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LUTO A DOR QUE SE PERDE COM O TEMPO

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1 
 
 
 
 
LUTO: A DOR QUE SE PERDE COM O TEMPO (... OU NÃO SE PERDE?) 
Nione Torres1 
 
1. INTRODUÇÃO: O processo do luto – aspectos conceituais 
 
 No contexto de um Universo repleto de vida está inserido o ser humano – um 
ser extremamente vulnerável e, principalmente, um ser finito... Pensar nessa finitude 
leva a refletir e, ao mesmo tempo, buscar a compreensão dos sentimentos e das 
emoções que são inerentes desse processo: morte e luto, perda, fragilidade, dor, 
revolta. Tais aspectos são extremamente complexos e, mais ainda, difíceis de serem 
analisados sob a perspectiva da racionalidade, da emocionalidade e da fé dos seres 
humanos, uma vez que os mesmos são capazes de provocar desequilíbrio e desajuste 
no repertório do indivíduo, pois o que está em pauta é a perda de um ser humano, e 
por esta ser uma perda sem retorno (Olinto, 1993). Notadamente, quanto maior a 
intensidade e profundidade do vínculo que se faz presente, proporcionalmente maior 
e mais intenso também a dor pela perda que se instala. 
 Assim, o luto é visto como uma das experiências mais marcantes na vida das 
pessoas e envolve com alta magnitude os chamados processos comportamentais em 
que se apresentam tanto os comportamentos encobertos, como os comportamentos 
publicamente observáveis. 
 Contudo, para abordar o assunto de modo mais didático, necessária se faz uma 
definição, primeiramente, dos conceitos de (a) luto, (b) vínculo/apego e (c) perda. 
 
1
 Mestre pela PUCCamp e Psicoterapeuta do Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicoterapia – 
IACEP Londrina. 
Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicoterapia 
CNPJ: 03.859.920/0001-58 
Rua: Farrapos, 111 – Jardim Canadá / Londrina – PR 
Fone (43) 3029-8001, Fax: (43) 3029-8003, 
www.iacep.com.br | iacep@iacep.com.br 
 
