Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O BARROCO Barroco é o nome dado ao estilo artístico que floresceu entre o final do século XVI e meados do século XVIII, inicialmente na Itália, difundindo-se em seguida pelos países católicos da Europa e da América, antes de atingir, em uma forma modificada, as áreas protestantes e alguns pontos do Oriente. Considerado como o estilo correspondente ao absolutismo e à Contra-Reforma, distingue-se pelo esplendor exuberante. De certo modo o Barroco foi uma continuação natural do Renascimento, porque ambos os movimentos compartilharam de um profundo interesse pela arte da Antiguidade clássica, embora interpretando-a diferentemente, o que teria resultado em diferenças na expressão artística de cada período. Enquanto no Renascimento as qualidades de moderação, economia formal, austeridade, equilíbrio e harmonia eram as mais buscadas, o tratamento barroco de temas idênticos mostrava maior dinamismo, contrastes mais fortes, maior dramaticidade, exuberância e realismo e uma tendência ao decorativo, além de manifestar uma tensão entre o gosto pela materialidade opulenta e as demandas de uma vida espiritual. Mas nem sempre essas características são bem evidentes ou se apresentam todas ao mesmo tempo. Houve uma grande variedade de abordagens estilísticas, que foram englobadas sob a denominação genérica de "arte barroca", com certas escolas mais próximas do classicismo renascentista e outras mais afastadas dele, o que tem gerado muita polêmica e pouco consenso na conceituação e caracterização do estilo. Para diversos pesquisadores o Barroco constitui não apenas um estilo artístico, mas todo um período histórico, todo um novo modo de entender o mundo, o homem e Deus. As mudanças introduzidas pelo espírito barroco se originaram, pois, de um grande respeito pela autoridade da tradição clássica, e de um desejo de superá-la com a criação de obras originais, dentro de um contexto social e cultural que já se havia modificado profundamente em relação ao período anterior. O Barroco no Brasil Igreja de São Francisco, Salvador. O Barroco no Brasil encontrou um terreno receptivo para um rico florescimento. Fez sua aparição no país no início do século XVII, introduzido por missionários católicos, especialmente jesuítas, que para lá se dirigiram a fim de catequizar e aculturar os povos indígenas, no contexto da colonização portuguesa daquelas terras vastas e virgens, descobertas pelos europeus há meros cem anos. Ao longo do período colonial vigorou uma íntima associação entre a Igreja e o Estado, mas como na colônia não havia uma corte e tampouco as elites se preocuparam em construir palácios ou patrocinar as artes profanas senão no fim do período, deriva que a vasta maioria do legado barroco brasileiro esteja na arte sacra: estatuária, pintura e obra de talha para decoração de igrejas e conventos ou para culto privado. As características mais típicas do Barroco, descrito usualmente como um estilo dinâmico, ornamental, dramático, cultivando os contrastes e a expressão emocional, mais seu caráter narrativo e sua plasticidade sedutora, veiculam um conteúdo programático articulado com requintes de retórica e grande pragmatismo. A arte barroca brasileira foi uma arte em essência funcional, prestando-se muito bem aos fins a que foi posta a servir: além de sua função puramente decorativa, facilitava a absorção da doutrina católica e dos costumes europeus pelos neófitos - índios e logo em seguida negros - mas também fomentava o cultivo e confirmava a fé e as tradições dos conquistadores cristãos, que haviam chegado para dominar e explorar todo esse grande território, impondo-lhe sua cultura. Com o passar do tempo, os elementos dominados, neste caso mais o negro do que o índio, mais os artesãos populares de uma sociedade em processo de integração e estabilização, começaram a dar ao Barroco importado feições novas, originais, e por isso considera-se que essa aclimatação constitua um dos primeiros testemunhos da formação de uma cultura genuinamente nacional. O poema épico Prosopopeia (1601), de Bento Teixeira, é um dos seus marcos iniciais. Atingiu o seu apogeu na literatura com o poeta Gregório de Matos e com o orador sacro Padre Antônio Vieira, e nas artes plásticas seus maiores expoentes foram Aleijadinho e Mestre Ataíde. No campo da arquitetura esta escola se enraizou profundamente no Nordeste e em Minas Gerais, mas deixou grandes e numerosos exemplos também por quase todo o restante do país, do Rio Grande do Sul ao Pará. Quanto à música, por relatos literários sabe-se que foi também pródiga, mas ao contrário das outras artes, quase nada se salvou. Com o desenvolvimento do Neoclassicismo a partir das primeiras décadas do século XIX, a tradição barroca caiu progressivamente em desuso, mas traços dela seriam encontrados em diversas modalidades de arte até os dias de hoje. Grande número de edificações e peças individuais de arte barroca já foram protegidas pelo governo brasileiro em suas várias instâncias, através de tombamento ou outros processos, atestando o reconhecimento oficial da importância do Barroco para a história da cultura brasileira. Centros históricos barrocos como os de Ouro Preto e Salvador, e conjuntos artísticos como o do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, receberam o estatuto de Patrimônio da Humanidade pela chancela da Unesco, e essa herança preciosa é um dos grandes atrativos do turismo cultural no país, ao mesmo tempo em que se torna um ícone identificador do Brasil, tanto para naturais da terra como para os estrangeiros. Apesar de sua importância, boa parte da arquitetura e das obras de arte barrocas do Brasil estão em mau estado de conservação e exigem restauro urgente e outras medidas conservadoras, verificando-se frequentemente perdas ou degradação de exemplares valiosos em todas as modalidades artísticas; o país ainda tem muito a fazer para preservar parte tão importante de sua história, tradição e cultura. Por outro lado, parece crescer a conscientização da população em geral sobre a necessidade de proteger um patrimônio que é de todos e que pode reverter em benefício de todos, um benefício até econômico, se bem manejado e conservado. Museus nacionais a cada dia se esforçam por aprimorar suas técnicas e procedimentos, a bibliografia se avoluma, o governo têm investido bastante nesta área e até mesmo o bom mercado que a arte barroca nacional sempre encontra ajuda na sua valorização como peças merecedoras de atenção e cuidado. O modelo europeu e seu abrasileiramento São Pedro papa, da escola portuguesa mais erudita. Museu de Arte Sacra de São Paulo. Arte das Missões jesuíticas, de herança espanhola e italiana: São Francisco Xavier, Museu Júlio de Castilhos. O Barroco nasceu na Itália na passagem do século XVI para o século XVII, em meio a uma das maiores crises espirituais que a Europa já enfrentara: a Reforma Protestante, que cindiu a antiga unidade religiosa do continente e provocou um rearranjo político internacional em que a Igreja Católica, outrora todo-poderosa, perdeu força e espaço.