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SociologiaSociologia EducaçãoEducaçãoLeituras eLeituras e InterpretaçõesInterpretações Alonso Bezerra de Alonso Bezerra de CarvalhoCarvalho Wilton Carlos Lima da SilvaWilton Carlos Lima da Silva (organizadores)(organizadores) Alonso Bezerra de CarvalhoAlonso Bezerra de Carvalho Áureo BusettoÁureo Busetto Bruno PucciBruno Pucci Carlos da Fonseca BrandãoCarlos da Fonseca Brandão Hélio Rebello Cardoso Jr.Hélio Rebello Cardoso Jr. Regiane Aparecida AtisanoRegiane Aparecida Atisano Wilton Carlos Lima da SilvaWilton Carlos Lima da Silva Avercamp E I) I I O R AE I) I I O R A 2006 São PauloSão Paulo COPYRIGHT © 2006 by EDITORA AVERCAMP LTDA Av. Irai, 79 - cj. 35B - Indianópolis 04082-000 - São Paulo - SP Tel./Fax.: (11) 5042-0567 Tel.: (11) 5092-3645 E-mail: avercamp@terra.com.br TODOS OS DIREITOS RESERVADOSTODOS OS DIREITOS RESERVADOS Nenhuma parte deste livro poderá ser Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sejam quais forem os meiosreproduzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissão, por escrito,empregados sem a permissão, por escrito, da Editora. Aos infratores aplicam-se asda Editora. Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei ne 107 da Lei nee 9.610, de 19 de fevereiro9.610, de 19 de fevereiro de 1998.de 1998.Site: www.avercamp.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil Capa:Capa: ERJ Composição Editoral e Artes Gráficas Ltda. Composição:Composição: ERJ Composição Editoral e Artes Gráficas Ltda. Preparação de srcinais e Revisão:Preparação de srcinais e Revisão: Martim Codax - textos & contextos Sociologia e educação : leituras e interpretações / Alonso Bezerra de Carvalho, Wilton Carlos Lima da Silva (orgs.); Alonso Bezerra de Carvalho... [et al.]. - São Paulo : Avercamp, 2006. 160p. Inclui bibliografia ISBN 85-89311-36-8 1.Educação - Aspectos sociais. 2. Sociologia educacional. I. Carvalho, Alonso Bezerra de. II. Silva, Wilton Carlos Lima da, 1965-. 06-2289 CDD 370.19 CIP-Brasil Catalogação na FonteCIP-Brasil Catalogação na Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ S662 CDU 37.015.4 Sobre os AutoresSobre os Autores ALONSO BEZERRA DE CARVALHO — Professor-Assistente Doutor do Depar tamento de Educação da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis — SP., e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp/Marília — SP, (e-mail: alonsobc@assis.unesp.br). ÁUREO BUSETTO — Professor-Assistente Doutor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis — SP, (e-mail: aureohis@assis.unesp.br). BRUNO PUCCI — Professor Titular do PPGE/Unimep, Piracicaba — SP, pes quisador do CNPq e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas “Teoria Crítica e Educação”, com apoio do CNPq e da Fapesp (e-mail: bpucci@unimep.br). CARLOS DA FONSECA BRANDÃO — Professor-Assistente Doutor do Depar tamento de Educação da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis — SP, e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp/Marília — SP, (e-mail: cbrandao@assis.unesp.br). HÉLIO REBELLO CARDOSO JÚNIOR — Professor-Assistente Doutor do Depar tamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências e Letras da Unesp/Assis — SP, (e-mail: herebell@uel.br). REGIANE APARECIDA ATISANO — Professora de Sociologia dos cursos de Admi nistração e Direito da Faculdade Dom Bosco, Curitiba - PR. Mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (e-mail: regiane.sociologia@gmail.com). WILTON CARLOS LIMA DA SILVA — Professor-Assistente Doutor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp/Assis — SP, (e-mail: wilton_silva@ig.com.br). SumárioSumário Apresentação................................................................................................................11Apresentação................................................................................................................11 1 1 Auguste Auguste Comte, Comte, o o Positivismo Positivismo e e a a EducaçãoEducação.......................................................................................................... 1313 Wilton Carlos Lima da Silva 1.1 Introdução.................................................................................................13 1.2 Auguste Comte e o Positivismo................................................................16 1.3 O Positivismo e a Educação.....................................................................19 1.4 O Positivismo na Educação brasileira...................................................... 20 Exercícios...........................................................................................................23 Referências........................................................................................................24 Leituras recomendadas..................................................................................... 25 2 2 A A EducaEducação ção sob sob o o enfoque enfoque de de Émile Émile DurkheimDurkheim.................................................................................................. 2727 Regiane Aparecida Atisano2.1 Introdução.................................................................................................27 2.2 Durkheim e a Sociologia...........................................................................27 2.3 O que é Fato Social?................................................................................29 2.4 Solidariedade mecânica e orgânica......................................................... 31 2.5 Sociologia da Educação........................................................................... 33 2.6 Conclusão..................................................................................................35 Exercícios...........................................................................................................36 Referências........................................................................................................36 3 3 ContribuiçõContribuições es do do MaterialismMaterialismo o Histórico Histórico para para a a EducaEducação..............................ção.............................. 3939 Wilton Carlos Uma da Silva e Alonso Bezerra de Carvalho 3.1 Introdução.................................................................................................393.2 Origens e influências.................................................................................40 3.3 Conceitos fundamentais do pensamento marxista..................................42 3.4 O Marxismo e os marxistas: Lênin, Lukács e Gramsci............................47 3.5 Materialismo e Educação......................................................................... 49 Exercícios...........................................................................................................53 Referências........................................................................................................54 Bibliografia complementar.................................................................................55 7 8 Sociologia e Eduçáo — Leituras e Interpretações 4 4 A A Sociologia Sociologia weberiana weberiana e e a a EducaçãoEducação................................................................................................................................ 5757 Alonso Bezerra de Carvalho 4.1 Introdução................................................................................................. 57 4.2 A modernidade e o desencantamento do mundo....................................60 4.3 Ciênciae política: duas vocações............................................................ 62 4.4 O processo de racionalização e o paradoxo das conseqüências............63 4.5 Por uma Ética da responsabilidade..........................................................67 4.6 Sociologia da educação weberiana: equilíbrio entre burocracia e carisma .................................................................................................70Exercícios...........................................................................................................73 Referências........................................................................................................74 Bibliografia complementar.................................................................................75 5 5 A A SociologiSociologia a FiguracionaFiguracional l de de Norbert Norbert Elias.........Elias....................................................................................................... 7777 Carlos da Fonseca Brandão 5.1 Os conceitos de figuração e interdependência........................................ 77 5.2 A formação intelectual de Norbert Elias e a influência do pensamento de Karl Mannheim..........................................................78 5.3 A teoria dos processos de civilização.......................................................85 5.4 Nossa conclusão e nossos questionamentos .........................................89 Exercícios...........................................................................................................92 Referências........................................................................................................ 