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Enterobacteriaceae A família Enterobacteriaceae, uma das mais importantes famílias bacterianas, compreende o ser vivo mais conhecido (E. coli K12) e muitos dos patógenos mais isolados para o homem e os animais. Com relação ao homem, estes patóge- nos estão entre os principais agentes de infecção hospitalar e, sem dúvida, constituem a principal causa de infecção intestinal em muitos países. As suas relações com os ani- mais também interessam muito ao homem não só porque causam perdas econômicas, mas também porque os animais representam um vasto reservatório de patógenos humanos. Por estas razões, poucos micro-organismos têm sido tão estudados quanto vários membros desta família. Gêneros e Espécies A cada ano, observa-se que novos membros são in- cluídos nesta família. Provavelmente, há centenas de espécies, se não milhares. O emprego de métodos mole- culares na classicação dos gêneros e espécies da família Enterobacteriaceae resultou em várias modicações da clas- sicação clássica que tinha por base métodos fenotípicos. Obviamente, estas modicações eram necessárias do ponto de vista cientíco, mas sob a óptica da microbiologia clínica o estudo destes micro-organismos está se tornando cada vez mais complexo. Embora, não haja consenso, se aceita que a família é constituída por aproximadamente 40 gêneros e mais de 170 espécies. Nes te capítulo, dividiremos os gêneros da família em dois grandes grupos que chamaremos de tra- dicional e não tradicional. O grupo tradicional (Tabela 35.1) corresponde aos gêneros conhecidos antes de 1980, que inclui em torno de 90% das amostras mais frequentemente isoladas de infecções humanas. O grupo não-tradicional inclui três subgrupos: espécies de origem humana, porém raras, espécies predominantemente de origem ambiental e espécies não isoladas do homem até agora (Tabela 35.2). Aspectos Estruturais As enterobacteriáceas são bacilos Gram-negativos cujas células apresentam membrana citoplasmática, espaço peri- plásmico, peptideoglicano ou mureína e membrana externa. A maioria apresenta lamento agelar que nasce no cito- plasma e muitas possuem cápsulas ou estrutura tipo capsular conhecidas como antígenos K. A membrana externa contém o LPS, porinas e diferentes tipos de fímbrias. Diferentes ti- pos de plasmídios são transportados por muitas amostras. O cromossomo é único e circular. A Figura 35.1 é uma repre- sentação esquemática de uma célula de uma enterobactéria. Aspectos Fisiológicos As enterobacteriáceas são micro-organismos anaeróbios facultativos, Gram-negativos, reduzem nitrato a nitrito, fermentam a glicose e não produzem a enzima citocromo oxidase C. São capazes de metabolizar uma ampla variedade de substâncias como carboidratos (mono-di-trissacarídeos e polímeros), proteínas e aminoácidos, lipídeos e ácidos orgâ- nicos. Produzem catalase, utilizam glicose e amônia como fontes únicas de carbono e nitrogênio, respectivamente. Estas propriedades metabólicas são extensivamente usadas na classicação e identicação dos gêneros e espécies da família. De grande importância para a compreensão das relações bactéria–célula eucariótica foi a descoberta recente dos mecanismos de secreção de proteínas, muito em parti- cular do sistema de secreção do tipo III, que injeta proteínas efetoras no citosol das células hospedeiras (ver Capítulo 19). Aspectos Genéticos Os estudos clássicos de genética culminaram recente- mente com o sequenciamento do cromossomo e de vários plasmídios de enterobactérias. A quantidade de informação obtida tem sido imensa e algumas já foram ou serão aborda- das em outros capítulos. Aqui, serão mencionadas somente as relações genômicas reveladas pela análise comparativa dos genomas sequenciados. O quadro que está se delinean- do é o de que o genoma de enterobactéria é constituído por um cerne comum a todas as espécies, o qual é marcado por ISs (sequência de inserção), fagos, ilhas de patogenicidade, pseudogenes, sequências repetidas, mutações e deleções que explicariam as diferenças entre as espécies. Estrutura Antigênica Várias das estruturas celulares são antigênicas, entre elas estão os agelos, o LPS e as cápsulas. Os agelos são chamados antígenos H e as cápsulas, antígenos capsulares ou antígenos K. A molécula do LPS contém o antígeno O que corresponde ao polissacarídeo da cadeia lateral da molécula. Esses antígenos representam a base da identificação sorológica dos membros da família Enterobacteriaceae, que muito