[1] Foi um estilo de reação contra o classicismo do Renascimento, cujas bases giravam em torno da simetria, da proporcionalidade, da economia, da racionalidade e do equilíbrio formal. Assim, a estética barroca primou pela assimetria, pelo excesso, pelo expressivo e pela irregularidade, tanto que o próprio termo "barroco", que nomeou o estilo, designava uma pérola de formato bizarro e irregular. Além de uma tendência estética, esses traços constituíram uma verdadeira forma de vida e deram o tom a toda a cultura do período, uma cultura que enfatizava o contraste, o conflito, o dinâmico, o dramático, o grandiloquente, a dissolução dos limites, junto com um gosto acentuado pela opulênciade formas e materiais, tornando-se um veículo perfeito para a Igreja Católica da Contra- Reforma e as monarquias absolutistas em ascensão expressarem visivelmente seus ideais de glória e pompa. As estruturas monumentais erguidas durante o Barroco, como os palácios e os grandes teatros e igrejas, buscavam criar um impacto de natureza espetacular e exuberante, propondo uma integração entre as várias linguagens artísticas e prendendo o observador numa atmosfera catártica, apoteótica, envolvente e apaixonada. Essa estética teve grande aceitação na Península Ibérica, em especial em Portugal, cuja cultura, além de essencialmente católica e monárquica, em que se uniam oficialmente Igreja e Estado e se delimitavam fronteiras frouxas e indistintas entre o público e o privado, estava impregnada de milenarismo e do misticismo herdado dos árabes e judeus, favorecendo uma religiosidade onipresente e supersticiosa, caracterizada pela intensidade emocional. E de Portugal o movimento passou à sua colônia na América, onde o contexto cultural dos povos indígenas, marcado pelo ritualismo e festividade, forneceu um pano de fundo receptivo. O Barroco apareceu no Brasil quando já se haviam passado cerca de cem anos de presença colonizadora no território. A população já se multiplicava nas primeiras vilas e alguma cultura autóctone já lançava raízes, embora os colonizadores ainda lutassem por estabelecer uma infraestrutura essencial - contra uma natureza ainda selvagem e povos indígenas nem sempre amigáveis - até onde permitisse sua condição de colônia pesadamente explorada pela metrópole. Nesta sociedade em trabalhos de fundação se instaurou a escravatura como base da força produtiva. Nasceu o Barroco, pois, num terreno de luta e conquista, mas não menos de deslumbramento diante da paisagem magnífica, sentimento que foi declarado pelos colonizadores desde o início. Florescendo nos longos séculos de construção de um novo e imenso país, e sendo uma corrente estética e espiritual cuja essência e vida está no contraste, no drama, no excesso, talvez mesmo por isso pôde espelhar a magnitude continental da empreitada colonizadora deixando um conjunto de obras-primas igualmente grandioso. O Barroco, então, confunde-se com, e dá forma a, uma larga porção da identidade e do passado nacionais. Não por acaso Affonso Romano de Sant'Anna o chamou de "a alma do Brasil". Significativa parte desta herança artística hoje é Patrimônio da Humanidade. O Barroco no Brasil foi formado por uma complexa teia de influências europeias e adaptações locais, embora em geral coloridas pela interpretação portuguesa do estilo. É preciso lembrar que o contexto em que o Barroco se desenvolveu na colônia era completamente diverso daquele que lhe dera origem na Europa. Aqui tudo ainda estava "por fazer". Por isso o Barroco brasileiro, apesar de todo ouro nas igrejas nacionais, já foi acusado de pobreza e ingenuidade quando comparado com o europeu, de caráter erudito, cortesão, sofisticado, muito mais rico e sobretudo branco, pois grande parte da produção local tem de fato uma técnica rudimentar, criada por artesãos com pouco estudo, incluindo escravos e muitos mulatos forros, e até índios. Mas essa feição mestiça e inculta, tantas vezes definida por sua natureza naïf, é um dos elementos que lhe empresta originalidade e tipicidade. Como observou Lúcio Costa, "Convém desde logo reconhecer que não são sempre as obras academicamente perfeitas... as que, de fato, maior valor plástico possuem. As obras de sabor popular, desfigurando a seu modo as relações modulares do padrões eruditos, criam, muitas vezes, relações plásticas novas e imprevistas, cheias de espontaneidade e de espírito de invenção, o que eventualmente as coloca em plano artisticamente superior ao das obras muito bem comportadas, dentro das regras do estilo e do bom gosto, mas vazias de seiva criadora e de sentido real". Anônimo: Êxtase de Santa Teresa, Igreja do Convento do Carmo, São Cristóvão. A espontaneidade naïf ou ingênua é uma característica de grande parte do barroco brasileiro. Um índio anônimo no século XVII produziu este Cristo açoitado, hoje no Museu de Arte Sacra de Pernambuco, onde se percebe uma pletora de influências estilísticas exóticas. Além disso, a comunicação entre os primeiros centros de povoação no litoral não era fácil, muitas vezes era mais prático recorrer diretamente a Lisboa para tudo. Natural que até o século XVII os ensaios artísticos brasileiros se realizassem muitas vezes em condições precárias onde imperava o improviso e o amadorismo, e muito sem o conhecimento do que se passava em outros lugares da colônia, dando origem a interpretações idiossincráticas do estilo. O frequente contato com a Metrópole, por outro lado, possibilitou à arte colonial ter acesso a uma ininterrupta fonte de novas informações, sem que isso impedisse variações e interpretações locais. E houve, certamente, muitos mestres eruditos em atividade, que se tornaram chefes de escolas, em sua maioria portugueses no início, mais tarde, muitos brasileiros também. A estes devem-se os exemplares mais ricos e sofisticados da produção barroca. Os religiosos ativos no Brasil, oriundos de diversos países, muitos deles literatos, arquitetos, pintores e escultores, em geral muito bem preparados e talentosos, contribuíram de forma decisiva para esta complexidade trazendo sua variada formação, que receberam em países como Espanha, Itália e França, além do próprio Portugal, e serviam como disseminadores, fundando escolas. O contato com o oriente, através das companhias de comércio marítimo, também deixou sua marca, visível em algumas pinturas orientalizantes, em lacas, porcelanas e estatuetas de marfim. No início do século XVIII, já existindo uma melhor comunicação interna e melhores condições de trabalho, começavam a circular nos ateliês do país diversos tratados teóricos e manuais práticos sobre arte, e os artistas locais buscavam avidamente reproduções em gravura de obras europeias, antigas e coevas, que lhes apresentavam uma iconografia muito heterogênea usada como modelo formal e adaptada em larga escala nas criações nacionais. A partir de 1760 observou-se a penetração da influência francesa, originando uma outra derivação, mais elegante, variada e leve, o chamado Rococó, que floresceu mais expressiva nas igrejas de Minas Gerais. Neste cadinho de influências diversificadas encontram-se até elementos de estilos já obsoletos como o gótico e o renascentista. É do resultado de todos estes entrecruzamentos que nasceu o original, eclético e por vezes contraditório Barroco que hoje se vê espalhado em praticamente todo o litoral