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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS PUBLICIDADE E PROPAGANDA PROFESSORA: LUIZA SILVA BOMBRIL: TODA MULHER É UMA DIVA ANÁLISE DA CAMPANHA E SUGESTÃO DE NOVAS PEÇAS FERNANDA BRAVIM DE OLIVEIRA Rio de Janeiro 2018 Introdução Em 2015, a marca Bombril realizou a campanha “Toda Mulher é uma Diva”, como parte da estratégia de valorização do protagonismo feminino. Utilizando como porta-voz oficial a cantora Ivete Sangalo, a campanha repercutiu principalmente por seu comercial de TV, que contava também com as humoristas Mônica Iozzi e Dani Calabresa, e cujo principal mote era a frase “Toda mulher é uma diva, e todo homem é diva-gar [devagar]”. A campanha foi amplamente criticada tanto por homens quanto por mulheres. O anúncio de TV recebeu dezenas de reclamações no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) – em sua maioria por consumidores do sexo masculino – que o acusavam de propagar a “discriminação de gênero" e de fazer "ofensa à figura masculina". Grupos feministas também se manifestaram contra a abordagem utilizada pela empresa em relação à divisão de tarefas domésticas, afirmando que ela apenas ajudava a naturalizar o papel da mulher como principal responsável pela faxina. A seguir, analiso três anúncios da campanha em plataformas distintas para exemplificar a abordagem aqui descrita, de modo a compreender o que causou sua rejeição e os motivos pelo qual considero a campanha infeliz em seu modo de lidar com as divisões de tarefas domésticas para, em seguida, sugerir outras três peças que julgo corrigir as falhas da campanha em questão. Comercial de TV No anúncio audiovisual para a Bombril, estrelado por Ivete Sangalo, Mônica Iozzi e Dani Calabresa, que construíram personas midiáticas carismáticas e extrovertidas, as artistas exaltam a dupla jornada da mulher – no trabalho e em casa. “Toda mulher é uma diva. A gente arrasa no trabalho, faz sucesso o dia todo e ainda deixa a casa brilhando”, afirma Ivete. Ao mesmo tempo, também buscam “elogiar” a mulher em detrimento do homem: “Toda mulher é uma diva! Já os homens... esses aí nem com todos os produtos da Bombril pra ajudar na casa.”. Ao final, também é feita uma generalização pejorativa em torno da capacidade cognitiva masculina: “Toda mulher é uma diva, e todo homem é diva-gar [devagar]”, finaliza Dani. O comercial, que visava enaltecer a mulher e tirar sarro dos homens, desagradou a ambos os gêneros. As principais denúncias da campanha ao Conar, que partiram em sua maioria de consumidores do sexo masculino, a acusavam de propagar a “discriminação de gênero” e fazer “ofensa à figura masculina”. As mulheres pouco se posicionaram formalmente, mas muitas manifestaram opiniões contrárias à campanha, principalmente nas redes sociais, afirmando que a campanha ajuda a reforçar a ideia de que limpar a casa é papel da mulher. Figura 1. Comercial de TV da Bombril - ago 2015. A página do Facebook ‘Feminismo Sem Demagogia’, que conta com mais de 1 milhão de seguidores, se posicionou contrária à propaganda da Bombril em post que recebeu mais de 2 mil curtidas. O grupo afirma que quando a Bombril tenta exaltar como qualidade as mulheres conseguirem lidar com essa dupla jornada, não está a combatendo, mas apenas reforçando que este é papel da mulher, como se só elas conseguissem fazer tanta coisa, e por isso seriam “divas”. Também tiram sarro dos homens que se ofenderam com a campanha, pois estes sim seriam cognitivamente limitados por não conseguir entender a tentativa de elogio à mulher, e defendem que o homem em geral não é “diva- gar”, mas apenas não quer lidar com as tarefas incumbidas à mulher. Facebook A campanha também utilizou em um post no seu Facebook o verbo brilhar para correlacionar a mulher aos seus produtos, o que causou insatisfação. Nas redes sociais, a marca não demonstrou alcançar o engajamento de fãs, sendo