contribuiu para o conhecimento da epidemiologia das infecções e da patogenicidade de muitas delas. Fatores de Virulência As enterobacteriáceas apresentam ou produzem uma gama enorme de fatores de virulência comprovados e poten- ciais. A maioria destes fatores é expressa pelas variedades patogênicas de E. coli, Shigella, Salmonella e Yersinia. Com relação aos patógenos que causam bacteremias e septicemias apresentam particular importância os antígenos K que com- preendem as cápsulas propriamente ditas. De modo geral, a cápsula protege o patógeno da ação dos fagócitos e dos anti - corpos. Os fatores de virulência comprovados serão discuti- dos nos capítulos referentes aos patógenos que os produzem e, quanto aos potenciais, vale mencionar os dois mais co- nhecidos: EAST e CDT. A toxina EAST (Enteroaggregative E. coli Stable Toxin) é um pequeno peptídeo da família das toxinas ST (ver Capítulo 39) codicada por genes cromos- sômicos ou plasmidiais muito comum em certas categorias de E. coli diarreiogênicas como EAEC e EHEC e também é expressa por uma proporção relativamente alta de amostras de E. coli isoladas da microbiota de indivíduos hígidos. Outra toxina CDT é uma proteína denida praticamente pela sua ação distensora e letal sobre células HeLa que também é produzida por diferentes amostras de E. coli, embora menos frequentemente do que EAST. O lipídeo A e o peptideoglicano são também fatores de virulência porque a febre e as manifestações gerais das in- fecções pelas enterobacteriaceas são mediadas por citocinas cuja produção é estimulada por essas substâncias. A expressão dos fatores de virulência é mediada por sistemas complexos de regulação, sensíveis a diferentes condições ambientais, que permitem as enterobacteriáceas patogênicas se adaptarem a diferentes nichos ecológicos. Infecções As enterobacteriáceas podem causar infecções intesti- nais e extraintestinais, essas últimas podem ser localizadas ou sistêmicas. As infecções localizadas mais frequentes são as das vias urinárias, dos pulmões, do sistema nervoso cen- tral, da pele e do tecido celular subcutâneo (feridas). Tanto as infecções intestinais como as extraintestinais podem permanecer localizadas ou se transformarem em infecções sistêmicas; as bacteremias são bastante frequentes. Estas também podem ocorrer em consequência da translocação para a corrente sanguínea de enterobacteriáceas presentes nos intestinos. Diferentes fatores podem favorecer a trans- locação. Descreveremos, em seguida, o comportamento das 295 espécies ou dos gêneros tradicionais com relação à capaci- dade de causar infecção intestinal ou extraintestinal. Edwardsiella E. tarda é a espécie mais importante isolada de casos de infecções em seres humanos. Há relatos de isolamentos ocasionais de urina, sangue e fezes. É conhecida como agente de gastrenterites e infecções de feridas. Embora não seja incluída entre os enteropatógenos, vários estudos clí- nico-bacteriológicos têm demonstrado que ela pode causar diarreia. Providencia Uma das espécies do gênero Providencia, P. alcalifa - ciens, tem potencial de enteropatogênica. É mais frequente em crianças com diarreia do que em controles e um de seus ribotipos invade células HeLa (Figura 35.4). A primeira amostra da espécie envolvida com quadro diarreico foi isolada das fezes de uma criança em São Paulo. Asdemais espécies do gênero têm sido isoladas de pacientes com in- fecção urinária Hafnia Hafnia alvei é a única espécie do gênero. Há trabalhos indicando que a espécie pode estar associada à diarreia de turistas e crianças. Um problema sério diz respeito à identi- cação correta das amostras isoladas. Em um dos trabalhos mais convincentes em que as amostras de H. alvei apresen- tavam inclusive o gene eae, comprovou-se posteriormente que a amostra isolada era na realidade uma Escherichia coli. Raramente, H. alvei pode estar associada a infecções extraintestinais, principalmente das vias biliares. Klebsiella O gênero Klebsiella possui duas espécies, K. oxytoca e K.pneumoniae, esta última com três subespécies, a saber: K.pneumoniae spp pneumoniae, K.pneumoniae spp rhinos- cleromatis e K.pneumoniae spp ozaenae. São frequente- mente isoladas de materiais biológicos humanos. A espécie mais isolada é K. pneumoniae. É encontrada nas fezes de 30% dos indivíduos normais e, em menor frequência, na nasofaringe. Nas fezes de crianças e depois do uso de antibióticos, a frequência é mais elevada. K. pneumoniae é uma causa importante de pneumonias, bacteremias