92 Leituras recomendadas.....................................................................................94 66 O riso e O riso e o trágico na o trágico na indústria cultural: a catarse administrada.....indústria cultural: a catarse administrada........................................97.97 Bruno Pucci 6.1 Introdução.................................................................................................97 6.2 A dimensão catártica do trágico............................................................. 101 6.3 A tragédia do trágico no mundo da indústria cultural.............................104 6.4 A despotencialização da função catártica do riso na indústria cultural..................................................................................... 106 Exercícios......................................................................................................... 110 Referências..............................................................................•....................... 111 Bibliografia complementar...............................................................................112 7 7 A A Sociologia de Sociologia de Pierre Pierre Bourdieu e Bourdieu e sua sua análise análise sobre sobre a a escolaescola............................................113113 Aureo Busetto 7.1 Introdução............................................................................................... 113 7.2 Campo: espaço social específico e com autonomia relativa.................114 Sumário 9 7.3 Habitus: a mediação entre estrutura e agentes sociais.........................118 7.4 Relação entre campo e habitus..............................................................121 7.5 Para aplicar a Sociologia da prática.......................................................123 7.6 Escola: domínio da reprodução social e legitimação das desigualdades sociais............................................................................ 127 Exercícios.........................................................................................................132 Referências......................................................................................................132 8 Foucault em vôo rasante.................................................................................135 Hélio Rebello Cardoso Jr 8.1 Introdução: em que um filósofo afeta nossa vida? — Temas da obra de Foucault.............................................................................................135 8.2 Fases da obra de Foucault: características gerais................................138 8.2.1 Arqueologia................................................................................... 140 8.2.2 Genealogia....................................................................................146 8.2.3 Estética da existência................................................................... 154 8.3 Conclusão: um filósofo comprometido com o tempo e a história .........157 Exercícios:........................................................................................................158 Referências......................................................................................................159 Bibliografia complementar ............................................................................... 160 1. Livros publicados pelo autor — estudos teóricos..............................160 2. Livros publicados pelo autor — estudos arqueológicose genealógicos....................................................................................... 160 ApresentaçãoApresentação Este livro pretende convidar o leitor a um campo de reflexão que tem muito a contribuir para a compreensão do homem contemporâneo, a partir do pensa mento de autores que já se tomaram clássicos na área das ciências humanas. Indiscutivelmente, a Educação pode ser um meio privilegiado de eman cipação — o que indica a sua importância no processo de transformação da sociedade e dos indivíduos — e um instrumento que capacita o homem a determinar o seu presente e preparar o seu futuro. Permitir a reflexão sobre essas possibilidades, mediante as perspectivas criadas pelas aproximações entre Sociologia e Educação, é o objetivo desse livro. Busca-se, assim, compreender como se estruturam as nossas condu tas no complexo contexto social para que o leitor possa desenvolver uma postura crítica que se traduza em ações autônomas na vida social e no campo da educação. Para a Sociologia, nada há que seja natural neste mundo de individuos, nada que não seja uma construção coletiva, nenhuma idéia que se sustentesolta no ar, sem que se possa associá-la ao nosso tempo ou ao modo como fabricamos nosso destino. Portanto, a Educação pode e deve ser um tema da Sociologia, pois edu car é um instrumento de conservação e de mudança da sociedade, e ainda que as preocupações de Comte, Durkheim, Marx, Weber, Elias, Adorno, Bourdieu e Foucault não estejam voltadas exclusivamente para a Educação, elas permitem extrair novas perspectivas para a prática pedagógica. As leituras e interpretações aqui apresentadas abordam questões perti nentes ao cenário atual da Educação, não com a ambição de responder todas as questões, e sim para caracterizar uma introdução que, revestida de uma conotação didática, possibilite fazer o ir e vir entre o conceituai e o cotidiano,entre os exemplos e a teoria, entre as polêmicas e o consenso. Como é característica de textos introdutórios, os atores se preocupa ram em apresentá-los de forma sintética, estruturados de forma, ao mesmo tempo, geral e simples, evitando, no entanto, superficialidades. Acreditamos que os diferentes autores aqui reunidos mostraram de que modo as idéias de nossos clássicos podem contribuir para a compreensão 12 Sociologia e Eduçáo- Leituras e Interpretações dos modos de educar; a importância da Sociologia da Educação na formação do educador; os enfoques teóricos em Sociologia da Educação; os elementos para uma Nova Sociologia da Educação; a ideologia da educação escolar e transformação social; a função social da escola e o papel do professor; a educação como cultura; as relações entre a educação e as classes sociais; osvínculos da educação com a tecnologia, entre outros temas prementes. A intenção é responder se o que pensadores fundamentais da Sociologia escreveram ainda faz sentido para nós, e em especial para a nossa Educação, em um momento no qual a nossa sociedade inter-relaciona, de forma intensa,tradição e inovação. Que tal ambição permita aos leitores os aproveitamentos do diálogo, com concordâncias e discordâncias! Alonso Bezerra de Carvalho Wilton Carlos Lima da Silva (Organizadores) 1 Auguste Comte, o PositivismoAuguste Comte, o Positivismo e a Educaçãoe a Educação Wilton Carlos Lima da Silva 1.1 Introdução1.1 Introdução Qual de todas as filosofias vai ficar? Não sei.Qual de todas as filosofias vai ficar? Não sei. Mas a Filosofia, espero, há de permanecer sempre.Mas a Filosofia, espero, há de permanecer sempre. Schiller O século XIX foi um terreno fértil para a formação de uma nova ciência, que objetivava explicar as dinâmicas das sociedades humanas contemporâneas, chamada Sociologia. A herança social, política, econômica e cultural que a sociedade oci dental recebeu a partir das transformações da Revolução Científica (com o racionalismo cartesiano e o empirismo baconiano), do Iluminismo, do avan ço das Ciências Naturais e as revoluções políticas e econômicas ocorridas na França e na Inglaterra nos séculos XVII, XVIII e XIX, preparou o ambien te de perplexidade, insatisfação e desejo de intervenção na realidade quenutrirá o desenvolvimento de várias correntes do pensamento político e ci entífico do período. Para contextualizarmos o significado de tais transformações, podemos explicá-las uma a uma, começando pela concepção sobre o que é o conheci mento (Cf. ABBAGNANO, 1982, p. 308-311 e 788-789): 13 14 Sociologia e Educação - Leituras e Interpretações ■ o racionalismo cartesiano foi uma inovação filosófica, resultado do esforço do filósofo francês René Descartes (1596-1650) para esta belecer um método de pensamento que permitisse perceber a ver dade a partir da razão; é um sistema de pensamento que se baseia na dúvida metódica e na busca da evidência, ou seja, todo conheci mento é passível de questionamento, descarta certezas e verdades, indagando sobre aquilo que se deseja conhecer, além de propor a decomposição analítica do “problema” em partes isoladas, em idéias claras e distintas, filtradas pela razão — o único referencial para a obtenção do conhecimento; ■ o empirismo baconiano, criado pelo pensador inglês Francis Bacon (1561-1626), vincula o conhecimento à experiência sensível, ou seja, só são aceitas verdades que possam ser comprovadas pelos senti dos, rejeitando conceitos que extrapolam o mundo físico e impossi bilitam teste ou controle. O racionalismo e o empirismo provocam uma grande revolução no co nhecimento científico, afirmando a razão como instrumento de deciframento da realidade, a dúvida metodológica e a valorização da experiência como referenciais fundamentais, permitindo um controle sobre o mundo físico e natural e lançando as bases para o desenvolvimento científico dos séculosposteriores. Em relação à filosofia política, o destaque inevitável ficaria com o Iluminismo, corrente racionalista que surge a partir do século XVII (influên cia direta sobre a Revolução Francesa, entre 1789 e 1799, na qual o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade justificou a extinção dos privilégios da nobreza e do clero e a afirmação de um Estado burguês, capitalista e liberal) e que se fará presente nos séculos seguintes, mesclando-se, em diferentes níveis e intensidades, com as ideologias do Liberalismo, do Nacionalismo e do Socialismo (Cf. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 1986): ■ o Iluminismo defende o uso da razão como único instrumento de explicação do mundo e diretriz para a organização social, representando os valores burgueses contra as arbitrariedades do Absolutis mo, os entraves econômicos do Mercantilismo e as desigualdades da Sociedade Estamental; seus principais pensadores são: John Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778) e Rousseau (1712-1778), ferrenhos críticos das injustiças sociais, da Cap. 1 Auguste Comte, o Positivismo e a Educação 15 intolerância religiosa e dos privilégios do Antigo Regime, e defensores da bondade natural dos homens, da liberdade de expressão e culto, da igualdade perante a lei e da proteção contra o arbítrio; ■ o Liberalismo surgiu no século XVII como uma doutrina econômica e, no século XIX, apresentava-se como uma doutrina política, base ada na idéia do contrato social, a partir da qual se afirma a necessi dade do governo representativo (e do direito de voto), da divisão dos poderes e do constitucionalismo, e as garantias do individualis mo burguês; ■ o Nacionalismo, no século XIX, questiona a legitimidade dos Impé rios em contraste com a idéia de Nação, unidade construída a partir da etnia, língua, homogeneidade de costumes, entre outros refe renciais, e é analisado por alguns autores como instrumento políti co burguês para a consolidação de mercados; desempenhou um pa pel fundamental na formação de nações como Alemanha e Itália, entre outras; ■ o Socialismo, a partir da idéia de se construir uma sociedade iguali tária, afirma-se como valor moral que orientaria reformas sociais, nos chamados “socialistas utópicos”, como Henri de Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1832) e Robert Owen (1771-1858), e como projeto político de revolução proletária no socialismo científico de Karl Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895). A essas mudanças ideológicas e culturais se somavam enormes avanços técnicos que culminaram com a expansão da Revolução Industrial, marcada pela utilização de novas fontes de energia, a criação de máquinas, a divisão e especialização do trabalho, com uma nova organização econômica local e transnacional, além da consolidação do domínio econômico da burguesia, o surgimento do operariado e a consolidação do capitalismo como sistema dominante na sociedade. É dentro desse clima de intensas mudanças que se inserem o surgimento e o desenvolvimento da doutrina positivista, criada e divulgada por Auguste Comte, que se caracteriza como uma filosofia burguesa liberal, simultanea mente conservadora e progressista, cujo objetivo é garantir a necessária evolução da humanidade em direção ao progresso, ao mesmo tempo que afirma uma ordem preestabelecida, nas quais as infrações são percebidas como negativas. Sociologia e Educação — Leituras e Interpretações 1.2 1.2 Auguste Auguste Comte Comte e e o o PositivismoPositivismo A criação da ciência social é o momento decisivoA criação da ciência social é o momento decisivo na filosofia de Comte. Dela tudo parte, a ela tudo se reduz.na filosofia de Comte. Dela tudo parte, a ela tudo se reduz. Levy-Bruhl O pensador francês Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte (1798- 1857) criou uma poderosa escola filosófica, que ambicionava se afirmar como uma religião racionalista, o Positivismo, e o termo Sociologia (chamada inicialmente de Física Social) para definir a área do conhecimento que estudaria a sociedade. De srcem humilde, Comte foi aluno da famosa Escola Politécnica, de Paris, lugar onde se ensinavam a ciência e o pensamento mais avançados de sua época, e tornou-se, posteriormente, professor e jornalista. Tendo trabalhado como secretário de Henri de Saint-Simón, de quem também foi colaborador, entrou em contato com a obra do pensador sobre sociedade e economia, absorvendo e afirmando, de forma srcinal, seus pró prios pensamentos por meio de duas importantes obras: o ambicioso Curso de Filosofia Positiva, publicado em seis volumes, entre 1830 e 1842, e o Sis tema de Política Positiva ou Tratado de Sociologia, entre 1851 e 1854 (Cf.GIANNOTTI, 1983, p. VII-XV).1 O período entre a publicação das duas obras, quando suas idéias con quistam admiradores,como o eminente intelectual francês Emile Littre, o físico David Brewster e o filósofo John Stuart Mill, ambos ingleses, é marca do por adversidades pessoais e profissionais, como a ruptura de seu casa mento, a perda do emprego na Escola Politécnica e o desenvolvimento de sua paixão platônica por Clotilde de Vaux, irmã de um de seus alunos, mu lher de 30 anos (17 a menos do que ele) que fora abandonada pelo marido. Clotilde lhe devotou uma singela amizade e veio a falecer em 1846. O Curso de Filosofia Positiva e o Sistema de Política Positiva têm uma na tureza bastante diversa, pois, enquanto a primeira obra busca afirmar umacrítica científica da filosofia e da teologia, a segunda se converte, segundo 11 Embora seja bastante clara a influência das idéias de Saint-Simon sobre o pensamento de Comte,Embora seja bastante clara a influência das idéias de Saint-Simon sobre o pensamento de Comte, a ruptura entre os dois se deu por dois motivos: o primeiro foi uma questão sobre direitosa ruptura entre os dois se deu por dois motivos: o primeiro foi uma questão sobre direitos autorais, pois, em 1824, ambos publicaram um conjunto de ensaios chamadoautorais, pois, em 1824, ambos publicaram um conjunto de ensaios chamado Catechisme des industrieis, que teve somente cem cópias impressas em nome de Comte e mil impressas emque teve somente cem cópias impressas em nome de Comte e mil impressas em nome de Saint-Simon; e o segundo se relaciona com o desprezo inicial de Comte ao paradigmanome de Saint-Simon; e o segundo se relaciona com o desprezo inicial de Comte ao paradigma religioso no projeto de Saint-Simon, embora, posteriormente, o Positivismo comtiano tenhareligioso no projeto de Saint-Simon, embora, posteriormente, o Positivismo comtiano tenha radicalizado essa mesma perspectiva.radicalizado essa mesma perspectiva. Cap. 1 Auguste Comte, o Positivismo e a Educação 17 alguns críticos, em uma espécie de delírio político-religioso, inspirado pelo amor platônico de Auguste Comte por Clotilde de Vaux, em um percurso intelectual que leva a filosofia positivista ao papel de elo entre aplicações políticas e intelectuais e as bases de uma nova religião. O Sistema de Política Positiva, em sua publicação, foi dedicado à Clotilde de Vaux, e afirmou a valoração da emoção sobre o intelecto, dos sentimen tos sobre a racionalidade, assim como do afeto do calor feminino sobre a frieza do intelecto masculino, além de propor a criação, a partir do Positivis mo, de uma “Religião da Humanidade”, o que lhe valeu o rompimento commuitos de seus seguidores racionalistas. No entanto, é no Curso de Filosofia Positiva que se encontram suas idéias mais frutíferas, em que, de forma profunda e srcinal, Comte propõe a ado ção do método científico como base para a organização política da socie dade industrial moderna, ampliando radicalmente as idéias esboçadas por Saint-Simon. São contribuições importantes de seu pensamento nessa obra (Cf. COMTE, 1983, p. 3-39; BOUDON; BOURRICAUD, 1993, p. 179-184): ■ a Lei dos Três Estados ou Estágios, na qual defende a idéia evolucio nista de que o desenvolvimento intelectual humano havia atravessado,ao longo da História, três estados ou estágios: o primeiro, o teológico, em que as explicações sobre o mundo e a sociedade apelavam para a intervenção de deuses e dos espíritos; o segundo, o metafísico, perío do de transição em que os deuses e espíritos eram substituídos por causas finais, essências e outras abstrações, e, finalmente, o positivo, que se diferenciava pela consciência das limitações do conhecimento humano e a busca da descoberta das leis, baseadas nas relações sen síveis observáveis entre os fenômenos naturais; ■ a classificação das ciências, ordenando-as a partir daquelas que se fundamentavam na afirmação de princípios simples e abstratos até aquelas que ofereciam a compreensão de fenômenos complexos e concretos, escalonando a matemática, a astronomia, a física, a quí mica, a biologia e a sociologia pelo nível de complexidade, em que esta última era considerada o fim da série por sintetizar o conheci mento humano, ao reduzir os fatos sociais a leis científicas;2 22 Embora não fosse dele o conceito de Sociologia Embora não fosse dele o conceito de Sociologia ou da sua área de estudo, Comte ou da sua área de estudo, Comte ampliou seuampliou seu campo e sistematizou seu conteúdo. Dividiu a campo e sistematizou seu conteúdo. Dividiu a Sociologia em dois campos principais: EstáticaSociologia em dois campos principais: Estática Social, ou o estudo das forças que mantêm Social, ou o estudo das forças que mantêm unida a sociedade; e Dinâmica Social, ouunida a sociedade; e Dinâmica Social, ou oo estudoestudo causas das mudanças sociais.causas das mudanças sociais. 