do país e em grande parte de seu interior. A região Amazônica foi a menos afetada, a última a ser povoada. O sul também é relativamente pobre em herança barroca. No fim do século XVIII o Barroco já estava perfeitamente aclimatado ao contexto nacional, já tendo dado inumeráveis frutos anteriores de alto valor. Foi quando apareceram em Minas Gerais - um dos maiores pólos culturais e econômicos do Brasil daquela época - as duas figuras célebres que o levaram a uma culminação, e que iluminaram também o seu fim como corrente estética dominante: Aleijadinho na arquitetura e na escultura, e na pintura Mestre Ataíde. Eles epitomizam uma arte que havia conseguido amadurecer e se adaptar ao ambiente de um país tropical e dependente da Metrópole, ligando-se aos recursos e valores regionais e constituindo um dos primeiros grandes momentos de originalidade nativa, de brasilidade genuína. Mas o chamado "Barroco mineiro" mais típico, que eles representam tão bem, para muitos estudiosos já não é mais propriamente Barroco, e sim Rococó, o que reflete as dúvidas ainda existentes entre a críticasobre se o Rococó é um estilo independente ou se representa apenas a fase final do Barroco. Ao longo deste artigo ambos serão tratados como uma unidade. De qualquer maneira, o grande ciclo artístico de onde aqueles dois artistas surgiram foi logo depois abruptamente interrompido com a imposição oficial da novidade neoclássica, a partir da chegada da corte portuguesa ao Brasil em 1808 e da atividade da Missão Artística Francesa. A partir de então, perdendo o favorecimento oficial e das elites, o Barroco iria gradualmente se dissolver. Mas é prova do vigor com que frutificou no país o fato de que seus ecos seriam ouvidos, em centros provincianos especialmente, praticado por artesãos populares, até a contemporaneidade, ainda que alguns autores estabeleçam o início do século XX como o encerramento do ciclo do Barroco histórico em território brasileiro. Mas de fato, vários escritores já afirmaram que o Barroco nunca morreu e continua muito vivo na cultura nacional, sendo constantemente reinvocado e reinventado. O papel da Igreja Católica O interior suntuoso da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, Rio Rica talha e estatuária na Basílica do Carmo, em Recife Na Europa, a Igreja Católica foi, ao lado das cortes, a maior mecenas de arte neste período. Na imensa colônia do Brasil não havia corte, a administração local era confusa e morosa, e assim um vasto espaço social permanecia vago para a ação da Igreja e seus empreendedores missionários, destacando-se entre eles os jesuítas, que administravam além dos ofícios divinos uma série de serviços civis como os registros de nascimento e óbito, estavam na vanguarda da conquista do interior do território servindo como pacificadores dos povos indígenas e fundando novas povoações, organizavam boa parte do espaço urbano no litoral e dominavam o ensino e a assistência social mantendo colégios e orfanatos, hospitais e asilos. Construindo grandes templos decorados com luxo, encomendando peças musicais para o culto e dinamizando imensamente o ambiente cultural como um todo, e é claro ditando as regras na temática e na maneira de representação dos personagens do Cristianismo, a Igreja centralizou a arte colonial brasileira, com rara expressão profana notável. No Brasil, então, quase toda arte barroca é arte religiosa. A profusão de igrejas e escassez de palácios o prova. Lembre-se ainda que o templo católico não era apenas um lugar de culto, mas era o mais importante espaço de confraternização do povo, um centro de transmissão de valores sociais básicos e amiúde o único local relativamente seguro na muitas vezes turbulenta e violenta vida da colônia. Gradativamente houve um deslocamento neste equilíbrio em direção a uma laicização, mas não chegou a se completar no período de vigência do Barroco. As instituições leigas começaram a ter um peso maior por volta do século XVIII, com a multiplicação de demandas e instâncias administrativas na colônia que se desenvolvia, mas não chegaram a constituir um grande mercado para os artistas, não houve tempo. A administração civil ganhou força com a chegada da corte portuguesa em 1808, que transformou o perfil institucional do território. Assim como em outras partes do mundo onde existiu, o Barroco foi também no Brasil um estilo movido em boa parte pela inspiração religiosa, mas ao mesmo tempo dando enorme ênfase à sensorialidade e à riqueza dos materiais e formas, num acordo tácito e ambíguo entre glória espiritual e prazer dos sentidos. Este pacto, quando as condições permitiram, criou algumas obras de arte de enorme complexidade formal, que nos fazem admirar a perícia do artesão e a inventividade do projetista - amiúde anônimos e de extrato popular. Basta uma entrada num dos templos principais do Barroco brasileiro para os olhos de pronto se perderem numa explosão de formas e cores, onde as imagens dos santos são emolduradas por resplendores, cariátides, anjos, guirlandas, colunas e entalhes em volume tal que em alguns casos não deixam um palmo quadrado de espaço à vista sem intervenção decorativa, com ouro a cobrir paredes e altares. Como disse Germain Bazin, "para o homem deste tempo, tudo é espetáculo". Entenda-se essa prodigalidade decorativa na perspectiva da época: o religioso educava o povo em direção à apreciação das virtudes abstratas buscando seduzí-lo antes pelos sentidos corpóreos, especialmente através da beleza das formas. Mas tanta riqueza também era um tributo devido a Deus, por Sua própria glória. Apesar da denúncia protestante do excessivo luxo dos templos católicos, e da recomendação de austeridade pelo Concílio de Trento, o Catolicismo prático ignorou as restrições, pois compreendia que "a arte pode seduzir a alma, perturbá-la e encantá-la nas profundezas não percebidas pela razão; que isso se faça em benefício da fé"'. (A arte barroca como "contadora de histórias" e doutrinadora: Jesus institui a Eucaristia, de José Teófilo de Jesus) Esse cenário luxuriante era parte da própria essência da catequese católica durante o Barroco, então largamente influenciada pelos preceitos da Contra-Reforma. A arte da Igreja Católica contra-reformista definiu-se como proselitista, foi concebida primariamente como instrumento de combate ao protestantismo e resgate de fiéis evadidos, e deveria ser facilmente compreensível pelo povo, em larga medida analfabeto e dado ao cultivo de superstições. No Brasil colônia a ameaça protestante não existia, mas seu povo incluía uma maioria de pagãos - os negros e índios - e por isso o modelo continuava válido: precisava ser sedutora e didática, para que os pagãos fossem atraídos e convertidos, e os brancos parvos, bem ilustrados; seria para todos um meio de educação, impondo-lhes crenças, tradições e modelos de virtude e conduta. Ao mesmo tempo, fortaleceria a fé dos confirmados, estimulando seu aperfeiçoamento. Na sociedade colonial, onde havia abismos intransponíveis entre as classes sociais, onde imperava a escravidão e os índios e negros, na prática e com rara exceção, nem eram considerados seres humanos, mas mera propriedade privada, instrumento de exploração e fonte de