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História do Brasil Colônia História do Brasil Colônia Organizado por Universidade Luterana do Brasil Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Canoas, RS 2015 Maria Angélica Zubaran Juliane Maria Puhl Gomes Arilson dos Santos Gomes Conselho Editorial EAD Andréa de Azevedo Eick Astomiro Romais, Claudiane Ramos Furtado Dóris Cristina Gedrat Kauana Rodrigues Amaral Luiz Carlos Specht Filho Mara Lúcia Salazar Machado Maria Cleidia Klein Oliveira Thomas Heimann Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. ISBN: 978-85-5639-206-0 Dados técnicos do livro Diagramação: Jonatan Souza Revisão: Marcela Machado Este livro apresenta a História do Brasil Colônia tendo como recorte o período que se estende da expansão comercial portuguesa (século XV), da conquista e da colonização do Brasil, até o processo de independência no início do século XIX. Os dez capítulos deste livro apresentam um conjunto de informações que permite entendermos algumas das questões que elaboram a identi- dade histórica do nosso país. No primeiro capítulo será apresentado o contexto histórico que levou à expansão marítima portuguesa, viabilizando a chegada dos portugueses ao Brasil em 1500. No entanto, estas novas terras que estavam fora do conhecimento europeu não estavam vazias, desta forma no capítulo dois se coloca a discussão sobre a ocupação do território anterior a presença portuguesa no Brasil. Será apresentada a His- tória Pré-Colonial que se torna enriquecida através de estudos de casos regionais. Os regionalismos, superdimensionados pela extensão das novas terras, canaliza a abordagem sobre o contato entre povos e culturas com diferenças significantes, produzindo como resultado uma diversidade ímpar em termos de conhecimento histórico. No terceiro capítulo será apresentado o processo de conquista, colo- nização e estabelecimento das estruturas coloniais portuguesas, que inseri- ram o Brasil no cenário da História Geral, conhecida pelas suas caracterís- ticas eurocêntricas. A empreitada colonial portuguesa no Novo Mundo não foi um esforço solitário, pois contou com a parceria da Igreja Católica, o que significava uma sociedade invejável. O quarto capítulo irá abordar as religiosidades no Brasil colônia, ou seja, como a diversidade de nossa for- mação construiu características religiosas que se manifestaram na herança de um país plural e complexo religiosamente. Apresentação Apresentação v O quinto e o sexto capítulos abordam o trabalho compulsório e a es- cravização no Brasil colonial. Será apresentado o processo de implantação das estruturas produtivas, os problemas com a mão de obra local (indí- genas) e a necessidade de trazer africanos escravizados para dar suporte à base econômica e social brasileira. O conhecimento habitual sobre o período colonial coloca a organização das formas de trabalho compulsório como uma ação de imposição dos senhores e de aceitação calada dos escravizados, porém tal escravização não ocorreu sem resistência, tanto por parte dos índios quanto dos negros, o que deixou marcas históricas profundas em nossa História. No capítulo sete, o centro da análise será a organização do sistema e o cotidiano da vida colonial, no aspecto da constituição dos fundamen- tos que alicerçam a sociedade brasileira. No processo de formação inicial deste senso do ser vinculado a um Estado ou a um tipo de administração, serão abordadas as invasões estrangeiras nas terras “portuguesas”, no sen- tido da construção de alianças e negociações mediadas pelo quadro de diversidade da colônia. O oitavo capítulo discute sobre o achamento do ouro nas Minas Gerais, sobre a expansão das fronteiras coloniais, assim como a reestruturação econômica e social que a movimentação em torno da mineração pode produzir na formação de um novo contexto político, social e econômico. Os capítulos 9 e 10 abordam a influência das ideias iluministas no Brasil e as articulações políticas com o intuito de atacar a manutenção do sistema colonial no Brasil, o conjunto de ações contestatórias que se espalhou no país neste período foi denominado de revoltas coloniais. O ambiente político que se implantou no país, questionando os princípios da organização colonial, levou ao surgimento de novas possibilidades para os rumos da presença impositiva dos portugueses no Brasil; somado a isso, um quadro de perda de soberania em território português provocado pela expansão napoleônica e a hegemonia inglesa na Europa fez com que a vinda da família real ao Brasil passasse a ser uma realidade em 1808. O contexto de presença da casa real portuguesa no Brasil precipitou a reestruturação dos poderes, a urbanização, o crescimento de atividades vi Apresentação econômicas alternativas à economia de exportação. Tais características, em conjunto, serão fundamentais para o entendimento da crise do sistema colonial e consequentemente do processo de independência do Brasil. Esperamos que ao findar a leitura deste livro, construído por várias mãos, você seja capaz de reconhecer a importância da História do Brasil Colonial para entendermos, um pouco mais, quem somos nós como país e como povo diverso. Também, incrementar o volume de informações que possa atuar na autonomia do conhecimento que todo professor de História deve ter sobre o conjunto de dados que perfaz as características do que chamamos de conteúdo a ser trabalhado no exercício da docência. Estudar sobre a História do Brasil Colonial é um começo para elaborarmos uma ideia sobre a análise histórica do nosso país. Então, seja bem vindo ao começo da História do Brasil! Seja bem-vindo ao início da História de nosso país! 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta” do Brasil ...............................................................................1 2 Os Indígenas na Colônia ....................................................20 3 A Colonização da América Portuguesa ................................47 4 Religiosidades na Colônia ...................................................66 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de Índios e Negros ....84 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas .....................108 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica, Invasões Holandesas e Restauração Pernambucana ..........134 8 O Ouro e as Minas Gerais ................................................152 9 As Revoltas Coloniais ........................................................173 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro Internacional e Nacional (Inconfidência Mineira e Inconfidência Baiana) ..197 Sumário A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta” do Brasil1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História e do Mestrado em Educação da Universidade Luterana do Brasil, membro do NEABI/ULBRA. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 1 2 História do Brasil Colônia Introdução O “descobrimento” ou “achamento” das terras que seriam cha- madas Brasil em princípios do século XV se insere no contexto histórico das mudanças ocorridas na Europa Ocidental durante o final da idade média e início da idade moderna e se constitui em uma etapa da Expansão Marítima de Portugal. Neste capí- tulo, estudaremos a expansão marítima portuguesa no Ocenao Atlântico, os fatores que determinaram o pioneirismo português nas grandes navegações, a expedição de Pedro Álvares Cabral em 1500 e os primeiros registros sobrea nova terra. 1 Antecedentes Até o final da Idade Média, o mundo conhecido se limitava a três continentes: a Europa, a Ásia e a África e dois mares navegáveis, o Índico e o Mediterrâneo. O comércio entre a Europa e a Ásia era realizado através do Mar Mediterrâneo e da cidade de Constantinopla e era monopólio de comercian- tes italianos (venezianos e genoveses) e de árabes. Entre as cidades da Europa mediterrânea que participaram desse comércio destacam-se as cidade italianas de Gênova e Veneza, que mantinham comércio com as cidades de Ceuta e Tânger, no norte da África, onde se verificava a afluência de ouro, proveniente da região subsaariana. O ouro era trazido até as cidades ao norte da África pelas caravanas de árabes e servia de elemento de troca entre árabes e cristãos. Destacam- -se também no comércio mediterrâneo os aragoneses, senho- Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 3 res de uma poderosa rede de comércio ligando Barcelona, Va- lência e Palma de Mallorca com a Itália, a Sicilia, a Sardenha e o Marrocos. Por fim, Portugal se lançou ao mar no início do século XV, cem anos antes de Colombo, a serviço da Espanha, ter che- gado à América. No entanto, porque um país pequeno como Portugal foi o pioneiro na expansão marítima? 2 O pioneirismo português Fatores geográficos e históricos explicam o pioneirismo de Por- tugal na expansão ultramarina: Â A privilegiada posição geográfica, próximo ao Atlântico, às ilhas atlânticas e à costa da África. Além disso, os portugueses já tinham experiência no comércio mediter- râneo acumulado ao longo dos séculos XIII e XIV, embo- ra não se comparassem aos venezianos e genoveses, a quem iriam ultrapassar. Â O fato de Portugal ter sido o pioneiro da unificação na- cional com a Revolução de Avis. Durante todo o século XV, Portugal foi um reino unificado, contrastando com a França, a Inglaterra, a Espanha e a Itália, envolvidas em guerras dinásticas. O último rei da dinastia de Borgonha, D. Fernando I, mor- reu sem deixar herdeiro masculino legítimo (1383) para o rei- no de Portugal. Sua filha D. Beatriz, casada com D. João I, 4 História do Brasil Colônia rei de Castela, ameaçou levar Portugal a uma união dinástica com o reino de Castela. O problema da sucessão dinástica confundiu-se com uma guerra de independência, quando o rei de Castela, apoiado pela nobreza lusa, entrou em Portugal para assumir a regência do trono. Dom João, conhecido como o Mestre de Avis, meio-irmão do falecido rei Fernando I, apoiado pela burguesia lusa dis- putou a autonomia de Portugal face à Castela. A vitória de D. João I inaugurou a Dinastia de Avis (1385-1580), reforçou o poder monárquico, e deu início ao projeto nacional de expan- são marítima e comercial portuguesa. O objetivo era assegu- rar o fornecimento permanente de mercadorias do Oriente, e ouro para a península Ibérica. O ouro era utilizado como moeda, como meio de paga- mento e empregado pelos aristocratas na decoração de tem- plos, palácios e nas roupas. As especiarias eram produtos ra- ros e caros e incluíam condimentos, remédios e perfumaria. Entre esses condimentos destacam-se: a noz-moscada, o gen- gibre, a canela, o cravo e, sobretudo, a pimenta. O alto valor das especiarias se deve as limitadas técnicas de conservação existentes na Europa no século XV. Outro fator que contribuiu para o pioneirismo de Portugal foi o incentivo que o Infante D. Henrique (1394-1460), apeli- dado de “o navegador”, proporcionou à arte de navegar. Os portugueses aprimoraram a bússola e o astrolábio e inven- taram a caravela, uma embarcação pequena, que permitia aproximar-se bastante da terra firme sem o perigo de encalhar. Dom Henrique reuniu na cidade de Sagres vários navegantes, Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 5 cartógrafos, marinheiros e cosmógrafos dispostos a desenvol- ver conhecimentos marítimos para contornar o continente afri- cano e chegar às Índias. 3 A expansão marítima portuguesa na costa da África: Os portugueses se lançaram à conquista do Mar Oceano no alvorecer do século XV na busca de uma nova rota comercial que ligasse diretamente a burguesia mercantil portuguesa ao Oriente, de um novo caminho marítimo para às Índias, que evitasse o monopólio das cidades italianas. Conforme afirmam Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio (2001), as caravelas, apesar de pequenas, eram tidas como os melhores veleiros para se navegar em alto-mar no século XV. No entanto, o cotidiano das viagens ultramarinas não era nada bom, a precariedade da higiene a bordo e o espaço restrito para os passageiros faziam proliferar toda sorte de pa- rasitas como piolhos, pulgas e percevejos. Além de escassos, os alimentos embarcados eram mal conservados e a fome crônica colaborava para a morte de uma parcela importante dos marinheiros, composta de marujos acostumados à vida portuária, mas também de “vadios e desobrigados” recrutados pelas ruas das cidades. Mapa das Navegações Portuguesa e Espanhola (século XV) 6 História do Brasil Colônia Fonte: www.geocites.ws O ponto de partida da expansão marítima portuguesa na primeira metade do século XV foi a cidade de Ceuta (1415), situada no norte da África, que pertenciam aos mouros, ponto de chegada das caravanas que atravessavam o deserto do Sa- ara transportando ouro e marfim. No entanto, a conquista de Ceuta não representou a construção de uma rede comercial na África, pois os mouros desviaram suas rotas da cidade. Por- tugal então se voltou para a costa ocidental da África e para as Ilhas Atlânticas, conquistando Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé. Os portugueses foram estabelecendo várias feito- rias na costa da África, entre elas a feitoria de Arguim (1449) e a feitoria de do Castelo de São Jorge da Mina (1482). Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 7 O reconhecimento da costa ocidental da África foi lento. Passaram-se 53 anos da ultrapassagem do Cabo Bojador, por Gil Eanes (1434), até a temida passagem do Cabo das Tormentas, por Bartolomeu Dias (1487), depois rebatizado de Cabo da Boa Esperança. Â Em 1453: os turcos tomaram Constantinopla, impe- dindo o comércio direto dos Europeus com o Oriente. Tornava-se necessário encontrar um novo caminho ma- rítimo para o Oriente. Â Em 1487: Bartolomeu Dias contornou o Cabo da Boa Esperança, último limite ao sul da África, onde as águas do Atlântico e do Índico se encontram. Estava aberto o caminho marítimo entre a Europa e Ásia. Â Em 1492: o genovês Cristovão Colombo, a serviço da Espanha, atravessou o Atlântico. Sua missão era fazer a volta ao mundo pelo oeste e chegar à Ásia, já que a rota que contornava a África pelo sul era dominada pelos portugueses. Em vez disso Colombo chegou às ilhas do Caribe, mas acreditou ter chegado ao leste asiático. Pressionado pela Espanha, o Papa Alexandre VI, que era Espanhol, emitiu a Bula Inter Coetera, em 1493, dividindo o mundo ultramarino entre Portugal e Espanha. Por meio dessa bula traçava-se uma linha imaginária 100 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde: as terras a leste dessa linha seriam portu- guesas; as terras a oeste seriam espanholas. Portugal protes- tou contra o privilégio concedido à Espanha e ameaçou entrar em guerra contra a Espanha. 8 História do Brasil Colônia Em 1494, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tor- desilhas, um dos mais famosos tratados da História, amplian- do para 370 léguas os limites estabelecidos, a partir de um meridiano imaginário dividindo o Atlântico em duas zonas: as ilhas e terras firmes do hemisfério oriental caberiam a Portugal e aquelas do hemisfério ocidental caberiam à Espanha. MAPA MUNDI COM O TRAÇADO DO TRATADO DE TORDE- SILHAS Fonte: historiabatecabeça.wordpress.comO rei francês, Francisco I, não aceitou o Tratado de Tor- desilhas. Ele mostrou o seu descontentamento com a seguin- te frase: “Gostaria que espanhóis e portugueses mostrassem onde está o testamento de Adão, que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha”. Em 1498, Vasco da Gama chegava à cidade de Calicute, à sonhada Índia das especiarias. Goa foi o centro mais impor- tante de presença portuguesa na Índia. Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 9 Em março de 1500, Dom Manuel enviou uma nova frota para o Oriente, composta de 13 navios (10 naus e 3 cara- velas), que saíram do rio Tejo, em Lisboa, em 9 de março de 1500, com o objetivo de assegurar para a Coroa portuguesa o domínio sobre a rota marítima para as Índias, descoberta um ano antes por Vasco da Gama. A frota comandada por Cabral era composta por 13 em- barcações e o número de tripulantes variava entre mil e du- zentos e mil e quinhentos. Pedro Álvares Cabral era um fidalgo de pouco mais de 30 anos, pertencente a nobreza, mais um homem de armas do que um navegador. Apesar de festejado na corte manuelina, jamais recebeu outro comando e morreu no ostracismo. 4 A expedição de Cabral: descobrimento ou “achamento”? Em 21 de abril de 1500 a frota de Cabral após passar Cabo Verde tomou rumo ao oeste, afastando-se da costa africana até avistar o que seriam os primeiros sinais de terra. Em 22 de abril os marinheiros notaram a presença de aves e avistaram primeiramente, um monte alto e logo em seguida, a terra pla- na com grandes arvoredos. Ao monte alto deram o nome de Monte Pascoal, e a terra, Terra de Vera Cruz. Em 13 de setem- bro de 1500 a frota chegou a Calicute. O objetivo tinha sido alcançado: haviam chegado à Índia e tinham “descoberto” uma nova terra, o Brasil. 10 História do Brasil Colônia Portanto, no ano de 1500 a armada de Pedro Álvares Ca- bral avistou o litoral da terra que seria chamada Brasil. Desco- brimento ou achamento? Essa dúvida intrigou os historiadores por muito tempo: teria sido o Brasil encontrado pelos portugueses por acaso ou inten- cionalmente? Em primeiro lugar, a terra tocada pela esquadra de Cabral não estava deserta, abandonada ou sem dono: lá viviam entre três a cinco milhões de índios que já ocupavam a terra há mais ou menos 2500 anos. Em segundo lugar, os por- tugueses já presumiam a existência das terras alcançadas em 1500. Por último, outros europeus relataram terem chegado a essas terras antes de Cabral. Portanto, tudo leva a crer que o Brasil foi antes achado do que descoberto. A historiografia luso-brasileira deve a revisão da temática do descobrimento do Brasil a Joaquim Barradas de Carvalho, que publicou importante obra sobre o navegador e diplomata Duarte Pacheco Pereira, autor do livro Esmeralda de Situ Or- bis. Segundo esse autor, Duarte Pacheco Pereira, já no ano de 1498, teria sido o verdadeiro “descobridor” das novas terras do Novo Mundo ao sul do Equador, mas é impossível saber com precisão. O reinado de Dom Manuel (1498-1521), marcou o apo- geu das navegações portuguesas, com o controle das rotas do ouro e da malegueta africana, das especiarias indianas e do pau tintorial do Brasil, que formaram um vasto império ultra- marino lusitano. Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 11 4.1 Os concorrentes de Cabral O maior concorrente de Cabral ao título de descobridor foi o também português e navegador Duarte Pacheco Pereira. Em 1498 o rei D. Manuel encarregou esse marinheiro de uma mis- são ultraconfidencial: descobrir se as terras encontradas por Colombo do outro lado do Atlântico faziam mesmo parte da Ásia. Duarte Pacheco Pereira redigiu entre 1505-1508 o Esme- raldo de Situ Orbis onde relatou ter avistado uma multidão de “gente parda, mas quase branca”. A descrição bate com os in- dígenas da tribo dos aruaques que têm a pele mais clara, ou- tro detalhe, os aruaques povoavam o litoral do maranhão, por onde passava o traço invisível de Tordesilhas. Assim, mesmo antes de 1500, já se tem na corte portuguesa a comprovação da existência de terras no hemisfério ocidental. Outro aventureiro famoso que pode ter lançado âncoras em nossas praias antes de Cabral foi o geógrafo italiano, florentino, Américo Vespúcio, que entrou para a história ao desmentir as teorias de seu conterrâneo Colombo. Em 1504, Vespúcio publicou um texto chamado Novus Mundus, garan- tindo que as terras no oeste do Atlântico não eram parte da Ásia, mas um continente completamente desconhecido - um novo mundo. Rival de Colombo, Américo Vespúcio, pode ter desembarcado no Brasil em 1499, pelo menos é o que dá a entender em uma de suas cartas. Em junho de 1499 diz ter avistado uma terra cheia de grandíssimos rios a 5 graus de longitude sul, ou seja, o litoral do Maranhão. Outros viajantes, os espanhóis Diego de Lepe e Yánez Pin- zón, têm evidências mais sólidas. Foram condecorados pelo rei da Espanha por terem “descoberto” o Brasil em janeiro de 12 História do Brasil Colônia 1500, dois meses antes de Cabral. Em abril de 1500 o rei português teria simplesmente decidido tomar posse oficial das terras que muitos já sabiam existir. Todas essas hipóteses da- tam a descoberta do Brasil em algum momento do século XV. No entanto, para o oficial da marinha britânica e historia- dor diletante Gavin Menzies, a costa do Brasil havia sido ma- peada 80 anos antes, em 1421, pelo navegador chinês Zheng He, quando a China dominava os mares, teoria defendida no livro 1421: O Ano em que a China descobriu o Mundo, não muito popular entre historiadores profissionais. Entretanto, foi a “descoberta” de Cabral que incorporou a nova terra ao mundo ocidental. Com Cabral, o mundo soube que existia terra na área portuguesa do Tratado de Tordesilhas. A notícia do “achamento” da Terra de Santa Cruz, nome dado por Cabral à nova posse do rei D. Manuel I, ganhou os prin- cipais portos europeus. Ao longo do século XVI o nome Brasil começou a designar o litoral atlântico da América Portuguesa, relacionado à madeira de cor avermelhada, abundante na ter- ra, chamada Pau-Brasil. 5 Primeiros registros da Nova Terra: a carta de Pero Vaz de Caminha e a primeira missa no Brasil A Carta de “achamento” do Brasil foi redigida pelo escrivão da frota de Cabral, Pero Vaz de Caminha, dirigida ao rei de Portugal, Dom Manuel. Tratava-se de um relato em ordem Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 13 cronológica sobre os acontecimentos passados na nova terra, desde o dia 21 de abril de 1500 até o momento que os por- tugueses deixaram a terra recém-descoberta rumo às Índias. Neste documento, assim Caminha descreveu os indígenas que encontrou na chegada: A feição deles é parda, um tanto avermelhada, com bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertu- ra. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas, e nisso tem tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam o lábio de baixo furado e metido nele seus ossos de verdade (...). Os seus cabe- los são lisos e andavam tosquiados. De tosquia alta, e rapados até por cima da orelha (Carta de Pero Vaz de Caminha, 1999, p. 31). O documento original está depositado no Instituto Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, Portugal. A Carta de Caminha adquiriu o significado de ato fundador do país, de certidão de nascimento do Brasil. O quadro, A Primeira Missa no Brasil, pintado por Victor Meirelles, em Paris, em 1859, procura recriar a cena da pri- meira missa celebrada no Brasil pelo frei franciscano Henri- que de Coimbra em Porto Seguro, no sul da Bahia, em 26 de abril de 1500. Vitor Meirelles usou como referência para a sua pintura, a Carta de Pero Vaz de Caminha. A cruz de madeira erguida naquela ocasião era um sinal de que a descobertanascia sob o poder da igreja católica. 14 História do Brasil Colônia A pintura de Vitor Meirelles tornou-se um testemunho visual de um dos primeiros atos oficiais da Igreja Católica no Brasil, no cumprimento da sua missão no “Novo Mundo”. Fonte: pt.wikipedia.org Recapitulando Neste capítulo estudamos o contexto europeu da “descoberta” ou “achamento” do Brasil, a partir da expansão marítima por- tuguesa no Oceano Atlântico. Analisamos os fatores do pio- neirismo português nas grandes navegações e as conquistas portuguesas ao longo da costa da África até a descoberta de Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 15 Vasco da Gama de um novo caminho marítimo para as Índias. Em seguida estudamos a expedição de Cabral e discutimos as controvérsias em torno da “descoberta” do Brasil. Por últimos vimos os primeiros registros da nova terra: a Carta de Cami- nha e o quadro da Primeira Missa no Brasil. Referências ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Sal- vador: P555 Edições, 2006. BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. São Pau- lo: Editora da Universidade de São Paulo; Fundação Ale- xandre Gusmão, 1998. DEL Priore, Mary e Renato Pinto Venâncio. O Livro de Ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: EDIOURO, 2001. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Uni- versidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995. LOPEZ, Adriana e Carlos Guilherme Motta. História do Brasil: Uma Interpretação. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2008. LINHARES, Maria Yeda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. MAESTRI, Mário. Uma História do Brasil: Colônia. São Pau- lo: Contexto, 2002. 