em leitor-ativo, em tradutor, em coautor do texto. Para tanto, é preciso 
sempre estar atento ao contexto, que nos fornecerá indicações concretas para 
decifrar o jogo denotação/conotação. 
 
 
1.7 GÊNEROS LITERÁRIOS 
 
 
A ideia de que existem gêneros literários é das mais antigas e, por isso 
mesmo, vem sendo questionada ao longo dos tempos, gerando permanente 
polêmica em torno do assunto. 
O que se entende por gêneros literários pode ser resumido na própria 
etimologia do vocábulo “gênero”, oriundo do latim genus-eris, que significa tempo de 
nascimento, origem, classe, espécie, geração. Deste modo, toda obra literária se 
origina de uma determinada época e uma determinada cultura, ou seja, é gerada 
num certo tempo e num certo espaço, filiando-se a uma determinada classe ou 
espécie ou inaugurando um novo horizonte por meio de um conjunto próprio de 
regras. O primeiro problema que se coloca é se essa filiação depende de um 
princípio de rígida obediência a regras preexistentes, ou nas matrizes atemporais; ou 
se ela pode se adaptar a acrescentar a si mesma outras normas próprias do tempo 
ou do momento cultural em que brota. O segundo problema diz respeito à 
possibilidade de uma obra particular pertencer simultaneamente a mais de um 
gênero. 
 
 
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Percorrendo a vida deste conceito, verificamos que, por intermédio dos 
tempos, enquanto alguns teóricos defenderam a tese da imutabilidade dos gêneros, 
como se fossem organismos permanentes que deveriam ser respeitados em toda a 
sua estruturação, outros propugnaram por uma liberação desses modelos, na defesa 
da liberdade criadora que não pode ser limitada por nenhuma regra anterior. Entre 
estas duas posições extremas, também encontramos algumas outras que, sem 
negar os modelos primitivos, vêm com a função de orientar a compreensão do leitor 
para que a sua apreciação se dê de uma forma mais efetiva, e os entendem como 
formas, sempre prontas a dialogar com várias épocas. 
Em todo caso, parece haver um consenso na atribuição de importância ao 
conhecimento das regras que deram origem aos diversos gêneros, pois estas 
traduzem os ideais estéticos então vigentes. 
A história, reflexo das realizações humanas, é dinâmica, o que não impede 
que levemos em consideração a existência de certas convenções estéticas de que a 
obra participa e que lhe dão certa modelização. Toda obra artística é autônoma em 
sua validade estética, mas não é independente da cultura de sua época e das 
influências da cultura de épocas anteriores: assim como nós, seres humanos, que 
também temos as nossas marcas genéticas e as que vamos adquirindo na nossa 
trajetória existencial, que nos tornam diferentes dos outros seres com que 
convivemos e, ao mesmo tempo, semelhantes a eles – em se tratando de elementos 
comuns a nossa condição humana. 
Precisamos estar alertas para reconhecermos e acolhermos as novas 
possibilidades criadoras que realmente possam participar da grande família 
composta por meio dos tempos, pelos gêneros literários. 
De acordo com a concepção clássica há três gêneros literários: lírico, épico 
e dramático. 
 
 
1.7.1 Gênero lírico 
 
 
É certo tipo de texto no qual um eu lírico (a voz que fala no poema, que nem 
sempre corresponde a do autor) exprime suas emoções, ideias e impressões ante o 
 
 
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mundo exterior. Normalmente os pronomes e os verbos estão em 1ª pessoa e há o 
predomínio da função emotiva da linguagem. Observe o lirismo do seguinte verso. 
 
“Ardo em desejo na tarde que arde! 
Oh, como é belo dentro de mim. 
Teu corpo de ouro no fim da tarde: 
Teu corpo que arde dentro de mim 
Que ardo contigo no fim da tarde”. 
(Manuel Bandeira) 
 
Atualmente também se fala de lirismo no cinema, na fotografia, na pintura, 
na melodia de uma música. Quase sempre o sentido dado à palavra, nesses casos, 
está relacionado à emoção e à subjetividade. 
A palavra lírica origina-se de lira, instrumento musical muito utilizado pelos 
gregos a partir do século VII a.C. Chamava-selírica a canção que se entoava ao 
som da lira. Havia, portanto, entre o som e a palavra uma junção, que perdurou até o 
século XV, quando os poemas se distanciaram da música e passaram a ser lidos ou 
declamados. 
 