 
 2 
 A) LUTO: pode ser definido, essencialmente, como uma reação à perda, em 
geral de uma pessoa, em especial de uma pessoa amada (Parkes, 1998). Assim, é visto 
como uma reação a uma modificação, o que se vê é um conjunto de respostas de 
interação do comportamento com o meio ambiente (Hoshino, 2008). Segundo este 
autor, os elementos existentes na definição do luto, numa ordem temporal, podem 
assim ser discriminados: aqueles que amamos, quando são perdidos, nos fazem sofrer. 
Assim, na filogênese do luto constata-se o paradigma da análise funcional, ou seja: o 
amar e a perda são as variáveis antecedentes da contingência, enquanto que as 
reações do luto correspondem ao comportamento e, o sofrer e a superação do luto 
são a conseqüência. 
 B) VÍNCULO/APEGO: Seres humanos não sentem falta de algo/de alguém se não 
tiverem uma proximidade com este algo/este alguém. Segundo GUILHARDI (1997), o 
vínculo existe, portanto, quando os comportamentos de duas pessoas se influenciam 
reciprocamente e resultam em sentimentos de afetividade. Ou seja, é um 
relacionamento no qual as pessoas que interagem se reforçam mutuamente. 
GUILHARDI E QUEIROZ (1997) definem o vínculo como “o nome que se dá aos 
comportamentos e sentimentos que emergem numa relação entre pessoas e que são 
produzidos em grande parte, por contingências reforçadoras e, também por 
contingências aversivas mínimas (...). Nessa interação entre ambos operam processos 
comportamentais como reforçamento positivo e negativo, reforçamento diferencial, 
discriminação, etc.”. 
 No que se refere ao vínculo e ao apego, Bowlby (1984 in Passos, B., 2006) 
afirma com base em estudos, que “o vínculo da criança com sua mãe é um produto da 
atividade de certo número de sistemas comportamentais que têm a proximidade com 
a mãe como resultado previsível”. Por ser o primeiro vínculo, ele assume primordial 
 3 
importância para toda a vida da pessoa. E, no que tange ao apego, fica claro que ele 
demora mais para ser desenvolvido, acompanhando o desenvolvimento geral do ser 
humano, que é lento comparado a outros animais. Pode-se observar, de forma geral, 
respostas diferenciais à mãe em bebês de três meses e o comportamento de apego se 
desenvolve por toda a infância e não pára na vida adulta (Bowlby, 1984 in Passos, B., 
2006). 
 Dessa forma, é possível analisar que o vínculo entre duas pessoas, reforçado 
pelo apego é a primeira aquisição filogenética com uma função adaptativa que é a de 
garantir, através de reforçamento, que as necessidades de uma e de outra pessoa 
sejam atendidas, o que irá contribuir, certamente, para a sobrevivência. 
 C) PERDA: Segundo Hoshino (2008, p. 313) a perda desencadeadora do luto 
significa deixar de se ter o que se tinha; na maioria das vezes, algo ou alguém do 
ambiente ao qual ou com quem tinha vínculo afetivo. Ou seja, a perda pressupõe uma 
modificação de um contexto ambiental que anteriormente gerava bem-estar. Em 
outras palavras, perdeu-se um gerador de reforços e os efeitos dessa perda súbita são 
tipicamente graves, notadamente, quando a fonte reforçadora perdida mantinha uma 
proporção razoável de repertório comportamental do indivíduo. (Daugher, M.; 
Hackebert, L., 2003). 
 Aqui, sem dúvida, um ponto a se enfatizar: a análise da perda demonstra que 
ela gera uma mudança drástica no ambiente e é totalmente estressante quando se 
trata de alguém de apego, pois, colocará em risco a continuidade da vida de quem 
fica (Hoshino, 2008). 
 Neste sentido, o autor acima citado aborda o exemplo dos pingüins órfãos da 
Antártica, que seguida à morte dos pais, após uma fase de procura, permanecem 
encurvados e imóveis, não se importando com as bicadas de aves de rapina que 
 4 
sangram pontos de seu corpo, ou seja, em desamparo profundo. O que fica evidente é 
a impossibilidade da continuidade da sobrevivência em função da perda, dos cuidados 
dos pais, o que implicará, naturalmente falando, em morte lenta e inevitável. 
 