a maioria dos comentários em tom de reclamação ou sugestão de mudanças em suas campanhas. Figura 2. Post no Facebook da Bombril – abril 2015. “Um dos palcos da vida é a nossa casa! Por isso ela deve estar sempre brilhando” diz a legenda da imagem, onde se lê “Bombril, os produtos que brilham como toda mulher”. Assim, entende-se que a mulher deve deixar a casa sempre brilhando. É evidente que o público-alvo da campanha é a mulher, uma decisão que sem dúvidas é baseada na constatação de que a cultura brasileira ainda hoje é machista e conserva o papel social da mulher como dona de casa, responsável pela rotina de cuidados domésticos. Mesmo as que já estão inseridas no mercado de trabalho encontram dificuldades em dividir as tarefas domésticas de forma justa com outras presenças masculinas na mesma casa, e muitas ainda atribuem esse papel a si mesmas de forma naturalizada. No entanto, a empresa é cobrada por não estar alinhada ao movimento que busca romper essa tradição em busca de mais igualdade de tratamento entre os gêneros, e não fazer nada para incentivá-lo. Pelo contrário, a campanha de certa forma ajuda a naturalizar o entendimento de que a mulher é a principal responsável pelas atividades domésticas ao exaltar a sua capacidade de fazê-lo e criticar os homens por não terem as habilidades femininas. Além daquelas que se ofenderam por serem comparadas a uma linha de produtos que inclui detergentes e águas sanitárias, há também reclamações em relação à contratação da Ivete como garota-propaganda, pedindo a volta do ator Carlos Moreno, que há décadas faz os icônicos comerciais de TV simples da Bombril frente a uma bancada – ele na verdade nunca deixou de ser o garoto-propaganda, como foi a percepção de alguns consumidores, mas apenas cedeu espaço nessa e em outras campanhas da marca para outras personalidades. Anúncio de revista Algumas peças parecem tentar induzir a consumidora a usar os produtos da Bombril na faxina e propagar o consumo dos produtos pelos maridos. “Deixou a casa brilhando com os produtos da Bombril? Brilhou. Colocou o maridão pra ajudar em casa? Divou” – era a mensagem de um anúncio publicado na revista Quem Acontece. Quanto à linguagem utilizada, observa-se a semelhança com a oralidade através da utilização de gírias como “divou” e também “brilhou”, este último derivado do verbo “brilhar”, que o antecede. Sobre isso, Urbano afirma que seja para reforçar uma ideia ou os propósitos ilocucionários de uma mensagem, seja por motivações psicológicas, como o nervosismo, por exemplo, por outras mais variadas causas, o certo é que o discurso oral se revela com muita frequência redundante e repetitivo, a ponto de ser esta uma das mais evidentes características em nível da expressão. Quando não são simples repetições, são paráfrases de todo tipo, que ampliam sobremaneira o significante linguístico (URBANO, 2000, p. 104). Outro elemento característico da oralidade é o uso da preposição “pra”, e da gíria “maridão”. Essa informalidade é parte de um esforço para se posicionar de forma descontraída e próxima o suficiente da consumidora a ponto de sugerir uma atitude em sua rotina que inclua o uso de seus produtos. Mas essa mensagem também é criticada por grupos feministas pelo uso do verbo “ajudar”. Para esses grupos, a campanha estaria apenas reforçando que a obrigação do cuidado doméstico é da mulher, mas que elas gostariam apenas que o homem as ajudasse quando possível. Nesse ponto, a campanha falha na intenção declarada de promover a Figura 3. Anúncio na Revista Quem Acontece - out 2015,p. 93 divisão de tarefas mais justa entre o marido e a esposa dentro de casa, no momento em que abordam o serviço doméstico como se ainda estivesse designado à mulher. Análise dos resultados Esta não foi a primeira vez em que a Bombril foi acusada de discriminação ao sexo masculino, mas foi a primeira em que a campanha foi amplamente rejeitada também