e de infecções em outros órgãos. É uma bactéria com relevância crescente nas infecções hospitalares e na condição de patógeno opor- tunista, frequentemente causa infecções em pacientes imu- nocomprometidos. Neste sentido, as populações de maior risco incluem os recém-nascidos (RN), pacientes cirúrgicos, portadores de neoplasias e diabetes. Pacientes com algumas patologias, como etilismo e diabetes, apresentam taxas de 35% e 36% de colonização de K. pneumoniae na orofaringe, respectivamente, fato que favorece o desenvolvimento de pneumonia por este micro-organismo. Citrobacter São 11 espécies descritas e não são consideradas ente- ropatógenos.. Este grupo de bactérias tem pouca importân- cia clínica, porém as mais importantes são C. freudii e C . diversus (C. koseri). A primeira tem sido ligada a infecções urinárias, bacteremias e infecções respiratórias entre outras. A espécie C. diversus é suspeita de estar envolvida em casos de meningites em recém-nascidos. Uma espécie que tem sido bastante citada ultimamente é C. rodentium, que, embora não cause infecção no homem, compartilha fatores de virulência (intimina) com patógenos humanos como E . coli enteropatogênica clássica e E. coli enterohemorrágica. Enterobacter Duas espécies, E. cloaceae e E. aerogenes, predominam sobre todas as demais como causa de infecções humanas em vários órgãos. Uma característica importante das duas espécies é a capacidade de contaminar equipamentos médi- cos e soluções para uso parenteral. Assim como Klebsiella, apresentam-se multirresistentes e estão envolvidas em surtos de infecção hospitalar, causando, principalmente, infecções urinárias e infecções respiratórias. Proteus Proteus mirabilis é a espécie mais importante, principal- mente com relação a infecções urinárias adquiridas na co- munidade e em hospitais. As espécies de Proteus produzem grandes quantidades de urease que degrada a ureia formando amônia e outros produtos. Acredita-se que a alcalinização da urina durante as infecções urinárias causadas por estes organismos contribua para a formação de cálculos urinários. Morganella São conhecidas duas subespécies de Morganella mor- ganii, ambas envolvidas com infecções urinárias. As duas também produzem urease. Serratia A grande maioria das infecções é causada pela Serratia marscescens que, como Enterobacter, costuma contaminar equipamentos médicos e soluções com baixo poder desin- fetante. Serratia é um importante patógeno nosocomial que pode causar infecção urinária, bacteremias e infecções respiratórias. Escherichia coli A diversidade patogênica de E. coli chega a ser fan- tástica. A espécie compreende pelo menos cinco categorias de amostras que causam infecção intestinal por diferentes mecanismos e várias outras especicamente associadas com infecções urinárias, meningites e provavelmente outras in- fecções extraintestinais. As categorias que causam infecção intestinal são coletivamente chamadas de E. coli diarreiogê - nica (ver Capítulos 36 a 40) (Quadro 35.1) e as associadas a infecções extraintestinais de EXPEC (Extra intestinal Pathogenic E. coli) (ver Capítulo 41). Além de ser um patógeno importante, E. coli é membro da microbiota intestinal normal do homem, sendo encontrada nas fezes de todos os indivíduos hígidos. Esta estreita associação com as fezes do homem (e também dos animais) representa a base do teste para vericar contaminação fecal da água e dos alimentos, tão usado em saúde pública. Em termos quantitativos, E. coli provavelmente seja o patógeno humano mais importante Diagnóstico O diagnóstico das infecções intestinais está descrito nos respectivos capítulos. Com relação às infecções ex- traintestinais, o diagnóstico tem por base o isolamento da enterobacteriácea e sua identicação. O isolamento não ofe - rece diculdade, porque as enterobacteriáceas crescem bem nos meios de cultura simples e também em meios seletivos como o de MacConkey, bastante usado em diagnóstico. Com relação à identicação das espécies, devemos considerar separadamente as mais frequentes e típicas das mais raras e difíceis. A identicação das primeiras pode ser bastante fácil requerendo apenas algumas características culturais e um número limitado de provas bioquímicas. Alguns exemplos de características culturais muito úteis em identicação podem ser mencionados: Morfologia das colônias: em placas de MacConkey, E. coli e Klebsiella pneumoniae formam colônias altamente sugestivas das espécies (Figuras 35.5A e 35.5B). Já em pla - ca de ágar- sangue, Proteus mirabilis tem um crescimento em forma de véu bastante característico (Figura 35.6). Este véu se deve à forma de crescimento, que ocorre em ciclos, devido à variação da quantidade de agelos expressos pela célula bacteriana. Pigmentação: algumas enterobacteriáceas produzem pigmento característico. O mais típico e proeminente é o pigmento vermelho produzido por Serratia marcescens (Figura 35.7). Outras características podem ser utilizadas na identi- cação quando meios de isolamento chamados cromogênicos são utilizados. Eles têm por base substratos e indicadores que tornam a morfologia das colônias de algumas enterobac- teriáceas praticamente denidoras da espécie. Aspectos Epidemiológicos A epidemiologia das infecções intestinais é discutida nos capítulos que tratam dos agentes etiológicos. Quanto às infecções extraintestinais, algumas são adquiridas na comunidade, mas a grande maioria é de natureza nosoco- mial. Entre as infecções adquiridas na comunidade, as mais frequentes são as urinárias causadas por E. coli e Proteus mirabilis. Em hospitais, diferentes órgãos podem ser afeta- dos e a frequência varia de acordo com diferentes fatores. Quanto aos agentes etiológicos destas infecções, as espécies tradicionais continuam sendo as mais importantes e algumas são bem mais frequentes que outras. Tratamento Todas as enterobacteriáceas são naturalmente resisten- tes (resistência intrínsica) a vários antibióticos, como ácido fusídico, clindamicina, estreptograminas, glicopeptídeos, linezolida, macrolídeos e penicilina G. Além desses, os di- ferentes gêneros da família enterobacteriaceae podem ainda apresentar resistência intrínseca a outros antibióticos como listado na Tabela 35.5 e adquirir resistência a praticamente todos eles. A resistência adquirida pode decorrer de muta- ções ou da aquisição de fatores R, não sendo rara a ocorrên- cia das duas modalidades simultaneamente. Na maioria das vezes, a resistência é múltipla. A frequência dos diferentes tipos de amostras resistentes está intimamente ligada ao uso dos antibióticos. A variabilidade de sensibilidade aos anti- microbianos,faz com que haja necessidade de se pesquisar o perfil de sensibilidade de cada cepa isolada Clostridium Este gênero é extremamente heterogêneo, composto por cerca de 150 espécies e seu hábitat natural é o solo e o intestino. Poucas espécies, no entanto, são responsáveis por importantes infecções no homem e nos animais, a saber: C. perfringens, C. clostridioforme, C. innocuum, C. ramosum, C. dicile, C. butyricum, C. cadaveris, C. sporogenes, C. bifermentans, C. glycolicum, C. tertium, C. septicum, C. te- tani, C. botulinum, C. sordelli, C. histolyticum, C. novyi. As doze primeiras espécies são responsáveis por 95% de casos de infecções por Clostridium sp. O gênero é tradicionalmente denido como aquele que reúne bacilos Gram-positivos esporulados, alguns anaeró- bios obrigatórios (por exemplo, C. perfringens), outros aerotolerantes (por exemplo, C. tertium) e alguns, raros, que não toleram traços de oxigênio (C. haemolyticum e C. novyi tipo B). As células vegetativas da maioria das espécies são bacilos retos ou curvos, variando de pequenas formas de bastonetes cocoides a formas longas, lamentosas, com extremidades arredondadas ou retas. Algumas vezes, em cultivos prolongados, podem ser observados bacilos com aparência de Gram-negativos e, em muitas ocasiões, formas Gram-positivas e Gram-negativas são observadas em uma mesma lâmina. Os endosporos ovais ou esféricos usualmente são maiores do que as células vegetativas. Certas espécies só produzem esporos sob condições especiais, como é o caso de C. perfringens. A maioria não é capsulada, e praticamente todos são catalase-negativos. Os clostrídeos usualmente são fermentadores e/ou proteolíticos, porém alguns são assaca- rolíticos e não proteolíticos. As espécies C. perfringens, C. ramosum e C. innoccum são imóveis, porém a maioria é móvel através de agelos peritríqueos. O conteúdo G+C do seu DNA varia de 26 a 32 mol%, porém algumas espécies do gênero apresentam um conte- údo G+C variando de 38 a 56 mol%. Estão amplamente distribuídos na natureza, sendo encontrados no solo, em vegetações, em sedimentos marinhos e no intestino do ho- mem e de outros vertebrados, além de insetos. A espécie C. perfringens já foi encontrada em praticamente todos os solos examinados, com exceção das areias do deserto do Saara. As espécies componentes do gênero são, em sua maioria, avirulentas, embora