2. LUTO E STRESS PÓS-TRAUMÁTICO: dimensões que se interrelacionam? 
 Como já se constatou, o luto é caracterizado como sendo uma reação à perda, 
e que se esta é de alguém com quem existia um vínculo/um apego, tal como um 
filhote que perde sua mãe (Hoshino, 2008), instalar-se-á, portanto, uma mudança 
totalmente estressante para a pessoa enlutada. 
 Assim, é possível observar que nas reações do luto há um conjunto de respostas 
ao stress da mudança advinda da perda. Sabe-se que circunstâncias estressoras 
apresentam fases: de início, pode ser identificada a fase de alarme; seqüencialmente, 
encontra-se a fase de resistência; após, chega-se à fase de quase exaustão e, 
finalmente, a de exaustão. Todo processo é denominado de síndrome geral de 
adaptação (Hoshino, 2008). 
 O stress da perda, por sua vez, demonstra basicamente que existe a ocorrência 
do mesmo processo nas reações do luto, uma vez que ele pressupõe fases: verifica-se 
inicialmente, o estágio de alarme, que caracteriza-se pela negação da perda e 
enfrentamento do evento estressante; o estágio seguinte, que é o da aceitação da 
perda, onde se denota também, bastante sofrimento e pesar. E, por último, quando 
se inicia o restabelecimento da homeostase, é o estágio de mudança de estratégia 
comportamental com atividades já da reorganização e readaptação à vida (ou de 
resolução do luto). 
 Antes de mais nada, um parênteses: dados de pesquisas recentes evidenciam 
que o stress da perda, sob o ponto de vista biológico, ativa os diversos sistemas do 
 5 
organismo a fim de dar eficácia ao próprio organismo para que haja enfrentamento do 
evento traumático, e, que todo esse processo de ativação poderá chegar à falência 
dos órgãos e sistemas do enlutado se o luto for notadamente intenso e prolongado 
(Hoshino, 2008). 
 Outrossim, à luz da vertente psicológicapode-se lançar mão da análise, 
essencialmente, das conseqüências desse primeiro estágio, onde a negação da perda e 
o enfrentamento do evento traumático (e, portanto, estressante) são fatores 
expressivos. Esta fase inicial do luto pode durar meses e até anos e é caracterizada 
por comportamentos de procura ansiosa daquele que se foi. O enlutado, à medida que 
o tempo passa, torna-se cada vez mais “consciente” da perda, porém, muitos outros 
comportamentos vão sendo vivenciados (tais como, sensação da presença da pessoa 
que se perdeu; tender, freqüentemente, a associar algum evento circunstancial à 
presença do morto, sonhar insistentemente com o mesmo), evidentemente que junto 
a muito sofrimento emocional. 
Para Hoshino (2008) é uma fase bastante intensificada em que fica muito 
evidente um repertório comportamental de mudança, ou seja, uma luta da pessoa 
enlutada contra a modificação causada em sua vida pela perda (lê-se: 
comportamentos de defesa contra o elemento de apego que, até então, garantia a 
efetividade de soluções aos problemas de sobrevivência). 
 Tal conseqüência demonstra que o repertório comportamental apresentado 
nesta primeira fase do luto nada mais é que uma aquisição evolutiva selecionada e 
preservada para reverter as perdas, tornando-as, desse modo, apenas temporárias. 
 Por outro lado, estudos provenientes da filogênese têm contribuído para a 
caracterização dessa primeira fase do luto e, que as reações estressantes à perda 
permitem estabelecer grandes semelhanças entre as reações ao luto e o transtorno 
 6 
pós-traumático (Hoshino, 2008), principalmente, no que se refere aos 
comportamentos encobertos, assim como aos comportamentos publicamente 
observáveis. 
 Uma das características do stress pós-traumático, sob o ponto de vista clínico, 
é a esquiva persistente de estímulos associados com o evento traumático e o 
entorpecimento da responsividade geral (não presente antes do evento traumático), 
indicados por três aspectos básicos: (1) tentativa de evitar pensamentos, sentimentos 
ou conversas associados ao evento traumático; (2) evitação de atividades e locais que 
propiciem a recordação do evento traumático; (3) incapacidade de recordar algum 
aspecto importante do evento traumático (Malagris in Lipp, 2003). 
 Analistas do comportamento indicam que o transtorno do stress pós-traumático 
pode ser explicitado a partir do condicionamento clássico e do condicionamento 
operante. 
 No que se refere ao condicionamento operante, é possível compreender o 
porquê da relação existente entre lembrança do evento traumático (por exemplo, a 
perda do ente querido), ou seja, o estímulo condicionado (EC) e os sentimentos de 
ansiedade, medo, tristeza. No luto, os comportamentos privados estimulados pela 
perda, denominados de resposta condicionada (RC), continua a existir, mesmo na 
ausência do evento traumático. Assim, a lembrança do evento traumático provoca 
comportamentos privados (ansiedade, medo, tristeza, revolta) de forma extremada 
(RC) ao evitar a lembrança haverá uma redução na ansiedade. Em outras palavras, o 
comportamento de esquiva diante da lembrança do evento traumático é reforçado 
negativamente, o que impede, desse modo, a extinção da associação entre a 
lembrança (EC) do evento e os comportamentos privados (RC) (Astin e Resick in 
Caballo, 2003). 
 7 
 