pelas mulheres. Em 2013, outra campanha da Bombril já havia causado polêmica semelhante, mas com menor repercussão. A campanha “Homens evoluídos” comparava os produtos da marca com os homens, chamando por exemplo o amaciante Mon Bijou de homem-Mon Bijou e fazendo paralelos entre as características de ambos. Nas peças, utilizaram-se trocadilhos como por exemplo “O Mon Bijou é econômico, igualzinho ao pão-duro do seu marido”, ou ainda “Ah, se todo homem tivesse uma performance assim, de longa duração”. Na época, o diretor de Marketing da Bombril defendeu sua campanha, que também recebeu muitas queixas Conar: “Defendemos o atual momento da mulher brasileira, que pede a participação do homem na vida doméstica.”. Já em relação à polêmica gerada por “Toda Mulher é uma Diva”, a Bombril declarou que a campanha foi “estrategicamente desenvolvida para valorizar o protagonismo feminino”, que usa uma linguagem bem-humorada para ressaltar o valor da mulher e que não tinha a intenção de ofender os homens. Assim, a empresa também não nega o cerne das críticas femininas, como o fato dos anúncios não combaterem esse protagonismo feminino que sobrecarrega a mulher, mas pelo contrário, o exaltam. Ainda que as garotas-propaganda sejam personalidades reconhecidas também por manifestações públicas de opiniões em apoio aos ideais feministas, e a intenção da campanha muito provavelmente não fosse a de perpetuar uma divisão injusta das tarefas domésticas, pelo contrário, apontar o fato de que as mulheres brasileiras lidam com jornadas muito mais extensas que a dos homens, a abordagem adotada pela campanha prejudicou o alcance dos objetivos. Por outro lado, a repercussão da polêmica em torno do assunto contribuiu para pôr a marca em evidência na opinião pública, manifestando-se opiniões críticas, mas também aquelas em defesa da marca e das mensagens propagadas. Muitas mulheres se sentiram homenageadas como se finalmente estivessem reconhecendo os seus esforços, e muitos homens com mais bom humor não se ofenderam e até concordaram com essa homenagem – que afinal, os redime de uma participação mais efetiva na atividade doméstica. Ainda assim, há de se considerar que as opiniões negativas são desfavoráveis para a imagem da empresa, pois dentre elas podem estar consumidores que irão se recusar a comprar seus produtos pela desaprovação à campanha. A propaganda deve preservar-se contra a rejeição, e nesse sentido, busco aqui propor outra abordagem que contribua com os objetivos da empresa sem ofender nenhum grupo social. Sugestões de novas peças Concluiu-se que os pontos problemáticos das peças analisadas giravam em torno da tentativa frustrada de reconhecer a dupla jornada das mulheres enquanto tirava sarro dos homens, o que acabava por incentivar a manutenção do papel da mulher como dona de casa e ofender o frágil ego masculino. Complemento ainda que a empresa se sairia melhor se buscasse combater o problema da má distribuição de tarefas domésticas entre homens e mulheres em vez de favorecer um conformismo sobre a condição da mulher. Uma abordagem alternativa traria a ideia de que os homens são tão capazes de fazer faxina quanto as mulheres, e que devemos criar os meninos com a consciência de que o seu gênero não deve influenciar o não cumprimento de atividades tão indispensáveis para a convivência de qualquer indivíduo que de fato viva em uma residência e suje objetos em seu cotidiano quanto a limpeza doméstica. Deste modo, preparei os seguintes anúncios para as mesmas plataformas dos originais, apresentando alternativas de imagem e de texto para abordar a problemática visando influenciar o comportamento masculino e o entendimento sobre o que é dever de todos. Aqui, busquei replicar a estética dos anúncios da Bombril, onde aparecem um texto simples, o logo da empresa e a imagem de um produto. Na imagem, vemos um menino lavando louça ao lado de uma figura paterna, a imagem