18 Sociologia e Educação- Leituras e Interpretações ■ emprestou elementos de diversos pensadores para estruturar seu pró prio sistema de pensamento, promovendo uma síntese srcinal de diferentes correntes intelectuais: de Saint-Simon, a ênfase na impor tância crescente da ciência moderna e sua potencial aplicação para o estudo e a melhoria da sociedade; de Adam Smith (1723-1790), iden tifica como princípio o egoísmo, que seria incentivado pela divisão de trabalho; de Thomas Hobbes (1588-1679), a necessidade de um Es tado forte para a manutenção da coesão social (enfatizando a hierar quia e a obediência, rejeitando a democracia e propondo um governo formado por uma elite intelectual); e finalmente, de David Hume (1711-1776) e Immanuel Kant (1724-1804), a identificação da Teo logia e da Metafísica como modalidades primárias e imperfeitas do conhecimento, assim como a necessidade de um conhecimento basea do somente em fenômenos naturais e suas propriedades e relações com o verificado pelas ciências empíricas, entre outros. O Positivismo representa uma ruptura com o idealismo filosófico (dou trina que reduz o ser ao pensamento ou a alguma entidade de ordem subjeti va, como o espírito, a consciência, as idéias, a vontade, entre outros, que tomam-se a base para a compreensão da realidade), exigindo maior respeito com a experiência e os dados positivos, recuperando referenciais do empirismo(doutrina que identifica, como única srcem do conhecimento, a experiên cia), nos quais a experiência sensível, imediata, pura, garante sua maior capa cidade de descrição e análise por meio da utilização da história e da ciência, o que se traduz em uma enorme aproximação com o campo prático e técnico. Por outro lado, no mundo concreto, em um período de enorme avanço das ciências naturais, busca-se superar as limitações do idealismo e consoli dar essa vinculação com o empirismo mediante a aplicação dos princípios e métodos das ciências naturais à filosofia, à procura de resultados de igual importância, oferecendo, em um momento de ampliação de problemas eco- nômico-sociais, uma ferramenta intelectual de base filosófica positiva, natu ralista, materialista, para as ideologias econômico-sociais. Enquanto no Curso de Filosofia Positiva e no Discurso sobre o Espírito Positivo (1844) o Positivismo se apresenta como teoria da ciência, no Cate cismo Positivista (1852) ele é proposto como nova religião, e, no Sistema de Política Positiva, se afirma como um projeto para reorganizar a sociedade humana, em que o pensador não se apresenta mais como um metafísico, e sim como guia de uma humanidade empenhada em estabelecer inovações nos modelos de ação humana, na ordem mundial, nas relações dos homens entre si e deles com o mundo. Cap. 1 Auguste Comte, o Positivismo e a Educação 19 1.3 1.3 O O Positivismo Positivismo e e a a EducaçãoEducação O amor como princípio, a ordem como base, o progresso como fim.O amor como princípio, a ordem como base, o progresso como fim. Auguste Comte Se a humanidade alcançou a enorme evolução em que superou o fetichismo do estado teológico (campo daimaginação) e as abstrações do estado metafísico (campo da argumentação) em prol do raciocinio lógico que caracteriza o es tado positivo (campo da observação), é necessário propor uma nova educação, tanto moral quanto técnica, para o coroamento dessas transformações. Comte planejava escrever um Tratado sobre a Educação Universal, mas sua morte impediu a constituição de tal obra, embora possam ser resgata dos, em seus escritos, algumas idéias de seu pensamento pedagógico sobre a importância, o papel e a proposta da educação positivista. O problema fundamental da educação, segundo Comte, era fazer com que, em poucos anos, um único entendimento, muitas vezes medíocre, alcan çasse o mesmo ponto de desenvolvimento atingido, durante uma longa série de séculos, por um grande número de gênios superiores, que aplicaram, sucessivamente, durante a vida inteira, todas as suas forças ao estudo de um mesmo assunto. A forma de travar contato com essa herança histórica, dando conta de transmitir seu movimento e resultado, era a correta ordem sucessiva das diferentes ciências, com a intermediação do educador como elemento de ligação entre o indivíduo e sua herança histórico-cultural. O Positivismo entende as ciências como pesquisa daquilo que é deter minado, certo e útil, portanto, sua teoria pedagógica destaca os seguintes referenciais (Cf. ARBOUSSE-BASTIDE, 1957): ■ a educação reflete uma hierarquia do poder espiritual positivo, ou seja, deve impor a autoridade a partir de uma concepção hierárqui ca entre educador-educando, ocupando o educador a função de fontedo conhecimento para o educando; ■ a educação é, em seu todo, voltada para a idéia e o culto ao Grande Ser, isto é, à Humanidade; ■ a educação deve ser universal, para todos, independente de sexo ou nível socioeconómico; ■ a educação familiar é a educação espontânea, especialmente mater na e voltada principalmente à educação moral, capaz de dominar os impulsos egoístas em prol dos instintos simpáticos; 20 Sociologia e Educação- Leituras e Interpretações ■ a educação sistemática deve ocorrer após a formação moral inicial, por meio de filósofos-educadores responsáveis pela sua sistemati zação, preparando o indivíduo para a maioridade; ■ cabe à educação pública complementar a educação espontânea, fa miliar e materna, por intermédio da instrução teórica e prática; ■ é necessária a valorização da estética e da arte tanto na educação espontânea quanto na sistemática; ■ além da educação científica, deve ser valorizado o estudo de litera tura e de línguas (particularmente as dos países limítrofes, critério esse chamado de “solidariedade atual”); ■ o método geral da educação positiva divide-se em duas fases: a anterior à puberdade, que deve enfatizar a preocupação com o con creto, a prática da observação e de exercícios físicos relacionados ao cotidiano; e a partir da puberdade, que deve buscar a sistemati zação por meio de lições formais e programação hierárquica e orgâ nica das ciências; ■ os professores devem ser polivalentes (capazes de promover a inicia ção em todas as ciências), com destaque para o ensino oral, sendo a utilização de livros didáticos pouco recomendada. Esta doutrina pedagógica que ambicionava criar uma nova sociedade teria como objetivo o reforço de três instituições que garantiriam o predo mínio do altruísmo sobre o egoísmo, a saber: a propriedade (fonte da produ ção que excede às simples necessidades individuais e imediatas, permitindo o acúmulo de provisões que se tornam úteis a todos); a família (fonte da educação espontânea que cultiva o sentimento de solidariedade e o respeito às tradições) e a linguagem (fonte da comunicação entre os indivíduos que permite a formação de um capital intelectual necessário ao bem comum). 1.4 1.4 O O Positivismo Positivismo na na Educação Educação brasileirabrasileira O progresso é o desenvolvimento da ordem,O progresso é o desenvolvimento da ordem, assim como a ordem é a consolidação do progresso.assim como a ordem é a consolidação do progresso. Auguste Comte A propagação do Positivismo estabeleceu diferenças de acordo com as condi ções locais, sendo que, no caso brasileiro — cuja sociedade vivia um conjun to de transformações radicais entre a segunda metade do século XIX e o começo do XX, com o fim do tráfico negreiro, a expansão da imigração, a Cap. 1 Auguste Comte, o Positivismo e a Educação 21 abolição da escravidão, a ascensão econômica de novas elites ligadas ao café, a profissionalização do Exército, o fim da Monarquia e o início da República, entre outras mudanças — foi criado um cenário extremamente receptivo ao Positivismo (Cf. GIANNOTI, 1983, p. XIV-XV). Essa receptividade se materializou em uma enorme influência do positivismo de Comte e de seus seguidores tanto em correntes de pensa mento relacionadas com a reflexão sobre a ciência e seu desenvolvimento no país, como também no movimento republicano e nas reformas educacio nais da Primeira República. No âmbito geral, as elites brasileiras consideravam o positivismo como uma chave de acesso para a modernidade, inclusive justificando os meios autoritários para alcançá-la, propondo a verdadeira democracia por meio da subordinação consciente dos cidadãos a uma hierarquia administrativa consolidada por uma ditadura científica, capaz de vencer os estágios de atraso e estagnação que, numa linearidade evolucionista, levar-nos-ia ao progresso (Cf. LINS, 1967). Os positivistas brasileiros foram contrários à criação da primeira uni versidade no Brasil, em 1882, por D. Pedro II, criticaram de forma veemente as fragilidades do projeto, afirmando, inclusive, que a ciência não deveria ser oficializada, pois perderia sua capacidade de crítica pelo vinculo com oEstado, sendo necessário, ao contrário, garantir ao ensino um caráter priva do, capaz de expressar, de forma livre, os diferentes interesses presentes na sociedade. Embora a existência de universidades de prestígio e de renomados pro fessores seja condição para a criação e transmissão do conhecimento, im pulsionando o desenvolvimento das ciências, os positivistas entendiam que o ensino, mantido pelo Estado, seria controlado e censurado pelo poder político, com caráter conservador, o que impediria a pesquisa livre e a fun damentação do progresso. Embora contrários à criação de uma universidade, os positivistas de senvolveram enorme influência no pensamento produzido nas escolas técni cas, militares e faculdades, destacando-se, em particular, a Escola Politécnica e a Escola Militar do Rio de Janeiro, assim como a Faculdade de Direito do Recife, não só pela sua defesa da importância das ciências exatas e naturais, modelos do pensamento objetivo de Comte, como pelo projeto de transfor mação social capaz de superar o atraso a que