lucro, uma religião unificada servia também como uma forma de amortecimento dessas graves desigualdades e tensões, possibilitando que o poder colonizador melhor as controlasse, e até as justificasse, na perspectiva da união formal entre Igreja e Estado, onde a Igreja em muito contribuía com sua doutrina e arte sacra para a manutenção do status quo social e político. A educação e a catequese se estruturavam num modelo retórico, imitativo e descritivo, e durante o Barroco, muito por influência jesuítica, este modelo adquiriu um forte sentido cenográfico e declamatório, expressando-se cheio de alegorias, hipérboles e outras figuras de linguagem, num discurso de largo voo e minuciosa argumentação, às vezes excessiva e rocambolesca para o gosto moderno. Tal característica se traduziu plasticamente na extrema complexidade da obra de talha, nos fortes contrastes e na convoluta movimentação das formas estatuárias, pictóricas e arquiteturais das artes barrocas em todos os países onde o estilo prosperou, pois era a expressão visível do prolixo espírito da época, e que no Brasil se manifestou do mesmo modo, como não poderia deixar de fazê-lo. Segundo explicou Alfredo Bosi, "Nas entranhas da condição colonial concebia-se uma retórica para as massas que só poderia assumir em grandes esquemas alegóricos os conteúdos doutrinários que o agente aculturador se propusera incutir. A alegoria exerce um poder singular de persuasão, não raro terrível pela simplicidade de suas imagens e pela uniformidade da leitura coletiva. Daí o seu uso como ferramenta de aculturação, daí a sua presença desde a primeira hora da nossa vida espiritual, plantada na Contra-Reforma queunia as pontas do último Medievo e do primeiro Barroco". Joaquim José da Natividade: A flagelação de Cristo Detalhe da Virgem entregando o Menino Jesus a Santo Antônio, de Mestre Ataíde Além da beleza das formas e da riqueza dos materiais, durante o Barroco o Catolicismo se valeu enfaticamente do aspecto emocional do culto. O amor, a devoção e a compaixão eram visualmente estimulados pela representação dos momentos mais dramáticos da história sagrada, e assim abundam os Cristos açoitados, as Virgens com o coração trespassado de facas, os crucifixos sanguinolentos, e as patéticas imagens de roca, verdadeiros marionetes articulados, com cabelos, dentes e roupas reais, que se levavam em procissões solenes e feéricas onde não faltavam as lágrimas e as mortificações físicas e os pecados eram confessados em alta voz. As festividades religiosas constituíam, na verdade, mais do que uma forma de expressão piedosa, eram também os mais importantes momentos de socialização coletiva na vida colonial, frequentemente se estendendo para dentro do ambiente privado. A intensidade desses eventos ficou registrada em muitos relatos de época, como o do padre Antônio Gonçalves, que participou de uma procissão da Semana Santa em Porto Seguro: "Nunca vi tantas lágrimas em Paixão como vi nesta, porque desde o princípio até o cabo, foi uma contínua grita e não havia quem pudesse ouvir o que o padre dizia. E isso assim em homens como em mulheres, e (referindo-se às autoflagelações) saíram umas cinco ou seis pessoas quase mortas, as quais por muito espaço não tornaram a si.... E houve pessoas que diziam desejarem de se irem meter em parte onde não vissem gente e fazerem toda sua vida penitência de seus pecados". Esse não foi um exemplo isolado, ao contrário, a mentalidade católica barroca era especialmente afeita ao exagero e ao drama, acreditava piamente em milagres e a devoção às relíquias e aos santos era uma prática geral, muitas vezes misturando-se a superstições e práticas altamente heterodoxas, às vezes aprendidas dos índios e negros, que o clero tinha grande dificuldade de coibir, sempre temendo que os fiéis se desviassem para a feitiçaria, o que os relatórios dos Visitadores da Inquisição referiam acontecer em toda parte, mesmo entre o próprio clero mais ignorante. Como afirmou Luiz Mott, "malgrado a preocupação da Inquisição e da própria legislação real, proibindo a prática de feitiçarias e superstições, no Brasil antigo, em toda rua, povoado, bairro rural ou freguesia, lá estavam as rezadeiras, benzedeiras e adivinhos prestando tão valorizados serviços à vizinhança". Mas essa mesma devoção mística e passional, que tantas vezes adorou o trágico e o bizarro e se aproximou perigosamente da heresia e da irreverência, plasmou também inúmeras cenas de êxtase e visões celestes, Madonnas de graça ingênua e juvenil e encanto perene, e doces Meninos Jesus cujo apelo ao coração simples do povo era imediato e sumamente efetivo. Novamente Bazin captou a essência do processo: "A religião foi o grande princípio de unidade no Brasil. Ela impôs às diversas raças aqui misturadas, trazendo cada uma um universo psíquico diferente, um mundo de representações mentais básico, que facilmente se superpôs ao mundo pagão, no caso dos índios e dos negros, através da hagiografia, tão adequada para abrir caminho ao cristianismo aos oriundos do politeísmo". Arquitetura Edifícios da Igreja Igreja de S. Francisco, João Pessoa, uma adaptação bastante aproximada da igreja de Cairu. Os primeiros edifícios sacros de algum vulto do Brasil foram erguidos a partir da segunda metade do século XVI, quando algumas vilas já dispunham de população que o justificasse. Foram os casos de Olinda e Salvador. As mais simples empregaram a técnica do pau-a-pique, sendo cobertas com folhas de palmeira, mas desde logo os missionários se preocuparam com a durabilidade e solidez dos edifícios, preferindo sempre que possível edificar em alvenaria, embora muitas vezes, por circunstâncias várias, fossem obrigados a usar a taipa ou o adobe. As plantas buscavam antes de tudo a funcionalidade, compondo basicamente um quadrilátero sem divisão em naves e sem capelas laterais, com uma fachada elementar que implantava um frontão triangular sobre uma base retangular, e pode-se dizer que não havia, nesse período inaugural, maior preocupação com ornamentos. Este estilo, cuja austeridade remetia aos edifícios clássicos, conheceu-se pelo nome de "arquitetura chã". Em 1577 chegou a Salvador o frei e arquiteto Francisco Dias, com a missão declarada de introduzir melhoramentos técnicos e um refinamento estético nas igrejas da colônia. Trazia a influência de Vignola, cujo estilo caíra no agrado da corte portuguesa, e fora o autor do primeiro templo barroco na Europa, a Igreja de Jesus, em Roma, que se tornou imediatamente um modelo para muitas outras igrejas jesuítas pelo mundo. No Brasil o modelo foi adaptado, mantendo o esquema da nave única mas prescindindo da cúpula e do transepto e favorecendo as torres. Igreja de São Francisco, Salvador Concatedral de São Pedro dos Clérigos, Recife A Matriz de Pirenópolis exemplifica as adaptações populares na arquitetura sacra brasileira Apesar das melhorias, até meados do século XVII os edifícios jesuítas, concentrados no nordeste, se mantiveram externamente nos tradicionais contornos de grande simplicidade, no que influenciaram outras ordens religiosas, reservando para os interiores o luxo que foi possível acrescentar, em altares entalhados, pinturas e estatuária. Entretanto, se os jesuítas