16 História do Brasil Colônia SILVA, Maria Beatriz da. (org.). Brasil: Colonização e Escravi- dão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. MELLO E SOUZA, Laura de. (org.). História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. Vol. I. São Paulo: Cia das Letras, 1997. STADEN, Hans. A Verdadeira História Dos Selvagens, Nus e Ferozes Devoradores De Homens, Encontrados No Novo Mundo, A América. Rio de Janeiro: Dantes Livraria Editora, 1999. TUFANO, Douglas. A Carta de Pero Vaz de Caminha. São Paulo: Moderna, 1999. Atividades 1. Leia as alternativas a seguir sobre a expedição de Pedro Álvares Cabral. I. A esquadra de Cabral reunia os esforços da Coroa, da burguesia mercantil e da igreja. II. O objetivo da viagem de Cabral era chegar às Índias, o que só foi possível depois de um longo caminho rea- lizado pela costa africana, durante o século XV. III. A viagem expressou a subordinação da Coroa portu- guesa à Igreja Católica na época dos descobrimentos. Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 17 IV. Era um dos objetivos da viagem tomar posse de terras a oeste, de modo a assegurar o controle do Oceano Atlântico. Indique a alternativa correta: a) Somente I, II e III b) Somente I, III e IV c) Somente I, II e IV d) Todas as afirmativas estão corretas. e) Nenhuma das alternativas acima. 2. Foram razões importantes do pioneirismo português na ex- pansão marítima do século XV, exceto: a) A unificação política e a centralização do Estado Por- tuguês, em relação aos demais países europeus. b) A criação da Escola de Sagres, centro de estudos náuticos, que disseminou conhecimentos sobre a arte de navegar. c) A deficiência na agricultura levou os portugueses a buscarem sua subsistência na pesca marítima. d) A posição geográfica estratégica de frente para o Oceano Atlântico. e) Nenhuma das alternativa acima. 3. Em relação ao Tratado de Tordesilhas é correto afirmar que: a) O Tratado foi assinado pelo Papa Alexandre VI. 18 História do Brasil Colônia b) O Brasil já havia sido descoberto quando o Tratado foi assinado. c) O Tratado definiu a divisão do Novo Mundo entre por- tugueses e franceses. d) O Tratado foi assinado no século XVI. e) Nenhuma das alternativas acima. 4. Sobre o “descobrimento” do Brasil é correto afirmar que: a) Foi um acontecimento casual, uma vez que os portu- gueses não sabiam da existência de terras a oeste da costa africana. b) Marca uma etapa da expansão ultramarina portugue- sa realizada pela Coroa em aliança com a burguesia mercantil e a Igreja. c) Marca o interesse de Portugal em chegar ao Brasil e iniciar imediatamente a sua colonização. d) Foi uma etapa da conquista comercial portuguesa no mar Mediterrâneo. e) Nenhuma das alternativas acima. 5. Sobre a expansão marítima portuguesa no século XV é cor- reto afirmar que: a) Os portugueses se lançaram ao mar no século XV para tomar posse das terras descobertas no Brasil. b) O ponto de partida da expansão marítima portuguesa foi a cidade de Ceuta, situada no norte da África. Capítulo 1 A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta”... 19 c) Os portugueses estabeleceram feitorias ao longo da costa africana para colonizar a África. d) Bartolomeu Dias e Vasco da Gama foram responsá- veis, respectivamente, pela passagem do Cabo Boja- dor e pela conquista de um novo caminho marítimo para às Índias. e) Nenhuma das alternativas acima. Gabarito 1(d); 2 (d); 3 (c); 4 (b); 5 (b); ?????????? Capítulo ? Os Indígenas na Colônia1 1 Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA. Juliane Maria Puhl Gomes1 Capítulo 2 Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 21 Introdução Neste capítulo faremos um panorama das culturas indígenas antes da chegada dos europeus, bem como os desdobramen- tos do contato entre estas culturas tão diferentes. Para início de conversa, lembramos que o termo mais cor- reto para denominar a história do Brasil antes da chegada dos europeus é “Pré-Colonial” e não “Pré-História”, afinal são no mínimo 15 mil anos de História que iniciaram com a chegada dos primeiros grupos humanos aqui. Quem de fato povoou as terras que atualmente considera- mos Brasil foram povos de vár´kas etnias, com culturas mui- to elaboradas e extremamente bem adaptadas aos diferentes ambientes que formam nosso país. Estes grupos foram nome- ados erroneamente pelos europeus de “índios”, pois Colombo acreditava ter chegado à Índia em 1492. Mesmo não sendo uma denominação correta, muitos grupos indígenas escolhe- ram essa nomenclatura por se reconhecerem como e serem reconhecidos como índios. Outros grupos preferem ser chamados de “nativos”. Mas tam- bém estudamos em Pré-História que não existem grupos humanos nativos da América, eles migraram para cá pelo Estreito de Bering (teoria mais aceita) ou pela Oceania. Se este termo também não é correto, qual a denominação que devemos utilizar já que muitos destes grupos já não existem mais e não deixaram vestígios, senão de cultura material, para que possamos defini-los? O termo correto seria: Grupos de CULTURA NATIVA, pois as culturas foram criadas, construídas aqui. 22 História do Brasil Colônia E quantas culturas! Um grande número delas se perdeu nestes 514 anos de invasão, conquista e ocupação de seus territórios, mas muitas ainda estão vivas e fortes, ganhando espaço e tentando lutar por seus direitos. 2.1 O Brasil pré-colonial O processo de povoamento da América já foi apresentado de forma mais aprofundada na disciplina de Pré-História. A teoria mais aceita pela comunidade científica é a de que os diferen- tes grupos humanos que povoaram a América, provavelmente, entraram pelo Estreito de Bering. Imagem de satélite mostrando o Estreito de Bering. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/ Povoamento_da_Am%C3%A9rica#mediaviewer/File:Beringia_at_Arctica_surface.png Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 23 Nesta ilustração vemos como estava o Estreito de Beringno período do povoamen- to, quando era formado por terra firme, uma espécie de “ponte” natural entre a Ásia e a América, permitindo o deslocamento por terra. Fonte: http://pt.wikipedia. org/wiki/Povoamento_da_Am%C3%A9rica# mediaviewer/File:Poblamiento_de_ America_-_Teor%C3%ADa_P_Tard%C3%ADo.png Um aspecto importante que temos que ter em mente ao estudarmos o povoamento do Brasil é o de que, como pro- vam os estudos do pesquisador Walter Neves, estes grupos são oriundos de ao menos dois grupos genéticos diferentes, os negróides e os mongoloides. Estamos tão habituados a ver os grupos indígenas (de as- cendência mongoloide) que nos parece estranho pensar que grupos negróides (como os aborígenes australianos) também povoaram o Brasil. Aliás, cabe ressaltar que os sepultamentos (datados) mais antigos do Brasil foram encontrados na déca- 24 História do Brasil Colônia da de 70, na escavação da Lapa Vermelha, em Lagoa Santa, MG. Um crânio feminino foi reconstituído por Walter Neves e recebeu o apelido de “Luzia”, fazendo uma analogia à “Lucy” (africana). Os primeiros ocupantes do Brasil foram denominados, pela comunidade científica, como “Paleoíndios”1. Alguns pes- quisadores afirmam que estes grupos eram caçadores espe- cializados em megafauna. Assim que a megafauna entrou em extinção, estes grupos tiveram que se adaptar aos meios em que se encontravam, criando novas ferramentas e utensílios. Assim nasceram as Culturas Nativo Americanas! È impossível, neste trabalho, abranger todas as culturas que durante séculos desenvolveram e aprimoraram seu modo de viver pelos vários ambientes que compõe o território brasileiro. Sendo assim, nossa proposta é aprofundar alguns exemplos, apenas no intuito de demonstrar a riqueza de nossa história Pré-Colonial. 2.1.1 Grupos pré-ceramistas Utilizamos o termo Pré-Ceramista para designar os grupos que ainda não domesticavam plantas, e que viviam da coleta, caça 1 Segundo Anna Roosevelt (1999, p.37), podemos definir os paleoíndios como, “caçadores especializados em animais de grande porte, altamente adaptados a ambientes terrestres abertos, de clima temperado das Américas”. Segundo Pedro Ignácio Schmitz (1999, p.56) os locais em que são encontrados vestígios destes grupos apontam para sítios de matança e não acampamentos residenciais. Tam- bém indicam que a população era pouco numerosa, dispersa e nômade. Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 25 e/ou pesca, os chamados caçadores-coletores ou pescadores- -coletores-caçadores. A maioria destes grupos era nômade dentro de um terri- tório mais ou menos definido. Normalmente esta delimitação era vinculada aos ambientes naturais aos quais adaptavam suas culturas para melhor sobrevivência. Antigos caçadores-coletores do sul do Brasil No período de 12.000 a 8.500 AP (primeira fase do Holoceno) houve um aumento gradual da temperatura com baixa precipi- tação, acarretando na diminuição da vegetação. Neste perío- do houve a primeira expansão do povoamento do sul do Brasil, ao longo do rio Uruguai, que mesmo reduzido no seu caudal, atraiu os recursos anteriormente dispersos. “O único ambiente ocupado pelo homem ainda parece ser o das estepes secas e frias dos terrenos baixos (Fase Uruguai)” (SCHMITZ, 1984, p. 05). Este ambiente, hoje, corresponderia aos campos sulinos. Ainda segundo Schmitz (1984), a linha da costa se encon- trava a 150m abaixo do nível atual e a flora predominante era adaptada a climas semidesérticos (frios e secos), devido a pou- ca umidade. A floresta estava limitada à encosta do planalto meridional, para onde os homens tiveram que se deslocar em busca de recursos. Naquele ambiente glacial, os primeiros caçadores encon- traram uma fauna de grande porte, denominada por alguns pesquisadores como: megafauna (SCHMITZ, 1991). Esta fau- na parece ter entrado em extinção com o término da última glaciação, talvez devido ao surgimento das novas condições 26 História do Brasil Colônia ambientais do Holoceno. Estes animais foram substituídos por outros animais de pequeno e médio porte como as emas, as antas, os ratões do banhado e os pequenos cervídeos, que fo- ram igualmente caçados pelos primeiros grupos pré-históricos que aqui se estabeleceram. Nos vales dos rios Uruguai, Ibicuí e Quaraí encontram-se os vestígios arqueológicos mais anti- gos do RS, datados de 12 mil a 10 mil A.P. (KERN, 2009). Os vestígios mais encontrados são: lâminas de facas, com ou sem retoques, rapadores circulares para limpar as peles, pontas de flecha ou de lança líticas com pedúnculo e aletas, bolas de boleadeiras, quebra-coquinhos, dentre outros. Ainda segundo Kern (2009), os espaços abertos do Estado do Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina parecem ter sido palmilhados por esses caçadores, que aos poucos ampliaram seus raios de ação, aproximando-se do litoral atlântico, da re- gião lagunar e das áreas alagadiças onde desenvolveram um padrão de subsistência baseado na coleta, na caça e na pesca. Outros grupos humanos, entretanto, procuraram novas paisagens para se instalar e sanar os problemas iniciais de adaptação a ambientes naturais distintos. Deste modo, grupos de caçadores-coletores surgiram em meio às florestas subtro- picais com araucárias do Planalto Meridional que se expan- diram pelas alturas do Planalto Sul-brasileiro, pescadores e coletores marinhos se instalaram junto ao litoral atlântico, na estreita e alongada planície litorânea, onde o mar e as lagoas predominam (KERN, 2009). Arno A. Kern (2009), também afirma que os mais antigos grupos de caçadores conhecidos se estabeleceram nas áreas Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 27 de paisagens cobertas por arbustos e um imenso tapete de gramíneas, que genericamente denominadas de “pampas”, na Argentina, no Uruguai e no Rio Grande do Sul. Os ves- tígios arqueológicos de sua cultura material são encontrados em sítios do final do Pleistoceno e pós-glaciais. Estes grupos indígenas, que se tornaram conhecidos a par- tir do século XVI como os grupos de Charrua e de Minuano históricos. Foram esses caçadores-coletores nômades os gru- pos que mais resistiram ao processo de colonização europeia, até os inícios deste século. Mapa com a localização dos sítios ar- queológicos mais antigos do sul do Brasil (Fonte: SCHMITZ, 2006, p.26). Mapa Áreas arqueológicas do Sul do Bra- sil datadas entre 4.000 anos a.C. e 500 anos d.C.: tradições Umbu, Humaitá e sambaquis (Fonte: SCHMITZ, 2006, p.27). 28 História do Brasil Colônia Podemos observar em suas bolas de boleadeira que não ignoravam as técnicas de polimento para o tratamento das superfícies, e das de picoteamento para a confecção de sulcos destinados à preensão.. O basalto foi preferido para a ela- boração das bolas de boleadeira, as demais matérias-primas foram utilizadas, sobretudo, para o lascamento de lâminas cortantes, como foram os casos das facas ou das pontas de flechas líticas (SCHMITZ, 1991; KERN, 2009). Exemplos da cultura material dos grupos de caçadores-coletores mencionados. Detalhe C: cópia dos petroglifos do Morro do Sobrado, Montenegro/RS. Fonte: RIBEIRO, 1999, p.79. Há vários outros objetos, como os chifres de veados, que devido à incrível resistência de suas pontas, foram utilizados como retocadores e utilizados por pressão nas arestas cortan- tes das lâminas, para se obterem gumes serrilhados muito cor- Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 29 tantes. Muitos dentes de animais foram encontrados com per- furações para serem utilizados como contas de colar (KERN, 2009). Segundo Kern (2009), os grupos pampianos evidenciaram na gravura a sua capacidade artística, sendo que os suportes sobre os quais aqueles artistas pré-históricos gravaram suas obras-primas foram variados, desde paredes de abrigos e cavernasda encosta, assim como blocos de pedra isolados. Outro tipo é composto por pequenos seixos achatados, de- nominados de “pedras gravadas”, pelos signos ou petróglifos, esculpidos quase sempre em ambas as faces. As datações en- contradas em alguns sítios arqueológicos onde estas manifes- tações artísticas ocorreram indicam datas entre aproximada- mente 5.700 e 700 anos AP (KERN, 2009). Segundo Schmitz (1995-1996), a ocupação dos sítios co- nhecidos do nordeste do Uruguai e o sul e sudoeste do Rio Grande do Sul se realizaria especialmente na primavera e no verão, servindo de acampamentos estacionais de pesca, so- bretudo. Seu padrão de assentamento define-se como acam- pamentos transitórios dentro de um território permanente. A maioria destes acampamentos está relacionada à obten- ção de recursos alimentares, matéria-prima, bem como festas e rituais. Segundo Schmitz (1995-96), algumas sociedades têm um acampamento central, a partir do qual saem para estações de atividades específicas, mas retornando sempre ao ponto de partida. Outras têm diversos acampamentos estacionais, dis- tribuídos pelo ano, nenhum dos quais, segundo o autor, pode ser considerado a sede do grupo. 30 História do Brasil Colônia As formas de exploração dos recursos do território de do- mínio, bem como a organização social correspondente, e as formas de assentamento dos caçadores-coletores variam bas- tante. O que caracteriza o assentamento é a pouca estabili- dade no mesmo local, embora se volte a ele periodicamente (SCHMITZ, 1995-96). Segundo Schmitz (1995-1996), há possibilidade destes grupos terem explorado sazonalmente os recursos de áreas litorâneas, fato ainda pouco estudado pelos pesquisadores. Já para as populações interioranas, principalmente as que viviam na Floresta Atlântica, as evidências de exploração sazonal são mais evidentes. Pescadores-coletores-caçadores: os sambaquianos As populações pré-ceramistas residentes o ano todo no litoral, popularmente conhecidas como sambaquianas, ainda são ob- jeto de grande estudo e não existe consenso entre os pesqui- sadores quanto a um padrão que defina o grupo, tomando-se muitas vezes como base, características muito abrangentes. Os sambaquis são encontrados do Rio de Janeiro ao sul do Rio Grande do Sul, datando de 7000 a 2000 AP. Também há sambaquis no norte do Brasil, mas são pouco estudados e não serão abordados neste trabalho. Utilizaremos aqui um conceito de Schmitz (1991, p.18), Os sambaquis são acúmulos de conchas, ossos de pei- xes e outros resíduos de atividade humana, resultantes da ocupação do litoral marítimo por bandos especiali- Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 31 zados em sua exploração. São os resíduos mais volumo- sos acumulados por qualquer população pré-histórica brasileira. Podem formar morros de 30 metros de altura, ao longo de lagoas, lagunas, mangues, pântanos ou baías, onde os alimentos eram ricos, mas dificilmente encontrados ao longo de praias retilíneas, onde o con- junto de alimentos é consideravelmente pobre. O autor chama esse conjunto de características de “cultura de sambaquis” (SCHMITZ, 2006). Constituem assentamentos, padrões de sepultamentos, organização social, tecnologia, economia alimentar, sociedade, hierarquia e até mesmo cons- tituição biológica diferenciadas das demais populações indí- genas (SCHMITZ, 2006, p.3). Sem dúvida foram as mudanças ocorridas depois do “Óti- mo Climático” que atraíram esta população, “(...) a explora- ção de moluscos litorâneos é uma das mais duradouras for- mas de economia na pré-história brasileira e parece ter criado um verdadeiro modo de vida” (SCHMITZ, 1984, p.27). Segundo André Prous (2006, p.34): Instalavam-se geralmente em baías como as de Gua- nabara, Iguape, Paranaguá, Joinville, Laguna, no limi- te entre vários ambientes complementares (mar aberto, enseadas profundas, mangue que forneciam, cada um, alimentos específicos e recursos em água, madeiras e rochas diferentes. Preferiam locais de posição elevada e seca, bem drenados evitando, o acúmulo de água após as chuvas, e que propor- 32 História do Brasil Colônia cionasse acesso à brisa do mar. Com certeza isto reduzia a incidência de insetos, como moscas e mosquitos, bem como diminuía o perigo de cobras e de outros animais peçonhentos. A elevação das estruturas, também pode estar relacionada ao prestígio social do grupo (GASPAR, 2004). O local também deveria ter abastecimento de água potá- vel e recursos alimentares, principalmente peixes e moluscos, base da alimentação do grupo, cujas estimativas populacio- nais apontam, em média, para 180 a 400 pessoas (SCHMITZ, 1984). Segundo a pesquisadora Maria Dulce Gaspar (2004) eram sedentários e muitos destes sambaquis (a maioria segundo a autora) foram ocupados por mais de cem anos ininterrupta- mente, como os sambaquis Ilha da Boa Vista I, II, III e IV (RJ), que indicaram ocupações de 350 anos. Algumas exceções, como o Sambaqui da Jabuticabeira II (Laguna, SC), foram ocupados pelo período de 1000 anos, ou seja, por 18 gera- ções! Apesar de sedentários não cultivavam seus alimentos, vivendo da pesca, coleta de moluscos e frutas, e da caça. Possuíam uma rica cultura material composta por elemen- tos como anzóis, agulhas, pontas de projétil em osso polido, pesos de rede, lâminas de machado polidas, percutores e es- culturas em pedra polida denominadas de zoólitos. As marcas nos ossos dos sepultamentos dos indivíduos destes grupos in- dica que nadavam e remavam muito. Em alguns sambaquis há evidências de ocupação de po- pulações ceramistas do Planalto (Tradição Taquara / Casa de Pedra / Itararé), que aculturaram ou mesmo se mestiçaram à Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 33 população litorânea, como demonstra a grande quantidade de cerâmica destes junto às camadas superiores das aldeias do litoral. Ocupantes do pantanal O ambiente do pantanal é impar, pois tem um ciclo que passa do período das cheias, para os de campos emersos. Segun- do Prous (2006) esta dinâmica faz com que haja três conjun- tos favoráveis: a encosta dos platôs que margeiam a planície sempre seca e coberta por matas; os campos sazonalmente alagadiços; e os rios permanentes e as lagoas. O primeiro possibilitava a caça de mamíferos e a horticultura; o segun- do, uma vasta oferta de gramíneas com grãos comestíveis (ar- roz silvestre, por exemplo), bem como a coleta de moluscos e crustáceos aquáticos; e por fim o terceiro, que além da pesca possibilita a caça de mamíferos e répteis de grande porte. Um dos problemas enfrentados por estes grupos era o pe- ríodo das enchentes, portanto ou se mantinham nas terras al- tas marginais, ou então precisavam construir aterros nas áreas alagadiças mais rasas do que 1,5m. Segundo Schmitz (1999) estes aterros formam pequenas elevações de 60m a 100m de diâmetro e até 2m de altura. Faziam esses pequenos aterros com terra dos arredores e muitas conchas de moluscos. O local de onde retiravam a terra, acabava funcionando como um canal que auxiliava a drenar a água. Posteriormente a ma- nutenção era muito semelhante a dos sambaquis, consumiam os alimentos e iam depositando os restos no chão, o que gra- dativamente ia elevando o pequeno monte. 34 História do Brasil Colônia Prous (2006) chama a atenção para as fogueiras que eram feitas sobre uma base de pedras, provavelmente para reduzir a umidade. Junto aos vestígios de alimentação, aparecem os sepultamentos e também pequenos sinais do que podem ter sido calços para sustentação de abrigos. Alguns destes sítios dataram de 6mil anos a.C, ou seja 8 mil anos atrás. No mesmo contexto destes sítios foram encontrados diver- sos petroglífos (gravuras sobre pedra), alguns extremamente grandes, cobrindo imensos lajedos. A maioria das figuras é geométrica. Segundo Schmitz(1999, p.153), “A produção destas numerosas e extensas figuras exigiu grande investimento de tempo, razão pela qual não se pode atribuí-la a mero passa- tempo ou diletantismo”. O autor avalia que estes locais podem estar relacionados a rituais religiosos destes grupos. A partir de 200 a.C. alguns destes grupos passam a pro- duzir cerâmica, indicando que já estão domesticando plantas para complementar a alimentação (horticultura). Muitos remanescentes dos grupos de coletores, pescado- res do pantanal foram conhecidos ainda no período históri- co, quando auxiliaram na guerra contra o Paraguai. A grande maioria foi dizimada, mas muitos ainda vivem na região (trata- remos dos grupos horticultores no próximo item). 2.1.2 Grupos ceramistas Já dominavam técnicas de domesticação de plantas, mas con- tinuavam praticando (agora como complementação alimen- Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 35 tar) a caça e a coleta. Com o processo de plantio precisa- vam ficar mais tempo em um mesmo local, sendo assim esses grupos eram semisedentários ou sedentários, dependendo da região ocupada e do quanto da alimentação já provinha da agricultura. Alguns eram horticultores - pense em uma horta. Você não sobrevive comendo de uma horta, você complementa sua ali- mentação com ela. Outros eram agricultores - a maior parte da alimentação já provinha do que era plantado. Não há registro de domesticação de animais no Brasil. Para cozer os alimentos era necessária a elaboração de “panelas”, ou seja, vasilhames que permitissem o cozimento dos alimentos. Estes vasilhames eram feitos de argila, por isso que os grupos que plantavam seus alimentos são chamados de CERAMISTAS. Grupos Pré-Ceramistas não tinham necessi- dade de elaborar vasilhames, além disso, como eram nôma- des, carregar todos estes utensílios seria muito complicado. Vamos conhecer alguns exemplos de grupos ceramistas brasileiros. Os ceramistas do planalto No planalto, do sul de São Paulo ao Rio Grande do Sul, en- contramos vestígios de grupos do tronco linguístico Jê (Kain- gang e Xockleng, dentre outros). Estes grupos baseavam sua alimentação na coleta do pinhão, na caça e na horticultura, 36 História do Brasil Colônia sendo assim ceramistas. Nas regiões mais altas do planalto faziam as “casas subterrâneas”, estruturas escavadas na terra (grandes buracos), com o telhado rente ao chão. Dentro delas faziam fogueiras e o ambiente ficava como uma estufa, auxi- liando a aguentar as baixas temperaturas (abaixo de zero) no período do inverno. Algumas destas estruturas chegavam a ter 6m de profun- didade, e a terra removida na abertura do buraco era depo- sitada em forma de anel ao redor da estrutura, evitando que entrasse a água das chuvas. Algumas aldeias tinham até 36 casas, mas ao que parece nem todas eram ocupadas ao mesmo tempo. Junto às foguei- ras, mas principalmente do lado de fora das casas, foram en- contrados os pequenos cacos das antigas panelas de barro, bem como instrumentos feitos em pedra. Estes mesmos grupos também ocupavam áreas mais bai- xas da encosta, demonstrando um movimento sazonal talvez relacionado à oferta de alimentação. Nas áreas do planalto com altitude inferior a 550m são raras as chamadas casas subterrâneas. Também há muitos vestígios destes grupos no litoral, indi- cando que no verão iam para a costa litorânea usufruir dos abundantes recursos do período. Os migrantes da amazônia: Tupiguarani Os grupos cuja língua vem do tronco Tupi (Tupinambá, Tupi- guarani, Tupiniquim) são oriundos da Amazônia. Muitas são Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 37 as teorias dos motivos que levam a saída do local de origem, mas não há consenso sobre isso. Alguns afirmam que muitas famílias de um mesmo grupo saíram da Amazônia em busca de melhores recursos e com a dispersão foram criando novos grupos que mantiveram traços linguísticos semelhantes, bem como muitas práticas culturais. Não cabe aqui entrar nesta discussão, então apresentare- mos um pouco dos Tupiguarani. Os vestígios culturais deste grupo aparecem desde as Reduções e o Rio da Prata ao sul, até o nordeste, e o sul da Amazônia. A leste, ocupam toda a faixa litorânea, desde o Rio Grande do Sul até o Maranhão. A oeste, aparecem (no Rio da Prata) no Paraguai e nas terras baixas da Bolívia. Evitam as terras inundáveis do Pantanal e marcam sua presença discretamente nos cerrados do Brasil Central (PROUS, 2006, p.97). Habitavam os vales dos rios, suas aldeias eram formadas por várias malocas. Salientamos que Maloca significa casa co- letiva destinada à família extensa e Oca, casa da família nu- clear. A maioria das tribos conhecidas utilizava malocas e não ocas como costumamos aprender na escola. O termo maloca se tornou pejorativo e sinônimo de local para atender questões sexuais, ou mesmo de lugar desorganizado, depois da che- gada dos europeus. A afirmação “vou na maloca pegar uma índia para mim”, deu uma conotação completamente diferente à real, que é casa da família. Do mesmo modo era lá que fi- cavam os filhos ilegítimos oriundos de violência sexual contra as índias. Deste modo os portugueses se referiam aos que não 38 História do Brasil Colônia pertencem a seu mundo, que viviam à margem, ou seja, os “maloqueiros”. Termo ainda utilizado em algumas regiões do país para designar grupos que vivem na periferia das cidades. Praticavam a agricultura de coivara, ou seja, derrubavam o mato, colocavam fogo e depois faziam o plantio. Quando o solo esgotava abriam novas áreas. Plantavam: mandioca, fei- jão, batata-doce, cabaças, amendoim, milho, cará, abóbora, algodão e, no sul do Brasil, também sabiam cultivar a erva- -mate (dando origem ao chimarrão). Alimentavam-se ainda de caça e pesca, e no litoral com a coleta de moluscos. Seus artefatos mais conhecidos são os va- silhames de barro (panelas, tigelas) e as lâminas de machado polidas. Ficaram conhecidos, assim como seus aparentados Tupi- nambá, pelo hábito religioso de capturar guerreiros de tribos inimigas para rituais antropofágicos2. Acreditavam que ao ma- tar uma pessoa a alma do morto ficava eternamente presa a quem a matou. Quanto mais guerreiro o inimigo fosse, mas almas Tupi carregava com ele. Portanto ao matar um grande guerreiro e comer um pedaço simbólico de sua carne, as al- mas, a força e a coragem do inimigo, retornariam ao grupo de origem. Os portugueses não conseguiam, nem queriam, entender tal ritual e usavam disso para atacar os índios do grupo Tupi sem piedade. 