o Brasil estava relegado. Em relação às reformas educacionais, por sua vez, o positivismo com- tiano se manifesta, entre outras inspirações, nas construções curriculares da Primeira República, que, sob a influência direta de Benjamim Constant, 22 Sociologia e Educação - Leituras e Interpretações busca afirmar o prestígio do cientificismo nas propostas pedagógicas implementadas. Já no imediato início da República se aplicou um conjunto de mudan ças, identificadas como a Reforma de 1890, que, sob a influência positivista, determinou que (Cf. LOBO NETO, 1999): ■ o ensino secundário, que no Distrito Federal, no Rio de Janeiro, limitava-se ao Ginásio Nacional (Colégio Pedro II, utilizado como modelo para o resto da nação), superava o objetivo introdutório, adquirindo o sentido de formação educativa em si mesmo; ■ alterava o currículo, estruturando-o com uma parte de ciências fun damentais, a partir da ordem lógica proposta por Comte; ■ ocorria a manutenção de conteúdos e o acréscimo de novidades, as ciências fundamentais, em uma opção enciclopedista de conteúdos;■ afirmava-se o aspecto físico, estético e moral da aprendizagem (em disciplinas como Ginástica, Música, Desenho e Moral), como tam bém a preocupação com o desenvolvimento de uma compreensão das dinâmicas sociais (além de História Universal e do Brasil, havia ainda Sociologia, Direito Pátrio e Economia Política); ■ a introdução precoce, inspirada em um intelectualismo irrealista,de disciplinas que o próprio sistema comtiano não propunha como modelo para adolescentes, e sim para adultos. Esse modelo, intelectualista e grandioso, recebe críticas desde seu pri meiro ano de implementação, ao contrariar a concepção preparatória do ensino secundário, além de revelar um completo desconhecimento de uma teoria pedagógica e de uma psicologia educacional, sendo reflexo não da realidade local, mas do modelo comtiano. A partir das críticas levantadas em 1898, oito anos depois da implanta ção do modelo de Benjamim Constant, é estabelecida uma nova reestruturação, na qual buscou-se harmonizar humanismo e modernidade, adotando-se, no Colégio D. Pedro II, dois cursos distintos: o curso clássico e o curso realista. No entanto, em 1901, o novo Código de Ensino restabelece o plano de ensino unificado, proposto por Benjamim Constant, e reduz o tempo total de curso para seis anos (retirando Biologia, Sociologia e Moral, e introdu zindo Lógica). Em 1911, ocorre nova reforma, com a valoração de idéias positivistas como a adoção de critério prático no estudo das disciplinas, a ampliação da Cap. 1 Auguste Comte, o Positivismo e a Educação ¿3¿3 liberdade de ensino e de freqüência, assim como a transferência, para as faculdades, do exame de acesso ao ensino superior. Como cada governo acredita ter soluções de curto prazo para questões es truturais, em 1915, ocorre uma nova reforma, restaurando a situação anterior. Aos poucos o ideário positivista se afasta da ortodoxia comtiana, mas mantém-se vivo, com novas características que refletem as complexidades e diferenciações de um movimento de idéias e aspirações imersas em uma dinâmica de desenvolvimento científico e tecnológico. Se as referências diretas ao positivismo se tornam mais raras ao longo do tempo, com outras influências se fazendo notar, algumas das percep ções cientificistas de Comte se insinuam toda vez que se discute o papel da ciência e da tecnologia no desenrolar das concepções educacionais e na adoção de medidas de ação educacional, mesmo quando se analisam algu mas situações atuais. Finalmente, deve ser feita aqui uma ressalva importante: embora Comte tenha desenvolvido um sistema de pensamento cientificista e racionalista — o Positivismo, no qual ocorre uma exposição geral da doutrina e do método científico —, não é verdade que todos aqueles que sejam cien tificistas e racionalistas sejam discípulos de Comte, e, sim, que se utilizam de procedimentos gerais de investigação e de uma maneira de interpretaros fenômenos que já haviam sido propostos 200 anos antes do nascimento desse pensador, e que fazem parte de uma herança comum do pensamento contemporâneo. ExercíciosExercícios 1. Alguns críticos da obra de Auguste Comte afirmam que ele começou a estruturação de uma filosofia e completou a criação de uma religião. A partir dessa perspectiva: a) Por que esses críticos fazem essa afirmativa? b) Na sua opinião, que diferenças podemos apontar entre uma filosofia e uma religião? 2. Sobre as idéias e os conceitos propostos por Auguste Comte, explique: a) a Lei dos Três Estágios; b) a classificação hierárquica das ciências; c) o papel da educação para o Positivismo. 2424 Sociologia e Educação— Leituras e Interpretações 3. Discuta três das características da educação, propostas por Auguste Comte, mostrando seus pontos positivos e negativos. 4. O Positivismo enfatiza a necessidade de um ensino nitidamente técnico e prático. Atualmente, com as discussões sobre o aprender a aprender, busca-se valorizar o ensino humanístico e reflexivo. Na sua opinião, quais são as características do ensino atual que ainda conservam elementos positivistas, e como podemos compará-los com os modelos atuais? 5. O conhecimento sociológico se mostra útil na atuação de diferentes profissionais, por permitir contextualizar suas práticas com uma perspectiva mais ampla sobre a sociedade em que se inserem. De que forma a Sociologia, nos moldes propostos por Auguste Comte, pode ser útil para a sua atividade de professor? 6. “Os positivistas brasileiros foram contrários à criação da primeira uni versidade no Brasil, em 1882, por D. Pedro II, criticaram de forma vee mente as fragilidades do projeto, afirmando, inclusive, que a ciência não deveria ser oficializada, pois perderia sua capacidade de crítica pelo vínculo com o Estado, sendo necessário, ao contrário, garantir ao ensi no um caráter privado, capaz de expressar, de forma livre, os diferentes interesses presentes na sociedade.” A partir da realidade educacional atual, faça uma crítica da perspectiva defendida pelos positivistas noséculo XIX (veja o Item 1.4: O Positivismo na Educação Brasileira). ReferênciasReferências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. ARBOUSSE-BASTIDE, Paul. La Doctrine de Véducation universelle dans la philosophie d'Auguste Comte. Paris: Presses Universitaires de France, 1957. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. São Paulo; Brasília: Melhora mentos; INL, 1976. BARROS, Roque Spencer Maciel de. Positivismo e Educação. In: Ensaios so bre Educação. São Paulo: EDUSP; Grijalbo, 1971. p. 129-150. 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O positivismo e a educação no Brasil: cientificismo, progresso e República, [s.l.: s.n.], 1999. Disponível em: <http:/ /sloboneto.com/hedbrpositrepub.html>. Acesso em 10 maio 2005. Texto didático produzido pelo professor da UFF e disponibilizado na Internet, sobre a influência do Positivismo na educação brasileira, particularmente na Primeira República.22 A Educação sob o enfoque deA Educação sob o enfoque de Émile DurkheimÉmile Durkheim Regiane Aparecida Atisano 2.1 Introdução2.1 Introdução O presente capítulo tem o objetivo de apresentar sucintamente o método científico de Émile Durkheim e suas implicações no estudo da educação. Salientamos que o período (final do século XVIII) em que o autor se dedicou a este estudo apresentava características diferenciadas do atual, sendo im portante destacar que a teoria deve ser atualizada. Este também é um item a ser abordado por esse texto, enfatizando as condições que a sociedade da informação nos traz no ambiente educacional, sob o ponto de vista da moral. Para tanto, passaremos pelos conceitos de fato social, solidariedade me cânica e solidariedade orgânica, para, em seguida, contextualizarmos a forma como Durkheim analisava a educação, sem desvinculá-la da necessidade de regulação social emergente na sociedade da época. 2.2 2.2 Durkheim Durkheim e e a a SociologiaSociologia Anteriormente a Émile Durkheim (1858-1917), o filósofo Auguste Comte (1791-1857) já preparava o terreno para o desenvolvimento de uma nova ciência, a Sociologia. Comte fundamentou grande parte de sua teoria sob o 28 Sociologia e Educação - Leituras e Interpretações enfoque das ciências naturais, ou seja, a Sociologia (Física Social) teve os seus princípios modelados conforme uma ciência natural, da qual se utilizou a observação empírica, com formulações de leis, reforçando o caráter positivista dessa ciência (ARON, 1999, p. 65-121). Durkheim, de certa forma, deu continuidade a esse caráter, porém, dife renciou-se de Comte quando intentou criar uma ciência independente e com método próprio. A maior preocupação de Durkheim era imprimir uma mar ca específica para a Sociologia, apresentando-a como uma ciência distinta das outras.Para Durkheim, a ciência positiva Sociologia apresentava-se como um es tudo metódico que conduz ao estabelecimento de leis, por meio da observação e da experimentação indireta, ou seja, desenvolvia aqui o seu método compa rativo. O objetivo era investigar a constituição das instituições e explicar o seu funcionamento, visto que a Sociologia “pode chamar instituição toda a crença, todo o comportamento instituído pela coletividade, sem desnaturar o sentido da expressão; a Sociologia seria então definida como a ciência das instituições, de sua gênese e de seu funcionamento” (DURKHEIM, 1978, p. 30). Para entender as instituições, era necessário fazer a comparação