3. O LUTO E O PROCESSO TERAPÊUTICO: o viver a dor 
 “Como lamentamos e como, ou se, nossa lamentação vai terminar depende 
do modo como sentimos nossa perda, depende da nossa idade da idade de quem 
perdemos, depende do quanto estamos preparados para isso, depende de como a 
pessoa sucumbiu à mortalidade e, depende do nosso suporte emocional – à dor e 
do suporte social, e, essencialmente, depende da nossa história – nossa história 
ao lado da pessoa que morreu e nossa história individual de amor e de perda” 
(Viorst, 1988, p.244 in Rodriguez, I., 2009). 
 Dessa forma, os comportamentos apresentados quando da expressão da dor da 
perda num processo de luto são individuais e estão relacionadas a diversos fatores 
que, tanto poderão agravar mais ainda esse processo, culminando no chamado luto 
complicado (ou patológico), em que os comportamentos desadaptativos continuam 
ocorrendo (e, assim, o luto não progride para sua assimilação), quanto a existência de 
outros fatores que poderão auxiliar no processo de luto de forma a atingir a aceitação 
da nova realidade (por exemplo, o suporte social e familiar da pessoa enlutada). 
 Mesmo que cada pessoa vivencie estágios do luto a partir de seu repertório 
comportamental e, ao final ela estará em condições de retomar sua vida 
(evidentemente com alterações de algumas contingências), é preciso enfatizar que 
viver esse processo não tem como finalidade esquecer aquele que lhe foi 
importante; e sim, tão apenas aprender a viver apesar da perda. Assim, sentimentos 
de saudade, e/ou sentir a ausência daquele que partiu são comportamentos 
encobertos que continuarão sendo experienciados, porém, agora o enlutado aprendeu 
a conviver com essa ausência, retornando a trajetória de sua própria vida. 
 8 
 Diante de tais questões, qual seria, primordialmente, o papel da terapia nesse 
processo? 
 No processo terapêutico há de se oportunizar ao enlutado a expressão de seus 
comportamentos encobertos (a saudade, a tristeza, a raiva e o medo, o horror ante 
a perspectiva de ficar só, o choro, a ansiedade, a amargura, a culpa e auto-
acusação geralmente acentuadas), uma vez que, quase sempre sua rede de apoio 
(família e amigos) poderá mostrar dificuldades em compreender, porque neles 
também lhes causa dor. Também no setting terapêutico a pessoa enlutada se 
perceberá acolhida, pois seus sentimentos serão validados por uma audiência não 
punitiva (o terapeuta) e, portanto, amparado na sua dor, tanto pela presença 
cuidadora desse profissional, quanto pelo vínculo que vai, dessa forma, se 
estabelecendo, em função da rede de reforçadores que nessa relação de ajuda vai se 
instalando. 
 É papel do terapeuta auxiliar o enlutado no sentido de aceitar a realidade da 
morte e (por assim dizer, a finitude da vida), a vivenciar o pesar, ou seja, permitir 
que ele viva a dor e a tristeza que emergem com a perda e, por fim, auxiliá-lo a 
promover um rearranjo de contingências ambientais, além de ensinar ao cliente 
habilidades comportamentais, com o objetivo de ajustá-lo novamente ao contexto de 
sua vida no qual a pessoa importante não mais se encontra, e a reinvestir em seu 
repertório comportamental em novas relações. 
 Em tal processo, sem dúvida, não se propõe uma forma correta de viver o luto – 
ela não existe;o que realmente existe é um ser humano único, com uma história única 
e, portanto, expressará sua perda, tão somente, a partir dessa sua história (Worden, 
1998). 
 9 
 A seguir, apresentar-se-á um caso clínico com ênfase na intervenção 
terapêutica no processo de luto, com a tentativa de ilustrar o que aqui foi descrito. 
 