2 O termo antropofágico é mais correto porque denota comer carne humana com intuito cerimonial. Canibalismo é mais relacionado à ideia de comer carne humana como fonte de proteínas. Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 39 O ritual poderia levar dias, meses ou anos. O prisioneiro ficava livre dentro da aldeia, mas sob vigilância. Era bem cui- dado, alimentado e recebia até mesmo mulheres para garantir que ficasse com corpo e mente sadios. Fazia exercícios para ficar em boa forma e lhe davam o direito de morrer lutando, porém tinha cordas amarradas a cintura para que pudessem manter o controle. No auge da luta, sem que visse, recebia uma pancada na parte de trás da cabeça e morria instantane- amente. Seu corpo era limpo e preparado num complexo ritual que culminava com o consumo de sua carne. Os jesuítas ficaram chocados e esta foi uma das práticas, jun- tamente com o direito à poligamia dos caciques, que tentaram abolir. Os índios, em processo de catequização não entendiam o motivo de tanto “alarde” já que os padres afirmavam que a comunhão era comer a carne e beber o sangue de Jesus Cristo. E na colônia? Falaremos mais do trabalho indígena no capítulo 5. Os índios de origem Tupi foram considerados os mais “promissores” pelos europeus. Eles eram semisedentários,praticavam a agricultura, coziam seus alimentos em panelas de barro e foram excelentes guias. Muitos termos que ainda utilizamos tem origem na língua Tupi, pois foi com eles que os portugueses aprenderam os no- mes das “coisas” no Brasil (arara, abacaxi, jacaré, tatu, jabuti, Pernambuco, Piauí, dentre tantos!). Isto foi tão significativo que em São Vicente a língua mais falada no século XVII era o Tupi. A medicina indígena também foi muito utilizada. As co- bras e doenças tropicais desconhecidas aos europeus eram 40 História do Brasil Colônia tratadas com ervas pelos pajés, que conheciam bem como tratá-las. Alguns destes remédios utilizamos até hoje (guaraná como ativador de memória, o aloé vera – babosa – em me- dicamentos e produtos de beleza, diversos chás). O hábito de tomar banho diário também foi aprendido com os indígenas, pois os europeus não o faziam com muita regularidade. Os indígenas tomavam banho após fazer suas necessidades, mas também para refrescar o corpo e por diversão. Os europeus levaram anos para aprender a tomar banho de mar por prazer, por exemplo, como fazemos até hoje. Os alimentos cultivados pelos indígenas até hoje fazem parte da nossa mesa: feijão, batata, abobora pimentas, milho, dentre tantos outros. No sul do Brasil costumam afirmar que alemão come batata e italianos polenta. Pois bem, tanto a batata quanto o milho são plantas americanas, os europeus aprenderam a comê-las depois de 1500. Foram inseridos no sistema colonial, com ou sem opção e mesclando (na melhor das hipóteses) sua cultura a dos euro- peus. Muitas tribos desapareceram, ou ficaram a margem da sociedade. A ideia era civilizá-los, ato que ainda hoje os não indígenas tentam fazer... Recapitulando O Brasil é povoado a ao menos 15mil anos (para não entrar- mos em polêmica), e é neste período que a história do nosso país iniciou. Não podemos continuar a reproduzir uma fala de Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 41 Pré-História, sendo que as culturas que viviam aqui deixaram inúmeros vestígios que comprovam a riqueza e grandiosidade destas comunidades Pré-Coloniais. Todos os espaços e ambientes brasileiros eram ocupados por grupos que foram aprimorando suas tecnologias e ade- quando-as às suas necessidades. A chegada dos europeus alterou esta dinâmica e fez com que grande parte, senão a maioria destas culturas desapare- cesse sem deixar outros vestígios que não os materiais (macha- dos, pontas de flecha, etc.). Podemos observar como sepulta- vam seus mortos, que objetos colocavam junto ao corpo, mas jamais poderemos recuperar os cantos, as rezas, os procedi- mentos. Nem mesmo sabemos como se autodenominavam, damos nomes a eles, como os sambaquianos (sambaqui tem origem na língua Tupi). No capítulo 5 retomaremos um pouco mais dos índios no Brasil Colônia. Referências bibliográficas FAUSTO, Boris. 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O termo mais correto para definirmos as populações indí- genas seria: a) Nativo americanos. b) Brasileiros. c) Povos indígenas. d) Povos de cultura nativa. e) Índios do Brasil. 2. Assinale a alternativa incorreta: a) O Brasil tem uma história de quase 20mil anos. b) Antes de 1500 o Brasil possuía centenas de culturas extremamente ricas e variadas. 44 História do Brasil Colônia c) Ao ser descoberto pelos portugueses em 1500 o Brasil deu o primeiro passo de sua rica história. d) Até hoje utilizamos palavras do vocabulário indígena. e) A mão de obra indígena foi fundamental para o de- senvolvimento do Brasil no século XVI. 3. Os grupos pré-coloniais apresentavam grande adaptação cultural aos meios em que viviam. Prova disso é: I – A elaboração de pesos de rede e anzóis pelos grupos sambaquianos demonstrando adaptação ao ambiente litorâneo. II – Bolas de boleadeira aos caçadores-coletores (sul do Brasil) para caçarem animais de campo aberto. III – Casas subterrâneas no Planalto do sul do Brasil para proteção do frio rigoroso no inverno. IV – Elaboração de vasilhames de argila pelos grupos hor- ticultores para o cozimento dos alimentos cultivados. A partir das afirmações acima, assinale a alternativa correta: a) As alternativas I, II e III estão corretas. b) As alternativas I, II e IV estão corretas. c) As alternativas II, III e IV estão corretas. d) As alternativas II e III estão corretas. e) Todas as alternativas estão corretas. Capítulo 2 Os Indígenas na Colônia 45 4. Ao analisarmos o motivo pelo qual os grupos Tupiguarani e Tupinambá consumiam a carne de seus inimigos, pode- mos afirmar que: a) Era um ritual religioso através do qual recuperavam a alma dos mortos pelos inimigos e adquiriam sua força e coragem. b) Era uma forma destes grupos terem acesso a fontes de proteínas animais, escassas neste período. c) Este habito iniciou com a chegada dos europeus, quando a comida ficou mais escassa. d) Tentavam imitar a seu modo a metáfora cristã do cor- po e sangue de Jesus. e) É inexplicável e por isso mereceram ser dizimados. 5. Algumas das heranças indígenas que ainda estão em nos- so cotidiano são: I – Influência na alimentação. II – Contribuição na língua portuguesa. III – O uso de plantas medicinais como chá ou processa- das em medicamentos. IV – Alguns hábitos de higiene. A partir das afirmações acima, assinale a alternativa correta: a) As alternativas I, II e III estão corretas. b) As alternativas I, II e IV estão corretas. 46 História do Brasil Colônia c) As alternativas II, III e IV estão corretas. d) As alternativas II e III estão corretas. e) Todas as alternativas estão corretas. Gabarito 1 – D 2- C 3 – E 4 – A 5 - E ???????? Capítulo ? A Colonização da América Portuguesa1 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História e do Mestrado em Educação da UniversidadeLuterana do Brasil, membro do NEABI/ULBRA. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 3 48 História do Brasil Colônia Introdução A colonização da América portuguesa se deu no contexto his- tórico do mercantilismo europeu, dos Estados Absolutistas e do fortalecimento da burguesia mercantil portuguesa. Neste ca- pítulo abordaremos o período pré-colonial e a montagem do sistema colonial português no Brasil, iniciando com as Capi- tanias Hereditárias e prosseguindo com o estudo do governo- -geral e o estabelecimento dos vice-reis na Colônia. Por fim, estudaremos a importância das Câmaras Municipais no Brasil Colônia. 1 O período pré-colonial: Entre os anos de 1500-1530, período denominado pela his- toriografia tradicional de “pré-colonial”, Portugal, em decor- rência dos lucros das Carreiras das Índias e da exploração do litoral africano, não ocupou a nova terra, mas estabeleceu feitorias no litoral do Brasil, assim como, em outros pontos- -chaves de seu império colonial. As feitorias eram entrepostos comerciais militarizados situados no litoral. No caso do Bra- sil, as feitorias cumpriam a função de armazenar o pau-brasil, madeira valiosa usada para o fabrico de tintura vermelha para tecidos na Europa, para carregamento nos navios portugue- ses. O mapa a seguir ilustra a importância da extração do pau-brasil realizada pelos indígenas no período pré-colonial. Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 49 Figura 1 Detalhe Mapa “Terra Brasilis” 1519, Atlas de Lopo Homem. Fonte: en.wikipedia.org A extração do pau-brasil era monopólio da Coroa, no con- texto do fechamento dos mares aos navios concorrentes. A Co- roa arrendava a exploração do pau-brasil a particulares e o pri- meiro contratante foi o comerciante Fernando de Noronha, que em 1501 se comprometeu a enviar anualmente seis navios ao Brasil, a construir um misto de entreposto e fortaleza e a pagar o quinto do pau-brasil à Coroa. A extração do pau-brasil era feita de forma predatória e a madeira esgotou-se rapidamente. As árvores eram cortadas e transportadas aos navios pelos indí- genas que em pagamento recebiam objetos como espelhos, fa- cas, tesouras, agulhas. Essa relação de troca entre portugueses e indígenas denominou-se escambo. Não por acaso, os por- tugueses incluíam machados de ferro entre as mercadorias de troca, pois facilitavam a derrubada das árvores. 50 História do Brasil Colônia O comércio do pau-brasil também interessou aos franceses, cuja ação no litoral do Brasil era motivo de preocupação para a Coroa portuguesa. A inexistência de núcleos regulares de povoa- mento dos portugueses no Brasil facilitou aos corsários franceses (autorizados pelo governo francês) a invasão do território portu- guês na América, interessados no comércio do pau-brasil. Portan- to, nas três primeiras décadas do século XVI os interesses de Por- tugal mantiveram-se orientados para o comércio com as Índias. O Brasil era, sobretudo, uma escala para a frota rumo à Índia. Nesse período, Portugal enviou expedições exploradoras e guarda-costas para o Brasil. A primeira expedição explorado- ra foi comandada por Gaspar de Lemos em 1501, que fez o levantamento dos principais acidentes geográficos na costa brasileira. Em 1503, Gonçalo Coelho liderou a segunda expe- dição exploradora no litoral brasileiro. Outras expedições foram enviadas entre 1516 e 1526, ambas comandadas por Cristovão Jacques para desalojar os franceses, daí serem denominadas expedições guarda-costas, no entanto, pouco fizeram contra os piratas estrangeiros devi- do a grande extensão da costa. 2 O início da colonização do Brasil Por que colonizar o Brasil? Povoar o Brasil fazia-se urgente, devido à crise do comércio português no oriente, causada pelo assédio dos muçulmanos às cidades e fortalezas portuguesas na Índia e pelos altos custos da defesa. Era também urgen- te combater a presença francesa no litoral do Brasil. O por- Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 51 tuguês Cristovão Jacques apreendeu vários navios franceses carregando pau-brasil. Por outro lado, não resta dúvida que os indígenas continuavam negociando a madeira com portu- gueses e franceses. Por volta de 1530, Portugal passou a se interessar mais pelo Brasil. O início efetivo da colonização portuguesa ocorre com o en- vio da expedição de Martim Afonso de Sousa, que em 1532, com o objetivo de expulsar os corsários franceses e explorar o litoral até o Rio da Prata em busca de metais preciosos. Tendo percorrido o lito- ral e averiguado as condições para um povoamento estável fundou o primeiro núcleo colonial, a Vila de São Vicente (SP). Figura 2 Fundação de São Vicente, Benedito Calixto, 1900. 3 O sistema de capitanias hereditárias A solução adotada pelo rei de Portugal, D. João III (1521- 1557), para colonizar o Brasil foi o sistema de Capitanias He- 52 História do Brasil Colônia reditárias, em que particulares recebiam uma vasta extensão de terras para explorar. O donatário podia deixar a capitania para seu filho, mas não podia vendê-la ou trocá-la e nem reparti-la. Era uma experiência que já havia sido utilizada na colonização do arquipélago de Madeira. Em carta escrita a Martim Afonso (1534), o rei comunicava a decisão de dividir as terras que iam de Pernambuco até o Rio da Prata em 15 lotes paralelos, da beira-mar prosseguindo com a mesma lar- gura inicial para o ocidente. As capitanias foram 12, entre elas destacam-se: Maranhão, Itamaracá, Pernambuco, Bahia, Por- to Seguro, Ilhéus, Espírito Santo, Santo Amaro e São Vicente. Figura 3 Mapa das Capitanias Hereditárias, Luiz Teixeira, 1574. Fonte: www.histedbr.fe.unicamp.br As Capitanias Hereditárias foram distribuídas aos donatá- rios, representantes da pequena nobreza portuguesa, que ti- Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 53 nham se destacado na expansão marítima para África e Índias e aos funcionários da burocracia monárquica. As capitanias receberam degredados da justiça, colonos, pequenos comer- ciantes, artesãos e cristãos-novos (judeus recém-convertidos). Aos donatários cabia criar vilas e povoações, exercer justiça, incentivar a instalação de engenhos e moendas de água. A Co- roa portuguesa transferiu para particulares os compromissos com a colonização e o escambo foi paulatinamente substituído pela agricultura. Dois documentos básicos regiam o sistema de capitanias: a carta de doação e o foral, que garantiam os direitos do capitão-donatário e suas obrigações frente à Co- roa. Através do regime de donatários a colonização portugue- sa promoveu a intervenção direta dos empresários europeus no âmbito da produção. Esse sistema foi usado primeiramente nas Ilhas Atlânticas de Portugal, depois no Brasil e também em Angola, dentro da lógica da colonização do império colonial português, que abrangia além do Brasil, terras na África e no Oriente. Por que o açúcar? Além de seu valor monetário no mercado da época, de- vido à sua raridade, o plantio e o fabrico do açúcar já eram praticados pelos portugueses nas Ilhas de Madeira e Açores, assim como, a construção de engenhos e o uso de mão-de- -obra escrava. É da ilha de Madeira, que Martim Afonso de Sousa trouxe as primeiras mudas de cana-de-açúcar para a vila de São Vicente, onde construiu o primeiro engenho em 1533. Assim constitui-se uma economia açucareira, que foi a base da economia colonial e cujo centro era o engenho, que prosperou particularmente, em Pernambuco e na Bahia. 54 História do Brasil Colônia Figura 4 Engenho Real, Frans Post (1647) Fonte: Frans Post: www.faperj.br No entanto, o sistema de Capitanias Hereditárias fracas- sou devido ao tamanho do território, ao isolamento e dificul- dade de comunicação, a falta de recursos dos donatários e aos ataques dos indígenas. Mesmo assim, duas capitanias,São Vicente (Martim Afonso) e Pernambuco (Duarte Coelho) prosperaram, pois além da produção do açúcar, houve uma diversificação paralela de produtos, como o algodão e o ta- baco e autonomia na produção de alimentos. Também foi importante para o sucesso das capitanias um relacionamento menos agressivo com os indígenas, pois várias capitanias não resistiram ao cerco indígena. Na Bahia, o donatário Francisco Pereira Coutinho foi devorado pelos Tupinambás. As capitanias foram sendo retomadas pela Coroa, ao lon- go dos anos, por meio de compra e foram paulatinamente passando do domínio privado para o público. Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 55 4 Os governos-gerais Em 1549, frente ao fracasso das capitanias, às incursões fran- cesas e aos ataques indígenas, o rei de Portugal, D. João III, resolveu intervir nomeando para a capitania da Bahia um Go- vernador-Geral, Tomé de Sousa, um fidalgo com experiência na África e na Índia, que chegou acompanhado de mais de mil pessoas. O governo-geral se sobrepôs às capitanias e tinha como objetivo centralizar os poderes dispersos entre os dona- tários e defender a colônia contra os indígenas e os piratas es- trangeiros, sobretudo os franceses. O governador-geral vinha munido de um documento que lhe definia as atribuições cha- mado Regimento. No governo-geral foram criados também os seguintes cargos: ouvidor-mor, responsável pela justiça local; o provedor-mor, responsável pelos impostos e taxas da Coroa; e um capitão-mor, responsável pela defesa da costa. O Governo de Tomé de Sousa (1549-1553) Chegando ao Brasil em 1549, Tomé de Sousa (1549-53) ergue a primeira cidade do Brasil, São Salvador, capital do Brasil até 1763, e inicia sua ação punitiva contra os Tupinam- bás, destruindo-lhes as aldeias e povoações e matando e ca- tivando parte deles. A obra colonizadora do governador-geral visava, acima de tudo, assentar os colonos, transformá-los em “moradores”, e para isso incentivava a implantação de enge- nhos, o aldeamento dos índios mansos junto aos povoados e o combate ao comércio ilegal do pau-brasil. Com Tomé de Sousa vieram os primeiros padres jesuítas chefiados pelo padre Manuel da Nóbrega, com o objetivo de 56 História do Brasil Colônia catequizar os índios e disciplinar o clero da colônia. Foi tam- bém no seu governo que foi criado o primeiro bispado da Coroa, sendo nomeado o Bispo D. Pero Fernandes Sardinha, que foi capturado pelos índios Caetés e devorado. Tomé de Sousa trouxe gado bovino de Cabo Verde, dis- tribuído aos colonos sob a forma de pagamento de soldos, o que incentiva a distribuição de sesmarias para a formação de pastos. A colonização é incentivada também com a intensifica- ção do tráfico negreiro, já importante em 1550, e com apelos para a vinda de colonos açorianos. A Bahia passou a ser uma um importante foco de povoamento, tornando-se, ao lado de Pernambuco, uma das principais áreas açucareiras da América Portuguesa. A instituição do governo-geral representou um esforço de centralização administrativa do Brasil. No entanto, a distância física entre o centro das decisões, Lisboa e as cidades litorâne- as era enorme, o que limitava a ação dos governadores. Em São Vicente, Nóbrega dizia: “Mais fácil é vir recado de Lisboa a esta capitania do que da Bahia”. As leis não atingiam o interior que ficava nas mãos do mandonismo local, que unia prósperos senhores de engenho e funcionários metropolitanos. Uma segunda camada de colonos era constituída por ple- beus e lavradores que fixavam-se com seu gado e escravos no interior. Outros podiam ser ladrões de gado e não faltava quem se organizasse em bandos e quadrilhas, agindo em as- saltos pelas estradas. Apesar dos esforços de Tomé de Sousa, a implantação do governo-geral na Bahia não inibiu a ação dos franceses em outros pontos da costa. Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 57 O Governo de Duarte da Costa (1553-1557) O segundo governador-geral, Duarte da Costa, veio tam- bém para o Brasil acompanhado de jesuítas, entre os quais, José de Anchieta, que junto com Nóbrega fundou o Colégio de São Paulo de Piratininga, criado em 1554, que mais tar- de se tornou vila, e em 1711 passou a categoria de cida- de. Durante o seu governo a pressão dos franceses tornou-se particularmente forte na baía da Guanabara, onde o francês Nicolau Durand de Villegaignon invadiu e fundou uma colônia em 1555, denominada França Antártica. A França Antártica (1555-1567) O francês Nicolau Durand de Villegaignon pretendeu fun- dar uma colônia francesa na baía da Guanabara, onde os Huguenotes viveriam livres da perseguição religiosa. No en- tanto, os conflitos entre franceses católicos e huguenotes se transferiram para a Guanabara. As querelas finalizaram com a perseguição e morte dos dissidentes. Os franceses construíram o forte Coligny na baía da Gua- nabara e pretenderam enraizar sua presença no litoral atlân- tico para traficar pau-brasil. Entretanto, em 1560, as tropas de Mem de Sá tomaram o forte de Coligny após enfrentarem a resistência dos franceses apoiados pela coalizão indígena chamada Confederação dos Tamoios. Em 1565, em meio a constantes combates contra os franceses, Estácio de Sá fundou a segunda cidade do Brasil, São Sebastião do Rio de Janeiro. O Governo de Mem de Sá (1558-72) 58 História do Brasil Colônia Os 14 anos do governo de Mem de Sá se caracterizaram por realizações importantes, tais como a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1 de março de 1565, pela guerra para expulsar os franceses da Guanabara, e pelo combate aos indígenas da Confederação dos Tamoios. Estácio de Sá, seu sobrinho, passou a liderar a guerra contra a aliança franco-tamoia e aliou-se aos Temiminós. As lutas de portugueses aliados dos Temiminós contra os franceses aliados dos Tamoios se prolongariam até 1867. Estácio de Sá morreu em combate aos franceses, ferido no rosto com uma flecha envenenada. Figura 5 Fundação da Cidade do Rio de Janeiro: Mem de Sá entrega as chaves da cidade ao alcaide. Fonte: Autor: Halley Pacheco de Oliveira Disponível em http://commons.wikimedia. org/wiki/File:Pal%C3%A1cio_Pedro_Ernesto_-_Funda%C3%A7%C3%A3o_da_Ci- dade.jpg Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 59 Após o Governo de Mem de Sá sucederam-se vários gover- nadores-gerais, ao todo 21, até a implantação dos vice-reis, instituído pela primeira vez em 1640, por Filipe III de Portugal, a favor de D. Jorge de Mascarenhas, Marquês de Montalvão. Os vice-reis provinham da alta nobreza e mais do que um go- vernador geral, que lembrava um funcionário graduado, apa- rentavam ser um representante da Coroa de Portugal. O título de vice-rei só se tornou permanente a partir de 1719, com a nomeação de Vasco Fernandes César de Mene- zes, Conde de Sabugosa. Em 1808, quando o príncipe regen- te D. João VI chegou ao Rio de Janeiro, cessaram as funções do vice-rei. A França Equinocial (1612-1615) Expulsos do Rio de Janeiro os franceses tentaram ocupar outra parte do Brasil no início do século XVII. Invadiram a capi- tania do Maranhão e fundaram a França Equinocial em 1612 e nela construíram o forte de São Luís, em homenagem ao rei da França Luís XIII. Os portugueses liderados por Jerônimo de Albuquerque e incluindo indígenas lutaram contra os franceses e os expulsaram em 1615, tomando o forte de São Luís. Após a fundação das primeiras cidades coloniais, os do- natários transplantaram de Portugal para a Colônia órgãos de administração local, que em Portugal eram chamados de Conselhos e que no Brasil chamaram-se Câmaras Municipais. 