entre organizações sociais em seus diferentes tempos históricos, a fim de encon trarmos “as leis que comandam a evolução dos sistemas, as causas que determinam seu desenvolvimento e suas conseqüências” (TURA, 2001, p. 37-38). Dessa forma, Durkheim construía a ciência social, estudando a sociedade e seus componentes de forma empírica e objetiva. Entretanto, no momento do estabelecimento da Sociologia como ciência, Durkheim confrontava-se com a desconfiança da sociedade científica quan to a este novo estatuto, pois era uma ciência jovem que não apresentava, ainda, dados suficientemente comprováveis, nem mesmo uma teoria densa e madura. Para tanto, Durkheim demonstrou-se, em muitos momentos, rígido às críticas e às mudanças em sua ciência, afinal tratava-se do reconhecimento dela como ciência específica dos fatos sociais. Uma outra característica que foi alvo de críticas à ciência de Durkheimrefere-se a sua postura consideravelmente conservadora ou moralizante. Entretanto, é importante notar que o período vivenciado por Durkheim teve forte influência nesse aspecto, ou seja, a França, a partir de 1848, sofreu grandes perturbações políticas e sociais3 com os novos agentes — burguesia e proletariado. Esse contexto permitiu que, após as turbulências, os Estados 33 Sugere-se a leitura do artigo de TURA, 2001.Sugere-se a leitura do artigo de TURA, 2001. Cap. 2 A Educação sob o enfoque de Émile Durkheim 29 reivindicassem uma nova ordem social. O intuito era vencer a diferenciação que o desenvolvimento do capitalismo e das inovações tecnológicas acarre tava, conduzindo a sociedade a uma dispersão dos costumes, crenças e hábi tos. A busca da coesão social era necessária para os Estados recuperarem a estabilidade política, a moral, segundo Durkheim, possibilitaria essa coesão, tornando comuns, novamente, hábitos, costumes e crenças. Esse contexto contribuiu muito para o desenvolvimento da Sociologia e, principalmente, para as análises por ela apresentadas. Para Durkheim, o consenso e a homogeneidade eram itens recorrentes à constituição e funcionamento das organizações, mesmo consciente das diversidades trazidas pelos avanços tecnológicos e pela divisão do trabalho, proporcionados pela socie dade industrial. Portanto, [... ] o crescente individualismo que a nova ordem social propiciava e a necessidade[... ] o crescente individualismo que a nova ordem social propiciava e a necessidade de fortalecer a educação moral da juventude, como estratégia de contenção dosde fortalecer a educação moral da juventude, como estratégia de contenção dos individualismos e do favorecimento dos processos de humanização realizados nasindividualismos e do favorecimento dos processos de humanização realizados nas instâncias da interação social. Era necessário pôr muita coisa em ordem e este valorinstâncias da interação social. Era necessário pôr muita coisa em ordem e este valor estava fortemente arraigado em sua sociologia (TURA, 2001, p. 32).estava fortemente arraigado em sua sociologia (TURA, 2001, p. 32). Sendo assim, a escola seria uma das instituições adequadas à recupera ção da ordem social, visto que a transmissão de conhecimentos, hábitos, crenças e costumes por parte dos professores permitiria a constituição da moral até então ausente na sociedade. Além desta necessidade de regulação social, Durkheim tinha, a seu favor, no mesmo período, a ampliação do ensino público na França (desde o século XVII) e suas formas de administração, reforçando o papel da escola como substituta da família e da Igreja, principalmente em relação aos conhecimen tos fundamentais para a convivência social, como: posturas, regras, direitos e deveres, obediência a autoridades, crenças, nacionalismo etc. Assim, dentro desse contexto e das discussões suscitadas, Durkheim desenvolveu a Sociologia e seu método, definindo mais exatamente o objetocomo fato social. É o que veremos agora. 2.3 2.3 O O que que é é Fato Fato Social?Social? É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre oÉ fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral naindivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência próextensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência pró pria, independente de suas manifestações individuais (DURKHEIM, 1995, p. 13).pria, independente de suas manifestações individuais (DURKHEIM, 1995, p. 13). 30 Sociologia e Educação- Leituras e Interpretações A partir dessa definição, Durkheim desenvolveu o objeto da Sociologia e as suas condicionantes: coercitividade, exterioridade e generalidade. Sem estas três características, não estaremos diante de um fato social, pois elas o compõem e o explicam. Sendo este capítulo específico para a área de educação, vamos tomá- la como exemplo para entender o fato social. Para Durkheim, a educação exerce coerção sobre os indivíduos, obrigando-os a se conformarem aos seus conteúdos, costumes e hábitos, desenvolvidos na escola e presentes na sociedade, isto é, para que sejamos aceitos na coletividade em que vivemos, é preciso que nos adaptemos às posturas por ela demandadas. A edu cação também se apresenta de forma exterior ao indivíduo,ou seja, não cabe a ele decidir ou desejar ser educado conforme os padrões estipulados pela sociedade, isso já foi definido antes mesmo do seu nascimento, tem existência própria. E, por fim, a educação tem um aspecto geral, não se trata de um caso isolado e, sim, de um mecanismo adotado na maior parte dessa sociedade. O sistema educativo de determinada sociedade tem características imbricadas de costumes, hábitos e crenças, condizentes com a realidade social, política, econômica e cultural. Quando Durkheim o caracteriza como um fato social, não basta observar o comportamento individual para enten der sua extensão. Ele definiu as três características citadas acima para que entendamos que um fato social só é explicado por meio de outro fato social, a partir da investigação das instituições e a explicação do seu funcionamen to. A educação — fato social e instituição — apresenta-se independente dos indivíduos, ela é uma força maior do que eles, que lhes dita comportamentos exigidos pela sociedade. Note-se também que Durkheim era ciente da im portância dos indivíduos para a constituição da sociedade, do fato social ou de uma instituição, todavia, não era a parte que lhe interessava, e sim a influência que o todo tinha sobre as partes, por isso, tanta ênfase nas insti tuições e suas diretrizes. Cada classe, com efeito, é uma pequena sociedade, e será preciso que ela sejaCada classe, com efeito, é uma pequena sociedade, e será preciso que ela seja conduzida como tal — não como se fosse uma simples aglomeração de indivíduosconduzida como tal — não como se fosse uma simples aglomeração de indivíduos independentes uns dos outros. Em classe, as crianças pensam, sentem, agem deindependentes uns dos outros. Em classe, as crianças pensam, sentem, agem de modo diverso do que quando estejam isoladas (DURKHEIM, 1978, p. 74).modo diverso do que quando estejam isoladas (DURKHEIM, 1978, p. 74). Outro aspecto de suma importância para Durkheim era o tratamento do fato social. A objetividade foi mais um assunto bastante debatido para o fortalecimento da Sociologia como ciência. Toda ciência apresenta seu mé todo e a devida imparcialidade nas análises subseqüentes. Com a Sociologia não foi diferente, porém, ressalta-se que não estamos falando do estudo de Cap. 2 A Educação sob o enfoque de Émile Durkheim 31 objetos ou matérias, e sim de seres humanos em vida social, da qual também fazemos parte. Entretanto, isso, para Durkheim, não deveria ser considera do, era necessário tratar todo fato social como “coisa”. Esse termo trouxe, para o debate, muitos questionamentos sobre a possibilidade ou não de ser objetivo quando se tratava de estudar as relações sociais e suas instituições. Durkheim argumentava de forma bastante clara e convincente, afirmando que o objeto de estudo não poderia depender dos desejos ou das prenoções do cientista, e sim ser analisado de forma distante das concepções e opiniões próprias. O fato social deve ser estudado como um material que o cientistaposiciona sobre a mesa e o observa sob diferentes perspectivas, procurando desvendar as mais recônditas nuances que o olho do leigo, modelado com as prenoções existentes na sociedade, não pode ver. 2.4 2.4 Solidariedade Solidariedade mecânica mecânica e e orgânicaorgânica Para que possamos entender os conceitos de Solidariedade Mecânica e Orgâ nica, precisamos nos ater, primeiro, ao conceito de Consciência Coletiva, a qual é definida como: [...] o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de[...] o conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade [que] forma um sistema determinado que tem sua vidauma mesma sociedade [que] forma um sistema determinado que tem sua vida própria; [...] Sem dúvida, ela não tem por substrato um órgão único; é, por definiprópria; [...] Sem dúvida, ela não tem por substrato um órgão único; é, por defini ção, difusa em toda extensão da sociedade (DURKHEIM, 1995).