CASO CLÍNICO: análise e intervenção terapêutica 
Dados de Identificação: 
T., sexo feminino, solteira, universitária. Estava com 19 anos quando procurou 
atendimento clínico. 
Queixa: 
Cliente buscou terapia afirmando que seria para auxiliá-la encerrar um 
relacionamento afetivo de quase 3 anos em que sentia “ter acabado o amor” pela 
pessoa; sentia medo de gerar muito sofrimento emocional na outra pessoa, de sentir-
se só, de mudar muito sua vida. Percebia-se muito ansiosa, às vezes, bastante 
deprimida. Apresentava comportamentos de impotência e desamparo, tensão no 
corpo, dificuldades para conciliar o sono, pesadelos, sentimentos de culpa, sensação 
de não existir um futuro, inabilidade afetiva. 
Histórico:T. é a filha mais velha de três irmãs. Nasceu e cresceu numa pequena cidade 
do interior, passou uma infância e uma adolescência significativamente “feliz, cheia 
de surpresas agradáveis” (festas de aniversário, viagens maravilhosas), 
relacionamento muito tranqüilo com os pais. Estes, segundo a cliente, “bastante 
carinhosos e preocupados com o bem-estar das filhas, além de muito presentes na 
vida de cada uma” (relato literal da cliente). Pouco antes dela completar 18 anos, 
seus pais, no auge de suas vidas, morreram de forma trágica numa viagem a passeio, 
cabendo a T., além da responsabilidade de assumir e gerenciar todos os negócios e 
 10 
patrimônio da família, a responsabilidade de cuidar de suas irmãs mais novas (15 e 12 
anos, na época) com auxílio da avó materna. Seus pais eram filhos únicos. 
 Pouco antes de ocorrer a morte dos pais, T. já tinha iniciado o namoro com 
essa pessoa que agora sentia apenas um sentimento de amizade. Após três meses da 
morte deles, passaram a morar juntos, à pedido dela, pois queria ter uma companhia 
junto a ela o tempo todo, uma vez que sentia-se insegura e com medo de ficar 
sozinha. 
 Retomou todas suas atividades (sociais e acadêmicas) uma semana depois do 
trágico evento. Procurou, na seqüência, psicoterapia. As idas à sua cidade natal, onde 
moravam suas irmãs e avó, e onde estavam os negócios não eram mais tão freqüentes. 
 
Comportamentos Clinicamente Relevantes apresentados: 
Nas sessões, T. chorava muito, ao relatar que não conseguia terminar com o 
namorado porque ele fora “um grande amigo e companheiro” quando seus pais 
morreram, cuidou dela, amparou-a, e portanto, ela tinha uma “dívida de gratidão por 
ele”. 
 Comportamentos de choro também eram bastante acentuados quando pensava 
como seria sua vida sem a presença do namorado. Não conseguia visualizar onde 
estaria, nem como estaria. Tinha também muito medo da solidão. Relatava, aos 
prantos, o medo intenso que sentia de mudanças. 
 Segundo T., com relação à morte dos pais, ela não tinha “muito o que falar, 
pois o luto já tinha sido resolvido”. Fazia esquiva inclusive de qualquer sinalização da 
Terapeuta nesse sentido. Referia-se, esporadicamente, ao relacionamento com os 
mesmos. Quando o fazia, assinalava que eram pessoas bondosas, queridas e que 
proviam-na e às suas irmãs de tudo; que a mãe sempre fora uma grande amiga e que, 
 11 
apesar de T. ter sido uma criança “brava”, a mãe sabia como agradá-la e como 
conseguir fazê-la obedecer. Entendia, hoje, que era bastante dependente da mãe, 
emocionalmente falando. 
 