60 História do Brasil Colônia 5 As câmaras municipais As Câmaras Municipais eram compostas por até seis verea- dores, dois juízes ordinários (sem instrução formal em direito) e um procurador.Além disso, havia oficiais que auxiliavam os trabalhos. O papel principal ficava com os vereadores, eleitos de três em três anos, pelos chamados homens bons, isto é grandes proprietários de terras e de escravos que desfrutavam de elevada posição social, que não exerciam profissões manu- ais e que eram também chamados povo. As funções das câmaras estendiam-se por vários setores da vida local: administração municipal, obras públicas, regula- mentação do comércio, abastecimento de gêneros, manuten- ção de estradas, obras de defesa, regulamentação de práticas comerciais. A Câmara funcionava ainda como um Tribunal de primeira instância, particularmente para o cível, com direito de apela- ção ao ouvidor ou ao Tribunal da Relação, existente desde o final do século XVI na Bahia. As Câmaras tornaram-se a base da administração colonial e consolidaram o domínio portu- guês na América. Para ser oficial da Câmara Municipal, a legislação vigente impunha a obrigação de “pureza de sangue”, ou seja, não po- dia ter sangue negro, judeu ou mouro. As Câmaras acabaram por constituir-se em uma “nobreza da terra” composta fun- damentalmente por senhores de engenho e lavradores muito ricos, excluindo, por muito tempo, os comerciantes. Também Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 61 os judeus ou cristãos-novos quase nunca tiveram acesso às câmaras coloniais. Como aconteceu com o resto da América Latina, o Brasil se tornaria uma colônia cujo sentido era fornecer ao comércio europeu gêneros alimentícios ou minérios de grande impor- tância. Essa diretriz deveria atender a acumulação de riquezas na metrópole lusa, em mãos de grandes comerciantes e da Coroa. Recapitulando Neste capítulo aprendemos que nos trinta primeiros anos da história do Brasil não houve colonização, mas o estabeleci- mento de feitorias ao longo do litoral, com a extração do pau- -brasil e a prática do escambo entre indígenas e portugueses. O sistema colonial português foi montado a partir da ex- pedição de Martim Afonso de Sousa e caracterizou pelo lati- fúndio agro-exportador de açúcar, pela mão-de-obra escrava e pelo monopólio comercial, que juntos formaram o eixo em torno do qual se estruturou a vida econômica e social do mun- do ultramarino português na América. O primeiro sistema administrativo foi o de Capitanias He- reditárias, seguido pelo governo-geral e finalmente, pelo esta- belecimento dos vice-reis. As Câmaras Municipais instaladas após o aparecimento das primeiras cidades se constituíram na base da administração colonial e consolidaram o domínio português na América. 62 História do Brasil Colônia Referências ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Sal- vador: P555 Edições, 2006. DEL Priore, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. O Livro de Ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. EMANUEL, Araújo. O Teatro dos Vícios: transgressão e tran- sigência na sociedade urbana colonial. 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Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 63 Atividades 1) São características do período pré-colonial, compreendido entre 1500 e 1530: a) A exploração do pau-brasil. b) O Escambo entre indígenas, portugueses e franceses. c) O estabelecimento de feitorias no litoral. d) O envio de expedições exploradoras e guarda-costas. e) Todas as alternativas estão corretas. 2) Sobre as Capitanias Hereditárias, sistema administrativo adotado no Brasil por iniciativa de D. João III, é correto afirmar que: a) O sistema já fora experimentado com êxito pelos por- tugueses nas ilhas atlânticas. b) Os donatários tornavam-se proprietários das capita- nias através da Carta de Doação, que lhes dava o direito de vendê-las de acordo com seus interesses. c) O fracasso do sistema está associado às dificuldades de contratar mão-de-obra para o trabalho na lavoura. d) As duas capitanias que prosperaram foram Bahia e Pernambuco. e) Todas as afirmativas estão corretas. 3) A criação do governo-geral no Brasil representou: 64 História do Brasil Colônia a) O fim das Capitanias Hereditárias. b) A descentralização administrativa da Colônia. c) Um maior controle da Metrópole sobre a Colônia. d) A liberação da atividade mineradora. e) A proteção dos indígenas contra os jesuítas. 4) Sobre as invasões francesas ocorridas no Brasil Colônia é correto afirmar que: a) A primeira tentativa de fundar uma colônia francesa no Brasil Colônia se deu no Governo Geral de Duarte da Costa, no Rio de Janeiro, a chamada França Antár- tica. b) A segunda tentativa de fundar uma colônia francesa no Brasil Colônia se deu no Maranhão, a chamada França Equinocial. c) Na luta contra os franceses no Rio de Janeiro as tribos indígenas se dividiram: os Tamoios apoiaram os fran- ceses e os Temiminós apoiaram os portugueses. d) Os franceses foram expulsos do Rio de Janeiro no go- verno de Mem de Sá. e) Todas as afirmativas estão corretas. 5) Sobre as Câmaras Municipais no Brasil Colônia pode-se afirmar que, exceto: Capítulo 3 A Colonização da América Portuguesa 65 a) Com a fundação das cidades, criaram-se órgãos lo- cais de administração portuguesa, chamadas Câma- ras Municipais. b) As Câmaras Municipais acabaram por constituir-se na “nobreza da terra” composta fundamentalmente por senhores de engenho e lavradores ricos. c) As Câmaras Municipais concentravam o poder político na Colônia. d) As Câmaras Municipais também funcionavam como um tribunal de primeira instância. e) A legislação vigente no Reino impunha a obrigação da “pureza de sangue” para ser oficial da Câmara, ou seja, não aceitava mulheres. Gabarito 1 (e); 2 (a); 3 (c); 4 (e); 5 (e) ?????????? Capítulo ? Religiosidades na Colônia1 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História da Universidade Luterana do Brasil, membro do NEABI/ULBRA. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 4 Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 67 Introdução Para compreender a instalação da Igreja Católica nas Amé- ricas no século XVI, faz-se necessário considerar que nos sé- culos XV e XVI a Península Ibérica foi palco de intensos movi- mentos reformistas contra o avanço protestante. A instalação do governo-geral na Bahia coincidiu com o auge da Contra- -Reforma católica e das guerras de religião na Europa. A pró- pria Companhia de Jesus foi fundada em 1540, fruto do ideal reformador, dentro do modelo de cristianismo recomendado pelo Concílio de Trento (1545-1563). O vínculo entre o poder secular da monarquia e o poder espiritual da igreja, concedido pelo papa aos reis de Portugal, por meio do direito do Padroado foi umas das principais ca- racterísticas do Antigo Regime. A conquista das almas acom- panhava a conquista das armas. Neste capítulo, considerando que a sociedade que se formou na colônia resultou da con- vivência de práticas religiosas de três continentes, a Europa, a América e a África, estudaremos as religiosidades coloniais incluindo além do catolicismo, os cristãos novos, os judeus, os protestantes e os credos afro-brasileiros. 1 Aação dos jesuítas A crescente resistência indígena ao avanço dos portugueses e suas alianças com os franceses levaram a Coroa portuguesa a perceber que era necessário “pacificar” os indígenas para colonizar o Brasil. Os primeiros jesuítas que desembarcaram 68 História do Brasil Colônia no Brasil, em 1549, eram liderados por Manuel da Nóbrega (1517-1570) e chegaram na comitiva do primeiro Governa- dor-Geral Tomé de Sousa com o objetivo de converter os indí- genas e de transformar seu modo de vida e trabalho, de modo a se adequarem às novas prioridades do Estado colonizador português. Desconhecendo as sociedades indígenas, os euro- peus tinham a impressão de que os índios viviam “sem Deus, sem lei, sem rei, sem pátria, sem república, sem razão”. Dois anos depois da chegada da comitiva dos jesuítas à Bahia, a Coroa solicitou a autorização para criar o bispado do Brasil. A criação de um bispado em Salvador, diretamen- te subordinado as autoridade de Lisboa veio confirmar a im- portância da igreja católica na sociedade colonial. O bispo desempenhava funções relevantes e representava diretamente o poder metropolitano. O primeiro deles, o bispo Sardinha, acabou devorado pelos Tupinambás, depois de naufragar no litoral do Maranhão. Os jesuítas faziam parte da Companhia de Jesus, fundada em torno de Inácio de Loyola, no contexto da Contrarreforma engajada na defesa do catolicismo contra o avanço protes- tante. O monarca português cedeu aos jesuítas o monopólio da conversão do indígena. A tarefa da evangelização não era fácil e os jesuítas tiveram que aprender como ensinar o catoli- cismo aos nativos. Para o aprendizado da língua tupi, os jesuí- tas contaram com a ajuda de portugueses que viviam entre os indígenas, em geral náufragos e desertores. Com esse apren- dizado, José de Anchieta escreveu uma gramática da língua Tupi, em 1555. A doutrinação mais exitosa ocorreu com as crianças que ainda não conheciam bem as tradições dos tupis. Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 69 A encenação de peças teatrais e os autos jesuíticos foram um importante instrumento de catequização. De início, os padres percorriam com grandes riscos as aldeias nativas. No entanto, para contornar as crescentes dificuldades, os jesuítas elabora- ram um plano de aldeamento dos indígenas, deslocando gru- pos de indígenas de suas aldeias tradicionais para as aldeias da Cia de Jesus, dirigidas pelos jesuítas. Os aldeamentos missionários fundados no Brasil e no Pa- raguai, a partir da segunda metade do século XVI, foram cha- mados de Missões ou Reduções Jesuíticas. Nos aldeamentos, indígenas das mais diferentes tribos eram reunidos para que pudessem, mais facilmente, ser convertidos. Os aldeamentos foram objeto de críticas na historiografia, uma vez que a cate- quese buscou a mudança dos costumes indígenas incompatí- veis com a fé católica, tais como a nudez, o hábito de viver em ocas coletivas, a poligamia e a antropofagia. Os jesuítas enfrentaram grandes dificuldades nos caminhos da evangelização dos indígenas. O conflito mais importante se deu com os colonos, em torno da escravização dos indígenas nas lavouras de cana-de-açúcar. A disputa pelo indígena entre jesuítas e colonos foi intensa. Os jesuítas alegavam que era fundamental doutrinar os indígenas e conseguiram do rei vá- rias leis proibindo o cativeiro indígena, só admitido nos casos das chamadas “guerras justas” e no “resgate”. A guerra justa era uma das formas de legalizar a escraviza- ção de mão-de-obra indígena. O principal fundamento para a guerra justa era a recusa à conversão e o impedimento da propagação da fé e a prática de hostilidades contra os luso- 70 História do Brasil Colônia -brasileiros. No entanto, houve guerras ofensivas movidas pe- los colonos com o único objetivo de obter escravos. O resgate compreendia os índios que fossem comprados ou resgatados aos seus inimigos, considerando que a sua aquisição fosse uma forma de salvá-los de ritos antropofágicos ou, se o seu aprisionamento fosse considerado como resultado de uma guerra intertribal. O que a leitura da documentação deixa inferir é que frequentemente se efetuavam apreensões indevidas de indígenas, não se respeitando as especificidades estabelecidas pela guerra justa ou pelo resgate. Os maiores responsáveis pela escravização dos indígenas no Brasil colônia foram os bandeirantes paulistas e colonos do Maranhão e do Pará, que consideravam a proteção dos indí- genas pelos jesuítas a ruína econômica da colônia. Por outro lado, conforme Leslie Bethell (1998), nunca houve qualquer atividade missionária voltada para os negros. Os próprios je- suítas tinham escravos negros, não só nos colégios como em suas fazendas e nos aldeamentos. Em meio à crise entre os jesuítas e os colonos, o famo- so jesuíta Antônio Vieira (1608-1697) voltou ao Brasil, na qualidade de visitador das missões do Maranhão e Grão- -Pará e tornou-se um dos mais importantes defensores dos povos indígenas, combatendo a escravização dos indígenas pelos colonos no Brasil. Na literatura, escreveu Sermões, contra a cobiça dos senhores coloniais, fazem parte das obras primas da literatura brasileira. O padre Vieira morreu na Bahia, em 1697. Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 71 Figura1 Padre Vieira entre os indígenas, autor desconhecido, séc.XVI. Fonte: en.wikipedia.org Outro jesuíta de destaque foi o padre José de Anchieta (1534-1597), cognominado o apóstolo do Brasil. Chegou ao Brasil em 1553, com menos de vinte anos, e participou da fundação da cidade de São Paulo. Cuidava não só de educar os indígenas como também de defendê-los dos abusos dos colonizadores. Intermediou com Manuel da Nóbrega as ne- gociações de Paz com os indígenas reunidos na Confederação dos Tamoios, oferecendo-se como refém enquanto Manuel da Nóbrega voltava para São Paulo. Durante esse tempo foi pri- sioneiro dos índios e compôs o Poema à Virgem, nas areias da praia de Ubatuba. 72 História do Brasil Colônia Figura 2 Padre José de Anchieta. Fonte: www.news.va Os jesuítas foram também responsáveis pelas aulas de pri- meiras letras dos filhos dos colonos e fundaram muitos colé- gios, entre eles o Colégio de São Paulo de Piratininga, que deu origem a cidade de São Paulo. As práticas religiosas dos colonos estavam ligadas à estrutura patriarcal das famílias nas grandes plantações de cana-de-açúcar e ocorriam nas cape- las e nos espaços domésticos, em torno do oratório privado e da devoção aos santos. Outras ordens religiosas vieram para o Brasil Colônia após os jesuítas. Entre eles, os Franciscanos, os Carmelitas, os Bene- ditinos e os Capuchinhos franceses. A ordem dos franciscanos expandiu-se a partir de 1585, ao longo da faixa costeira, a partir de Olinda e concentraram-se principalmente entre Pa- raíba e Alagoas. Os carmelitas chegaram ao Brasil em 1580, estabeleceram fazendas e aldeamentos e possuíam também Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 73 expressivo número de escravos africanos. Expandiram-se para o norte e Amazonas, onde administraram importante rede de aldeias. Os beneditinos chegaram à Bahia em 1581 e espa- lharam-se para Olinda e Paraíba, Rio de Janeiro e São Paulo. O centro de suas atividades eram os mosteiros e as fazendas. Os capuchinhos franceses tiveram destacada atuação na pro- pagação da fé católica nos sertões do rio São Francisco. A Cia de Jesus tornou-se uma das instituições mais ricas da América Portuguesa, acumulando muitas terras e bens e tornou-se objeto de invejas. Tais tensões chegaram ao máximo no século XVIII, na década de 1750, quando os jesuítas se recusaram a cumprir o Tratado de Madrid, o que preparou o caminho para sua expulsão do Brasil em 1759 e para o con- fisco de seus bens. 2 Irmandades ou confrarias As irmandades ou confrariastiveram origem na Europa, onde costumavam associar santos a determinadas atividades profis- sionais. No Brasil, no período da escravidão, os negros eram impedidos de frequentar a igreja dos senhores. Assim, os ne- gros organizaram irmandades ou confrarias, que proliferaram no século XVII e atingiram o apogeu no século XVIII e entraram em decadência no século XIX. A palavra irmandade nos faz pensar em um conjunto de ir- mãos e era assim que homens e mulheres que faziam parte das irmandades eram chamados. Promoviam a devoção de um 74 História do Brasil Colônia santo e a participação de leigos na direção e organização dos cultos católicos. Dentre as Irmandades negras, a mais impor- tante foi a da Nossa Senhora do Rosário dos homens pretos, que congregou os afro-brasileiros em torno da Nossa senhora do Rosário. Organizavam procissões, festas, coroações de reis e rainhas e exerciam atribuições de caráter social, tais como: assistência aos doentes, compra de alforrias, garantia de en- terro dos escravos. Também os brancos eram aceitos, porém com limitações. Outras irmandades famosas foram: Irmandade de Santa Ifigênia e de São Benedito, ambos santos padroeiros negros. As irmandades negras conseguiram força social e poder po- lítico durante o período colonial e foi por meio delas, que os negros criaram uma rede de solidariedade, preservaram a sua cultura e começaram a reivindicar seus direitos. Figura 3 Rugendas, Festa de N. Senhora do Rosário, 1835. Fonte: pt.wikipedia.org Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 75 Figura 4 Debret, Irmandade da N. Senhora do Rosário, 1834. Fonte: people.ufpr.br 3 Cristãos-novos na colônia No século XVI, a migração de cristãos novos, nome que se dava aos judeus convertidos à força ao catolicismo por Dom Manuel em Portugal (1497), sob pena de expulsão de Portugal, começaram a buscar refúgio no Brasil. Instalaram-se principal- mente na Bahia, Pernambuco e Maranhão e integraram-se à economia e aos costumes coloniais. Realizavam clandestina- mente as suas práticas, mesmo sob a ameaça da Inquisição. Algumas práticas serviam para indicar judaísmo: guardar os sábados, acender candeeiros, jejuar e circuncidar os meninos. 4 Judeus na colônia Foi no século XVII, que os judeus instalaram-se em Pernambu- co, durante a invasão dos holandeses, no contexto de liber- 76 História do Brasil Colônia dade religiosa concedida pelo príncipe Maurício de Nassau. Concentraram-se na cidade de Recife e na Rua dos Judeus, onde construíram a primeira Sinagoga do Brasil. Eram judeus de Amsterdam e da Nova Amsterdam (NY) que foram autori- zados a migrar para o Brasil e integrar a economia açucareira do nordeste. 5 A inquisição na colônia A inquisição foi uma instituição de origem medieval, criada no século XIII, para combater os movimentos contestatórios à igre- ja católica. Na península Ibérica, a inquisição surgiu no século XV, primeiramente na Espanha. Em Portugal, o Tribunal do San- to Ofício foi criado em 1536 (séc.XVI), no reinado de D. João III, e teve como alvo principal as “heresias” praticadas pelos conversos. Por descenderem de judeus, os cristãos-novos per- maneceram suspeitos de manter suas crenças e rituais. Foram também perseguidos os bígamos, sodomitas, bruxas, feiticeiros (as). A partir de 1540 foram instalados três Tribunais da inqui- sição em Portugal: em Lisboa, Évora e Coimbra. Apenas um Tribunal foi fundado no ultramar, em Goa, na Índia, em 1560. O Brasil, nunca sediou um tribunal da inquisição, outro nome para o Santo Ofício. A inquisição se fez presente na colônia desde fins do século XVI, por meio das visitações do Tribunal. O tribunal enviava um visitador para receber denún- cias que eram julgadas pelo Tribunal de Lisboa. A primeira visi- tação de inquisidores no Brasil ocorreu no século XVI, entre os anos de 1591-1595, quando percorreram a Bahia, Pernam- Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 77 buco, Itamaracá e Paraíba. A delação secreta e sem provas era o método utilizado pelo Santo Ofício para obter denúncias de “crimes contra a fé”. A segunda visitação, no século XVII, de 1618-21, restringiu-se a Bahia e a terceira visitação foi no século XVII, entre 1763-69, no Pará. No caso dos cristãos- -novos, as delações visavam eliminar hereges endinheirados e confiscar seus bens. A atividade inquisitorial diminuiu conside- ravelmente no século XVIII e encerrou-se de vez em 1821, com a abolição do Santo Ofício pelas Cortes portuguesas. 6 O protestantismo no Brasil colônia Conforme Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio (2001), o protestantismo no Brasil colônia teve dois momentos marcan- tes: o primeiro, na baía da Guanabara, entre 1555-1560, na chamada França Antártica, com os franceses calvinistas (Hu- guenotes). Perseguidos na França, os huguenotes invadiram o Rio de Janeiro, atraídos pela esperança de liberdade religiosa na França Antártica fundada pelo almirante francês Durand de Villegaignon. Após rejeitar o calvinismo, Villegaignon mandou prender e executar religiosos calvinistas sob a acusação de traição. Foram os primeiros mártires protestantes na América. A tentativa de implantar uma colônia calvinista no Centro-Sul do Brasil fracassou após longa guerra comandada pelo go- vernador-geral Mem de Sá. Também no Maranhão, os france- ses calvinistas tentaram sem sucesso implantar uma colônia, a França Equinocial, derrotada pelos portugueses. 78 História do Brasil Colônia Um segundo momento marcante do protestantismo no Bra- sil colônia foi durante a invasão e ocupação do nordeste pelos holandeses calvinistas (1630-1654). No nordeste, se estabe- leceu o domínio holandês sob o comando do príncipe Mau- rício de Nassau. Em seu governo houve clima de tolerância e liberdade religiosa para todos. Naquele contexto, a formação de paróquias protestantes se espalhou em todo o território de domínio holandês. 7 Os cultos africanos Os africanos também trouxeram sua religiosidade para o Brasil colônia. Entre as práticas religiosas de matriz africana destacaram-se: os Calundús e o Candomblé. De acordo com Regiane Augusto de Mattos (2007), no Brasil colônia nos sécu- los XVII e XVIII, o Calundu representava a influência das tradi- ções da África Centro-Ocidental, de origem Jeje, que consistia na prática do curandeirismo e no uso de ervas com ajuda de adivinhação e possessão. As pessoas que praticavam o Calun- du eram conhecidas como curandeiras. Esses indivíduos, na maioria das vezes africanos, eram muito considerados entre escravos e libertos e temidos pelos senhores. Outra prática religiosa de matriz africana é o Candomblé, derivado dos povos Iorubás da África Ocidental, conhecidos no Brasil como nagôs. O Candomblé começou a ser praticado no Brasil pelos escravos de origem africana. Seus rituais são organizados em torno de centros religiosos conhecidos como terreiros, geralmente liderados por sacerdotisas, as mães de Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 79 santo, ou sacerdotes, os pais de santo. O primeiro terreiro de Candomblé instalou-se em Salvador, na Bahia, conhecido como Casa Branca do Engenho Velho. Os seguidores cultua- vam um panteão de orixás, que representam um elemento da natureza e tem uma cor e uma comida favorita. Iemanjá, por exemplo, é a deusa do mar e geralmente veste azul e bran- co. Os praticantes vestem-se com as cores dos orixás, entoam canções, muitas vezes em Iorubá, e dançam ao som dos tam- bores sagrados. O ápice da cerimônia é quando a liderança religiosa incorpora o orixá ao som dos tambores e atabaques. 8 A santidade indígena Santidade indígena foi o nome pelo qual ficou conhecida a rebelião indígena ocorrida na Bahia, no século XVI. O nome é devido o forte caráter religioso desse movimento que reunia diversas populações indígenas sob a liderançado Pajé chama- do Antonio, que tinha fugido de um aldeamento jesuítico da capitania de Ilhéus e que se proclamava papa. Esse indígena dizia que era a encarnação viva de Tamandaré, ancestral dos Tupinambás. Pregava que os portugueses seriam todos mortos e que os que sobrevivessem se tornariam escravos dos Tupi- nambás e misturava a doutrina cristã com crenças indígenas. Reuniu centenas de seguidores, que desafiaram os coloniza- dores portugueses. O movimento foi reprimido por várias ex- pedições militares que dispersaram os seguidores da santida- de. Como afirmaram Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio (2001), a Colônia crescia à sombra da cruz e de vários credos que deixaram marcas profundas em nossa sociedade. 80 História do Brasil Colônia Recapitulando Neste capítulo estudamos as religiosidades no Brasil Colônia para além do catolicismo. Vimos a importância dos jesuítas na catequização dos indígenas e na educação dos filhos dos co- lonos, destacando-se a atuação de Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e do Padre Antônio Vieira. Estudamos também as iniciativas dos protestantes no Rio de Janeiro, na chamada França Antártica e no Maranhão, na chamada França Equinocial. Ambas derrotadas pelos portu- gueses. Analisamos também a presença dos cristãos novos e dos judeus, principalmente no nordeste e a visita do Tribunal do Santo Ofício, também conhecido como Inquisição e consta- tamos que no Brasil a presença da Inquisição ocorreu apenas através de visitações, sem a instalação de um Tribunal. Por último, também estudamos a ocorrência dos credos de matriz afro-brasileira, tais como o Calundu e o Candomblé e o movimento conhecido como Santidade Indígena, com forte caráter religioso. Referências ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial. Sal- vador: P555 Edições, 2006. Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 81 BETHELL, Leslie (org.). História da América Latina. São Pau- lo: Editora da Universidade de São Paulo; Fundação Ale- xandre Gusmão, 1998. EMANUEL, Araújo. O Teatro dos Vícios: transgressão e tran- sigência na sociedade urbana colonial. