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O TRÁGICO COMO A EXPERIÊNCIA DE ALTERIDADE EM 
OTELO, DE SHAKESPEARE – SIRLEI SANTOS BARBOSA
FRANCYANE CANESCHE DE FREITAS – MESTRADO EM LETRAS - UFV
OBJETIVO
 Fazer uma leitura de Otelo, aproximando-se mais da tragédia grega que da moderna, visto que na
primeira a “inevitabilidade da queda do herói parece ser mais motivada por forças exteriores que
interiores” (p. 200)
RETOMANDO LEITURAS ANTERIORES
 Definição de Tragédia de Aristóteles: “imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa
extensão, em linguagem ornamentada e com as várias espécies de ornamentos distribuídas pelas
diversas partes [do drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que,
suscitando o ‘terror e a piedade, tem por efeito a purificação dessas emoções’. (p. 199)
 Para Aristóteles, o protagonista deve ter personalidade nobre, não sendo nem muito bom nem muito
ruim, e deve enfrentar seu destino com coragem.
 “Para haver o trágico, é preciso haver conflito” (p.199) – seja ele cerrado como disse Lesky seja entre
valores morais de mesmo peso, como defendido por Hegel.
 Tragédia Grega: conflito se dá entre o direito humano e o direito sagrado dos deuses (Jean-Pierre
Vernant)
 Conflito insolúvel como essencial da situação trágica. (Lesky)
OTELO
 Em Otelo o conflito insolúvel se dá entre forças contrárias, mas não entre o direito humano e o divino, mas sim
entre uma força civilizada e uma força selvagem – o europeu e o não europeu.
 A tragédia Shakespeareana dá mais ênfase à individualidade do herói trágico e apresenta enredos secundários.
 Em Otelo, a alteridade (o caráter ou estado do que é outro, do que é diferente) é responsável por sua
destruição. É esta a força exterior que molda a personalidade do herói, revelando-se na linguagem (que vai do
verso a prosa e volta a ser verso com a morte de Desdêmona).
 Essa alternância na linguagem evidencia “o caráter vacilante da assimilação cultural do mouro” – antes de
entregar-se às palavras de Iago, parece estar bem adaptado à sociedade na qual está inserido.
 Se não considerarmos a cor e raça de Otelo a peça parece perder muito de sua significação.
 Por meio de um processo de assimilação cultural Otelo vê a si mesmo como diferente e é neste aspecto que se
produz o trágico na obra. Otelo assimila a concepção europeia a seu respeito.
 “Otelo é uma tragédia que reforça um discurso etnocêntrico que se evidencia na relação de Otelo e Iago”.
(p.200)
A DIFERENÇA COMO HAMARTIA
 Hamartia é a falta ou erro que causa a queda do herói trágico.
 Durante toda a peça ressoa a diferença do mouro.
 A primeira concepção sobre Otelo, vem pela voz de Iago para Brabâncio:
 “Agora, neste instante, agora mesmo, um velho carneiro negro está cobrindo a vossa ovelhinha
branca! De pé! De pé! Mandai tocar a rebate! Despertai os burgueses do seu ronco! Rápido!
Rápido! Enquanto o diabo, num esfregar de olhos, não vos faz um neto! Rápido! Já!” (p.9)
 Quando o mouro entra em cena, sua linguagem diferencia-se bastante desta definição, nos
apresentando nobreza e suntuosidade.
A DIFERENÇA COMO HAMARTIA
 Ser mouro no século XVII – sinônimo de inferioridade, potencial para transgressões e impurezas. A
cor negra simbolizava o mal.
 Shakespeare na obra trabalha a dicotomia entre os signos branco e negro (Desdêmona e Otelo –
brancura x negrura). O impacto visual desta união é reforçado pelo discurso racista da maioria das
personagens.
 O amor de Desdêmona por Otelo é construído sob o signo do exótico – Otelo é a personificação de
um mundo distante e sedutor. O lenço carrega a carga semântica deste mundo exótico que é recebido
pelo pai da moça como magia e feitiçaria.