foram bastante fiéis ao modelo italiano original, os franciscanos se permitiram introduzir variações nas fachadas, que podiam ser precedidas de um alpendre ou incluir uma galilé, enquanto que o campanário se deslocava para trás. No interior, a capela-mor franciscana tendia a ser menos profunda do que a jesuítica, e a ausência de naves laterais podia ser compensada por dois deambulatórios longitudinais estreitos. Próxima deste modelo é a Igreja de Santo Antônio em Cairu, considerada a primeira a exibir traços claramente barrocos. Seu projetista, o frei Daniel de São Francisco, criou a fachada num esquema de triângulo escalonado, com volutas fantasiosas no frontão e nas laterais; foi uma completa novidade, sem paralelos mesmo na Europa. Mas é de assinalar que, se por um lado as ornamentações de fachada e interior se tornaram cada vez mais suntuosas e movimentadas, tipificando o Barroco, as estruturas dos edifícios, ao longo de toda a trajetória do Barroco no país, pouco se afastaram do que determinava o estilo chão. Durante a dominação holandesa no nordeste muitas das edificações católicas foram destruídas, e na segunda metade do século XVII, após a explusão dos invasores, o esforço principal se concentrou na restauração e reforma das estruturas pré-existentes, com relativamente poucas fundações novas. A esta altura o Barroco já era o estilo dominante. Mas recebia outras influências, como a de Borromini, emprestando mais movimento às fachadas com a adição de aberturas em arco, gradis, relevos e óculos. Nos interiores, a decoração também ganhava em riqueza, mas os esquemas eram algo estáticos, no que se convencionou chamar de "estilo nacional português". Com o tempo, as fachadas adquiriam mais verticalidade e movimento, com aberturas em formas inusitadas - pera, losango, estrela, oval ou círculo - e os frontões, mais curvas, relevos em pedra e estatuária. Exemplos são a Matriz de Santo Antônio e a Concatedral de São Pedro dos Clérigos, em Recife, e em Salvador a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Um fenômeno um tanto diferente se verificou nas Reduções do sul, embora neste períodoaquele território ainda pertencesse à Espanha. Lá as construções mostraram desde logo um caráter mais monumental, e com uma maior variedade de soluções estruturais, com pórticos, colunatas e frontispícios elaborados. Também nas Reduções se desenvolveu um notável programa urbanístico para o aldeamento dos indígenas. Hoje em ruínas, parte desse núcleo de arquitetura civil e religiosa sulina foi declarado Patrimônio da Humanidade. A partir de meados do século XVIII, sob influência do Rococó francês, se percebe no exterior dos edifícios um aligeiramento nas proporções, tornando-os mais elegantes; as aberturas são mais amplas, permitindo uma maior penetração da luz externa, e o detalhamento nos relevos em pedra chega a um alto nível. O Rococó também deu importantes frutos no nordeste, como o Convento e Igreja de São Francisco em João Pessoa, considerado por Bazin a mais perfeita em seu gênero naquela região. Deve-se ainda lembrar em todas as fases a contribuição popular em muitos projetos de comunidades mais pobres, em matrizes e pequenas capelas que pontilham os sertões brasileiros, contribuindo para a diversidade e simplificando proporções, ornamentos, técnicas e materiais muitas vezes em soluções criativas, de grande plasticidade. E paralelamente à construção de igrejas, os religiosos sempre construíram conventos, mosteiros, colégios e hospitais, alguns deles de avantajadas dimensões e que, nos dois primeiros casos, podiam ser decorados com um luxo comparável ao encontrado nas mais ricas igrejas. Arquitetura civil Típico casario colonial em Paraty Sede da Fazenda Tatu, em Limeira, em precário estado de conservação. Sobrados azulejados em São Luís O Paço Imperial, no Rio, antigo Paço dos Vice-Reis Na arquitetura civil, privada ou pública, o Barroco deixou relativamente poucos edifícios de maior vulto, sendo em linhas gerais bastante modestos. Por outro lado, os conjuntos dos centros históricos de algumas cidades (Salvador, Ouro Preto, Olinda, Diamantina, São Luís e Goiás), declarados Patrimônio da Humanidade pela Unesco, ainda permanecem em boa parte intactos, apresentando uma paisagem ininterrupta extensa e valiosíssima de arquitetura civil do barroco, com soluções urbanísticas muitas vezes originais e com farta ilustração de todas as adaptações do estilo aos diferentes estratos sociais e às suas transformações ao longo dos anos. Muitas outras cidades também preservam agrupamentos significativos de casario colonial, como Paraty, Marechal Deodoro, Cananéia e Rio Pardo. A residência, durante o período Barroco, caracterizou-se pela grande heterogeneidade de soluções estruturais e no uso dos materiais, muitas vezes empregando técnicas aprendidas com os índios, uma diversidade que se encontra entre ricos e pobres. Entretanto, no ambiente urbano a fórmula que se tornou mais frequente, herdada da arquitetura portuguesa, foi de uma estrutura térrea, com fachada abrindo direto para a rua e pegada à das casas vizinhas, e com cômodos enfileirados, muitas vezes mal ventilados, mal iluminados e de uso múltiplo. Nessa estrutura simples, não raro ampliada em sobrados de dois ou até quatro andares, os traços distintivos do Barroco podem ser mais facilmente identificados em alguns detalhes, como os telhados curvos com beirais terminados em pontas arrebitadas, os arcos abatidos nas vergas, os caixilhos e gelosias ornamentais nas janelas, em alguma pintura decorativa e azulejaria, já que de regra a residência colonial sempre teve estrutura muito austera e foi parcamente mobiliada e decorada. No interior rural a diversidade foi muito mais pronunciada. Mereceriam nota muitos solares e antigas sedes de engenhos e fazendas, como as casas bandeiristas, a Casa das Onze Janelas, o Solar do Visconde de São Lourenço, a Fazenda Imperial de Santa Cruz, a Fazenda Mato de Pipa[ a Fazenda de Sant'Ana, a Fazenda Salto Grande, a Fazenda Tatu, o Solar Ferrão e vários outros casarões rurais e urbanos de famílias abastadas, que se por um lado podem ser bastante espaçosos e confortáveis, até imponentes, em geral têm linhas muito despojadas e econômica decoração interna, e são muitas vezes apenas uma magnificação do modelo da habitação popular, privilegiando antes a funcionalidade do que o luxo. No litoral nordestino são notáveis os sobrados azulejados, pelo seu rico efeito decorativo e pelas soluções criativas que encontraram para amenizar os efeitos do clima úmido e quente da região, havendo uma grande concentração de exemplares no Centro Histórico de São Luís. O despojamento da arquitetura civil poderia causar surpresa no caso dos casarões da elite, dada a grande riqueza de muitas famílias radicadas na terra, mas explica-se pelo fato de que o contexto da vida colonial foi marcado pela dispersão, pela instabilidade e mobilidade, com famílias fracamente estruturadas, o que se refletiu no caráter provisório, simplificado e improvisado de tantas edificações, evitando-se gastos com o que seria, a princípio, usado por pouco tempo. Na verdade, quanto menos se gastasse na colônia, melhor, pois nos primeiros séculos da colonização