algumas possam ser isoladas de infecções endógenas, enquanto outras são patógenos reconhecidos pela produção de potentes toxinas. Clostridium tetani C. tetani é um bacilo com endosporo oval terminal cujo aspecto de raquete caracteriza-o de forma inquestionável, sendo encontrado no solo de todas as partes do mundo. Em cultivos, com mais de 24 horas, apresenta-se como bacilo Gram-positivo, é móvel, com temperatura ótima de crescimento em torno de 37oC. É metabolicamente inativo, não fermenta carboidratos, não produz lecitinase ou lipase e tampouco digere leite ou outras proteínas. C. tetani produz duas proteínas biologicamente ativas: a neurotoxina – TeNT(tetanus neurotoxin) e uma hemolisina. TeNT, produto da expressão de um gene carreado em plas- mídeo, é sintetizada como um polipeptídeo, de cadeia sim- ples, com 150 kDa, que é naturalmente clivado por proteases bacterianas e do hospedeiro, em duas cadeias, uma pesada de 100 kDa e uma leve de 50 kDa, mantidas por pontes dis - sulfeto. A cadeia pesada parece mediar a ligação da toxina a receptores da superfície celular de neurônios motores e o transporte da cadeia leve (fragmento A) ao citoplasma celular. A internalização, que ocorre em um compartimento semelhante ao endossomo, promove alterações conforma- cionais na cadeia pesada pela exposição de grupamentos hidrofóbicos, permitindo, assim, a sua inserção na membrana do endossomo . O fragmento A é uma metaloprotease (en- dopeptidase que requer zinco) e, portanto, responsável pela atividade catalítica da TeNT, com atividade direcionada à proteína VAMP ( vesicle associated membrane protein) ou sinaptobrevinas participantes das vesículas envolvidas no tráfego de neurotransmissores, nas sinapses centrais, particu- larmente nas sinapses inibitórias da medula espinhal. Patogênese A doença ocorre após a introdução dos esporos na le- são, que em baixo potencial redox são capazes de germinar e multiplicar-se. A toxina liberada, após a lise celular, se liga a junções neuromusculares dos neurônios motores para ser então endocitada. A partir da utilização do sistema de transporte retrógrado, através dos axônios, a TeNT chega ao sistema nervoso central para exercer sua atividade. A TeNT é liberada no espaço intersináptico, entre o neurônio motor e o neurônio inibitório onde se liga a vesículas sinápticas e é endocitada. O pH baixo da vesícula sináptica leva a rear- ranjos na estrutura da toxina o que permite a translocação da cadeia leve para o citoplasma. A clivagem da VAMP/sinap- tobrevina impede a liberação de neurotransmissores do tipo ácido δ-aminobutírico (GABA) e glicina pelos neurônios, bloqueando assim os impulsos inibitórios aos neurônios mo- tores e consequentemente levando a uma paralisia espástica. Manifestações clínicas O tétano pode ser localizado ou generalizado. O período de incubação pode variar de 2 a 14 dias. O tétano genera- lizado é reconhecido, inicialmente, pelo trismo (espasmos do masseter) e pelo riso sardônico (espasmos dos músculos bucais e faciais). Os espasmos generalizados podem se intensicar, levando a uma postura arqueada típica, deno- minada de opistotônica. O paciente permanece consciente. Já o tétano localizado resulta de espasmos dolorosos nos músculos adjacentes ao sítio da lesão e pode preceder ao tétano generalizado. O tétano neonatal, em decorrência de contaminação do coto umbilical, manifesta-se após 3 a 12 dias do nascimento de bebês de mães não-vacinadas, através de uma progressiva diculdade de sugar, que evolui para a diminuição ou paralisia dos movimentos. O diagnóstico do tétano é realizado pela observação clínica e pode ser conrmado por cultura a partir de swab da lesão ou visualização do bacilo por coloração de Gram. A toxina também pode ser detectada diretamente no soro do paciente. Epidemiologia O tétano ocorre em indivíduos do mundo todo e é considerado endêmico em muitos países, sendo associado à injúria traumática com objetos contaminados com esporos. Ultimamente, tem sido relatado, eventualmente, em usuários de drogas e de piercings, pela possibilidade de contaminação dos instrumentos utilizados A prevenção do tétano é obtida pela administração do toxoide tetânico combinado com o toxoide diftérico e antí- genos da Bordetella pertussis (vacina tríplice) em três doses, nos três primeiros meses de vida, com reforço no quinto ano de vida e depois de 10 em 10 anos, apenas com a combina- ção dos toxoides diftérico e tetânico. Tratamento O tratamento baseia-se