ção, difusa em toda extensão da sociedade (DURKHEIM, 1995). Essa consciência coletiva é determinada pela moral dominante na socie dade, que estipula quais são as crenças, os hábitos, os costumes e a religião a serem cumpridos e disseminados em sua totalidade: [...] está se intentando estudar como as coisas se dão no contexto de seu tempo e[...] está se intentando estudar como as coisas se dão no contexto de seu tempo e espaço, marcado pelas crenças e valores de uma organização social que determinaespaço, marcado pelas crenças e valores de uma organização social que determina formas de ver, sentir e pensar, que são forjadas de símbolos que se imbricam naformas de ver, sentir e pensar, que são forjadas de símbolos que se imbricam na consciência coletiva e produzem representações coletivas (TURA, 2001, consciência coletiva e produzem representações coletivas (TURA, 2001, p. 37).p. 37). Segundo Durkheim, essa consciência pode ser encontrada em dois ti pos de organizações: mecânica e orgânica. As sociedades fundamentam-se na divisão do trabalho, a qual se apresenta como articuladora das diferentes funções, com o fim de harmonizar a sociedade. Ocorre uma solidariedade com autonomia (mecânica) e com dependência (orgânica). A diferenciação é feita pela evolução das sociedades, pois, para Durkheim, elas passavam das mais simples para as mais complexas. O termo solidariedade pode ser entendido como organização, ou seja, a forma que as sociedades se estruturaram. A primeira, e mais presente em 32 Sociologia e Educação - Leituras e Interpretações sociedades simples, é a mecânica. A solidariedade mecânica se caracteriza pela forte presença da consciência coletiva que mantém o consenso e a homogeneidade por meio da manutenção da família, da religião, da tradição e dos costumes, permanecendo, em geral, independente e autônoma em re lação à divisão do trabalho social. Essa autonomia na divisão do trabalho reflete a semelhança encontrada nos diversos setores, não necessitando da interligação de especialidades, ao contrário da solidariedade orgânica, carac terizada muito mais pela diferenciação e especialização, que necessita, conse qüentemente, da interdependência na divisão do trabalho. Essa interdependência gera a união social no lugar da tradição e costumes, porém, há um afrouxamento da consciência coletiva, que, nesse caso, não mantém uma coesão por similitude, e sim por inter-relação. A interdependência ocorre por meio da especialização, e é possível desenvolver uma autonomia pessoal devido à dissolução da consciência coletiva. A solidariedade pressupõe direitos e deveres e constitui uma função moral. Entretanto, conforme as sociedades vão se desenvolvendo, aumen tando a divisão do trabalho e modificando costumes e crenças, a moral sofre alterações que propiciam um estado de desajuste, caracterizando o que Durkheim chamaria de “anomia”: [...] na visão durkheimiana, as sociedades têm necessidades sociais que sâo materia[...] na visão durkheimiana, as sociedades têm necessidades sociais que sâo materia lizadas na consciência coletiva. Contudo, se pode perceber, em diferentes circunslizadas na consciência coletiva. Contudo, se pode perceber, em diferentes circuns tâncias históricas, que o aparecimento de novas necessidades sociais entra em desatâncias históricas, que o aparecimento de novas necessidades sociais entra em desa cordo com o que se materializou nas consciências coletivas e nas instituições sociais.cordo com o que se materializou nas consciências coletivas e nas instituições sociais. Ou seja, no dinamismo do processo social se pode verificar a existência de desajustesOu seja, no dinamismo do processo social se pode verificar a existência de desajustes entre normas e costumes instituídos e necessidades emergentes. Estas últimas estãoentre normas e costumes instituídos e necessidades emergentes. Estas últimas estão vinculadas ao progresso social (TURA,2001, p. 46).vinculadas ao progresso social (TURA, 2001, p. 46). As mudanças sociais podem partir de um subsistema específico e a cons ciência coletiva ainda não assimilou as novas crenças e valores referentes à mudança. Por isso, Durkheim acredita em “uma nova moral para que a socie dade tenha mecanismo de incorporação das novidades” (TURA, 2001, p. 47), a fim de sair do estado de anomia. Essa nova moral fica a cargo de algumasinstituições, como a escola ou, até mesmo, o Direito. Este último se consti tui para os dois tipos de solidariedade: na mecânica, encontramos o Direito Repressivo (DURKHEIM, 1977), próprio de uma sociedade com consciên cia coletiva coesa, que necessita do Direito para manter a ordem social; já na solidariedade orgânica, há o Direito Restitutivo, característico de uma sociedade com especialidades e diferenciações que também precisam ser reguladas socialmente, porém consciente da não-existência de uma homo geneidade, e sim de uma diversidade oriunda da divisão do trabalho. Cap. 2 A Educação sob o enfoque de Emile Durkheim 33 Portanto, para Durkheim, a sociedade apresenta instituições capazes de regular a ordem social, sendo que o Estado seria a primeira delas. Ele concede, a outras instituições, no caso a escola pública, o papel de transferir os valores éticos, costumes, direitos e deveres, respeitando as diferencia ções constituintes das sociedades complexas. 2.5 2.5 Sociologia Sociologia da da EducaçãoEducação Vínhamos afirmando que o Estado é um regulador social com o intuito deestabelecer a ordem na sociedade. A educação, sendo uma das funções do Estado, conseqüentemente, torna-se também reguladora dessa moral. A escola aqui é apenas uma das instituições que, no processo de divisão do trabalho social, assume para si a tarefa específica de intermediar a coer ção que a sociedade exerce sobre o indivíduo, buscando completar mais rapidamente o seu processo de socialização. Socializar é, para Durkheim, o mesmo que educar, ou seja, internalizar os traços constitutivos dos meios morais que cercam o indivíduo (SOUZA, 1994, p. 8). Concebendo as sociedades complexas com uma divisão do trabalho muito mais desenvolvida do que as sociedades simples, Durkheim entende que as diferentes instituições da sociedade exercem suas funções de forma aintegrar os indivíduos. Enquanto havia, nas sociedades simples, estruturas pertencentes a um tipo de consciência coletiva, permitindo que ocorresse uma coesão maior entre os indivíduos, nas sociedades complexas, com a divisão do trabalho, não há tanta coesão por meio da consciência coletiva, e sim pela interligação necessária entre as partes. Dessa forma, a escola apre senta-se como uma instituição importantíssima para a socialização da moral primordial para o equilíbrio da sociedade. Essa socialização, segundo Durkheim, compõe o processo de aprendi zagem social que permite a absorção das formas de viver da sociedade, seja pensamentos, atitudes, símbolos ou regras. No bojo dessa socialização, está a moral da sociedade, a qual é constituída por alguns tipos de regras, direitos e deveres, sistema de recompensa e castigo etc. Essa mesma moral tam bém faz parte da linha mestre de ensino nas escolas, ou seja, as práticas pedagógicas adotadas na educação não são desvinculadas da estrutura social à qual pertence. Os mesmos princípios desenvolvidos na sociedade, por meio de outras instituições sociais, são adotados na escola, a fim de acompanhar “a constituição e as necessidades do organismo social” (TURA, 2001, p. 49). O fim último da escola como reguladora social é “difundir uma moral laica, racional, que proporcionasse a coação social” (SOUZA, 1994, p. 8). O H sociologia e tducaçao - Leituras e Interpretações Portanto, a educação, para Durkheim, define-se como: [...] a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem[...] a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, naainda preparadas para a vida social; tem por objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pelacriança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particusociedade política, no seu conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particu larmente, se destine (DURKHEIM, 1978, p. 41).larmente, se destine (DURKHEIM, 1978, p. 41). É nesta relação geracional de transmissão que o indivíduo adquirirá todos os preceitos necessários à sobrevivência na sociedade. Existe um “patrimônio de conhecimentos acumulados, da ciência produzida, dos sistemas de classificações, de idéias, de fórmulas, de valores, de técnicas e, espe cialmente, a linguagem própria do grupo” que oferece suporte para a identi ficação dele com o seu meio social. “Tudo isso resulta da cooperação, do aproveitamento da experiência, do legado de cada geração que é conserva do e que produzem (sic) atributos humanos comuns” (TURA, 2001, p. 42). Quando passamos a interpretar a sociedade moderna sob a luz da teoria educacional de Durkheim, surgem questionamentos sobre a existência desses preceitos comuns, sabendo que o desenvolvimento econômico e tecnológico dessa sociedade cria multiplicidade de idéias e costumes, o que aparentemente demonstra uma fragilidade do sistema de ensino como regu lador social. Há um desmembramento de princípios regulatórios, principalmente se partirmos das concepções anteriores de moral, em que esses pre ceitos se apresentam como um “ente social” de forte espectro que influencia a todo o grupo. Hoje, parece não haver uma moral assim, de caráter rígido. Entretanto, existe uma moral nas sociedades atuais, não como a concebía mos anteriormente (no século XVIII, segundo a moral religiosa), e sim como uma moral fundamentada em novas concepções de mundo, oriunda do enfoque religioso, tecnológico, racional, idiossincrático, enfim, a moral das décadas atuais constitui-se de uma diversidade muito maior do que a de séculos atrás. Segundo Durkheim, o que ocorre, na verdade, é a ineficácia dos meca nismos tradicionais, apresentando um certo desequilíbrio social. Todavia,conforme estudos atuais, não acreditamos que aconteça uma exclusão total da moral, e sim, como já afirmamos, há uma reestruturação dessa moral (CASTELLS, 1999; DE MASI, 2000; LIBÂNEO, 2000). Princípios diferentes a compõem, principalmente no que se refere à nova ordem imposta pela sociedade de informação. E claro que é possível identificar uma “anomia”, como o próprio Durkheim afirma, porém, trata-se de uma fase de transição, durante a qual estamos sofrendo alterações fundamentais em nossas atitu des, crenças, costumes, pensamentos e representações. Cap. 2 A Educação sob o enfoque de Emile Durkheim 35 Essa anomia, na época em que Durkheim estudava as instituições sociais, apresentava-se como uma fragilidade da coesão social das instituições reli giosas tradicionais, por via do processo de racionalização da sociedade mo derna. De fato, esse processo é perceptível em nossa realidade, entretanto, reafirmamos que há uma nova constituição moral na sociedade a partir das concepções informacionais. 