Análise: 
 É possível constatar que T. perdeu, com a morte de seus pais, sua maior fonte 
de reforçamento, ao mesmo tempo, o vínculo que, sem dúvida, é um grande gerador 
de repertório comportamental significativo para pessoa, promovendo seu 
desenvolvimento afetivo-emocional e que não mais poderá ser retroalimentado. 
 Assim, a perda dos seus entes queridos, embora vivenciados com 
comportamentos de dor e tristeza, também provocaram em T. comportamentos de 
dificuldade exagerada em lidar com mudanças (significativas ou não) em sua vida, 
medo de viver sozinha e como também de sentir incapaz de sobreviver ao passar por 
qualquer outra perda. 
 Tais comportamentos indicam que T., na verdade, estava num processo de luto 
denominado “luto complicado” (ou patológico) e, especificamente falando, o “luto 
retardado ou ausente”, segundo Gonzáles (1997 in Freitas, 2000). 
 Para estes autores, a pessoa enlutada pode ter apresentado comportamentos 
emocionais condizentes com o evento traumático, porém, tais comportamentos não 
se demonstraram suficientes para que a pessoa conseguisse superar a perda. Então, 
ocorrendo um outro evento que pressupõe um luto, ela expressa emoções excessivas e 
desadaptadas para a perda atual, o que pode significar uma reação, na verdade, ao 
luto anterior por ela não vivenciado de forma saudável. 
 Neste sentido, é possível aqui constatar que os comportamentos que auxiliam 
esse não “vivenciar a perda” são comportamentos característicos encontrados num 
 12 
quadro de stress pós-traumático, e (evidenciado no caso em pauta) em que, entre 
vários comportamentos apresentados, estão os comportamentos de esquiva bastante 
acentuados que ela demonstrava, por exemplo, quando da apresentação de algum 
estímulo (na sessão e fora dela) que pudesse associar aos pais (tanto quando em vida, 
quanto pós-perda) e que, portanto, propiciasse o experienciar da dor da perda, aqui, 
claramente, observado o condicionamento operante produzido. 
 Desse modo (e como é sabido que cada ser humano, a partir de sua história, 
vivenciará sua dor) no contexto das intervenções terapêuticas, a evocação do 
“vivenciar a dor, o pesar, a tristeza da perda” deverá ser propiciada, bloqueando, 
assim, a esquiva emocional bastante significativa da cliente. No caso aqui 
apresentado, a intervenção clínica foi realizada de forma indireta, ou seja, através de 
recursos terapêuticos como músicas, poesias, exercícios e vivências. 
 Na 5ª sessão, a Terapeuta apresentou a música “A Lista” com o “objetivo” de 
T. ficar mais consciente de seu padrão comportamental diante das contingências de 
sua vida. No verso que enunciava “quantas canções que você não cantava... hoje você 
assovia para sobreviver”, a cliente aponta a música “Aquarela”(Toquinho): “o futuro 
é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade, nem tem hora 
de chegar. Sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a rir ou chorar... 
Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem 
ao certo onde vai dar”. 
 Exatamente nesse momento, T. “deixou acontecer” sua dor, demonstrando 
através de um choro intenso sua raiva “do destino”, sua revolta pela “peça que a vida 
lhe pregou”, desespero, lamentação e pena. Culminando no seu medo de lidar com 
mudanças em sua vida (aqui, analisou, de pronto, a razão de não conseguir encerrar o 
seu namoro). 
 13 
 Na seqüência, na outra sessão um trecho de outra música (agora indicada pela 
terapeuta, foi introduzida, com a permissão da cliente) foi introduzida. A música era 
Pedaço de mim (Chico Buarque) (Oh pedaço de mim, oh metade de mim, leva o vulto 
teu que a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que 
já morreu. Oh, pedaço de mim, oh, metade amputada de mim, leva o que há em ti 
que a saudade já dói latejada. É assim como uma fisgada no membro que já perdi). 
A partir daí, T. permitiu novas intervenções com relação à sua dor; 
evidenciando que não era mais necessário a terapeuta bloquear esquivas, pois 
praticamente não mais ocorriam. Assim, gradativa e sequencialmente foram 
realizadas, nas sessões, exercícios vivenciais, exercícios através de colagem de 
figuras, desenhos e poemas que pudessem levá-la a experienciar sua perda, seu luto, 
enfim. Agora, com a cliente, já apresentando choros mais leves e baixa labilidade 
afetiva. 
 Dois meses após, T. trouxe para terapia a análise que, por iniciativa própria, 
fez da música “Tocando em frente”, assim como também já havia conversado com o 
namorado, mostrando nitidamente sua intenção de encerrar o namoro, (o que fez 
duas semanas depois com muito cuidado). Todos estes aspectos fazem pensar que o 
luto complicado que a cliente experienciava e que trazia como conseqüências 
comportamentos de imobilização para vida (comportamentos de esquiva impediam-na 
de rearranjar contingências no sentido de construir um novo repertório 
comportamental para aceitar mudanças em si própria e nos eventos vitais), parecia 
estar chegando ao fim. 
 Seus comportamentos, a partir de então, eram de mais confiança, mais 
autonomia e independência,menos dificuldades de resolução de problemas e tomada 
de decisões, ao mesmo tempo, em que começou novos vínculos, ampliaram-se suas 
 14 
perspectivas para vida e começou novamente a ter sonhos, principalmente com 
relação ao futuro. 
 