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. DEL Priore, Mary e Renato Pinto Venâncio. O Livro de Ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Uni- versidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995. LOPEZ, Adriana e Carlos Guilherme Motta. História do Bra- sil: Uma Interpretação. São Paulo: Editora Senac São Pau- lo, 2008. LINHARES, Maria Yeda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. MAESTRI, Mário. Uma História do Brasil Colônia. São Pau- lo: Contexto, 2002. MOTA, Carlos Guilherme e Adriana Lopez. História do Brasil: uma interpretação. São Paulo: Editora SENAC, 2008. MATTOS, Regiane Augusto de. História e Cultura afro-bra- sileira. São Paulo: Contexto, 2007. 82 História do Brasil Colônia Atividades 1) Para a conversão dos indígenas os jesuítas recorreram: a) Aos aldeamentos, a uma gramática da língua Tupi, a encenações de peças teatrais. b) Aos aldeamentos e ao ensino do espanhol. c) As visitações nas aldeias indígenas e a gramática da língua Tupi. d) As visitações nas aldeias indígenas e as encenações de peças teatrais. e) Nenhuma reposta está certa. 2) O conflito mais importante no caminho da evangelização dos indígenas na colônia se deu em razão: a) da disputa pelo indígena entre jesuítas e colonos; b) da disputa de terras entre jesuítas e colonos; c) da disputa de ouro e prata entre indígenas e jesuítas; d) da disputa de ouro e prata entre jesuítas e colonos; e) Nenhuma resposta está certa. 3) Entre os nomes de jesuítas de destaque na evangelização do indígena no Brasil Colônia encontram-se: a) Padre Antonil e padre Antônio Vieira b) Padre José de Anchieta e padre Antonil Capítulo 4 Religiosidades na Colônia 83 c) Padre José de Anchieta e padre Antônio Vieira d) Padre Manuel da Nóbrega e padre Antonil e) Nenhuma resposta está certa. 4) As irmandades ou confrarias eram: a) cultos protestantes realizados entre escravos e libertos; b) cultos de matriz africana realizados entre escravos e libertos; c) cultos católicos realizados entre escravos e libertos; d) cultos indígenas realizados entre escravos e libertos; e) Nenhuma resposta está certa. 5) Os cristãos-novos eram: a) protestantes convertidos à força ao catolicismo; b) judeus convertidos à força ao catolicismo; c) africanos convertidos à força ao catolicismo; d) europeus convertidos à força ao catolicismo; e) Nenhuma resposta certa. Gabarito 1 (a); 2 (a); 3 (c); 4 (c), 5 (b) ?????????? Capítulo ? O Trabalho na Colônia: Escravização de Índios e Negros1 1 Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA. Juliane Maria Puhl Gomes1 Capítulo 5 Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 85 Introdução Quando falamos em trabalho escravo no Brasil, logo nos lem- bramos dos africanos escravizados1, mas na verdade a escra- vidão surgiu antes da chegada deles em nosso país. Os primeiros povos escravizados no Brasil, assim como ocorreu em toda a América, foram os indígenas. Passado o primeiro momento de encantamento e euforia que marcou o encontro de dois grupos culturais tão distintos (indígenas e portugueses), bem como as trocas de quinquilharias por Pau- -brasil, ervas e demais produtos considerados exóticos na Eu- ropa, as relações começaram a mudar. De parceria nas trocas (escambo) à escravização. Gradativamente, a economia do Brasil foi crescendo e o número de indígenas diminuindo. A situação chegou a tal ponto que a partir de 1570 houve a inserção da mão de obra escravizada da África. Uma nova e triste parte da História do Brasil iniciava. Os africanos escravizados, bem como seus descendentes afro-brasileiros, tronaram-se a principal engrenagem do sis- tema econômico brasileiro, mas, ao invés de movida a óleo, esse mecanismo foi lubrificado à custa de muito sangue e suor. 1 Atualmente, a maioria dos historiadores utiliza o termo “escravizado”, pois essa era uma situação imposta àquelas pessoas. Este termo é muito mais correto que escravo, que remete a uma condição. Portanto, tivemos africanos e índios que eram escravizados, e não escravos. 86 História do Brasil Colônia O Início da Escravização: indígenas No chamado “período das feitorias” (até 1534) o escambo (troca de produtos) entre índios e portugueses funcionou relati- vamente bem (para os estrangeiros). Mas o peso do trabalho, a exploração, os estupros, as doenças trazidas da Europa, a inserção de novos hábitos alimentares (açúcar, bebidas desti- ladas) fez com que houvesse uma reversão no quadro “amis- toso” dos primeiros contatos. A noção de tempo para os indígenas, assim como o enten- dimento de que não devemos tirar da natureza mais do que precisamos para utilizar, começou a fazer com que muitos gru- pos já não quisessem mais fazer trocas com os portugueses, ou que não respeitassem o ritmo regular de trabalho imposto por esses. Além disso, é importante lembrar que os índios não apenas deveriam trazer as mercadorias solicitadas pelos portugueses, como alimentá-los enquanto estavam aqui. A questão é que mesmo os grupos horticultores (como estudamos no capítu- lo 2) não tinham excedentes alimentares para suprir grupos cada vez maiores de portugueses que vinham para cá. Muitos acompanhavam os estrangeiros em pequenas incursões pelos matos da zona litorânea, e além de guias também ficavam responsáveis pela caça que alimentava toda excursão. O entendimento português era o de que os índios escon- diam mercadorias e comida para não partilhá-las com eles. Segundo Laima Mesgravis (1997, p. 33):Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 87 [...] eram capazes de grandes esforços físicos como via- gens de centenas de quilômetros, corridas de dias intei- ros, podiam remar por grandes distâncias, carregando grandes pesos desde que tivessem um propósito útil aos seus olhos. Apenas faziam questão de trabalhar quando e como quisessem, sem supervisão e cobranças. Aliás a expressão “não tenho vontade”, com a qual se recusa- vam a fazer qualquer coisa que lhes fosse pedida, era definitiva – e não se deixavam demover. Era um traço exasperado para colonos e jesuítas. Tais desentendimentos e atritos levaram a relações cada vez mais ríspidas, e isso foi agravado pela grande demanda de Pau-brasil, que levou os portugueses a dobrarem os trabalhos indígenas, o que resultou em mais fugas por parte dos índios. Muitos indígenas foram enganados e levados para a Euro- pa. Eram convidados a jantar nos navios, ou largar mercado- rias, depois eram aprisionados e levados para a Europa. Pou- cos sobreviviam à travessia e menos ainda à vida nas cidades portuguesas onde eram expostos como criaturas exóticas. Com isso, vemos que esse esquema, chamado de escam- bo, durou pouco tempo, passando rapidamente para a explo- ração e a escravização dos índios. No início das capitanias hereditárias, era difícil conseguir colonos suficientes que viessem para trabalhar no Brasil. Por- tugal não era um país populoso e poucos, neste momento, quiseram vir de livre e espontânea vontade para o Brasil. Nem só degredados vieram para cá, como muito se ouve falar, mas até 1550 eles foram trazidos massivamente. 88 História do Brasil Colônia Portugal queria encontrar uma nova fórmula para a ocu- pação e ganhos econômicos no Brasil, que não fosse apenas extração de recursos naturais. Os portugueses haviam inserido o cultivo da cana-de-açúcar na Ilha da Madeira, com bons resultados, já que o açúcar era uma especiaria de grande va- lor econômico na Europa. Portanto, havia grandes chances de que também desse certo aqui no Brasil. Outros fatores tam- bém ajudaram na inserção da cana-de-açúcar no território brasileiro, sendo que os principais foram: a grande proporção de terras férteis e o clima propício. A partir de 1530 as plantações de açúcar se tornaram uma opção para fazer as novas terras “portuguesas” darem lucros. Porém, isso atentou contra um dos aspectos fundamentais às tribos indígenas: a posse da terra. Até então, os portugueses estavam “trocando” produtos, que eram trazidos pelos indí- genas. Da mesma forma, eram alimentados por esses, mas a posse da terra era indígena. Após o acordo das capitanias hereditárias, as terras passaram oficialmente para mãos por- tuguesas. Como dar aquilo que não lhe pertence? Muitas tri- bos não aceitaram ser expulsas de terras com as quais tinham vínculos ancestrais, onde estavam sepultados seus familiares, onde sabiam como sobreviver. No entendimento dos portu- gueses, os índios poderiam viver em qualquer lugar que hou- vesse mato. Mas, como vimos no capítulo dois, a adaptação cultural ao meio é fundamental para essas populações. Expul- sar grupos habituados a viver na faixa litorânea para o sertão, com ambiente diferente e pertencente a outros grupos, foi o mesmo que condená-los à morte. Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 89 Muitos grupos tentaram reagir, mas as armas portuguesas eram potentes, bem como a não escolha por quem matar. Para os índios, era inconcebível matar crianças, mulheres e idosos, colocar fogo nas malocas e roças. A pressão psicológica era muito grande, a desunião das tribos maior ainda. Além disso, como aconteceu em toda a América Espanhola, os portugue- ses mandavam recados claros aos que pretendiam lhes atacar. Veja este relato de Frei Vicente de Salvador (SALVADOR apud JOHNSON, 1998 p. 259): [...] depois de averiguar quais [índios] foram os homi- cidas dos brancos, uns mandaram pôr em bocas de bombardas e dispará-las à vista dos mais, para que os vissem voar feito em pedaços [...] A década de 1540 foi marcada por várias vitórias indíge- nas em toda a costa litorânea, com exceção de São Vicente, Ilhéus e Pernambuco. Em 1548, os danos eram manifestos; e o desapareci- mento de um controle português efetivo em centros im- portantes como a Bahia e outros, expôs cada vez mais o Brasil à ameaça contínua das incursões e instalações francesas. (JOHNSON, 1998 p. 260) Dom João III tomou medidas para tentar sanar esses pro- blemas e deu início ao projeto de Governo Geral, no qual a Bahia foi escolhida como sede do governo. Para tentar resolver a questão com os índios, foi planejada a defesa da cidade não apenas com edificações, mas com aumento da assistência militar. 90 História do Brasil Colônia O regimento dado ao Governador Geral Tomé de Sousa orientava que nada poderia ser feito contra os índios pacíficos, garantindo-lhes a evangelização (entendida como um grande benefício pelo Rei). Porém, os índios rebeldes e agressivos, que não aceitassem a evangelização poderiam ser escravizados. E as tribos se viram entre a cruz e a espada... Esta prática de “guerra justa” foi conhecida como os saltos. As escravizações indiscriminadas (saltos) estavam entre as causas principais da resistência indígena, e isso por sua vez tornava impossível o desenvolvimento econômi- co. Não obstante, o trabalho indígena na indústria de açúcar em desenvolvimento era essencial e somente a escravização podia fornecer os trabalhadores necessá- rios. A solução dessa contradição foi uma das principais tarefas da nova geração de administradores [do Gover- no Geral]. (JOHNSON, 1998 p. 263) O Brasil já possuía engenhos produzindo para exportação desde a década de 1530. E como vimos desde o início, a mão de obra nas lavouras de cana-de-açúcar, bem como no processamento dela. Quanto mais mão de obra necessitavam, mais “guerras justas” aconteciam. Muitas ordens religiosas tentaram parar este processo, pois tinham interesse na evangelização dos indígenas. Não apenas queriam torná-los cristãos como mais “civilizados”. Ao con- trário dos Franciscanos, os Jesuítas acreditavam que os índios precisavam ser retirados de suas aldeias de origem para que tivessem mais sucesso no processo de educação e conversão. Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 91 Criaram inúmeros espaços por todo Brasil, para os quais leva- vam os índios, as Reduções2. Os colonos não viam as Reduções com boa vontade, pois achavam que a mão de obra indígena precisava ser distribuí- da onde era necessária e não trancada dentro de um espaço religioso. Iniciou assim uma corrida atrás dos índios, de um lado as ordens religiosas tentando convertê-los e por outro os colonos tentando escravizá-los. A década de 1560 foi marcada por novas epidemias de doenças que assolaram as tribos indígenas. Estima-se que 40% dos índios, com contato com os europeus, pereceram, o que aumentou a “caça” dos sobreviventes. Tais questões foram tão marcantes, e o decréscimo da população foi tão visível que Dom Sebastião criou uma Junta para avaliar a situação e projetar uma política indígena para o Brasil. Em 1570, foi promulgada a lei que determinava que: Nascidos livres, podiam, no entanto, ser escravizados em duas situações: (1) no curso de uma “guerra justa” declarada pelo rei ou por seu governador; (2) quando pegos na prática de canibalismo [antropofagia]. Foi de- clarado o sistema de resgate: a prática anterior de res- gatar ou salvar índios capturados nas guerras intertribais e que estavam destinados a ser mortos, impondo-lhes 2 O termo Missão era utilizado pelos religiosos. Para eles, a missão era evangelizar e civilizar. A grande maioria dos historiadores não utiliza este termo, pois defendem a ideiade que os índios foram reduzidos a um espaço confinado, no intuito de terem a sua cultura extirpada e alterada. 92 História do Brasil Colônia em troca uma vida de servidão a seu libertador. (JOHN- SON, 1998, p. 267) Muitos grupos indígenas, como falado anteriormente, fu- giram para o interior do Brasil. Os que tiveram sorte com os atritos contra os grupos que ocupavam essas áreas logo pas- saram a ter outro temor: as bandeiras. O início do século XVII foi marcado pelo fortalecimento das entradas e bandeiras para o sertão do Brasil. Com a chegada dos bandeirantes, esse processo ficou cada vez mais violento. Os bandeirantes eram considerados, pelos jesuítas, como os piratas do sertão, os caçadores de homens, que partiam para o interior desbravando as matas e o sertão, devidamente ar- mados e com um exército de homens, dos quais faziam parte: índios, mestiços e paulistas. Os índios capturados eram levados para São Vicente, onde eram repartidos entre os bandeirantes e seus financistas; pou- cos cativos seguiam para o nordeste. O Bandeirismo era um negócio de família, e dele provinham suas riquezas. Alguns deles tinham interesse em procurar metais preciosos, mas a maioria acreditava que “caçar homens” eram mais lucrativo. Essas expedições eram formadas basicamente por índios (escravizados ou não) e por mestiços (frutos de relações de índias com portugueses ou brasileiros – a maioria por violên- cia sexual). Os cativos eram tratados com extrema crueldade, tendo em vista que não eram considerados “gente”. Muitos morriam durante o deslocamento para São Paulo. Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 93 Em um segundo momento, os bandeirantes passam a es- cravizar também índios que estavam em reduções, pois não te- riam o trabalho de buscá-los no sertão, além do fato de que já estavam “educados”, adaptados ao sistema de trabalho rural e também já eram catequizados. Os bandeirantes acabaram com mais de 50 reduções jesuíticas nas regiões do Guairá, do Itatim e do Tape. A partir desses ataques que se permitiu aos índios reduzidos o uso de arma de fogo. “Índios soldados da província de Curitiba escoltando prisioneiros”, tela de Je- an-Baptiste Debret. (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Escravid%C3%A3o_ ind%C3%ADgena_no_Brasil#mediaviewer/File:Indian_Soldiers_from_the_Coriti- ba_Province_Escorting_Native_Prisoners.jpg) Os bandeirantes foram excomungados pelo Papa, mas ig- noraram as ameaças, tornando São Paulo o maior centro de escravismo indígena do Brasil. Com as invasões às reduções jesuíticas, os padres foram os primeiros a incentivar o tráfico de africanos para o Brasil, pois 94 História do Brasil Colônia estavam preocupados com a grande mortalidade dos índios, não só pelo excesso de trabalho, mas também por surtos epi- dêmicos. Em resumo: As epidemias, a escravização e o proselitismo religioso por parte dos bem-intencionados jesuítas estilhaçaram efetivamente a cultura e as sociedades indígenas der- rotadas, deixando aos sobreviventes o destino de serem reintegrados a uma sociedade colonial estruturada em termos portugueses. (JOHNSON, 1998, p. 269) A consolidação da escravização: Os africanos Em 1570, iniciou o incentivo à importação de africanos para utilização como mão de obra no Brasil. Os africanos seriam uma melhor opção para os senho- res de engenho, pois estavam mais adaptados ao sistema de trabalho agrícola e ao modo de produção. Em seguida, esse negócio se mostrou lucrativo, pois eram trocados na África por cachaça e fumo, que eram de baixo valor; trazidos para o Bra- sil, eram trocados por açúcar com os senhores de engenho, e vendido na Europa por alto preço. Os africanos eram arrancados de suas aldeias e trazidos para o Brasil em navios negreiros, onde as condições eram precárias: mortos, doentes, crianças, mulheres e homens via- javam no mesmo local, em condições insalubres. Os que con- seguiam sobreviver a essas condições não viviam mais que sete anos no Brasil, devido a longas jornadas de trabalho a Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 95 alimentação reduzida e não variada, e as péssimas condições de alojamento3. O baixo preço dos escravos fazia com que os senhores de engenho não se preocupassem em cuidá-los, pois trocavam as “peças” por novas quando alguma morria. Os maus tratos eram diversos, a mais comum entre as pu- nições era: o açoite em praça pública, e não era incomum que quem aplicasse a punição fosse outro escravo (às vezes da própria família), obrigado a infeliz tarefa. Também era usada a marcação a ferro em brasa, geralmente no rosto do escravo que fugia, cortar a orelha, passar mel no corpo e em seguida jogá-lo no formigueiro. Crueldades inimagináveis. O tráfico negreiro foi um comércio rentável para os eu- ropeus e para os intermediários (africanos e brasileiros), no qual a troca dos cativos por mercadorias coloniais fazia render altos lucros à Metrópole, mantendo esse comércio forte por três séculos. Extremamente necessários nas lavouras de cana-de-açúcar no Brasil, atuavam também no trabalho doméstico, na cons- trução de casas, nas obras públicas, em várias atividades de prestação de serviços (vendedores, barbeiros etc.). Ter escra- vos passou a ser um indicativo de status social; sendo assim, muitas pessoas faziam de tudo para economizar e comprar um escravo. O sistema de escravização indígena não rendeu lucros a Portugal, pois os ganhos com o “salto” dos índios ficava, de modo geral, dentro da própria colônia. Com o tráfico negrei- 3 A questão da escravização e resistência será melhor desenvolvida no Capítulo 6. 96 História do Brasil Colônia ro, criou-se o comércio triangular, no qual não só os trafi- cantes lucravam, mas também a Metrópole. O açúcar vindo das colônias era trocado pelos africanos escravizados e gerava grande lucro para intermediários e Coroa. O senhor de enge- nho pagava pelos escravos, e cerca de cinco anos depois tinha 100% do valor pago reposto pelo trabalho das “peças”. Os traficantes também trocavam produtos de baixo valor, cachaça e fumo, por negros. Esses produtos eram trocados na África por novos escravizados dando início a um novo ciclo. Comércio triangular. ht tp://pt .wik ipedia.org/wik i/Com%C3%A9rcio_at l%C3%A2nt ico_de_ escravos#mediaviewer/File:Triangular_trade.svg Segundo Mário Maestri (2001), o Brasil teria sido uma das primeiras colônias da América a utilizar a mão de obra de africanos escravizados e a última a abolir o escravismo colo- Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 97 nial. Mulheres, homens e crianças, em condições precárias, trabalhavam até a morte para sustentar as lavouras dos en- tão senhores do Brasil. Cerca de 3 a 5 milhões de africanos chegaram no Brasil na condição de escravo. Segundo Jaime Pinsky (2010), a jornada de trabalho de um escravo na lavoura e nas moendas chegava a ser de 18 horas. Cativos e cativas – ébrios de sono – tinham os dedos, as mãos e os corpos engolidos e esmigalhados pelas prensas da casa da moenda, se o facão não fosse usa- do, rápida e pertinentemente nas máquinas. (MAESTRI, 2001, p. 82) Os senhores de engenho viram na escravização dos africa- nos uma saída para aumentar a produtividade nos engenhos e nas lavouras de cana-de-açúcar, além disso, a escolha da escravidão se mostrava muito lucrativa, pois, com o tráfico ne- greiro, Portugal acabava se valendo de lucros. Outro aspecto importante é que o alto custo dos negros dificultava a aquisi- ção de mão de obra suficiente para o trato do açúcar, restrin- gindo a obtenção de terras a poucos indivíduos. O negro, nesse momento, se torna a peça chave para o andamento das lavouras e dos engenhos, onde assumiam vá- rias funções, desde a preparaçãoda terra para o plantio como nas moendas e nos caldeirões. Também seus trabalhos iam além dos serviços braçais, as mulheres serviam como amas de leite para os filhos dos senhores, eram cozinheiras, arruma- deiras, estavam em todos os lugares, até mesmo carregando liteiras (espécie de cadeiras carregadas sobre os ombros) para transporte de seus senhores. 98 História do Brasil Colônia De acordo com o padre jesuíta Antonil, os negros eram, “as pernas e os pés do senhor de engenho” (apud MAESTRI, 2001, p. 83). Eram na verdade muito mais do que isso, eram os braços, os olhos, as pernas, os ombros, a máquina humana que fez o país andar. Também plantavam mandioca, feijão, abóbora; galinhas, para a alimentação na casa-grande e de- les próprios. Esses africanos sofriam tanto psicologicamente, por terem saído de suas terras, de seu país, por terem sido arrancados de suas famílias, quanto fisicamente, por agressões físicas, casti- gos que serviam como punição para o escravo desobediente ou fujão. Os castigos variavam, indo desde a chibata, que era aplicada por um também escravo, já lhe servindo como exem- plo, deixá-lo passando fome, passar mel no corpo e colocá- -lo sobre um formigueiro, entre outros, usar ferros nos pés e mãos, ter membros amputados, dentes arrancados, dentre ou- tros. Todas as formas de castigo eram desumanas, e por conta disso e de outros fatores, como a longa jornada de trabalho que chegava até 18h diárias, a maioria dos escravizados não resistia mais do que 7 anos de trabalho. Referencial na sociedade açucareira, o negro era a moeda para a obtenção de terras e de poder. O número de escravos definia o status de um branco. Sem escravizados, nenhum co- lono era considerado, realmente, um homem livre, e mesmo as famílias mais pobres tinham o sua “peça”, que muitas vezes sustentava a todos. Donos da vida e da morte em seu mundo, aos senhores ca- bia velar pelos negros, nutrindo-os, vestindo-os e castigando- Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 99 -os. Pão, pano e pau, eram os elementos fundamentais das obrigações do proprietário para com seus escravizados. O co- tidiano desses trabalhadores era de pouca comida, vestuário miserável, castigo duro e contínuo, e uma carga de trabalho extremamente pesada. A instalação e a atividade de um engenho eram operações custosas que dependiam da obtenção de créditos. No século XVI, pelo menos parte desses créditos provinha de investidores estrangeiros, flamengos e italianos, ou da própria Metrópole. Posteriormente, no século XVII, essas fontes parecem ter-se tor- nado pouco significativas. Pelo menos na Bahia, as duas prin- cipais fontes de créditos vinham a ser as instituições religiosas e beneficentes, em primeiro lugar, e os comerciantes. Antes de 1808, não existiam bancos no Brasil. Segundo Pinsky (2010) mesmo um engenho pequeno não funcionava com menos de 50 escravizados. Levantar um engenho exigia importante capital para fazer frente aos gastos com a compra da escravaria, com os traba- lhos de carpintaria, com a aquisição de tachos de cobre, sacas etc. Não foram pouco colonos que sem experiência suficiente, perderam tudo na tentativa de ascenderem à prestigiosa classe dos “engenheiros”. Os senhores de engenho não viviam isolados na plantation. Pela própria natureza e localização de sua atividade, geral- mente próxima a um porto, estavam em contato com o mundo urbano e com ao menos um olho no mercado internacional. Afinal de contas, sua riqueza dependia não só da capacidade 100 História do Brasil Colônia de tocar o negócio no Brasil, mas dos preços fixados do outro lado do Atlântico, nos grandes centros importadores. Além de terras férteis e próprias ao cultivo de cana-de-açú- car, um bom engenho devia possuir matas que fornecessem madeiras de construção e, sobretudo, lenha farta. Era também importante que o engenho dispusesse de um curso d’água ca- pazes de mover as moendas, e abastecer as necessidades de líquido da exploração. Desde o século XVI, era comum ocor- rer disputas, muitas vezes sangrentas, entre engenheiros pela força hídrica. Na falta dessa força, as prensas eram movidas por juntas de bois. Os engenhos movidos à força d’água cha- mavam-se reais, ou movidas por animais, trapiches (MAESTRI, 2001). A afirmação da época era a de que negros, bovinos e lenha eram as principais fontes de energia do engenho. Nos séculos XVI e XVII, temos notícias de rústicos engenhos que utilizavam trabalhadores escravizados para mover as moendas, por falta de cursos d’água ou de gado. Segundo Pinsky (2010) todos os engenhos contavam com alguns trabalhadores livres. Algumas poucas famílias de mo- radores se espalhavam pelas terras dos grandes latifundiários açucareiros. Elas aguardavam as divisas de engenhos, con- trolavam os trabalhadores escravizados fugidos, pagavam alguma renda em espécie aos proprietários. A exceção das atividades dos moradores nos seus pobres roçados e casebres, a vida de um engenho centrava-se em torno de um só núcleo habitacional produtivo, composto por diversas e importantes instalações. Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 101 O engenho constituía-se da casa-grande, capela, fábrica (ou engenho) e senzala. Na casa-grande de um engenho real viviam a família senhorial e seus dependentes, o capelão e os domésticos mais próximos. As casas-grandes mais ricas e as capelas eram construídas em pedra e cal. As senzalas, ergui- das em regiões mais baixas em relação à casa-grande, eram construídas com materiais menos nobres – terra, madeira, cipó, couro. Habitualmente, só tinham uma entrada, sem ja- nelas ou outras aberturas, para dificultar as tentativas de fuga. As principais instalações do complexo açucareiro eram a casa da moenda, a casa das fornalhas e caldeiras e a casa de purgar. A seguir, vinham a casa das caixas, a casa do bagaço, a casa da destilação, a enfermaria, a ferraria, a estrebaria. Ao lado da produção para o mercado, o engenho satis- fazia boa parte de suas necessidades internas. Criações de galinhas, porcos, ovelhas, roças de mandioca, milho, feijão, batata eram atividades que abasteciam os moradores da casa- -grande e da senzala. Houve a tentativa de criação de muitas leis para por fim à escravização, principalmente pela Inglaterra (interessada em aumentar o número de consumidores de seus produtos). Mas o Brasil ainda era um dos maiores compradores de africanos da América e este foi um processo difícil de interromper. 102 História do Brasil Colônia Recapitulando O sistema colonial brasileiro foi embasado em uma estrutura escravista. Os ensaios feitos nas colônias da África (feitorias, plantio de cana de açúcar) foram implantados no Brasil com extremo sucesso. As terras eram férteis, o clima era adequado e, em um primeiro momento, os portugueses puderam contar com a força de trabalho local: os indígenas. Porém as diferenças culturais, aliadas ao fato de que os indígenas conheciam muito melhor o território, levaram vários grupos – após 30 anos de exploração – a questionar e rea- gir ao tratamento que estavam recebendo. Infelizmente, assim como no restante da América, mesmo estando em número muito superior, tinham diversos atritos intertribais, que foram aproveitados pelos estrangeiros para minar as defesas dos ver- dadeiros donos da terra. Junto com os portugueses vieram as doenças para as quais os índios não tinham imunidade. Expulsos de seus ambien- tes naturais, debilitados pelas novas doenças e caçados para trabalharem de maneira compulsória. Muitos não resistiram e morreram no cativeiro, outros cometiam suicídio e infanticídio, e os com mais sorte fugiam. As ordens religiosas também estavam interessadas nesses grupos, com intuitos de convertê-los e civilizá-los.Construíram espaços específicos para isso – as Reduções – deixando os índios entre a cruz e a espada. Na década de 1570, a situação econômica ficou insus- tentável e mais uma vez a experiência administrativa na África Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 103 abriu caminho às iniciativas no Brasil. Para solucionar o pro- blema da mão de obra, milhares de africanos escravizados foram trazidos para o Brasil. Famílias foram separadas, muitos morreram na travessia e outros mais no trabalho insalubre e desumano das lavouras e moendas. Tornaram-se a base de um amplo sistema: as pernas e pés dos senhores de engenho e de toda a sociedade brasileira colonial. Referências ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia C.; RIBEIRO, Marcus V.T. História da Sociedade Brasileira. 18. ed. Rio de Ja- neiro: Ao Livro Técnico, 1996. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: EDUSP, 2002. JOHNSON, H.B. A Colonização Portuguesa no Brasil: 1500- 1580. In.: BETHELL, Leslie (org.). História da América La- tina Colonial, V.I. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 1998. MAESTRI, Mário. Uma História do Brasil: Colônia. São Pau- lo: Contexto, 2001. MESGRAVIS, Laima. O Brasil nos Primeiros Séculos. 3. ed. São Paulo: Contexto, 1997. [Coleção Repensando a His- tória]. PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. 21. ed. São Paulo: Contexto, 2010. 104 História do Brasil Colônia Atividades 1) O sistema de trocas de produtos exóticos e Pau Brasil entre índios e portugueses é denominado de: a) Salto b) Encomienda c) Tributo d) Escambo e) Servidão passiva 2) A década de 1560 foi marcada por novas epidemias de doenças que assolaram as tribos indígenas. Estima-se que 40% dos índios, com contato com os europeus, perece- ram. Podemos considerar como consequências (diretas e indiretas) dessa fatalidade: I – Maior tentativa de proteção dos índios por parte das ordens religiosas. II – Acirramento na atividade dos caçadores de índios ten- do em vista que estavam ficando em número cada vez mais reduzido. III – Promulgação da lei (1570) que proibia terminante- mente a escravização de indígenas, abrindo margem para a entrada de africanos escravizados no Brasil. IV – Criação de uma lei (1570) que regulamentou o que eram as “guerras justas”, dentre outras medidas. Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 105 Analise as afirmações acima e marque a alternativa correta: a) As alternativas I, II e III estão corretas. b) As alternativas I, II e IV estão corretas. c) As alternativas II, III e IV estão corretas. d) As alternativas II e III estão corretas. e) As alternativas II e IV estão corretas. 3) O início do século XVII foi marcado: a) Pelo início da mão de obra de africanos escravizados que vieram gradativamente substituir a mão de obra indígena. b) Por ações mais eficazes de controle a captura desen- freada em relação aos indígenas. c) Pelo fortalecimento das entradas e bandeiras para o sertão do Brasil. d) Pelas Bulas Papais que condenavam a escravização dos indígenas. e) Pelo final das Reduções Jesuíticas. 4) Não era qualquer um que podia ser um “engenheiro”, pois mesmo uma estrutura pequena necessitava: I – De ao menos 150 escravos. II – De estruturas físicas como moendas, carros de bois para mover a moenda, arados, bois, trabalhadores li- 106 História do Brasil Colônia vres para vigiar os escravizados, escolas para os filhos do senhor. III – Casa da moenda, a casa das fornalhas e caldeiras, a casa de purgar, casa das caixas, a casa do bagaço, a casa da destilação, a enfermaria, a ferraria, a estreba- ria. IV – Além de terras férteis e próprias ao cultivo de cana- -de-açúcar, um bom engenho devia possuir matas que fornecessem madeiras de construção e, sobretudo, le- nha farta. Analise as afirmações acima e marque a alternativa correta: a) As alternativas I, II e III estão corretas. b) As alternativas I, II e IV estão corretas. c) As alternativas II, III e IV estão corretas. d) As alternativas I e III estão corretas. e) As alternativas III e IV estão corretas. 5) O que o padre jesuíta Antonil quis dizer ao afirmar que os negros eram, “as pernas e os pés do senhor de engenho”? a) Que eles ficavam em uma posição inferior aos senhores. b) Que por serem negros não ficavam na posição mais baixa da sociedade. c) Que estavam na base de todo trabalho em um enge- nho, sustentando todas as estruturas sozinhos. Capítulo 5 O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros 107 d) Que seus pés e pernas representavam as plantas (cana de açúcar), enraizados no engenho. e) Que estavam presos aos senhores, como os pés às pernas. Gabarito 1) d 2) b 3) c 4) e 5) c ?????????? Capítulo ? Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas1 1 Doutor em História pelo PPGH-PUCRS, professor de História da FAPA – Faculda- de Porto Alegrense e do Ensino Básico (Fundamental: séries finais e ensino médio) do Estado do Rio Grande do Sul. Arilson dos Santos Gomes1 Capítulo 6 Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 109 Apresentação Neste capítulo propõe-se evidenciar como ocorreu o proces- so de exploração do continente africano a partir dos conta- tos com os Impérios Europeus, principalmente, por meio do comércio de escravizados pelo Oceano Atlântico, o mar das Américas. Entretanto, a proposta permitirá reflexões substân- cias do protagonismo africano na História, esta identificada na sua resistência contra a escravidão e a influência africana na cultura brasileira. Diante disso, o capítulo tem por seguintes objetivos: apre- sentar a África antes do contato com os povos europeus; ana- lisar o conceito de escravidão antes e depois do comércio tran- satlântico de almas para as Américas e o Brasil; demonstrar a reação dos escravizados, bem como as suas principais resis- tências contra a escravidão no Brasil; evidenciar o legado dos africanos a cultura brasileira. No capítulo, o acadêmico desenvolverá as seguintes habi- lidades: compreensão da trajetória do continente africano an- terior ao domínio; percepção do protagonismo dos africanos ao longo da história; entendimento das influências africanas no seu cotidiano. Neste capítulo, pretende-se que o aluno tenha competên- cia para interpretar, a partir de sua relação com o presente, o que o continente africano representa para a História do Brasil e à identidade afro-brasileira. 110 História do Brasil Colônia Introdução A África, continente composto por mais de cinquenta países, é comumente associada a estereótipos e a estigmas secular- mente criados. Muitos destes advindos com a colonização no passado, que legou ao território uma posição inferior no ima- ginário atual, em que pese iniciativas de promoção e de pro- postas que visam alterar este quadro. Muitas destas construções ocorreram em virtude do domí- nio das potências europeias sobre o vasto território, que teve como ponto de origem a escravidão, em larga escala, reali- zada desde os séculos 16, 17, 18 e 19 nas costas da África. No entanto, tem-se neste capítulo, bem como por meio de outras iniciativas intensificadas após a promulgação da Lei 10.639/03, que instaurou nos currículos escolares a obrigato- riedade do ensino da história da África e dos povos africanos nos currículos escolares, outros “modos de ver” o protagonis- mo desses grupos ao longo da história colonial das Américas, e mais peculiarmente, do Brasil. Com o intuito de colaborar com tais ações, o texto será dividido da seguinte forma: África antes do contato Europeu; a escravidão e o Tráfico Transatlântico; as resistências escravas no Brasil; e as influên- cias das africanidades no Brasil e na cultura brasileira.Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 111 1 África antes do contato europeu Menciona-se que o continente africano é vasto. A África é o terceiro continente mais extenso (atrás da Ásia e da América) com cerca de 30 milhões de quilômetros quadrados, cobrindo 20,3 % da área total da terra firme do planeta. É o segundo continente mais populoso da Terra (atrás da Ásia) com cerca de um bilhão de pessoas. Sua história é vinculada, principalmente, pelo senso co- mum, a escravidão, a miséria, a colonização e a opressão, quando esta não é levada à vitimização. Pensamentos que devem ser (re) vistos, interpretados, no intuito de formar uma consciência crítica sobre a África, que não é pobre, mas sim está pobre (MBEMBE, 2001). Na atualidade, tem-se na explo- ração da mídia, por meio da veiculação da epidemia do vírus ebola, uma nova fase desta construção imaginária negativa do território e de suas populações. No entanto, em termos culturais o continente africano con- tinua influenciando-nos. Pode-se identificar que o “menospre- zo” pelo continente tenha surgido a partir das relações econô- micas do desenvolvimento dos impérios europeus nos séculos XV e XVI. Entretanto, esta trajetória deve ser pensada e ultra- passada diante dos superficialismos. Antes do tráfico de escravos existiam tolerâncias entre os povos africanos e europeus, já que não prevalecia a ideia de inferioridade racial. O desprezo racial começou a se justificar em virtude dos interesses materiais, o que gerou uma inferiori- dade artificial, na qual os europeus criaram uma inferioridade 112 História do Brasil Colônia “natural”. Os juízos aplicados, repetidamente a história afri- cana implica no exame da mentalidade europeia do passado sobre os povos da África (DAVISON, 1978, p.21-22). No início a diferença cultural entre africanos e europeus era imperceptível, como demonstram relatos dos portugueses, que ao pisar em solo africano visualizaram sociedades complexas e organizadas, inclusive em estados centralizados. Impressões, que iriam mudar com o tempo. Do século VIII ao XVII, sucederam-se na região ocidental da África significativos reinos e riquezas, relatados por mu- çulmanos enviados para expedições. Existiam cheferias, pe- quenas formações com líderes, fluxo comercial de ouro e sal. O islã ao consolidar-se ideologicamente na região conviveu com as crenças tradicionais, pois Kanku Mussa e Mansa Mus- sa, reis do Mali, além de negociar ouro viajavam para Meca (MAESTRI, 1990), porém sem desconstituir suas crenças locais (MBOKOLO, 2009). “A idade do ouro dos Estados sudaneses, entre cerca do século VII ao XV, foi assim um período excepcionalmente rico e instrutivo no que se refere às múltiplas molas que animaram então as sociedades africanas e de que os diferentes grupos sociais procuraram extrair o melhor proveito” (MBOKOLO, 2009, p.163), não sem resistências. Autores da época colonial explicavam que o sucesso da resistência africana contra invasores europeus era devido ao clima e aos mosquitos da região. Entretanto, pode-se relacio- nar o sucesso das resistências ao poder dos exércitos africanos (DAVISON, 1978, p.25). Ao longo da faixa litoral da Costa da Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 113 Guiné surgiram os reinos de Oyo, Benim, Denkira, Akawawu, que os europeus respeitavam. Esta faixa ocidental também era denominada de Sudão. As evoluções destes reinos ocorriam de maneira intensa, longe de territórios politicamente fixos. Um deslocamento con- tínuo ligado sem dúvidas às dinâmicas comerciais, dos centros de gravidade dos Estados para leste; diminuição regular do numero de Estados, indo de par com o aumento também re- gular de sua base geográfica. Por isso os Impérios do Sudão, Songai, Mali e Kanem eram formados por muitos reinos, ori- ginados da dependência de seus soberanos como relataram Al-Umari, Ibn Batutta, Ibn Khaldun, viajantes árabes (MBOKO- LO, 2009, p.158-159). Esta extensão territorial leva-nos, mais uma vez, a uma das molas permanentes dos Estados sudaneses desta época: o exército (MBOKOLO, 2009, p.160). O papel do exército era garantir a ocupação do território. Problema mais delicado com o qual tiveram de se confrontar os Estados sudaneses: o controle de territórios cada vez mais extensos e cada vez mais diversos. Como ocorriam as administrações destes impérios? Admi- nistração indireta: a pertença ao império era concretizada pela prestação de tributos e pelo fato de por à disposição do im- perador soldados em caso de guerra; ou uma “administração direta” por príncipes da família imperial ou por governadores de regiões conquistadas por via militar. Para evitar separações os imperadores sudaneses encontra- vam uma resposta numa dosagem hábil de práticas de alian- 114 História do Brasil Colônia ça e de mecanismos de repressão: alianças essencialmente matrimoniais que, fazendo dos príncipes dos reinos “vassalos” sucessores potenciais ao trono imperial, buscava conquistar a sua lealdade; repressão também, graças ao sistema dissimu- lado dos “reféns” que levava os imperadores a manter na sua corte, sob o pretexto de assegurar a sua formação os filhos das linhagens principescas provinciais (MBOKOLO, 2009, p.162). Os africanos resistiram às invasões no período que pode ser denominado de Idade do Ferro (minério mítico das tradicionais sociedades locais), onde mantiveram governos centrais, exér- citos e desenvolvimento social, não sem hierarquizações, já que no território existiu a escravidão. Todavia, como reforça Davison (1978, p.37), os povos es- cravos das regiões sudanesas da África eram de servos e clien- tes, desfrutando muitas vezes dos direitos individuais valiosos, o que se repetia em outras regiões como no Ashanti, atual Ni- géria. O seu status era inteiramente diferente do “gado huma- no” dos navios negreiros e das plantações americanas. Muitos escravos, inclusive, chegavam a ter mais autoridade que seus donos. Davidson relaciona o período de opulência da África a Idade do Ferro (ouro), com a Idade Média europeia, da qual se valerá as próximas interpretações. 2 A escravidão e o tráfico transatlântico Na África, da idade do ferro, assim como na Europa, o escra- vo medieval era um cativo que podia ter acesso a deveres e a Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 115 obrigações. Assim, a ideia africana de que a Europa impôs em absoluto o tráfico de escravos à África não tem qualquer fun- damento na História, como assevera Davidson (1978, p.44). Todavia, também como alerta o historiador, ambos partilham responsabilidades, mas a Europa desenvolveu com ela o trá- fico de escravos e utilizou-o continuamente em seu proveito, o que desencadeou a vantagem da Europa em detrimento a África. Assim surgia outra forma de escravidão: a moderna. Tipos de escravidão: Â Escravidão romana/antiga: prisioneiro de guerra, troca- do por dívidas, empregado e até agregado a casa. Â Escravidão africana/medieval: o cativo, muitas vezes agregado à família, também adquirido por guerras. Â Escravidão mercantil/moderna: africanos, seres huma- nos reduzidos a peças, como mercadorias ou moedas de trocas. A chegada de exploradores e comerciantes portugueses na costa africana do sub-Saara, no começo do século XV, iria re- presentar um novo desenvolvimento na história da escravidão na África, já que de lá estes escravizados eram negociados para outros territórios, onde serviriam de mão-de-obra para as plantações de cana de açúcar na América do Sul, em especial no Brasil e nas Antilhas, e para o cultivo da cultura do algodão na América do Norte. Ressalta-se que a nova escravidão origi- nou-se a partir de elementos existentes na escravidão anterior, já que os europeus conseguiram, por meio dasdisputas entre 116 História do Brasil Colônia os reinos africanos, a brecha para intensificar a exportação de escravizados para outras partes do mundo. Iniciava-se o comércio triangular. Em troca de rum, bebidas e armas, com a intermediação de líderes locais africanos e de europeus, os escravizados capturados eram negociados, assim embarcados para as Américas. Lá eram trocados por açúcar, ouro e especiarias, que eram enviadas para a Europa. E assim, sucessivamente, iniciou-se um comércio infernal. Calcula-se que entre 1580 e 1680, os portugueses teriam transportado para o Brasil 1 milhão de escravizados. Quanto ao total global de escravos desembarcados vivos nas terras transatlânticas, incluindo as colônias britânicas da América do Norte e ao Caribe, chega-se a cerca de 15 milhões, segun- do Kuczynski, eminente estatístico, conforme Davidson (1978, p.106). A estimativa geral é de que tenha se aproximado de mais de 50 milhões de pessoas. No entanto, o total de desembarcados vivos não equivale ao total de escravos embarcados, já que muitos pereceram na temida “passagem média”, como denomina Basil Davison (1978). Esta “passagem” era a rota da África para as colônias europeias no Atlântico. O transporte era feito de navio, em terríveis condições, era uma prova dura para os passageiros africanos. Apenas os mais hábeis sobreviviam à fome, doenças e toda a sorte de dificuldades que longas viagens representavam na época. Gilroy (1993) nos traz outras perspectivas desse trajeto, em que pese o sofrimento sentidos por estes seres humanos pre- Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 117 sos nos Navios Tumbeiros. Paul Gilroy (1993) problematizou a intensa rede de trocas culturais existentes entre os africanos a bordo dessas embarcações, em seus deslocamentos da África, para a América e a Europa, situação que o autor chamou, não de “passagem média”, mas de middle passage. Para Gilroy, existiram sofrimentos, mas também interações para a cons- trução de uma identidade diaspóricas negra, reforçada por uma infinidade de trocas de conhecimentos em pleno Atlântico rumo aos continentes em que possivelmente esses negros se- riam negociados. Um dos principais relatos sobre as condições do tráfico de negros foi feito pelo reverendo Robert Walsh, que esteve num dos navios-patrulha ingleses. Ele conta que em 22 de maio de 1829 interceptaram um navio suspeito, e a cena com que se depararam era terrível: “os negros estavam amontoados num local tão lotado e tão baixo que cada um tinha que se sentar em meio às pernas dos outros, sem espaço para se mexerem e fazendo suas necessidades nesta posição” (WALSH, 1829 apud DAVIDSON, 1978). O comércio de escravizados fez muitas fortunas para os grandes traficantes como Joaquim Félix de Souza, o Xaxá, co- nhecido como renomado comerciante baiano. Aliás, a Bahia, o nordeste brasileiro como um todo, e o Rio de Janeiro foram os principais portos de entrada dos escravizados africanos. Registros apontam 1532 como o ano da chegada dos pri- meiros escravos africanos no Brasil, na expedição de Martim Afonso de Souza. No Rio Grande do Sul, com Silva Paes no século XVIII já tinham escravos em seu navio. 118 História do Brasil Colônia Entretanto, o comércio de escravizados negros tornou-se prática comum, também no Rio Grande do Sul, sobretudo pela presença de um elevado número de pequenos comerciantes responsáveis pelo funcionamento desse mercado, negociando direto com o mercado do Rio de Janeiro. Entre 1788 e 1802, entraram na região de Rio Grande cerca de 3.294 escravi- zados, e de 1809 a 1824, 6.984 pessoas (BERUTE, 2007, p.153-166). Outra característica da região foi o “nefando e lucrativo” contrabando de escravos. Os contrabandistas se relacionavam com autoridades corruptas, compradores de escravos e mem- bros do judiciário, que expediam documentações falsas na al- fândega a fim de entrar e sair do porto de Rio Grande e de São José do Norte. Os escravizados vindos das Províncias da Bahia e do Rio de Janeiro eram comercializados sem tributos para as demais regiões brasileiras e do Uruguai, da Argentina e do Paraguai (FLORES, 2013). Estima-se que 14 milhões de africanos, ao longo de quase quatro séculos, foram trazidos para o Brasil no período da escravidão. 3 As resistências escravas no Brasil Desde que o primeiro africano se jogou ao mar contra o jugo da escravidão tem-se o início das revoltas escravas. Na escravidão os quilombos eram espaços para onde os escravos que não aceitavam a sua condição fugiam e lutavam Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 119 contra a escravidão. Os quilombos também eram chamados de mocambos e abrigavam negros, índios e brancos pobres. O quilombo foi, incontestavelmente, como salienta Clóvis Moura (1988), a unidade básica de resistência do escravo. O quilombo aparecia aonde quer que existisse escravidão. Como era o sistema da colônia, os negros sempre resistiram. Portan- to, não foi um fenômeno esporádico. Era a reação organizada de combate a uma forma de trabalho desumana. Existiram quilombos em Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Maranhão e no Rio Grande do Sul. Desgastando as forças produtivas, quer pela ação militar, quer pelo rapto de escravos, fato que constituía, do ponto de vista econômico, uma subtração ao conjunto das produções dos escravizadores (senhores de escravizados de engenhos). Os escravizados eram rebeldes, sendo a revolta coletiva uma característica de luta entre os escravizados (MOURA, 1988, p.106). Ademais, o Quilombo dos Palmares foi a maior resistência escrava no Brasil colonial. Foi a de maior envergadura. A ex- tinção de Palmares teve uma importância à da expulsão dos holandeses. Foram cerca de trinta expedições que marcharam contra Palmares, do início ao final do século XVII. Em carta de 14 de março de 1696 para o rei, o comandante da última expedição contra Palmares disse: “Zumbi lutou com bravura, matando um ferindo alguns e, não querendo render-se nem aos companheiros, foi preciso mata-los e só a um se apanhou vivo”. “Deu-se isso, no dia 20 de novembro de 1695” (FREI- TAS, 1973, p.166-167). 