principalmente no controle dos espasmos e da respiração, na neutralização da toxina livre, todos obtidos através de sedação, bloqueadores musculares, antitoxina e antimicrobianos, como o metronidazol. Clostridium perfringens C. perfringens produz uma variedade de toxinas letais aos animais e também uma enterotoxina que causa diarreia no homem. Foram identicados cinco tipos de toxinas clas- sicadas de A a E com base na letalidade em camundongos e na neutralização especíca de quatro toxinas produzidas in vitro (alfa-toxina, beta-toxina, epsilon-toxina e iota-to- xina). Cepas de C. perfringens produzem uma enterotoxina citotóxica (CPE – Clostridium perfringens enterotoxin) com atividade no intestino delgado, especialmente no íleo, envol- vendo uma sequência de eventos que induzem alterações em pequenas moléculas envolvidas na permeabilidade das mem- branas, provocando acúmulo de uidos no lúmen intestinal. Todas as cepas, reetindouma característica cromos - sômica, produzem α-toxina que também é conhecida como lecitinase ou fosfolipase C. A α-toxina é hemolítica, hidrolisa fosfatidilcolina e esngomielina presentes nas membranas das células eucarióticas. Além disso, destrói plaquetas e leucócitos e aumenta a permeabilidade capilar. Outras três, β-toxina, ε-toxina e θ-toxina são codificadas por genes localizados em elementos genéticos extracromossômicos, fornecendo, juntamente com a α-toxina fundamento para esta biotipagem (Tabela 52.1). Outras toxinas, aparentemen- te menos importantes, que podem ser associadas ou não à virulência, são produzidas pela espécie, λ-toxina (protease), κ-toxina (colagenase), µ-toxina (hialuronidase). Somente as cepas do tipo A podem ser encontradas como microbiota nos intestinos do homem e de animais, e no solo. Acredita se que o solo seja o hábitat natural, pois células vegetativas são aí detectadas. Dos cinco tipos sorológicos, o tipo A é o causador da maioria das infecções em humanos. Os demais tipos, B, C, D e E parecem integrantes apenas da microbiota intestinal de animais e ocasionalmente do homem, sendo o tipo C o único associado a infecções no homem. C. perfrin- gens é a espécie do gênero mais isolada de infecções endó- genas, as quais estão frequentemente associadas aos mesmos fatores predisponentes das demais infecções causadas por outras bactérias anaeróbias. Por outro lado, menos frequente- mente, a espécie está associada a síndromes histotóxicas, em que a produção de gás e a atividade de toxinas especícas estão envolvidas, além de ser também associada a doenças puramente toxigênicas. Patogênese Gangrena gasosa (mionecrose) A gangrena é uma infecção que rápida e progressiva- mente destrói músculos com toxicidade sistêmica, certamen- te devido, em grande parte, à ação da α-toxina. A gangrena gasosa está usualmente associada a traumas ou cirurgias nas quais fatores como a presença de corpos estranhos, insuci- ência vascular ou infecção concomitante com outros agentes microbianos são as condições que mais favorecem no desen- volvimento desta infecção. O C. perfringens está associado por cerca de 80% dos casos, enquanto outros clostrídeos também podem ser agentes causais da mionecrose, como C. septicum, C. novyi tipo B, C. sordelli, C. histolyticum, C. fallax e C. bifermentans. Diferentemente dos quadros típicos de gangrena gasosa causados por C. perfringens, aqueles associados a C. septicum não se seguem a traumas e são definidos como gangrena gasosa não-traumática ou espontânea. Infecção alimentar C. perfringens tipo A causa uma forma branda comum de infecção alimentar, detectada em todo o mundo, especial- mente sob a forma de surtos. Diarreias esporádicas, que po- dem ou não estar associadas ao us o de antibiótico, são tam- bém relatadas, especialmente entre idosos hospitalizados. A infecção ocorre após a ingestão de alimentos contaminados com no mínimo 108 células produtoras de enterotoxina. Os alimentos mais comumente envolvidos são os proteicos de origem animal, como carnes de bovinos e de aves que, após a contaminação, são manipulados por longos períodos (cozi- mento lento e logo após estocados à temperatura ambiente). Os esporos, sobrevivendo ao cozimento, germinam tão logo a temperatura alcança aquela estabelecida como ótima de crescimento. O tempo de geração de C. perfringens é de 10 a 12 minutos, quando a temperatura é de 43oC a 47oC, pro- duzindo então um número expressivo de células vegetativas. Muitas dessas células vegetativas morrem quando expostas ao meio