boa parte dos portugueses se mudava para aqueles longínquos e ermos Brasis imaginando ficar só por temporada, ansiando voltar para Portugal tão pronto fizesse fortuna, deixando para trás uma terra admitidamente bela e rica, mas inóspita e selvagem, considerada de clima insalubre, onde a sobrevivência exigia árduo esforço e estava sempre em perigo - a vida na colônia era vista por muitos como um acabrunhante desterro. Desde o início do processo colonizador aquela sensação de impermanência ficara evidente, como se nota, por exemplo, na crítica do frei Vicente do Salvador, formulada em 1627 em sua Historia do Brazil, à ojeriza geral que despertava a ideia de ter o Brasil como residência definitiva: "Os povoadores, os quais por mais arraigados, que na terra estivessem, e mais ricos que fossem, tudo pretendiam levar a Portugal, e se as fazendas e bens que possuíam soubessem falar também lhes haveriam de ensinar a dizer como os papagaios, aos quais a primeira coisa que ensinam é 'papagaio real para Portugal'; porque tudo querem para lá, e isto não tem só os que de lá vieram, mas ainda os que cá nasceram, que uns e outros usam da terra, não como senhores, mas como usufrutuários, só para a desfrutarem, e a deixarem destruída". Além disso, mesmo as mais poderosas elites governantes se viam constantemente aflitas no cotidiano colonial por dificuldades, incertezas e carências de todos os tipos, como manifestas nas eternas queixas do Marquês do Lavradio e outros oficiais do Reino, resultando que até seus próprios palacetes e os edifícios públicos mais importantes fossem pobres e acanhados comparativamente a congêneres portugueses. Do reduzido número de exemplos significativos na categoria dos palácios públicos se destacam algumas antigas Casas de Câmara e Cadeia, como a de Ouro Preto, talvez a mais célebre, com uma rica e movimentada fachada onde há um pórtico com colunas, escadaria monumental, torre e estatuária; a de Mariana, e a de Salvador, além dos palácios de uso misto como residência oficial e casa de despachos, como o dos Governadores do Pará e dos Vice-Reis no Rio, que foi uma das residências da família reinante quando para a colônia se transferiu. Outros sobrevivem, mas tiveram suas características barrocas muito desfiguradas por reformas posteriores, como os paços dos Governadores do Maranhão e da Bahia. Embora pertencente à Igreja, deve ser incluso nesta categoria o importante Palácio Arquiepiscopal de Salvador. O caso mineiro Igreja do Rosário dos Pretos, Ouro Preto Igreja São Francisco de Assis em OuroPreto. Minas teve a peculiaridade de ser uma área de povoamento mais recente, e pôde-se construir em estéticas mais atualizadas, no caso, o Rococó, e com mais liberdade, uma profusão de igrejas novas, sem ter de adaptar ou reformar edificações mais antigas já estabelecidas e ainda em uso, como era o caso no litoral, o que as torna exemplares no que diz respeito à unidade estilística. O conjunto das igrejas de Minas tem uma importância especial tanto por sua riqueza e variedade como por ser testemunho de uma fase bem específica na história brasileira, quando a região foi a "menina dos olhos" da Metrópole por suas grandes jazidas de ouro e diamantes. A arquitetura mineira é interessante por se realizar geralmente em um terreno acidentado, cheio de morros e vales, dando uma forma atraente à urbanização das cidades. Mas não é isso o que torna Minas especial, já que a construção civil segue modelos formais comuns a toda arquitetura colonial brasileira. Entretanto, o caso mineiro tem o atrativo de constituir o primeiro núcleo no Brasil de uma sociedade eminentemente urbana. Várias das antigas cidades coloniais mineiras ainda guardam rica arquitetura da época. Os centros históricos de Ouro Preto e Diamantina são Patrimônio da Humanidade; muitas outras também preservaram ricas igrejas e casarios. De qualquer forma, suas características estilísticas distintivas são mais claramente expressas na arquitetura religiosa, nas igrejas que proliferam em grande número em todas essas cidades. Segundo Telles, a originalidade da edificação sacra mineira está em dois elementos: "a conjugação de curvas e de retas ou de planos, criando pontos e arestas de contenção, nas plantas, nos alçados e nos espaços internos; "a organização das frontarias tendo como centro de composição a portada esculpida em pedra-sabão; portadas que se constituem, visualmente, em núcleo, de onde derivam os demais elementos: pilastras, colunas, cimalhas, frontão, e para a qual eles convergem. Contudo, tais elementos só vieram a uma consumação perto do final do ciclo. No início do século as igrejas ainda derivavam suas plantas da matriz maneirista, com desenho retangular, fachada austera e frontão triangular, modelo exemplificado na Catedral de Mariana. Pedro Gomes Chaves introduziu em 1733 inovações importantes na Matriz do Pilar em Ouro Preto, com uma fachada em planos disjuntos e uma planta retangular, mas cuja talha redefinia o espaço interno na forma de um decágono. Originais de fato, sem precedentes tanto na arquitetura brasileira como na portuguesa, foram as igrejas projetadas por Antônio Pereira de Sousa Calheiros, com destaque para a do Rosário dos Pretos em Ouro Preto, com planta composta de três elipses encadeadas, fachada em meio-cilindro com uma galilé de três arcos, e torres cilíndricas. Da mesma época é a fachada do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos. Seu frontispício lavrado em pedra-sabão é tido como o primeiro exemplo brasileiro dessa solução decorativa, obra possivelmente de Jerônimo Félix Teixeira. Hoje um Patrimônio da Humanidade, o santuário é caracterizado pela sua implantação cenográfica e monumental, abrigando ainda o maior e mais importante grupo de esculturas de Aleijadinho. Na segunda metade do século foi construída a Igreja do Carmo de Ouro Preto, com uma composição de fachada ainda mais ousada: o plano frontal cedeu lugar a uma parede ondulada, com torres circulares em recuo e óculo trilobado. Traçada por Manuel Francisco Lisboa, o pai de Aleijadinho, seu plano foi alterado em 1770 por Francisco de Lima Cerqueira. Aleijadinho esculpiu a portada. Aleijadinho, junto com Cerqueira, se tornariam os arquitetos mais originais e importantes do Barroco brasileiro, e suas obras são a súmula das novidades que distinguem o Barroco/Rococó de Minas Gerais. Aliás, a contribuição de Cerqueira, longamente obscurecida pela grande fama do Aleijadinho, tem sido recentemente reavaliada, concedendo-se a ele uma importância possivelmente maior que a do outro no campo da arquitetura. Talvez o melhor exemplo de sua coautoria seja a Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto. Diz a tradição que o projeto é do Aleijadinho, embora não haja documentação confirmatória. Sabe-se, porém, que Cerqueira modificou o plano original, e de certeza é do Aleijadinho apenas a escultura da portada. De qualquer forma o templo é considerado uma jóia de harmonia entre exterior e interior. Sua imagem já se tornou icônica, sendo possivelmente a igreja barroca mineira mais conhecida no Brasil e no estrangeiro. Sistema de produção A condição social dos artistas e as circunstâncias de sua atuação no Brasil