2.6 Conclusão2.6 ConclusãoA partir do enfoque durkheimiano, podemos entender a escola como uma das instituições primordiais para o desenvolvimento de uma consciência coletiva, necessária para o estabelecimento do equilíbrio social. Diante de tantas per turbações sociais oriundas dos setores econômicos e políticos, presenciadas nacional e mundialmente, entendemos que a escola, no momento, não alcança uma estabilidade, e sim reproduz a multiplicidade de conhecimentos, as dife renciações sociais de classe, os avanços tecnológicos, a profissionalização ne cessária para a industrialização e, conseqüentemente,toda a moral constituinte dessa diversidade (BOURDIEU; PASSERON, 1992). O período é de oscilações, inclusive, pelo fato de a sociedade de infor mação propiciar mudanças rápidas, tanto de técnicas quanto de representações. Um trabalho por nós desenvolvido sobre as representações sociais dos alunos sobre a escola aponta para uma nova ordem que a escola está desven dando, mas que ainda não está apta a responder, pois apenas se posiciona de forma a atualizar seus equipamentos, pela posse do computador ou da internet, mas ainda não desenvolve, em seus alunos, a interatividade que estas novas tecnologias propiciam fora da escola (ATISANO, 2001). Segundo Durkheim, a escola deveria preparar os jovens, por meio dos preceitos básicos, para a convivência na sociedade. Hoje, ela apresenta-se com esse intuito, porém, formando-os não para a interpretação e a análise crítica sobre a nova realidade, e sim como instrumentos laboriosos para a nova tecnologia. Principalmente quando nos referimos à escola pública, queatende, em nossa realidade brasileira, a uma parcela considerável da popula ção, mas que, ainda, não possui todo o equipamento quantitativo e qualita tivamente necessário para a preparação desse novo agente social. Uma nova ordem social sendo implantada no mundo, a globalização é um processo extensivo a todas as nações, e a escola não tem como fugir disso. Ela tem sua participação preparatória para a inserção dos indivíduos nesse contexto, entretanto, é preciso salientar a constante necessidade dos profissionais da educação (professores, pedagogos, psicólogos, sociólogos 3t>3t> Sociologia e Educação - Leituras e Interpretações etc.) de dar continuidade à fiscalização dos trabalhos empenhados pelo Estado, para que este, conforme Durkheim afirmava, cumpra seu papel de regulador social, permitindo que não haja uso indevido da escola pública, a fim de atender a interesses individuais. A escola continua sendo uma instituição de importantíssimo papel na so ciedade, seja por ser reconhecida pela sua capacidade de instrução, seja pela sua função socializadora. O desafio está lançado a todos nós; cumpre, devido a nossa formação científica, apontar e efetivar as alternativas justas para o uso desta instituição secular e imprescindível para o funcionamento social. ExercíciosExercícios 1. Argumente sobre o interesse de Émile Durkheim pela educação, con forme o contexto histórico que ele vivenciava. 2. Explique o que é fato social, utilizando a educação como exemplo. 3. Defina os conceitos de Solidariedade Mecânica e Solidariedade Orgânica. 44.. Na sua opinião, qual é a aplicabilidade da teoria educacional de Durkheim nos dias atuais? ReferênciasReferências ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1999. ATISANO, Regiane Ap. Escola.com.br — A representação social das tecno logias na realidade escolar. 2001. Dissertação (Mestrado) — Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, julho 2001. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean Claude. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede.São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1. DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial.São Paulo: Senac, 2000. DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social.Lisboa: Presença, 1977. _____ • Educação e Sociologia.11. ed. São Paulo: Melhoramentos; MEC, 1978. -------- As regras do método sociológico.São Paulo: Martins Fontes, 1995. LIBÃNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. São Paulo: Cortez, 2000. Cap. 2 A Educaçáo sob o enfoque de Émile Durkheim 37 SOUZA, João Valdir Alves de. Uma leitura da educação à luz das teorias sociológicas de Émile Durkheim, Max Weber e Talcott Parsons: um ensaio de interpretação. Educação em revista, Belo Horizonte, Faculdade de Educa ção da UFMG, n. 20 a 25, 1994. TURA, Maria de Lourdes Rangel. Durkheim e a Educação. In: _________ (Org.). Sociologia para educadores. Rio de Janeiro: Quartet, 2001. 3 Contribuições do MaterialismoContribuições do Materialismo Histórico para a EducaçãoHistórico para a EducaçãoWilton Carlos Lima da Silva e Alonso Bezerra de Carvalho 3.1 Introdução3.1 Introdução O século XX foi denominado, por Eric Hobsbawm (1997), como a era dos extremos, em que mudanças radicais e rápidas ocorreram no mundo, levan do à construção de novas perspectivas no processo de organização social e de formação humana. Nesse contexto, uma das correntes de pensamento que influenciou a vida de pessoas, nações, instituições etc. foi o materialis mo histórico, ou o marxismo, formulado por Karl Marx e Friedrich Engels, no século anterior. Karl Marx (1818-1883), com Friedrich Engels (1820-1895), estruturou os conceitos que fundamentaram o socialismo científico, doutrina política chamada de comunismo ou marxismo. Entre suas obras, destacam-se: O Manifesto do Partido Comunista (1848), Para a crítica da economia política (1859), O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852) e O Capital (o primeiro volume foi publicado em 1867, contendo os conceitos básicos do marxis mo, como a teoria do valor, a da mais-valia ou excedente do trabalho e a da acumulação do capital; os outros dois volumes só foram publicados após sua morte). 40 Sociologia e Educação - Leituras e Interpretações 3.2 3.2 Origens Origens e e influênciasinfluências A obra de Marx não é exclusivamente sociológica, dedica-se também a dife rentes áreas do conhecimento, como a Filosofia, a Economia e a História, propondo a superação da sociedade capitalista, influenciando todas as áreas e esferas da vida humana. Uma extensa obra que aborda uma grande varie dade de temas e idéias, formando uma heterogeneidade que lhe permitiu diferentes interpretações, nas quais identificam-se as seguintes influências: ■ Socialismo utópico: doutrina política surgida no final do século XVIIIe início do XIX, em que reformadores sociais propunham igualdade social por meio da união entre os setores produtivos — burguesia e operariado — não sendo capazes de anteverem as resistências que a sociedade capitalista oporia a eles. Entre os socialistas utópicos, destacam-se: a) Claude-Henri Saint-Simon (1760-1827), autor das obras Cartas de um habitante de Genebra a seus contemporâneos (1802) e Intro dução aos trabalhos científicos do século XIX (1807), nas quais ataca violentamente as classes parasitárias que, para ele, são constituídas pelos proprietários. Propõe que o Estado seja orga nizado como uma fábrica, e o governo seja exercido por aquelesque trabalham e, especialmente, pelos que dirigem a produção; b) Charles Fourier (1772-1837), que publicou O novo mundo indus trial (1829), em que preconizava a organização de comunidades socialistas (chamadas de falanstérios) como forma de resolver os problemas da sociedade européia, provocando, no seu enten der, uma transformação gradual rumo ao socialismo; c) Robert Owen (1771-1858), autor dos livros Nova visão da so ciedade (1813) e Relato do Condado de Lanark (1821), destaca- se pela forma como buscou concretizar, na prática, suas teorias, organizando a produção com preocupações sociais e incenti vando o surgimento de “Trade Unions” (união de trabalhadoresque defendiam seus direitos): De Saint-Simon aceitaram (Marx e Engels) a descoberta de que a políticaDe Saint-Simon aceitaram (Marx e Engels) a descoberta de que a política moderna era simplesmente a ciência da regulamentação da produção; demoderna era simplesmente a ciência da regulamentação da produção; de Fourier, a condenação ao burguês, a consciência do contraste irônico entreFourier, a condenação ao burguês, a consciência do contraste irônico entre “o frenesi especulativo, o espírito de comercialismo que nada poupa” que“o frenesi especulativo, o espírito de comercialismo que nada poupa” que
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