 
1.7.2 Gênero épico 
 
 
Há a presença de um narrador, que quase 
sempre conta uma história que envolve terceiros. Isso 
implica certo distanciamento entre o narrador e o 
assunto tratado, o que não ocorre no gênero lírico. Os verbos e os pronomes quase 
sempre estão em 3ª pessoa, porque se trata “dele” ou “deles”. Além disso, os textos 
épicos pressupõem a presença de um ouvinte ou de uma plateia. 
Os textos épicos são geralmente longos e narram histórias de um povo ou 
de uma nação. Envolvem aventuras, guerras, gestos heroicos e apresentam um tom 
de exaltação, isto é, valorizam os heróis e seus feitos. 
 
 
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Os poemas épicos intitulam-se epopeias. As principais epopeias da cultura 
ocidental são Ilíadas e Odisseia, de Homero; Eneida, de Virgílio; Os Lusíadas, de 
Luís Vaz de Camões; Paraíso Perdido, de Milton; e Orlando furioso, de Ludovico 
Ariosto. 
No Brasil, foram feitos vários poemas épicos, muitos deles seguindo o 
modelo de Camões. Os mais importantes são Caramuru, de Santa Rita Durão, e O 
Uruguai, de Basílio da Gama. 
Atualmente, podem-se chamar épicos certos filmes cujos temas são 
aventuras ou guerras que definem a história de um povo. São considerados épicos, 
por exemplo, filmes como Gandhi, de Richard Attenborough, e Quilombo, de Carlos 
Diegues. 
 
 
1.7.3 Gênero dramático 
 
 
Trata-se do texto escrito para ser encenado no teatro. 
Nesse tipo de texto não há um narrador contando a história. Ela 
“acontece” no palco, ou seja, é representada por atores, que 
assumem os papéis das personagens. Todo o texto se desenrola 
a partir de diálogos obrigando a uma sequência rigorosa das cenas e de suas 
relações de causa e consequência. 
Há a concepção clássica e moderna: na moderna leva-se em consideração 
modalidades de textos que não existiam no tempo de Aristóteles. Todas elas se 
filiam à modalidade narrativa e, por isso, são gêneros que apresentam parentesco 
com os poemas épicos. A partir do século XIX, os poemas épicos começaram a 
desaparecer dando lugar a um gênero novo, de grande aceitação pelo público 
burguês: o romance. Contudo, já desde a Idade Média vinham surgidos outros tipos 
de textos narrativos, mais curtos, como a novela e o conto. 
No Brasil, além da novela e do conto, vem se firmando um gênero narrativo 
pouco conhecido no exterior, a crônica, que já encontrou grande expressão em 
nossa literatura, por meio de escritores como Machado de Assis, Rachel de Queiroz, 
Rubem Braga, Luís Fernando Veríssimo e outros. 
 
 
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De modo geral, procura-se diferenciar esses gêneros narrativos modernos 
levando em conta critérios como tamanho, tempo e espaço narrativo, número de 
personagens, número de conflitos. Assim, supõem-se que um romance, comparado 
ao conto, narre uma história na qual tempo e espaço sejam mais amplos, haja várias 
personagens e várias histórias organizadas em torno de uma história central. Já a 
crônica é marcada pela brevidade temporal, apresentando episódios captados com 
sensibilidade pelo cronista, que extrai deles momentos de humor e reflexão sobre a 
vida e o mundo. 
 
 
1.8 ESPÉCIES LITERÁRIAS 
 
 
Lírico: centrado no eu; função poética da linguagem ligada à emoção; o 
mundo exterior simboliza emoções; não há histórias, passagem de tempo, tudo é 
presente. Exemplos: 
• Elegia; 
• Ode; 
• Canção; 
• Écloga; 
• Madrigal; 
• Prosa poética; 
• Outras espécies. 
 