colonial ainda são objeto de polêmica. Não se sabe exatamente se sua atividade permanecia subordinada ao estatuto das artes mecânicas e artesanais ou se já era considerada parte das artes liberais. Ao que parece, uma forma corporativa semelhante à guilda predominou até o advento do Império, organizada da seguinte maneira: o mestre ficava no topo da hierarquia, era responsável final pelas obras e pela formação e habilitação de novos aprendizes; abaixo estava o oficial, um profissional preparado, mas sem graduação para arrematar obras de vulto; em seguida vinham os auxiliares, os jovens aprendizes, e os escravos ficavam na base. Também há boas evidências para crer que mesmo tendo havido algum progresso no status social dos artistas perto do final do Barroco, os trabalhadores manuais como eles, onde se incluíam muitos escravos, ainda enfrentavam um arraigado desprezo por parte das elites. Grupos temáticos O hábito de inserir a pintura na talha é bem exemplificado no teto da Igreja de São Francisco, em Salvador A Glorificação dos Santos Franciscanos, na Igreja do Convento de Santo Antônio, João Pessoa, atribuída a José Joaquim da Rocha Mestre Ataíde: Detalhe da Ascensão de Cristo, teto da Matriz de Santo Antônio em Santa Bárbara A pintura e a escultura barrocas se desenvolveram como artes coadjutoras para obtenção do efeito cenográfico total da arquitetura sagrada, a igreja, onde todas as especialidades conjugavam esforços em busca de um impacto sinestésico arrebatador. Uma vez que a arte barroca é essencialmente narrativa, cabe mencionar os principais grupos temáticos cultivados no Brasil. O primeiro é extraído do Antigo Testamento, oferecendo visualizações didáticas da cosmogênese, da criação do Homem e dos fundamentos da fé dados pelos patriarcas hebreus. O segundo grupo deriva do Novo Testamento, centralizado em Jesus Cristo e sua doutrina de Salvação, temática elaborada através de muitas cenas mostrando seus milagres, suas parábolas, sua Paixão e Ressurreição, elementos que consolidam e justificam o Cristianismo e o diferenciam da religião judaica. O terceiro grupo gira em torno dos retratos de autoridades da Igreja, os antigos patriarcas, os mártires, santos e santas, os clérigos notáveis, e por fim vem o grupo temático do culto mariano, retratando a mãe de Jesus em suas múltiplas invocações. Pintura Como ocorreu em todas as artes, a Igreja Católica foi a maior patrona da pintura colonial. Para a Igreja a pintura tinha como função básica auxiliar na catequese e confirmar a fé dos devotos. A necessidade de ser facilmente compreensível pelo povo inculto significou que o desenho predominasse sobre a cor. O desenho, na conceituação da época, pertencia à esfera da razão e definia a ideia a ser transmitida, e a cor fornecia a ênfase emocional necessária à melhor eficiência funcional do desenho. Desta forma, toda a pintura barroca é figurativa, retórica e moralizante. Cada cena trazia uma série de elementos simbólicos que constituíam uma linguagem visual, sendo usados como palavras na construção de uma frase. O significado de taiselementos era, na época, de domínio público. As imagens dos santos mostravam seus atributos típicos, como os instrumentos do seu suplício, ou objetos que estiveram ligados à sua carreira ou ilustrassem suas virtudes. Por exemplo, São Francisco podia aparecer rodeado de objetos associados à penitência e à transitoriedade da vida: o crânio, a ampulheta, o rosário, o livro, o açoite e o cilício. Grande parte das pinturas barrocas brasileiras foi realizada em têmpera ou óleo sobre madeira ou tela, e inserida na decoração em talha. Sobrevivem alguns raríssimos exemplos da técnica do afresco no Mosteiro de São Bento no Rio e na Igreja dos Terésios em Cachoeira do Paraguaçú, mas não há registro de popularização da técnica. Desde o início foram comuns os ex-votos, e no século XVIII se tornariam ainda mais disseminados. Eram em regra de fatura rústica, encomendados pelos devotos a artesãos populares, ou realizados pelo povo mesmo, em paga por alguma graça recebida ou em penhor de alguma promessa. Os ex-votos tiveram um papel importante no primeiro desenvolvimento da pintura colonial por constituírem uma prática frequente, o que se explica pelo cenário ainda selvagem onde as povoações se organizavam, onde não faltavam perigos de várias ordens, contra os quais a invocação dos poderes celestes para a ajuda e proteção era uma constante. Do período inicial merecem citação alguns dos primeiros pintores atuantes no Brasil de que se sabe alguma coisa: Baltazar de Campos, ativo no Maranhão, produziu telas sobre a Vida de Cristo para a sacristia da Igreja de São Francisco Xavier; João Felipe Bettendorff, também no Maranhão, decorou as igrejas de Gurupatuba e Inhaúba, e Frei Ricardo do Pilar, ativo no Rio com uma técnica que se aproxima da escola flamenga, foi autor de um célebre Senhor dos Martírios. Lourenço Veloso, Domingos Rodrigues, Jacó da Silva Bernardes e Antonio Gualter de Macedo atuaram em diversos locais entre Pernambuco e Rio de Janeiro. Frei Eusébio da Soledade, tido como fundador da escola baiana, pode ter estudado com Frans Post e Albert Eckhout, artistas da corte pernambucana de João Maurício de Nassau, durante a dominação holandesa do Nordeste. O século XVIII viu a pintura florir em quase todas as regiões do país, formando os germes de escolas regionais e sobrevivendo maior número de identidades individuais conhecidas. A esta altura já circulava uma vasta quantidade de gravuras europeias, que reproduziam obras de mestres célebres ou ofereciam outros modelos iconográficos. Essas gravuras foram a principal fonte de inspiração para os pintores coloniais brasileiros, vários estudos já documentaram sua apropriação massiva de tais modelos, adaptando-os às necessidades e possibilidades de cada local. Serviam-lhes mesmo de escola, uma vez que não havia academias formais de arte e poucos eram os artistas bem preparados. Destes, quase só os missionários educados na Europa, os primeiros professores de pintura do Brasil. Contudo, como esse acervo iconográfico importado tinha um perfil muito heterogêneo, composto de imagens de diferentes épocas e estilos, decorre que a pintura barroca brasileira tem um caráter igualmente dinâmico e multifacetado, não sendo possível estudá-la sob um prisma de unidade e coerência formal. Contribuiu para o enriquecimento da pintura setecentista a introdução, na década de 1730, por Antônio Simões Ribeiro e Caetano da Costa Coelho, em Salvador e no Rio respectivamente, das primeiras composições de perspectiva arquitetural ilusionística no Brasil, uma técnica que logo ganhou muitos adeptos, com destaque para o círculo de José Joaquim da Rocha e a escola mineira. José Teófilo de Jesus merece nota pela singularidade de seu talento versátil, um dos maiores representantes da escola baiana, abordando temas mitológicos e alegóricos, raros na produção colonial. É um bom exemplo da vitalidade do Barroco brasileiro, pois suas obras de maior vulto surgiram já no século XIX, permanecendo em atividade até cerca de 1847, pouco tocado pelo Neoclassicismo. No Rio, no nordeste, em São Paulo, já havia em meados do século XVIII ativas escolas regionais. Mas