Finalizando: um ponto (apenas um?) a refletir 
 O estudo filogenético do luto, sem dúvida, ainda carece de avanços, 
principalmente no que tange ao luto complicado, pelas conseqüências fisiológicas e 
psicológicas que ele propicia na vida da pessoa enlutada, tanto a médio quanto a 
longo prazo. 
 Compreender e, então, poder superar a significativa dicotomia (o biológico e o 
psicológico) que existe no processo de luto, talvez possa auxiliar em como traçar, no 
setting terapêutico, caminhos terapêuticos para a pessoa enlutada. 
 
REFERÊNCIAS 
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transtorno de estresse pós-traumático. In: CABALLO, V.E. Manual para o tratamento 
cognitivo-comportamental dos transtornos psicológicos. São Paulo: Editora Santos. 
Cap. 6. 
 
BOWLBY, J. (1984). Separação: Angústia e Raiva. São Paulo: Martins Fontes 
 
BOWLBY, J. (1985).Perda, tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes. 
 
CABALLO, V. E. (2003) Manual para o Tratamento Cognitivo -Comportamental dos 
Transtornos Psicológicos. São Paulo: Livraria Santos Editora, 2003. 
 
CARVALHO, Ana M. A.; BASTOS, Ana Cecília S.B.; RABINOVICH, Elaine P.; SAMPAIO, 
Sonia M. R. (2006) Vínculos e redes sociais em contextos familiares e institucionais: 
uma reflexão conceitual. Psicologia em Estudo. v.11 n.3, Maringá. 
 
DATTILIO, F. M. & FREEMAN, A. (1995). Estratégias Cognitivo-Comportamentais para 
intervenção em crises: Tópicos Especiais. São Paulo: Editorial Psy. 
 
DOUGHER, Michael J.; HACKBERT, Lucianne. (2003) Uma explicação analítico – 
comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos 
baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. 
v.5 n.2, São Paulo. 
 
 15 
ESCUDEIRO, Aroldo. Convivendo com as perdas. Disponível em: 
<http://www.redenacionaldetanatologia.psc.br/Artigos/artigo_14.htm> Acesso em: 
11 ago 2009. 
 
GUILHARDI, Hélio José. Algumas Diretrizes para melhor ação terapêutica. Instituto de 
Terapia por Contingências de Reforçamento. Campinas. Disponível em: 
<http://www.terapiaporcontingencias.com.br/pdf/helio/algumas_diretrizes.pdf> 
Acesso em: 11 ago 2009. 
 
HOSHINO, K. . A perspectiva biológica do luto. In: Helio José Guilhardi; Noreen 
Campbell de Aguirre. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição: 2006, v. 17, p. 313-
326. 
 
Lipp, M. E. N. (2003). Mecanismos neuropsicológicos do stress: teoria e aplicações 
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