Épico: narrativo, seus elementos são: narrador, personagens, tempo, 
espaço, apresentado por meio de: narração, descrição, diálogo e dissertação. 
Exemplos: 
• Romance; 
• Conto; 
• Novela; 
• Epopeia. 
 
 
 
 
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Dramático: são peças teatrais, condensação, diálogos, ausência de 
narrador. Exemplos: 
• Tragédia; 
• Comédia; 
• Drama. 
 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
 
 
2.1 TROVADORISMO 
 
 
O primeiro período da história da literatura portuguesa principiou em 1189 ou 
1198, data presumível da composição do mais antigo texto literário português, a 
chamada “Cantiga da Ribeirinha”. Esse período se estendeu até 1418 ou 1434, anos 
em que Fernão Lopes foi nomeado respectivamente guarda-mor da Torre do Tombo 
e cronista-mor do Reino Português. O trovadorismo, também chamado de Primeira 
Época Medieval, é rico em manifestações poéticas, ao lado das quais surgem 
algumas em prosa. Para que compreendamos satisfatoriamente, é necessário 
investigarmos um inovador movimento literário que, aproximadamente entre 1100 e 
1210, floresceu no sul da atual França, numa região chamada Occitania, da qual 
fazia e faz parte a Provença. 
No trovadorismo merecem destaque as manifestações poéticas, comumente 
agrupadas sob o nome de lírica trovadoresca ou lírica galego-portuguesa. Trata-se 
de poemas produzidos para serem cantados – as cantigas ou cantares – 
elaborados em galego-português ou galaico-português, língua que corresponde a 
uma fase arcaica do português. As cantigas galego-portuguesas são divididas em 
três tipos: as cantigas de amor, as cantigas de amigo e as cantigas de escárnio 
e maldizer. Nas cantigas de amor e de amigo, desenvolve-se a temática amorosa; 
as cantigas de escárnio e maldizer têm finalidades satíricas. 
 
 
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30 
Nesse mesmo período ocorreram também algumas manifestações em 
prosa. Sem alcançar o mesmo grau de refinamento e elaboração da poesia, esses 
textos representam as manifestações iniciais da prosa literária portuguesa, que se 
afirmará definitivamente a partir do Humanismo, com Fernão Lopes. Destacamos as 
novelas de cavalaria, narrativas de cometimentos heroicos de cavaleiros 
medievais, de que são exemplos A Demanda do Santo Graal e o Amadis de Gaula. 
 
 
2.1.1 A lírica trovadoresca 
 
 
Na lírica do trovadorismo há três tipos diferentes de poemas: as Cantigas de 
Amor, as Cantigas de Amigo e as Cantigas de Escárnio e Maldizer. Compostas para 
serem cantadas, essas cantigas representam uma época em que poesia e música 
não se haviam ainda dissociado. Constituem, além disso, a fixação de uma apurada 
técnica de composição poética e de uma concepção de amor que se farão sentir em 
vários momentos da literatura posterior como o Romantismo, o Simbolismo e até 
mesmo a música popular de nossos dias. 
Como já dissemos, a produção lírica do Trovadorismo português apresenta 
tipos diferentes de poemas: as Cantigas de Amor, as Cantigas de Amigo e as 
Cantigas de Escárnio e Maldizer. Compostas para serem cantadas, essas cantigas 
representam uma época em que poesia e música não se haviam ainda dissociado. 
Constituem, além disso, a fixação de uma apurada técnica de composição poética e 
de uma concepção de amor que se farão sentir em vários momentos da literatura 
posterior como o Romantismo, o Simbolismo e até mesmo a música popular de 
nossos dias. 
 
 
2.1.2 As cantigas ou cantares de amor 
 
 
É provável que, num primeiro contato com a língua galego-portuguesa, você 
se assuste um pouco. Para facilitar seu trabalho, vamos por partes: inicialmente, 
 
 
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preocupe-se em ler o texto, procurando captar-lhe a sonoridade, prestando atenção 
à regularidade dos versos e ao esquema de rimas (que são as mesmas nas três 
estrofes). Uma observação: em galego-português algumas palavras tinham 
pronúncia diferente da nossa: é o caso do ditongo eu, pronunciado de forma aberta 
(“eu”, “meu”, “Deus” e das terminações –or e –osa, sempre fechadas “melhor”, 
“fremôsa”).Quer’eu en maneira de provençal 
Fazer agora un cantar d’amor 
E querei muit’i loar mia senhor, 
A que prez nen fremusura non fal, 
Nen bondade, e mais vos direi en: 
Tanto a fez Deus comprida de ben 
Que mais que todas lãs do mundo val. 
 