acidico do estômago. Entretanto, se o alimento in- gerido estiver sucientemente contaminado, algumas células sobreviventes passam para o intestino, onde no meio alcalino esporulam. A enterotoxina (CPE) acumulada intracelular- mente é liberada quando a esporulação se completa e a lise ocorre para liberação do endosporo. O período de incubação pode variar de 6 a 24 horas após a exposição e os sintomas principais são diarreia aquosa e espasmos intestinais com evolução benigna em 24 horas, em indivíduos sadios. Outras infecções C. perfringens é implicado em mais de 50% dos casos de colecistite ensematosa. Esta forma grave de infecção no trato biliar ocorre, especialmente, entre diabéticos. No trato genital feminino, os clostrídeos são isolados de até 20% das infecções, especialmente de abcessos tubo-ovarianos e pélvicos. Nos casos de gangrena gasosa uterina, C. sordelli tem sido detectado como um importante agente etiológico. A celulite criptante ou celulite anaeróbica é caracterizada por formação de gás em tecido subcutâneo, sem toxicida- de sistêmica e ocorre após três dias de um trauma e o C. perfringens é denido como um dos principais agentes. A enterite necrótica, causada pela β-toxina de C. perfringens tipo C, sensível à protease, ocorre esporadicamente entre as populações da Nova-Guiné, que através do consumo de carnes contaminadas de suínos são incapazes de inativar a β-toxina pelos baixos níveis de proteases pancreáticas produ- zidos, em decorrência da desnutrição e simultânea dieta rica em inibidores de protease, como batata-doce, amendoim, soja. A enterocolite neutropênica caracteriza-se por ser ful- minante em pacientes com intensa neutropenia relacionada a leucemias, anemias aplásticas ou quimioterapia em que C. septicum parece ser o principal agente. Diagnóstico bacteriológico O diagnóstico precoce da gangrena gasosa é crítico e baseia-se nos sinais clínicos – edema intenso, descoloração do tecido, vesículas hemorrágicas, evidência de gás no tecido e na detecção laboratorial. Neste caso, a observação microscópica de bacilos Gram-lábeis no exsudato e seu respectivo isolamento em meios simples ou ágar sangue, com o característico duplo halo de hemólise, devem ser in- vestigados. São adicionalmente caracterizados por reduzirem nitrato, fermentarem glicose, lactose, maltose, sacarose e liquefazerem a gelatina. Prevenção e tratamento Gangrena gasosa O tratamento imediato é essencial em função da alta taxa de mortalidade. O componente mais importante do tratamento é o imediato e extensivo debridamento cirúrgico de todo o tecido necrosado. A terapia hiperbárica como tratamento proporciona também a demarcação entre tecido vivo e injuriado, permitindo excisões menos radicais, além de potencialmente alterar a produção da toxina. O terceiro componente é a antibioticoterapia na qual devem ser asso- ciados, ao menos na fase inicial, penicilina com clindamici- na ou metronidazol ou até mesmo imipenem em decorrência da possível resistência à penicilina. Infecção alimentar A principal medida preventiva da infecção alimentar por C. perfringens é a imediata refrigeração do alimento proces- sado, especialmente carnes, sempre que o consumo não for imediato, com o objetivo de impedir o aumento do número de células vegetativas. Por outro lado, o reaquecimento deve ser de tal forma que temperaturas superiores a 75oC sejam alcançadas no interior das carnes. O espectro de doenças diarreicas induzidas por C. perfringens tem se ampliado, detectando-se, embora raramente, em quadros de diarreia associada a antimicrobianos Clostridium botulinum C. botulinum é um bacilo que apresenta esporos ovais subterminais, cujo hábitat natural é o solo, poeira e sedi- mentos marinhos, podendo ser encontrado em uma grande variedade de agroprodutos, frescos ou industrializados. A espécie produz sete tipos antigênicos de toxina botulínica (BoNT– botulinum neurotoxin) designados de A-G, porém diferentes isoformas de cada tipo antigênico tem sido reve- ladas por técnicas moleculares e de espectrometria de massa. A espécie é dividida em quatro grupos siológicos. O grupo I reúne os micro-organismos proteolíticos que produzem as toxinas A, B ou F. O grupo II reúne os organismos não proteolíticos e que podemproduzir as toxinas B, E ou F, enquanto o grupo III engloba os organismos produtores de toxinas C e D, e o grupo IV dene o tipo G, descoberto na Argentina e que não tem sido causa de doença humana ou animal. As toxinas A, B, E e F são as principais