 Otelo representa o desconhecido, o imaginário do europeu, o exótico.
A DIFERENÇA COMO HAMARTIA
 Alteridade de Otelo = aliada e, ao mesmo tempo, inimiga da sociedade de Veneza. Exaltado como
guerreiro repugnado como marido de uma jovem veneziana. Essa união só é tolerada por motivos
políticos:
 “Se o emblema de virtude é alvura, eu asseguro, Senhor, que o vosso genro é mais branco que
escuro” (Ato I, Cena III)
 A alteridade funciona como atrativo para o papel profissional de Otelo, mas toma rumo trágico
“quando ele transgrede o limite, a barreira racial da miscigenação” (p.202)
 Otelo é o que elimina (quanto aos turcos) e o que precisa ser eliminado para restabelecer a ordem
social (vitima expiatória). É salvador e poluidor ao mesmo tempo. Como general é exemplar, como
homem possui uma “falha”, ser diferente.
A DIFERENÇA COMO HAMARTIA
 Essa “falha”, ser mouro/ser diferente, é o que faz de Otelo o verdadeiro herói trágico, porque se não
fosse por ela (dentro da visão racista e etnocêntrica) ele seria bom demais e sua queda não provocaria
“pena” na plateia e logo, perderia sua tragicidade.
 O estereótipo do mouro é ressaltado a todo tempo, tanto que o próprio Otelo começa a reproduzi-
los quando afirma a Desdêmona que ela tinha olhos para ver o que escolheu.
 “O desfecho da ação trágico se inicia quando Otelo se pensa como um negro em oposição a
Desdêmona, uma típica mulher deVeneza”(p.203)
 Cena da morte e os signos: “a brancura da roupa de cama e da camisola de Desdêmona e a negritude
de Otelo causam impacto visual que permeia todo o texto e se resume nas palavras de Emília, ‘Ela era
um anjo/ tão certo como sois um diabo negro’”(AtoV, Cena II)
IAGO: TRAÇANDO O DESTINO DO OUTRO
 Relação entre Iago e Otelo se dá pelo jogo de palavras, onde Iago controla, manipulando as
personagens: ele é o responsável pela tragédia. Por meio da retórica, das estratégias de linguagem leva
Otelo à queda trágica.
 Iago vai aos poucos incutindo dúvidas em Otelo a respeito de Desdêmona. Ao longo deste processo a
nobreza e suntuosidade demonstrada por Otelo no início em verso, vai se transformando na prosa de
Iago.
 Otelo é embriagado pelas palavras. (Lembra-nos O nascimento da tragédia, de Nietzsche e sua relação
entre impulso apolíneo e dionisíaco para gerar a tragédia)
 Iago sob o impulso apolíneo carrega o potencial para desencadear o efeito dionisíaco, para
desencadear a tragédia.
 Iago age como o destino, como um deus da tragédia clássica.
 Não há uma justificativa precisa para as ações de Iago, ele parece a todo tempo querer apresentar
desculpas para o que faz e, provavelmente, o real motivo seja a alteridade de Otelo.
A TRÁGICA MÁSCARA DA BRANCURA
 Otelo parece ser uma tragédia pessoal mas está impregnado da questão da diferença.
 Otelo é a tragédia da palavra e cuja catarse é o silêncio.
 Para Bakhtin a palavra é onde acontecem os conflitos dos valores sociais contraditórios, comprovando
mais uma vez a tese da tragédia da palavra ser também a tragédia da alteridade.
 Parece não haver escolha para Otelo, seu destino está inscrito em seu corpo. “Sua hamartia é estar
deslocado, é ser mouro numa sociedade europeia, etnocêntrica.”(p.206)
OBRIGADA!
REFERÊNCIA: BARBOSA, S. S. O trágico como a experiência de alteridade em Otelo, de
Shakespeare. Dramaturgia & Teatro: Revista do GT de Dramaturgia e Teatro da ANPOLL,
Niterói, p. 199-207, 2000.