Ca mia senhor quiso Deus fazer tal 
Quando a fez, que a fez sabedor 
De todo bem e de mui comunal, 
Ali u deve; er deu-lhe bom sem 
E dês i non quis que lh’outra fosse igual. 
 
Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal, 
Mais pôs i prez e beldad’e loor 
E falar mui bem e riir melhor 
Que outra molher; dês i é leal 
Muit’, e por esto non sei oj’eu quen 
Possa compridamente no seu hen 
Falar, ca non á, tra-lo seu ben, al. 
D. DINIS. In. Poesia e prosa medieval. Lisboa: Odisseia, s.d.p.59. 
 
Feita a leitura em voz alta e captada a musicalidade do texto, vamos agora a 
sua tradução para nossa língua (preocupamo-nos com o sentido das palavras do 
texto). 
 
 
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32 
 
Quero eu na maneira do provençal 
Fazer agora um cantar do amor 
E quererei muito louvar minha senhora, 
A quem boas qualidades e formosura não faltam, 
Nem bondade, e ainda vos direi isto: 
Tanto a fez Deus perfeita do bem 
Que mais que todas as do mundo vale. 
 
Pois minha senhora quis Deus fazer de tal maneira 
Quando a fez, que a fez conhecedora. 
Do todo bem e de muito grande valor 
E como tudo isso é muito sociável 
Ali onde deves; também lhe deu bom senso. 
E, além disso, não lhe fez pouco bem, 
Quando não quis que nenhuma outra lhe fosse igual 
 
Pois em minha senhora nunca Deus pôs mal 
Mas pôs nela qualidade e beldade e louvor 
E falar agradável e rir melhor 
Que outra mulher; além disso, é muito 
Leal, e por isso eu não conheço hoje quem 
Possa perfeitamente no seu bem 
Falar, pois não há, além do seu bem, qualquer outro. 
 
O assunto do poema é um só: louvar as virtudes da mulher amada, 
enumerando-as e chegando a repetir algumas delas. Dessa forma, a dama de que 
fala o sujeito lírico apresenta qualidades morais e formosura; bondade e valor não 
lhe faltam, além de ser sociável e de ter bom-senso, juntamente com um modo de 
falar e de rir insuperáveis. Tanto bem possui essa mulher que o poema termina 
afirmando que não se conhece quem seja capaz de falar adequadamente dos 
atributos físicos e espirituais dessa dama. 
 
 
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Essa disposição de louvar a mulher amada deriva de uma proposta, fixada 
nos primeiros versos do texto: a de fazer um cantar de amor de acordo com a 
maneira provençal. Tal proposta nos remete ao modelo a partir do qual as cantigas 
de amor foram produzidas na lírica galego-portuguesa: a poesia provençal. 
A Provença localiza-se na região da Occitania, que corresponde ao sul da 
França atual. Aproximadamente no século XII, essa região conheceu um movimento 
poético de grande intensidade, a lírica provençal. Os poetas da Provença 
desenvolveram uma refinada arte poética, caracterizada por técnicas de composição 
e versificação muito apuradas – a chamada “Gaia Ciência” – e por uma temática 
amorosa centralizada no amor cortês. 
O amor cortês na poesia provençal surgiu nas cortes provençais; é um 
código amoroso que se caracteriza pelo fato de o poeta tornar-se um vassalo de sua 
dama, passando a servi-la. É, portanto, uma forma literária de reproduzir a 
vassalagem medieval, em que o cavaleiro prestava homenagem e devia fidelidade a 
seu suserano. O código do amor cortês era bastante elaborado e possuía algumas 
regras estritas: o poeta passava por vários graus de relacionamento com sua dama, 
mas era sempre impedido de citar-lhe o nome em suas composições. O amor era 
idealizado e se confundia com uma forma de aprimoramento espiritual, uma vez que 
a dama, dotada de beleza e virtudes elevadas, constituía um ser inalcançável no 
mundo físico. A poesia brotava justamente dessa tensão: um amor de elevado nível 
espiritual, irrealizável, alimentava constantemente os versos do trovador. O conceito 
de amor cortês chegou à corte galego-portuguesa nos séculos XII e XIII e ali deu 
origem as Cantigas de Amor. 
As cantigas de amor galego-portuguesa refletiam um ambiente palaciano e 
uma situação que poucas vezes variava: o sujeito lírico, sempre na voz de um 
homem, dedicava-se a louvar as virtudes de sua dama (“mia senhor” nos textos, pois 
em galego-português as palavras terminadas em–or eram uniformes; veja-se, no 
poema de D. Dinis, sabedor”, forma aplicada à dama), transmitindo-nos uma visão 
idealizada das qualidades físicas e morais da mulher amada. Outra constante na 
temática amorosa das cantigas de amor é a queixa contra a indiferença da amada: o 
sujeito lírico expõe então a chamada coita d’amor, expressão em que coita (de que 
se formou a palavra coitado) traduz o sofrimento do amante desprezado. É comum 
 