do produto esponja multiuso, e o texto “Eles cuidam da casa”. Assim, procuro transmitir a ideia de uma família onde os homens também tomam parte da tarefa de cuidar da casa para si, evitando com que a mulher pressuposta seja sobrecarregada. Figura 4. Proposta de anúncio para Revista Figura 5. Proposta de post para Facebook No post para Facebook, mantenho o conceito utilizado no anúncio de revista de modo a criar uma consistência em toda a campanha. Novamente utilizo uma imagem que transmite a relação de paternidade, e a frase “Eles sabem limpar”, buscando levar a mensagem de que os homens que não limpam a casa não o fazem porque não são capazes ou não conseguem aprender. Pelo contrário, qualquer ser humano masculino tem a mesma potencialidade de aprender a limpar quanto um do gênero feminino, e se for ensinado desde cedo os homens não terão problemas algum em executar as tarefas domésticas, como sugeria os anúncios originais. Sugiro o roteiro de anúncio audiovisual com uma sequência de takes de homens fazendo faxina, acompanhado de uma locução em off falando sobre como eles são capazes de fazer uma faxina bem-feita, tanto quanto as mulheres, se quiserem e se utilizarem os produtos Bombril. O vídeo deve contar com crianças do gênero masculino, e que devem estar somente assistindo ou ajudando o pai a limpar, pois as crianças sim devem apenas ajudar em vez de ser as principais responsáveis pelas tarefas domésticas. A ideia é que esses meninos que veem seus pais limpando a casa vão aprender com naturalidade que eles também podem fazer isso, que é “coisa de homem”. É muito raro que se utilizem protagonistas masculinos em anúncios de produtos de limpeza, ou pelo menos como alguém que realiza a limpeza e não somente que fale à Figura 6. Proposta de anúncio audiovisual para TV mulher que limpa, e por isso considero que esta é uma mudança muito relevante e necessária. Isto porque ao mesmo tempo que esses comerciais que se direcionam às mulheres estão procurando a identificação de seu público-alvo majoritário, estão também ajudando a perpetuar essa realidade. Com essa abordagem, não quero necessariamente enaltecer a capacidade masculina de limpar a casa, até porque é uma atividade que não requer nenhum dom magnífico e é triste a representação de que uma mulher seja uma “diva” porque consegue esfregar um pano. Mas ao reconhecer que eles conseguem sim executar essas atividades domésticas, os homens estariam satisfeitos por serem vistos como cognitivamente capazes de executar uma tarefa do dia-a-dia, e as mulheres também se agradariam pela amplificação do discurso de que eles também podem e devem colaborar com a limpeza da casa. Parece razoável considerar que ambos concordariam que o gênero é irrelevante na realização de um dever tão simples e fácil quanto limpar a sujeira que se produz, e que os produtos Bombril agilizariam ainda mais essas tarefas. Referências bibliográficas ARRUDA, L. M, MENDES, C. H S. A utilização das marcas de oralidade como recurso persuasivo em anúncios publicitários impressos. In: DUC IN ALTUM – Revista da Faculdade Santa Narcelina Muriaé, vol 15, Muriaé, 2016. Campanha “Mulheres Evoluídas”, da Bombril, gera polêmicas e reclamações no Conar. Jornal Extra, 9 mai. 2013. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/economia/campanha-mulheres-evoluidas-da-bombril-gera-polemicas-reclamacoes-no-conar-8343134.html> Acesso em: 17 mar. 2018. Conar libera propaganda da Bombril acusada de ofender homens. G1, São Paulo, 11 set. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/midia-e- marketing/noticia/2015/09/conar-libera-propaganda-da-bombril-acusada-de-ofender- homens.html> Acesso em: 21 mar. 2018. Feminismo Sem Demagogia. Facebook, 13 ago. 2015. Disponível em < https://www.facebook.com/FeminismoSemDemagogiaMarxistaOriginal/posts/8660124 93490741>. Acesso em: 18 mar. 2018.
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