foi em Minas, outro centro florescente, que nasceu e atuou Mestre Ataíde, o maior mestre da pintura barroca brasileira e tido como um dos pioneiros na organização de uma estética nativa; pintou um teto muito louvado na Igreja de São Francisco de Ouro Preto, além de ter deixado muitas outras obras meritórias. Esta seção não pode encerrar sem menção ao belo acervo remanescente de azulejaria pintada, em geral importado de Portugal, onde a técnica tinha grande aceitação, e que deu uma nota característica a inúmeros conventos, igrejas e casarios barrocos brasileiros. A partir do século XVII o costume se enraizou no Brasil, com painéis decorados principalmente com motivos vegetais e geométricos, semelhantes aos adotados nos tapetes, com rica policromia e evidenciando influência dos arabescos mudejares. Com a aproximação do fim do século, as cores vão gradualmente perdendo espaço, e no século XVIII se generalizou o painel pintado somente de azul, com peças de menores dimensões mas com uma rica moldura ornamental. Isso derivou da porcelana chinesa apreciada pelos portugueses, também majoritariamente monocrômica, e de inovações na técnica do cozimento, o que também possibilitou a produção de azulejos em escala industrial. Nesta fase os painéis se tornam narrativos, com composições figurativas complexas e uma temática diversificada, muitas vezes com cenas profanas, históricas, paisagens e alegorias. Essa iconografia foi em geral retirada de estampas e gravuras. No fim do século XVIII voltam as cores, estabilizando-se em uma paleta de quatro tons. Até meados do século XVIII os azulejos foram criados por artesãos anônimos, mas depois começam a surgir alguns nomes, na chamada "fase dos grandes mestres", entre eles Bartolomeu Antunes, Valentim de Almeida e sobretudo Antônio de Oliveira Bernardes, considerado o maior azulejista do Barroco português. Talha dourada e outras modalidades escultóricas A talha dourada, uma modalidade de escultura essencialmente decorativa, deve ser abordada em mais detalhe em vista da sua grande riqueza no Brasil e da sua extraordinária importância ao longo de todo o desenvolvimento do Barroco, muitas vezes adquirindo proporções monumentais e modificando a percepção dos espaços arquitetônicos internos. Como os volumes estruturais das igrejas permaneceram sempre bastante simples e estáticos, atestando a longevidade e vigor da tradição da arquitetura chã, foi na decoração dos interiores, nos retábulos e altares, onde a talha domina, que o Barroco brasileiro pôde se expressar com sua força total e ser mais "tipicamente Baroco": suntuoso, extravagante, dinâmico e dramático. Foi no nordeste, primeiro em Salvador e em Recife, que deu seus primeiros frutos importantes. Partindo do ecletismo e preciosismo dos retábulos maneiristas da tradição portuguesa, eles mesmos já de enorme requinte e complexidade, como provam os importantes retábulos da Catedral de Salvador e da Catedral de São Luís do Maranhão, ambos descendência direta do Maneirismo, a talha barroca se formou atualizando outros arcaísmos, como os arcos plenos concêntricos dispostos em profundidade, comuns nos portais das igrejas românicas, abundantes em todo o território português, e as colunetas torcidas, já existentes no período gótico. Os espaços entre esses elementos estruturais dos retábulos, bem como suas superfícies, foram entalhados com profusa ornamentação policroma e folheada a ouro, na forma de ramagens e guirlandas de flores, entremeadas, nos exemplos mais ricos, de anjos, brasões, insígnias, pássaros, atlantes e cariátides, com grande homogeneidade estilística. Essa moldura, que tinha um caráter cenográficoe equivalia em conceito e função aos arcos do triunfo da Antiguidade, criava um nicho, preenchido com um pedestal para a estátua de um santo. A base dos retábulos era uma caixa ou mesa também decorada, que podia ser substituída por colunas de sustentação. Os retábulos principais nas capelas-mor podiam ser de grande imponência. A essa conformação específica se deu o nome de "estilo nacional português", que se tornou o modelo dominante para decoração de interiores de meados do século XVII e até ao início do século XVIII. Naturalmente, houve várias interpretações do modelo, e as diferentes ordens religiosas adotaram variações próprias que se tornaram típicas; jesuítas tendiam a ser mais sóbrios, já franciscanos preferiam um luxo faustoso. Nos tetos, o estilo nacional se cristalizou na fórmula dos "caixotões" ou "cofres", um trabalho de talha com áreas poligonais vazadas, onde se inseriam pinturas. Ilustrativas desta etapa são a Capela Dourada em Recife, uma das primeiras neste estilo, e a Igreja de São Francisco de Salvador, ilustrada na abertura deste artigo, uma das mais ricas do Brasil; sua luxuriante talha dourada cobre inteiramente todas as superfícies internas, com impactante efeito de conjunto. Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, Rio, grande exemplo da talha joanina, obra dos portugueses Manuel de Brito e Francisco Xavier de Brito Em seguida se observa penetrar uma nova tendência, chamada de Barroco joanino, caracterizada pela explosão da talha, assumindo relevos de grande profundidade e projetando-se do plano da parede, com caráter estatuário e arquitetônico, apresentando cariátides, anjos e guirlandas, coroamentos com sanefas, falsos cortinados, dosséis, cúpulas vazadas ou bulbosas, multiplicando os motivos decorativos em relevo a ponto de obscurecer os elementos estruturais ou perverter sua lógica primitiva, dissolvendo-os na ornamentação. Também ocorre a introdução do branco na pintura dos fundos, dando maior vivacidade e contraste à policromia da madeira. Um excelente exemplo do estilo joanino está na Igreja dos terceiros de São Francisco, no Rio, ilustrada ao lado. Na segunda metade do século XVIII passou a predominar a influência francesa, gerando uma derivação rococó, mais leve e elegante, mais aberta e rarefeita, cujo maior florescimento ocorreu em Minas Gerais, se caracterizando pelos retábulos com coroamento de grande composição escultórica e com elementos ornamentais na forma de conchas, laços, grinaldas e flores, com fundos brancos e douramentos nas partes em relevo. [50][115] Também no nordeste o Rococó decorou ricamente muitas igrejas, como a Matriz de Santo Antônio em Recife, e no Rio são notáveis a Igreja dos Terceiros do Carmo, Santa Cruz dos Militares e a de Santa Rita, entre outras. Em grande número de casos em todo o Brasil uma talha rococó substituiu a talha barroca mais antiga, e ao longo dos séculos seguintes se verificaram frequentes renovações e reformas nas decorações internas, de modo que uma significativa parte do aspecto primitivo das igrejas barrocas brasileiras já foi desfigurado. Merece nota, finalmente, a extensa produção de outras formas de escultura ornamental, em mobiliário entalhado e nas portadas e frontões arquiteturais em pedra, que chegaram em muitos casos a altos níveis de refinamento e complexidade. Também sobrevive um rico acervo de objetos litúrgicos de caráter escultórico produzidos em metal, em geral a prata, tais como tocheiros, lampadários, turíbulos, navetas, tabernáculos, cruzes processionais e ostensórios.
Compartilhar