 
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o amante desejar a morte como única forma de escapar à paixão que o atormenta e 
o faz perder o senso. 
O texto de D. Dinis que estamos analisando é uma cantiga de mestria, ou 
seja, uma cantiga que, por não apresentar refrão, indica a mestria do poeta que 
podemos entender como o domínio técnico que lhe permitia dispensar a repetição 
de versos. O esquema de rimas é o mesmo nas três estrofes. 
Dirigidas do homem para a mulher, as cantigas de amor retratam o 
sentimento amoroso masculino. Trata-se de uma cantiga lamentativa, pois, como 
vimos, o amor declarado é impossível de ser concretizado: a mulher é inatingível ou 
por ser comprometida ou por pertencer a uma classe social superior. A cantiga é 
altamente respeitosa e enaltece as qualidades da mulher amada, que é tratada de 
“mia dona” ou “mia senhor”. 
 
A dona que eu am’ e tenho por Senhor 
Amostrade-mh-a Deus, se vos em prazer for, 
Se non dade-mh-a morte. 
 
Aque tenh’ eu porlume d’estes olhos meus 
E por que choran sempr(e) amostrade-nih-a 
[Deus, non dade-mh-a morte. 
 
Essa que Vós fezestes melhor parecer 
De quantas sei, ay Deus, fazede-mh-a 
Veer, 
Se non dade-mh-a morte. 
 
Ay Deus, que mh-a fezestes mais ca min amar; mostrade-ma-a hu possa 
com ela falar, 
Se non dade-mh-a morte. 
 
A mulher que eu amo e tenho por Senhora 
Mostrai-a, a Deus, se for de vosso agrado 
Se não, dai-me a morte. 
 
 
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A que tenho eu por lume destes olhos meus 
E por quem choram sempre, mostrai-a a mim, 
[Deus, 
se não, dai-me a morte. 
 
Essa que vós fizestes ser tão mais bela 
De quantas conheço, ai Deus, fazei-me vê-la, 
Se não, dai-me a morte. 
 
Ai Deus, que me fizestes mais amá-la, 
Mostrai-me onde posso com ela falar, 
Se não, dai-me a morte. 
 
(Bernardo Bonaval) 
 
 
2.1.3 As Cantigas ou Cantares de Amigo 
 
 
Ai flores, ai flores do verde pinheiro, 
Sabeis notícias do meu namorado? 
Ai, Deus, onde está? 
 
Ai flores, ai flores do verde ramo, 
Sabeis notícias do meu amado? 
Ai, Deus, onde está? 
 
Sabeis notícias do meu namorado, 
Aquele que mentiu sobre o que combinou comigo? 
Ai, Deus, onde está? 
 
Sabeis notícias do meu amado, 
 
 
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Aquele que mentiu sobre o que jurou? 
Ai, Deus, onde está? 
 