causas de botulismo em humanos, enquanto os tipos C e D estão as- sociados ao botulismo que ocorre em aves e mamíferos. C. botulinum também produz as exoenzimas C3 que mono ADP- ribosilam proteínas RhoA, B e C da família das GTPases de baixo peso molecular, envolvidas na sinalização intracelular. A toxina botulínica, assim como a toxina tetânica, é uma metaloprotease dependente de zinco, sintetizada como uma cadeia polipeptídica de 150 a 165 kDA, cuja ativação depen- de da clivagem proteolítica em duas cadeias polipeptídicas (leve e pesada) ligadas por pontes dissulfeto. Assim como a toxina tetânica, a BoNT é uma potente inibidora de neu- rotransmissores. A BoNT se associa a proteínas não tóxicas para formar complexos cujos respectivos genes estão reuni- dos em um segmento de DNA denominado locus botulínico, localizado provavelmente em um elemento móvel. Patogênese O botulismo em seres humanos apresenta-se sob qua- tro formas. O botulismo infantil (bebês), muito comum nos EUA e raro nos demais países; o botulismo clássico; o botulismo de lesão e o botulismo após colonização em adultos. No botulismo infantil, o intestino é colonizado por esporos de C. botulinum, especialmente nos primeiros meses de vida, pelas condições satisfatórias para a colonização. Após germinação e consequente produção de neurotoxina no intestino grosso, a BoNT atravessa o tecido epitelial através de um processo ativo que envolve o reconhecimento de receptores na superfície apical do epitélio, endocitose mediada por receptor e liberação na face baso-lateral. A toxina é então absorvida pela corrente sanguínea, sendo carreada às terminações nervosas periféricas, particularmente as junções neuromusculares dos neurônios motores onde se liga, irreversivelmente, às membranas pré-sinápticas, cau - sando paralisia aguda ácida. Casos de colonização do C . botulinum em adultos e, portanto, análogo ao infantil, têm sido investigados, porém sua frequência é extremamente rara, pela alteração excepcional que deve ocorrer na anato- mia, siologia e microbiota intestinal. O botulismo clássico ocorre após a ingestão de alimento contendo a BoNT pré- -formada. Em geral a toxina se encontra associada de forma não covalente a proteínas auxiliares, como as hemaglutininas (HA), também secretadas pelo C. Botulinum. Essas proteínas auxiliares protegem a BoNT da degradação pelo sistema digestório, permitindo que maiores quantidades da toxina alcancem o intestino delgado. A absorção ocorre primaria- mente no duodeno e jejuno e, através, da corrente sanguínea alcança as sinapses colinérgicas periféricas (incluindo-se as junções neuromusculares), onde então se ligam a vesículas sinápticas capazes de se fundir com as membranas neuronais permitindo que a toxina seja internalizada por endocitose. O pH endossomal ácido permite mudanças conformacionais na toxina que levam a translocação da cadeia leve para o citoplasma celular. O alvo terminal dessas toxinas são as proteínas SNAREs (soluble NFS attachment receptor) como a sinaptobrevina e sintaxina, interferindo na liberação de acetilcolina. Manifestações clínicas Em decorrência da distribuição hematogênica da BoNT, as formas de botulismo manifestam-se como uma paralisia simétrica ácida descendente com diplopia, disartria, dis- fonia, disfagia e possivelmente com sequelas neurológicas, apesar da rota de transmissão (oral). A BoNT é considerada uma das toxinas mais potentes que se conhece. Sua potência é originada pela sua habilidade em bloquear transmissões neuromusculares e levar à morte através da paralisia da musculatura envolvida na respiração. Clostridium difficile C. dificile é um bacilo de 3 a 5 µm de comprimento que se mostra predominantemente Gram-positivo, porém torna- se Gram-negativo após 24 a 48 horas de cultivo. Os es poros ovais subterminais são vericados na fase estacionária de crescimento na maioria dos meios sólidos com exceção dos meios seletivos. É capaz de liquefazer a gelatina, mas não outras proteínas, como as do leite e da carne. Não produz lecitinase, tampouco lipase. É fermentador de glicose, fru- tose, manitol e manose. Foi descrito pela primeira vez na literatura em 1935, sendo associada a sua presença à micro - biota do mecônio e às fezes de recém-nascidos, indicando, já naquele momento, que toxinas estariam sendo produzidas e poderiam ser responsáveis pela formação de sangue oculto e convulsões febris observadas em alguns recém-nascidos
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