-Vós perguntais pelo vosso namorado? 
E eu bem vos digo que está são e vivo. 
Ai, Deus, onde está? 
 
Vós perguntais pelo vosso amado? 
E eu bem vos digo que está são e vivo. 
Ai, Deus, onde está? 
 
E eu bem vos digo que está são e vivo 
E estará convosco antes do prazo combinado: 
Ai, Deus, onde está? 
 
E eu bem vos digo que está são e vivo 
E estará convosco antes de terminar o prazo: 
E eu bem vos digo que está são e vivo. 
 
O texto nos mostra um sujeito lírico feminino que expõea “coita” provocada 
pela impossibilidade de ver seu “amigo” (homem amado) e de lhe falar do sofrimento 
que se vê obrigada a suportar: sem descanso, atormentada pela paixão, a mulher 
decide repousar sob as avelaneiras. Essa situação é comum nas cantigas de amigo. 
Um sujeito lírico feminino fala de seu amigo expondo o sofrimento que ele lhe causa. 
Normalmente, trata-se de uma mulher do campo, que, num ambiente rural, sofre 
pela ausência do amado. 
Essas cantigas estabelecem vários contrastes com as cantigas de amor: 
apresentam um sujeito lírico feminino, que se move num universo rural, distante do 
ambiente cortesão das cantigas de amor; denunciam pouca influência provençal, 
com uma estrutura poética bastante simples (de origem nitidamente popular) e uma 
concepção do amor despojada de idealização. As cantigas de amigo originaram-se 
de uma tradição da própria península ibérica, estando provavelmente ligadas a 
 
 
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antigos rituais pagãos de fertilidade e casamento, pois apresentam sinais evidentes 
de que eram criadas para serem cantadas em coro enquanto se dançava. 
 
 
2.1.3.1 Classificação das Cantigas de Amigo 
 
 
As cantigas de amigo podem ser classificadas de acordo com o modo como 
apresentam o tema. É interessante essa classificação a fim de percebermos a 
grande variedade temática dessas cantigas: 
• Albas, alvas ou alvoradas: são as cantigas em que surge o tema da 
alvorada (nascimento do dia), momento em que os amantes se separam; as 
cantigas que focalizam o fim da tarde e o cair da noite são as serenas; 
• Bailias ou balaiadas: cantigas ligadas ao tema da dança; sua estrutura 
rítmica é paralelística e seu tema é a alegria de viver e de amar; 
• Barcarolas ou marinhas: cantigas em que surgem o mar ou um rio, 
normalmente transformado em interlocutor da mulher, que a eles se queixa da 
ausência do amado; 
• Cantigas de romaria: o tema dessas cantigas e a peregrinação a algum 
centro religioso, em que a mulher pedirá a proteção divina para seu amigo ou 
manterá encontros com ele. As romarias eram ocasião para namoros, divertimentos 
e bailados; 
• Pastorelas: o ambiente representado nessas cantigas é o campo, onde a 
pastora conversa com seu amado, podendo ter também a forma de um diálogo entre 
um cavaleiro e uma pastora. 
 
 
2.1.4 Cantiga de Ribeirinha 
 
 
A chamada “Cantiga da Ribeirinha” ou “Cantiga da Guarvaia”, do trovador 
Paio Soares de Taveirós é considerada a mais antiga composição poética 
documentada em língua portuguesa, a data de sua redação foi provavelmente 1189 
 
 
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ou 1198. Essas datas, no entanto, são motivos de muita discussão entre os filólogos 
que se dedicam a esses estudos, e há quem prefira dizer que o poema não pode ter 
sido feito antes de 1200. Além disso, o próprio texto ainda não foi definitivamente 
fixado, havendo variantes interpretativas que chegam a permitir ver no poema uma 
cantiga de amor ou uma cantiga de escárnio e maldizer. Somam-se a isso mais um 
motivo de dúvidas, sendo provável que o texto originalmente apresentasse uma 
terceira estrofe, hoje perdida. Há até uma hipótese recente que contesta a autoria de 
Paio Soares de Taveirós, atribuindo a cantiga a Martim Soares. Você terá, agora, a 
oportunidade de ler esse texto tão famoso no Módulo II. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FIM DO MÓDULO I

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