120 História do Brasil Colônia Em Minas Gerais, os quilombolas se aliavam aos contra- bandistas de diamantes e seria uma preocupação constante das autoridades. Em consequência das facilidades que os es- cravos encontravam para a fuga na mineração, a repressão se processou com mais vigilância em Minas do que nas demais capitanias. Outro quilombo importante foi o de Campo Grande, esten- dia-se entre as capitanias de Minas Gerais e Goiás. O gover- nador Gomes Freire, em 1746 refere-se a este quilombo como já existindo “há mais de 20 anos”, ou seja, desde 1726, evi- denciando a antiguidade daquela resistência na região aurífera. Pelotas, no Rio Grande do Sul, foi outra região relevante em termos de associativismo negro no início do século XX, efei- to da grande concentração dessas populações advindas desde as charqueadas, em que o braço escravizado movimentava a riqueza da cidade e a prosperidade da elite local (ASSUMP- ÇÃO, 2013). E em virtude da opulência produzida pela carne seca e salgada, o charque que inclusive era produto de expor- tação, a cidade possibilitou o destaque e o cosmopolitismo do município, permitindo o trânsito de ideias e de pessoas de outras partes do país (CAIUÁ, 2013). A cidade também teve intensa produção de lavouras e roças, que eram constante- mente ocupadas por quilombolas (MOREIRA; AL-ALAM; PIN- TO, 2013, p. 2013). Além dos quilombos as resistências ocorriam pelas fugas, como foi o caso de Manoel Congo, que com o naufrágio do navio negreiro, que se encontrava no litoral de Tramandaí-RS, conseguiu escapar. Dando início a uma luta constantepor sua Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 121 liberdade (OLIVEIRA, 2006), com inúmeros riscos e desafios, fi- xando-se na Santa Casa de Porto Alegre, como africano “livre”. 4 As influências das africanidades no Brasil e o racismo científico Os africanos comportam dois grandes troncos linguísticos, identificados nos bantos e sudaneses e constituíram o maior grupo continental a entrar no país. Para o Brasil que, com a es- cravização forçada de várias etnias africanas, recebeu nagôs, jejes, benguelas, fulos, fulas, tuaregues, iourubás, mandingas, minas, háussas, adamauás, entre outros, identificar essas pes- soas como negros, é desconsiderar a profundidade étnico- -cultural desses povos (RODRIGUES, 1976). No continente africano, existem, hoje, mais de 2.000 etnias, somente abaixo do deserto do Saara (SOUZA). Ou seja, aquelas milhares de etnias com os processos de colonizações foram fixadas. Na- quele instante, designada pelos olhos dos europeus, os negros passaram a ser um lugar único de todos os grupos africanos, estereotipados. Aliás, foi a partir da escravidão moderna, em que o oci- dente passou a dominar, por meio das grandes navegações os mares, e após com os instrumentos bélicos outros povos, a cor dos escravizados passou a ser associada à inferioridade. Quanto mais escuro, pior seria a qualidade do sujeito. O Europeu, masculino, branco, passou a ser considerado pelo poder hegemônico, e um ideal a ser cultuado ideologica- 122 História do Brasil Colônia mente. Eis a origem do discurso binário: o branco e o negro, o bem e o mal, o superior e o inferior, o civilizado e o bárbaro, o com história e o agrafo e assim por diante (BHABHA, 2003). Nessa condição os Europeus se beneficiaram dos meios hu- manos e minerais do Continente para fins de acumulação de riquezas. Devido a isto as etnias europeias, mesmo as que vie- ram para o Brasil com certa dificuldade, tiveram condições de ocupar uma melhor posição social que as descendentes da África, pois suas peles eram claras. Nos finais do século XIX, houve o advento do racismo cien- tífico. As três escolas principais do pensamento racista eram: a etnológico-biológica, sistematizada nos Estados Unidos, defen- dia a ideia da criação das raças humanas através de mutações das diferentes espécies (poligenia). A base de seu argumento era que a pretendida inferioridade das raças – índia e negra – podia ser correlacionada com as diferenças físicas em rela- ção aos brancos, e que tais diferenças eram resultado direto da sua criação como espécies distintas. Esta teoria ganhou o apoio de Louis Agazis, zoólogo suíço, que atribuía a diferença das espécies humanas às diferentes regiões climáticas em que habitavam. A escola histórica de Gobineau ajudou a propagar a mensagem pela Europa de que a raça era o fator determi- nante da história humana. E a escola do darwinismo social, que pregava a evolução da vida natural como resultado da “sobrevivência dos mais aptos”, numa competição de diferen- tes espécies e variedades, também admitia que as espécies humanas, tinham passado por processo evolutivo semelhante. Aqui no Brasil, próximo da abolição da escravidão, ocorri- da em 1888, influenciada pelas ideias hegemônicas, as elites Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 123 políticas iniciaram as discussões de como branquear a nação, já que uma nação rica somente poderia surgir, conforme ideó- logos da nação, por meio da civilização branca, relacionando o nosso atraso ao excesso de negros. Esse ao menos era o pensamento de grande parcela da elite nacional. As formas de embranquecer as populações negras foram quantitativas: diminuir sua demografia; e qualitativa: fazer com que os ne- gros passassem a adotar os padrões estéticos brancos. O que jamais daria certo, pois, na dinâmica cultural todos os grupos estavam se influenciando. Os negros, por meio da imprensa negra, passaram a nego- ciar com a sociedade abrangente e com o Estado, hibridizan- do símbolos nacionais e datas comemorativas, a exemplo das reivindicações ocorridas nas datas do dia 13 de maio e 27 de setembro, datas da abolição e da Lei do Ventre Livre, respec- tivamente. Surgiu, por meio dos intelectuais da comunidade negra, a luta por afirmação identitária, cidadania e inclusão social (ZUBARAN, 2008). No entanto, sem divisões raciais e sim primando à confraternização racial. Diante disto, o que ocorreu? A tentativa de miscigenação política do país. O que teve seu ápice nos anos trinta do século XX, em que surge a figura do mulato. Entretanto, aspectos da cultura negra passam a ser adotados pelo país, como o samba e a capoeira. Além das tentativas de fazer com que aspectos da cultura negra, antes perseguidos e estigmatizados, passassem a ser utilizados como símbolos da cultura nacional a exemplo da ca- poeira e do samba. Cotidianamente, passou-se a demonstrar 124 História do Brasil Colônia ao mundo as qualidades brasileiras através de seus grupos for- madores: brancos, negros e índios, pensamento que originou a decantada “democracia racial” brasileira. O que de certa forma deu certo, já que a nível internacional a Europa com a ascensão do nazi-facismo, a África do Sul com a política do apartheid e os Estados Unidos violentamente segregacionista, eram exemplos a deixar de lado. Eis que no Brasil: brancos, negros e índios, viviam harmonicamente. Somente nos anos 50 do século 20, essa ideologia bra- sileira passou a ser combatida e denunciada como um mito. O mito da democracia racial, pois cotidianamente os negros e índios, eram desconsiderados e na grande maioria viviam marginalizados. Quanto à África, surgiram as resistências políticas, iden- tificadas nos Congressos Pan-Africanos. Os primeiros foram reivindicatórios sobre as condições de vida dos povos coloni- zados na África e sobre os abusos cometidos pelos europeus. O quinto Congresso Pan-Africano, realizado em Manches- ter, Inglaterra em 1945, foi marcado pela radicalização de suas propostas e pelo debate político aprofundado. Líderes converti- dos ao marxismo: houve condenação ao capitalismo, discrimi- nação e segregação racial. Era uma virada de mesa. Os princi- pais líderes: Agustinho Neto, Samora Machel, Amilcar Cabral, Kwame Nrumah. O quais seriam presidentes após as indepen- dências dos países africanos (ASSUMPÇÃO, 2008, p.89). Destacam-se a negritude cultural de Aimé Césaire, da Mar- tinica, e de Leopoldo Sédar Senghor e de Cheikh Anta Diop, ambos senegaleses. Houve divergências devido à forma de Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 125 difundir e aplicar o conceito, quanto ao sentido de resgatar a autoestima dos povos africanos. Leopoldo Sédar Seghor desenvolveu a ideia de Négritude (movimento literário que exaltava a identidade negra, lamen- tando o impacto negativo que a cultura europeia teve junto das tradições africanas). Para Aimé Césaire (Martinica) e Léon Da- mas (Guiana Francesa), a negritude reivindicava, entre outros fatores, a consciência do negro civilizado (GOMES, 2014). Eis que surgiram, a partir dessas influências, as organiza- ções sociais negras no Brasil nas décadas de 1930, 1940 e 1950. A Frente Negra Brasileira, A União dos Homens de Cor e o Teatro Experimental do Negro, sendo esta última mais fun- damentada na negritude. Esses movimentos primavam pela ascensão das populações negras e principalmente pela afir- mação social e cultural desse grupo que, longe da África e de suas etnias originárias, aprendeu a ser brasileiro. Em aulas de teatro, através do assistencialismo e por meio de reuniões alfabetizadoras, essas associações fizeram com que os negros brasileiros passassem a se identificar, positivamente, com as suas raízes africanas. Segundo Abdias do Nascimento (1914-2011),líder do Te- atro Experimental do Negro, organização que surgiu em 1944 na cidade do Rio de Janeiro para lutar contra o preconceito, por educação e por integração dos negros nas artes, a pro- posta de luta, definitivamente, passava por duas questões: a) a mudança econômico-social no país, e b) a mudança nas relações de raça e de cor. Afirmando os valores da cultura 126 História do Brasil Colônia negro-africana contida em nossa civilização. Era o surgimento da ideologia da negritude brasileira. 5 A cultura afro-brasileira Temos muito da África em nossos hábitos, em nossa cultura. A língua falada no Brasil é um dos exemplos. Veja a seguir a seguinte frase: Após o jantar, um delicioso quibebe, uma mulher do qui- lombo fazia cafuné na sua filha caçula. A jovem lembrava como sua avó era a bamba do lugar. As palavras grifadas são oriundas da África diretamente para nosso vocabulário. Outras palavras são: acarajé, angu, agogô, banda, batu- que, bamba, banguela, banzo, carinho, cafuné, caçula, ca- chimbo, camundongo, calombo, canga, cachaça, caxinguelê, chuchu, caxumba, calundu, cochilo, dengo, dengoso, dendê, fubá, inhame, Ioiô, Iaiá, jiló, jongo, moleque, miçanga, mo- lambo, marimbondo, marimba, macambúzio, maxixe, muca- ma, quiabo, quitanda etc. Darcy Ribeiro comentou que as lín- guas africanas amoleceram o português. Entre outros costumes tem-se: Â religiões: Candomblé (Bahia), umbanda (Rio de Janei- ro), quimbanda, Batuque (Rio Grande do Sul), Tambor de Mina (Maranhão), Xangô do Recife e macumba; Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 127 Â danças; Â capoeira; Â comidas: feijoada, mocotó, quindim etc.; Â instrumentos musicais de percussão: tambor, sopapo etc. Recapitulando Menciona-se que o continente africano é vasto, com milha- res de etnias. No passado, existiam tolerâncias entre os povos africanos e europeus, já que não prevalecia a ideia de infe- rioridade racial. A chegada de exploradores e comerciantes portugueses na costa da africana do sub-Saara, no começo do século XV, iria representar um novo desenvolvimento na his- tória da escravidão na África. Era o surgimento da escravidão mercantil/moderna: africanos, seres humanos reduzidos a pe- ças, como mercadorias ou moedas de trocas. Contudo, hoje, compreende-se que jamais estes africanos foram peças, pois eram ávidos de vida, de agências e protago- nismos, pois, mesmo com as dificuldades do período e da rota transatlântica os escravizados traziam e trocavam conheci- mentos em pleno Atlântico. Tanto que muitos ao desembarcar conseguiam desvencilhar das correntes e fugir para o interior, a exemplo de Manoel Congo no Rio Grande do Sul. Aliás, a resistência ocorria, muitas vezes, em pleno mar. Desde que o primeiro africano se jogou ao mar contra o jugo da escravidão tem-se o início das revoltas escravas. 128 História do Brasil Colônia Na escravidão os quilombos eram espaços para onde os escravos que não aceitavam a sua condição fugiam e lutavam contra a escravidão. Antes e após a libertação no século XIX houve o advento do racismo científico. Surgiu, por meio dos intelectuais da comunidade negra, uma imprensa negra en- gajada na luta por afirmação identitária, cidadania e inclusão social, contra as hierarquizações raciais. Em meados dos anos de 1940 até 1960, contra o mito da democracia racial, sur- giu a ideologia da negritude. Atualmente tem-se presente em nossa formação humana aspectos estreitamente vinculados as africanidades, nos gestos, nas falas, nos objetos e no conhe- cimento. Referências ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. A partilha da África e a resis- tência africana. Porto Alegre: FAPA, 2008, pp.77-99. ASSUMPÇÃO, Jorge Euzébio. Pelotas: Escravidão e Charque- adas (1780-1888). Passo Fundo: FCM Editora, 2013. BERUTE, Gabriel Santos. Características mercantis do trá- fico negreiro no Rio Grande de São Pedro, c.1790- -c.1825 in V Mostra de Pesquisa APERS – Produzindo História a partir de fontes primárias. Porto Alegre: Editora CORAG, 2007, pp.153-166. BHABHA, Homi. O local da Cultura. Editora UFMG: Belo Horizonte, 2007. Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 129 DAVIDSON, Basil. Mãe Negra. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1979. FLORES, Moacyr. Contrabando de Escravos. Porto Alegre: Editora Pradense, 2013. FREITAS, Décio Palmares. A Guerra dos Escravos. Porto Ale- gre: Movimento, 1973, p.166-167. GOMES, Arilson dos Santos. O universo das gentes do mar e a identidade negra nos discursos e práticas políti- cas de Carlos Santos (1959-1974). Tese de Doutorado – Programa de Pós-Graduação em história PUCRS, 2014. GILROY, Paul. O Atlântico Negro como contracultura da modernidade. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. pp.33- 82. M’BOKOLO, Elikia. África Negra, história e civilizações. Salvador: Casa das Áfricas, 2009, pp.122-163. MAESTRI, Mário. História da África negra Pré-Colonial. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990. pp. 01-43. MBEMBE, Achille. As formas africanas de auto-inscrição. In Revistas Estudos-Afro-Asiáticos, ano 23, nº1, 2001. MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala. Porto Alegre: Merca- do Aberto, 1988. OLIVEIRA, Vinícius Pereira de. De Manoel Congo a Manoel de Paula: um africano ladino em terras meridionais. Porto Alegre: EST, 2006. 130 História do Brasil Colônia SOUZA, Marina de Mello e Souza. África e Brasil Africano. São Paulo: Ática, 2012. ZUBARAN, Maria Angélica. Comemorações da liberdade: lugares de memórias negras diaspóricas. Anos 90 – Revista do PPG em História da UFRGS. V. 15, n27, 2008. pp. 161- 187. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/anos90/article/ view/6743/4045>. Acesso em: 11 maio 2011. Atividades 1) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. Diante do que se aprendeu no capítulo, pode-se afirmar que: a) ( ) A África é um extenso país com vários estados. b) ( ) No continente africano não existia escravidão antes do contato com os europeus. c) ( ) A idade do ouro dos Estados sudaneses africanos foi entre o século VII ao XV. d) ( ) Antes do tráfico de escravos existiam tolerâncias en- tre os povos africanos e europeus. e) ( ) A África é um continente com mais de 2.000 etnias e 54 países. 2) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 131 Sobre a escravidão na História, pode-se afirmar que: a) ( ) Na Roma antiga o escravo era o prisioneiro de Guerra e adquirido como pagamento de dívidas. b) ( ) Na Roma, assim como na África, jamais existiu es- cravidão. c) ( ) Na escravidão mercantil, moderna, os africanos, seres humanos reduzidos a peças, eram negociados como mercadorias ou moedas de trocas. d) ( ) No navio negreiro o africano vinha calado e não tinha cultura. e) ( ) No navio negreiro também interações para a cons- trução de uma identidade diaspórica negra, reforçada por uma infinidade de trocas de conhecimentos em pleno Atlântico. 3) A partir dos estudos desenvolvidos nesse capítulo, marque (X) somente nas assertivas verdadeiras. a) ( ) Estima-se que 14 milhões de africanos, ao longo de quase quatro séculos, foram trazidos para o Brasil no período da escravidão. b) ( ) O quilombo foi, incontestavelmente, como salienta Clóvis Moura (1988), a unidade básica de resistência do escravo. c) ( ) O Quilombo dos Palmares foi a maior resistência escrava no Brasil colonial. Foram cerca de trinta expe- 132 História do Brasil Colônia dições que marcharam contra Palmares no intuito de acabar com o Quilombo. d) ( ) Jamais existiu contrabando de escravos no Brasil, pois eles vinham direto da África e eram negociados em mercados. e) ( ) Além dos quilombos as resistências ocorriam pelas fugas. 4) Assinalar(V) para as assertivas Verdadeiras e (F) para as Falsas. Os grupos envolvidos nas revoltas foram: a) ( ) Várias etnias africanas, recebeu nagôs, jejes, ben- guelas, fulos, fulas, tuaregues, iourubás, mandingas, minas, háussas, adamauás entre outros. b) ( ) No Brasil não entraram as teorias criadas pelas es- colas do racismo científico. c) ( ) A comunidade negra, por meio de seus intelectuais e de sua imprensa negra lutou pela afirmação e inclu- são das populações negras nos finais do século XIX. d) ( ) O Brasil é um caldeirão racial, não existindo proble- mas destas ordem a exemplo dos Estados Unidos da América. e) ( ) Abdias do Nascimento foi o principal líder do Teatro Experimental do Negro. 5) Leia com atenção o que se pede e marque somente duas alternativas como verdadeiras (alternativas A, B, C e D). Capítulo 6 Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas 133 a. ( ) A ideologia da negritude foi uma construção advin- da das escolas racistas europeias do século XIX. b. ( ) No Brasil a influência das africanidades ocorrem em nossa linguagem e em nossa cultura e em nosso jeito de ser. c. ( ) É possível afirmar que a comunidade negra utilizava a data de comemoração do dia 13 de maio para rei- vindicar por sua cidadania. d. ( ) Para Darci Ribeiro, as línguas africanas prejudicaram a originalidade do português falado do Brasil, que po- deria ser parecido com o de Portugal. Gabarito 1) c, d, e: verdadeiras; a, b: falsas 2) a, c, e: verdadeiras; b, d: falsas 3) a, b, c, e 4) b, d: falsas; a, c, e: verdadeiras 5) b, c ?????????? Capítulo ? Engenhos, Casa- Grande e Senzala, União Ibérica, Invasões Holandesas e Restauração Pernambucana1 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 1 Doutora em História, professora adjunta do Curso de História e do Mestrado em Educação da Universidade Luterana do Brasil, membro do NEABI/ULBRA. Maria Angélica Zubaran1 Capítulo 7 Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 135 Introdução O açúcar retirado da cana-de-açúcar só se tornou conhecido para os europeus por volta do século X, por meio dos Árabes. Antes dessa época, usava-se mel como adoçante. Durante os séculos XVII e XVIII o Brasil e as Antilhas foram praticamente os únicos fornecedores de açúcar para a Europa. Posteriormen- te, na primeira metade do século XVIII, um químico prussiano conseguiu extrair açúcar da beterraba e Napoleão Bonaparte passou a incentivar a produção de açúcar de beterraba nas suas colônias. Neste Capítulo estudaremos a expansão dos engenhos de açúcar no Brasil Colônia durante os séculos XVI e XVII, a união das Coroas de Portugal e Espanha, conhecida como União Ibérica (1580-1640) e as invasões e guerras com os holande- ses no nordeste e seu impacto na colônia. Portanto, entre os assuntos desse Capítulo, temos uma história de engenhos de açúcar, guerras e insurreições. 1 Engenhos, Casa-Grande e Senzala O engenho Conforme assinalam Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota (2008), a expansão da agroindústria açucareira constituiu mais uma etapa do domínio português das especiarias colo- niais e atingiu grandes proporções a partir do final do século 136 História do Brasil Colônia XVI, para cobrir os gastos da instalação dos engenhos e da mão de obra importada da África. A produção e comercialização do açúcar formavam uma rede de interesses que envolvia não só os senhores de enge- nho das capitanias da Bahia e Pernambuco, que eram os prin- cipais produtores do produto, como também os portugueses traficantes de escravos e os comerciantes holandeses que se encarregavam da distribuição do açúcar na Europa. Também Mary Del Priore e Renato Pinto Venâncio (2001) sublinham que a instalação de um engenho constituía um em- preendimento considerável que requeria muito capital. O en- genho constituía o centro em torno do qual se estruturava a economia colonial desde meados do século XVI e abrangia as plantações de cana, o equipamento para processá-la, as construções, os escravos, os empregados, o gado, as pasta- gens, além da casa-grande e da senzala. A maior parte dos engenhos localizava-se próximo as matas e ao longo dos rios, pois precisavam de lenha para as fornalhas e da água para consumo. A instalação de um engenho se dava com créditos que provinham da própria coroa portuguesa ou de estrangeiro entre eles, holandeses, italianos e alemães. O engenho contava também com pequenos empreende- dores, chamados lavradores, que abasteciam o engenho com suas canas e pequenos proprietários que plantavam cana-de- -açúcar para obter outros derivados, como a aguardente, que servia não só para o consumo, como também para o comércio de escravos na África, o melado utilizado para alimentação e para curar o fumo em corda e a rapadura, de fácil transporte e muito consumida pelos sertanejos. Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 137 Figura 1 Engenho de Açúcar,1660, Frans Post. Fonte: Frans Post: people.ufpr.br A imagem do engenho de açúcar do artista holandês Frans Post revela as relações de poder existentes no engenho: a ca- sa-grande encontra-se no fundo, no alto, e do seu lado direito, bem no canto a capela, onde se realizavam batismos e casa- mentos. A seguir, no primeiro plano, o coração do engenho com a moenda e a casa de purgar. As várias fases na fabricação do açúcar A extração do caldo da cana dava-se na moenda, movida por força hidráulica ou por animais (gado e cavalos) e seu cozi- mento era em tachos de cobre nas casas de caldeira e purgação. O mestre do açúcar dava o ponto às meladuras. Depois de seco, o açúcar era embalado em caixas e levado por transpor- 138 História do Brasil Colônia te fluvial ou no lombo de animais até os portos de embarque (Recife e Salvador). A mão de obra foi inicialmente constituída por escravos indí- genas e a partir da segunda metade do século XVI e especialmen- te no século XVII cada vez mais a mão de obra escrava africana. A casa-grande A casa-grande, com um ou dois pisos, era onde vivia a família do senhor do engenho e onde predominava a simpli- cidade e o desconforto. De acordo com Mary Del Priore e Re- nato Pinto Venâncio (2001) o senhor de engenho geralmente alimentava-se mal, consumia víveres mal conservados e sofria de doenças do estômago. A sua volta movimentava-se peque- na multidão de parentes, escravos, agregados e dependentes em busca de favores. Era o senhor de engenho que tomava as decisões sobre a vida e morte dessa extensa família. Figura 2 Casa de Fazenda, 1651, Frans Post. Fonte: Frans Post: pople.ufpr.br Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 139 A família patriarcal Sob o comando do senhor do engenho que impunha autorida- de e respeito subordinava-se a esposa, filhos, parentes, bastar- dos, afilhados, escravos e agregados. A esposa vivia para ge- rar filhos e para supervisionar as atividades domésticas, além de dedicar-se à costura, bordados e à devoção. Era a dona de casa e mãe dos filhos. No engenho havia uma espécie de vida em comum entre brancos, negros, indígenas e mestiços. A senzala A senzala era o local onde viviam os escravos africanos e seus descendentes, construídas de barro, sem janelas e cobertas de palha. Elas eram trancadas à noite pelos feitores para evitar a fuga e separadas por sexo, embora alguns engenhos permitis- sem casebres para abrigar escravos casados. No seu interior não tinham móveis, apenas estrados de madeiras cobertos por esteiras. Os escravos africanos eram tratados como coisas no en- genho e vigiados pelo feitor que mantinha o ritmo do traba- lho e aplicava punições. Alimentavam-se a base de farinha de mandioca e farinha de milho, e a carne era excepcionalmente servida aos doentes.As roupas eram raras, as mulheres ves- tiam-se com saia e blusa e os homens apenas com calças e o torso nu. Como as roupas eram poucas e lavadas com muita frequência muitos escravos andavam maltrapilhos e esfarra- pados. O castigo físico exagerado era condenado para não danificar a peça. 140 História do Brasil Colônia 2 A União Ibérica Em 1578, o rei português D. Sebastião, último rei da dinastia de Avis, partiu à frente de um numeroso exército para conquis- tar o Marrocos, porém na batalha de Alcácer-Quibir, contra os mouros, perdeu a batalha e a vida. Como era solteiro e não tinha filhos, a Coroa passou para seu tio-avô, o cardeal D. Henrique, único descendente masculino da linha de Avis. Em 1580 morreu o cardeal-regente sem deixar sucessor. Filipe II, rei da Espanha, neto do rei português D. Manuel, achou-se no direito de ocupar o trono português e invadiu Portugal sendo apoiado por parte da burguesia portuguesa. Assim, iniciava-se a União Ibérica, ou seja, a união das duas coroas, de Portugal e da Espanha, que durou 60 anos, de 1580 a 1640. Portugal passou, desde então, a integrar o império espanhol. A união das duas coroas não significou o fim da indepen- dência do reino, que conservou sua autonomia administrativa, governado por um vice-rei. A União Ibérica acabou em 1640, com uma rebelião da aristocracia lusa com apoio da França e a instalação de uma nova dinastia no país, a de Bragança, que reinaria até a pro- clamação da República no Brasil. Durante esse período algu- mas modificações importantes ocorreram no Brasil Colônia. Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 141 Resultados da União Ibérica para o Brasil A União Ibérica provocou na prática o descumprimento tem- porário do Meridiano de Tordesilhas, abrindo à penetração dos portugueses os territórios situados na região amazônica e em áreas que hoje fazem parte do Brasil central e, portanto, ampliando a ocupação portuguesa na América. A consequência mais significativa se deu no plano das re- lações internacionais. Com a união Ibérica, Portugal herdou os inimigos dos espanhóis, entre eles, as Províncias Unidas dos Países Baixos (Holanda e Bélgica), que moviam uma guerra de independência contra a Espanha. Com a União Ibérica Filipe II, rei da Espanha e de Portugal, restringiu o comércio das po- tências estrangeiras que não tivessem licença expressa do rei, com os portos do reino. Essa política restritiva estimulou a rea- ção dos holandeses que impedidos de comerciarem o açúcar com o nordeste brasileiro invadiram a colônia. 3 As Invasões Holandesas Antes da União Ibérica, os portugueses haviam se associado aos holandeses no comércio do açúcar. O Brasil produzia o açúcar, Portugal o comprava em regime de monopólio, ven- dendo-o à Holanda que o revendia na Europa. Após a União Ibérica, a Espanha não permitiria a continuidade desse negó- cio. Então os holandeses fundaram a Companhia das Índias Ocidentais (1621) para atuar no Atlântico e para conquistar o Brasil. 142 História do Brasil Colônia A Invasão dos Holandeses em Salvador (1624-1625) Em 1624, os holandeses atacaram Salvador, sede do governo- -geral, grande produtora de açúcar, que foi ocupada e saque- ada. No entanto, não conseguiram expandir seus domínios, pois foram impedidos pelos luso-brasileiros de penetrar no interior. Os senhores de engenho organizaram a resistência utilizando-se da tática de guerrilhas. Receberam reforços da esquadra luso-espanhola, com 52 navios e mais de 12 mil homens que se juntaram aos combatentes. Os holandeses renderam-se em maio de 1625. Tinham permanecido em Sal- vador por um ano. A Invasão dos Holandeses em Pernambuco (1630-1654) Em 1630, os holandeses tomaram a vila de Olinda, em Per- nambuco e duas semanas depois ocuparam Recife, iniciando um período de longa ocupação no nordeste e depois uma guerra de reconquista. Nos dois primeiros anos o invasor dominou o porto e a cidade e os colonos luso-brasileiros dominaram o interior e o sistema produtivo. A partir de 1632, os holandeses consegui- ram romper as linhas de resistência e dominaram praticamente todo o nordeste: tomaram o Ceará, a Paraíba, o Rio Grande do Norte e parte do Maranhão. Na medida em que os holandeses avançavam, luso-brasi- leiros passavam para o lado holandês. Destaca-se de forma negativa na visão luso-brasileira, a figura de Domingos Fer- nandes Calabar, que passou das forças luso-brasileiras para Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 143 as holandesas, até ser preso e condenado à morte, estrangu- lado e depois esquartejado como traidor. Um segundo período do domínio holandês se inicia em 1637, com a chegada do conde holandês João Maurício de Nassau-Siegen em Pernambuco, para ser o Governador- Geral da Nova Holanda. Ele trouxe consigo uma grande corte que incluía naturalistas e famosos pintores como Albert Eckhout e Frans Boas, que pintaram as primeiras paisagens e cenas da vida no Brasil colônia. Nassau concedeu empréstimos para retomada dos enge- nhos abandonados e para compra de escravos, visando reati- var o sistema produtivo desmantelado pela guerra de conquis- ta. Estabeleceu um clima de tolerância religiosa com católicos e cristãos novos e um grupo de judeus fundou uma sinagoga no Recife, a primeira sinagoga das Américas. A cidade de Re- cife foi urbanizada, construíram-se pontes, palácios e jardins. O governo de Nassau (1637-1644) foi considerado o apogeu do domínio holandês no nordeste. Tão logo conseguiram estabilizar a indústria açucareira no nordeste, os holandeses trataram de garantir o suprimento de escravos africanos ocupando a ilha de São Tomé e Angola, na África, visando facilitar o tráfico de escravos para a zona açucareira. No entanto, o colapso do preço do açúcar na Europa des- truiu o otimismo de Nassau. Os senhores de engenho estavam cada vez mais endividados e começaram a atrasar pagamen- tos à Companhia das Índias Ocidentais. Em 1642 começa a 144 História do Brasil Colônia ruína dos comerciantes do açúcar e a falência de mercadores flamengos. Em razão das desavenças com a Companhia das Índias Ocidentais Nassau regressou à Europa em 1844. 4 A Insurreição ou Restauração Pernambucana Após Maurício de Nassau voltar à Holanda, os colonos do Bra- sil resolveram enfrentar os holandeses. Em 1645, rebentava a guerra dos luso-brasileiros contra os holandeses no nordeste, conhecida como Insurreição Pernambucana. Recentemente o termo proposto para caracterizar a guerra contra os holande- ses é Restauração Pernambucana. João Fernandes Viera, um dos maiores devedores dos ho- landeses foi o comandante dos rebeldes. Os índios potiguaras eram liderados por Filipe Camarão e a milícia de negros forros era liderada por Henrique Dias. Os historiadores considera- ram, por isso, que a Restauração Pernambucana foi a primeira manifestação de nativismo no Brasil. Um sentimento de amor à terra que “uniu as três raças” formadoras da nacionalidade brasileira contra o “invasor holandês”. A Guerra prolongou-se por vários anos, enquanto os revol- tosos dominavam o interior, a cidade de Recife continuava nas mãos dos holandeses. Em 1648, os holandeses foram venci- dos no Recife, nas duas batalhas de Guararapes. Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 145 Figura 3 Batalha dos Guararapes, 1879. Fonte: pt. wikepedia.org Em 1654, Portugal resolveu intervir e enviou reforços para Recife. Pressionados por terra e mar os holandeses renderam- -se. O Tratado de Paz firmado entre os portugueses e a Holan- da, com a interferência inglesa, deixava o nordeste do Brasil para Portugal que se comprometia a pagar, como indeniza- ção, quatro milhões de cruzados. Resultados das “guerras do açúcar” para o NordesteForam necessários vários anos para a recuperação da empre- sa do açúcar, que empurrou a economia açucareira da co- lônia para uma grande crise da qual somente sairia com a descoberta de ouro em Minas Gerais. 146 História do Brasil Colônia Comerciantes judeus e holandeses transferiram o conheci- mento de técnicas agrícolas do Brasil para as Antilhas (ilhas da América Central), onde iniciaram uma produção açucareira própria, determinando o declínio do açúcar no Brasil na se- gunda metade do século XVII. Por outro lado, a expulsão dos holandeses impulsionou um sentimento nativista e Pernambuco tornou-se centro de mani- festações de autonomia, de independência e de revolta aberta ao longo dos anos. Recapitulando Neste Capítulo aprendemos que o engenho de cana-de-açú- car foi a unidade central da economia e da sociedade colonial no Brasil entre os séculos XVI e XVII. Seu maquinário era com- posto pela moenda, caldeira e casa de purgar. Na estrutura social do engenho dominava o senhor de engenho rodeado de grande escravaria, procedente do tráfico africano de es- cravos. Como vimos, os holandeses tiveram participação tanto no financiamento das instalações da empresa açucareira no nor- deste quanto na comercialização dos produtos derivados do mercado europeu. Em 1580, o Brasil passou para o domínio Espanhol, na chamada União Ibérica, e herdou as rivalidades da Espanha com a Holanda. Durante esse período, a Espanha em guer- ra com a Holanda, proibiu as relações comerciais da colônia Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 147 com a Holanda. Os holandeses impedidos de comercializarem diretamente com a colônia fundaram em 1621, a Companhia das Índias Ocidentais e invadiram o nordeste do Brasil. Primeiro, os holandeses ocuparam a cidade de Salvador (1624-1625) e depois a cidade do Recife (1630-1654). O período do apogeu do domínio holandês em Pernambuco foi durante o governo do conde Maurício de Nassau. Durante a sua administração (1637-1644), Nassau reativou a economia açucareira dizimada pela guerra, concedeu empréstimos aos senhores de engenho e concedeu liberdade religiosa nos do- mínios holandeses. A Guerra para expulsar os Holandeses do nordeste cha- mou-se Restauração Pernambucana e durou 10 anos, unin- do senhores de engenho, índios e negros. Um dos resultados dessa guerra foi o declínio do açúcar no Brasil, na segunda metade do século XVII. Referências ABREU, Capistrano de. Capítulos de Histórias Colonial. Sal- vador: P555 Edições, 2006. DEL Priore, Mary; VENÂNCIO, Renato Pinto. O Livro de Ouro da História do Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Uni- versidade de São Paulo: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995. 148 História do Brasil Colônia LOPEZ, Adriana e Carlos Guilherme Motta. História do Bra- sil: Uma Interpretação. São Paulo: Editora Senac São Pau- lo, 2008. LINHARES, Maria Yeda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. MAESTRI, Mário. Uma História do Brasil: Colônia. São Pau- lo: Contexto, 2002. NOVAIS, Fernando. Estrutura e Dinâmica do Antigo Siste- ma Colonial. São Paulo: Brasiliense, 1993. Atividades 1) A produção de açúcar no Brasil colonial: a) possibilitou o povoamento e a ocupação de todo o território nacional, enriquecendo grande parte da po- pulação. b) praticada por grandes, médios e pequenos lavradores, permitiu a formação de uma sólida classe média rural. c) consolidou no nordeste uma economia baseada no latifúndio monocultor e escravocrata que atendia aos interesses do sistema colonial português. d) desde o início garantiu o enriquecimento da região Sul do país e foi a base econômica de sua hegemonia política na República. Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 149 e) não exigindo muitos braços, desencorajou a impor- tação de escravos, liberando capitais para atividades lucrativas. 2) As invasões holandesas no Brasil relacionam-se: a) aos conflitos entre os holandeses (protestantes) e por- tugueses (católicos) no quadro das guerras de religião europeias. b) à aliança entre Holanda e Inglaterra, as duas maiores potências navais europeias, contra Portugal. c) aos conflitos entre Holanda e Espanha, com a União Ibérica, e aos interesses comerciais holandeses no açúcar brasileiro. d) à política francesa de expansão colonial que pretendia estabelecer no Brasil a “França Antártica”. e) à pretensão holandesa de transformar o Brasil num im- portante entreposto para o comércio de escravos. 3) Durante a fase colonial, o Brasil foi alvo de vários ataques estrangeiros, sendo um deles em Pernambuco, marcado pela administração de João Maurício de Nassau. Este re- presentava: a) os interesses da burguesia inglesa que avançava na sua acumulação primitiva de Capital, ao explorar o açúcar brasileiro. b) a reação dos judeus portugueses interessados em manter o exclusivo comércio do pau-brasil. 150 História do Brasil Colônia c) os interesses dos holandeses, que, através da Compa- nhia das Índias Ocidentais, queriam voltar a ter con- trole do comércio do açúcar, perdido com a União Ibérica. d) a tentativa dos protestantes franceses de fundar uma colônia de povoamento. e) a intenção da Coroa Portuguesa de garantir a efetiva exploração aurífera na região. 4) Foram, respectivamente, fatores importantes na ocupação holandesa do nordeste do Brasil e na sua posterior expul- são: a) o envolvimento da Holanda no tráfico de escravos e os desentendimentos entre Maurício de Nassau e a Cia das Índias Ocidentais. b) a participação da Holanda na economia do açúcar e o endividamento dos senhores de engenho com a Companhia das Índias Ocidentais. c) o interesse da Holanda na economia do ouro e a re- sistência e não aceitação do domínio estrangeiro pela população. d) a tentativa da Holanda em monopolizar o comércio colonial e o fim da dominação espanhola em Portugal. e) a exclusão da Holanda da economia açucareira e a mudança de interesses da Cia das Índias Ocidentais. Capítulo 7 Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica... 151 5) Na administração de Maurício de Nassau durante a ocu- pação holandesa no Brasil, foram tomadas algumas medi- das. Entre elas pode-se citar, exceto: a) os engenhos abandonados por seus senhores foram vendidos a crédito b) O domínio holandês se ampliou fora do Brasil com a tomada na África da ilha de São Tomé e de Angola, visando facilitar o tráfico de escravos para a zona açu- careira. c) os capitalistas holandeses concederam empréstimos para que os engenhos voltassem a funcionar. d) assegurou-se a liberdade de culto aos católicos, pro- testantes e judeus. e) foram expulsos sábios, cientistas e artistas, incentivan- do a vinda de comerciantes. Gabarito 1 (c); 2 (c); 3 (c); 4 (b), 5 (e) ?????????? Capítulo ? O Ouro e as Minas Gerais1 1 Doutor em História pelo PPGH-PUCRS, professor de História da FAPA – Faculda- de Porto Alegrense e do Ensino Básico (Fundamental: séries finais e ensino médio) do Estado do Rio Grande do Sul. Arilson dos Santos Gomes1 Capítulo 8 Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 153 Apresentação Neste tópico será narrada a origem e como se desenvolveu a cobiça relacionada ao precioso metal dourado no Brasil Co- lônia no final do século XVII. A presente proposta pretende instigar o acadêmico a conhecer a importância histórica do denominado “ciclo do ouro” na trajetória econômica, cultural, política e social do Brasil. Caracterizada pelo período em que a autonomia política e econômica do território inexistia, já que administrativamente a Coroa Portuguesa constituía-se como a Metrópole e o Brasil como Colônia, este Capítulo discuteo contexto e os acontecimentos vinculados ao precioso metal que alterou as relações territoriais do país em um relativo curto espaço de tempo. Diante disso, o Capítulo tem por seguintes objetivos: de- monstrar o início da exploração do ouro no Brasil; evidenciar as políticas portuguesas em decorrência do minério; examinar o cotidiano dos grupos sociais da época; caracterizar o apo- geu e a crise da economia vinculada ao ouro. No Capítulo, o acadêmico desenvolverá as seguintes ha- bilidades: compreensão da dinâmica social, cultural e econô- mica da época; percepção da importância do ouro para a formação territorial do Brasil; motivação do censo crítico para o entendimento da história do Brasil. Neste Capítulo, pretende-se que o aluno tenha competên- cia para interpretar, a partir de sua relação com o presente, as principais características econômicas, culturais, políticas e sociais da época em que o ouro possibilitou a riqueza e, ao 154 História do Brasil Colônia mesmo tempo, a inoperância da Coroa Portuguesa diante dos problemas atrelados ao contexto internacional da época ape- sar das potencialidades de sua rica colônia. Época que poucos enriquecerem e muitos passaram fome. Introdução Neste Capítulo abordaremos a importância do ouro para a compreensão da formação cultural, social, política e econô- mica do Brasil entre os séculos XVII e XVIII, com destaque para a região conhecida como Minas Gerais, localizada no centro da Colônia. Território aurífero e próspero em minérios e dia- mantes, cobiçado por grupos de outras regiões do nordeste e do sul do país e do exterior, que viam na região possibilidades de enriquecimento rápido a qualquer custo. No entanto, ou- tras dinâmicas podem ser observadas na história das “Gerais”, como a pobreza e a exploração de indivíduos e de grupos a partir da opressão da Coroa Portuguesa, bem como pela atua- ção direta dos bandeirantes, conhecidos como desbravadores paulistas, que participaram direto na escravização dos grupos indígenas, bem como para a localização do precioso metal no interior do Brasil. Diante dessas situações será demonstrado neste Capítulo, como ocorreu a descoberta de ouro nas Ge- rais, quais as políticas executadas pela Coroa Portuguesa na província e como se desenvolveu a arte e a cultura por meio dos principais expoentes da época, além de apresentar como se desenvolveu e quais foram as relações dos grupos sociais no contexto do ciclo do ouro e, por fim, como ocorreu a deca- dência daquela produção. Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 155 O texto será dividido da seguinte forma: a descoberta do ouro nas Gerais; a opulência e o fausto na região; as políticas administrativas da Coroa; o desenvolvimento cultural do terri- tório; os grupos sociais e o contexto aurífero; e a decadência do ciclo do ouro no Brasil. 1 A descoberta do ouro nas gerais As três primeiras décadas do descobrimento ou achamento do Brasil, termo utilizado por pesquisadores para informar que os portugueses somente encontraram uma área já conheci- da, foram motivadas pelo sonho de encontrar ouro nas terras além-mar, a exemplo do que ocorreu com os espanhóis nas Américas. Algo que, para os lusos, demorou praticamente dois séculos para acontecer depois de firmarem-se nestas terras. O processo de colonização, desencadeado de fato em 1530, teve como atividade econômica a extração do pau- -brasil, que não foi um ciclo econômico propriamente dito (SCHILLING, 2010), e era utilizado como meio natural para produção de tinta vermelha que serviam para colorir as roupas e os tapetes da nobreza portuguesa na Europa. Nos séculos XVI e XVII a região mais próspera da colônia era a nordeste, principalmente em virtude do açúcar, consi- derado a principal atividade econômico-mercantil de Portu- gal junto ao Brasil. Devido a isso, o litoral, era a área onde ocorriam as dinâmicas mais candentes, sendo localizada em Salvador e em capitanias próximas a riqueza produzida pelo 156 História do Brasil Colônia plantio e comercialização dos produtos que tinham por base a cana-de-açúcar. Movida pela mão de obra escravizada, primeiro a indígena, e depois a africana, esses trabalhadores eram considerados artigos de luxo, que eram trocados pelos manufaturados do açúcar. A monocultura, o latifúndio e a es- cravização constituíram a sustentação desse sistema frágil, que com o tempo possibilitou o desenvolvimento da pecuária. En- tretanto, a região interiorana do Brasil, continuava uma incóg- nita devido ao descaso do Império. As bandeiras foram importantes para a interiorização do território. No século XVII, expedições lançaram-se pelo sertão em busca de indígenas a serem escravizados e metais precio- sos. Existiu uma forte relação entre os bandeirantes paulistas e a Coroa Portuguesa. Embora complexa, de um modo geral, a busca de metais preciosos, o apresamento de índios e a ex- pansão territorial eram compatíveis com o interesse da Metró- pole (FAUSTO, 2011, p.51). Os bandeirantes também reprimi- ram populações e rebeliões contra o poder português, como a campanha liderada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho na destruição do Quilombo dos Palmares, entre 1690-1695. Também em 1695, próximo às cidades de Sabará e Caeté, no Estado de Minas Gerais, mais precisamente no rio das Ve- lhas, que as bandeiras de Borba Gato, Antônio Dias e Pascoal Moreira Cabral encontraram as primeiras descobertas do ouro (LOPEZ, 1981; FAUSTO, 2011). O Padre Antonil, escritor do livro Cultura e Opulência do Brasil, apontou que um “mulato” acompanhante de uma ban- deira paulista na região das Minas Gerais, conhecida como Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 157 Cerro do Tripuí, tenha sido o primeiro a localizar o metal na região (SCHILLING, 2004). Independentemente das informa- ções é ponto comum que os bandeirantes protagonizaram a descoberta. O ciclo do ouro favoreceu o povoamento do interior, já que deslocou o eixo histórico colonial do nordeste para o cen- tro sul da colônia além de ter caracterizado uma economia mais flexível do que a açucareira que necessitava de vultosos recursos de seus participantes. A economia mineradora possibilitou uma articulação en- tre as regiões da Colônia, já que gado e os alimentos do nordeste e do sul, antes regionalizados, passaram, por meio do comércio, a ser realizados entre estes territórios. O que representou a formação do primeiro mercado interno colo- nial. Pelotas, no Rio Grande do Sul, surgiu neste contexto, já que a produção do charque ocorreu em grande escala para abastecer as minas. Para Schilling (2004, p.130), as consequências da des- coberta do ouro no Brasil Colônia podem ser analisadas em três dimensões: a) o deslocamento da atividade econômica e político-administrativa para o eixo centro-sul do país; b) a fixação da população em outras regiões além do litoral e do sertão para o interior do país; e c) o surgimento do primeiro complexo urbano composto pelas vilas auríferas e diamantífe- ras, diferente do que existia no nordeste. Neste contexto, no século XVIII, sugiram as cidades de Ouro Preto, Sabará, Mariana, São João Del Rey e as capitanias de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso (LOPEZ, 1981). Nestas 158 História do Brasil Colônia localidades, durante quarenta anos, foi encontrado ouro. Ini- ciando literalmente “a corrida do ouro”. 2 A opulência e o fausto na região e as políticas administrativas da coroa A notícia da descoberta do metal precioso no interior do Brasil foi considerado até então o maior manancial encontrado em todo o ocidente (SCHILLING, 2004, p.111). O ouro provocou uma leva imigratória de Portugal para o Brasil. Durante os 60 primeiros anos do século XVIII, a corrida do ouro provocou, segundo Souza (2004, p. 42) a saída de aproximadamente 600.000 pessoas de Portugalpara o Brasil, para desespero das autoridades. Em 1702, o governador geral do Brasil, D. Rodrigo Costa comunicou ao rei de Portugal que a situação tornava-se calamitosa. Ressalta-se que o minério era considerado monopólio real. Os metais preciosos vieram aliviar a crise financeira de Portu- gal em virtude do desequilíbrio da balança comercial entre o país e a Inglaterra. Segundo Boris Fausto (2011, p.53-54) por vários anos o ouro localizado no Brasil serviu para compensar os dividendos de Portugal com os ingleses. O que ocorria por meio de um circuito triangular: Uma parte ficou no Brasil, dando origem à relativa ri- queza das minas; outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo reinado de Dom João V (1706- 1750), em especial nos gastos da Corte e em obras, e Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 159 finalmente, via contrabando, ou indireta, foi parar em mãos britânicas, acelerando a acumulação da Inglater- ra (FAUSTO, 2011, p.53). A extração do ouro e diamantes deu origem à ampla inter- venção regulamentadora da Coroa no Brasil. Em um primeiro momento, o minério era encontrado em minas superficiais e leitos de rios, mas no século XIX, a mineração passou a ser explorada por concessionárias e conglomerados norte- ameri- canos e ingleses (LOPEZ, 1981, p.69). Existiam duas formas de extração de ouro no século XVIII, por Lavras, quando realizada em regime empresarial, ou por ação de faiscadores (mineradores sem escravos), quando re- alizado por iniciativa privada individual. Negociando direto com o faiscador, muitos escravizados puderam acumular valo- res para negociar a sua liberdade para a compra de alforria. Na região chegavam pessoas de todo o tipo, logicamente, influenciadas pela descoberta. Também, imaginem a quanti- dade de ouro localizado? Muitos quiseram ajeitar definitiva- mente suas vidas. Homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, clérigos e religiosos. Na multidão também vinham “criminosos, vagabundos e malfeitores” (SAL- VADOR, 1992, p. 14). A política da Coroa Portuguesa na re- gião das minas, além de emitir passaporte para o trânsito de pessoas e facultar a vinda de homens de negócios, mercado- res e comissários, constituiu em fixar a população em aldea- mentos e o governador Antônio Albuquerque tratou de fundar vilas, das quais citam-se Mariana (1711), Vila Rica do Ouro Preto (1711) e Vila Real de Sabará (1711) (SCHILLING, 2004). 160 História do Brasil Colônia Quanto ao controle econômico, de um modo geral, houve, conforme Boris Fausto (2011), duas formas: o quinto e a capi- tação. Na primeira, a determinação da quinta parte de todos os metais extraídos devia ser do rei e na segunda, a capita- ção, consistia em um imposto cobrado por cabeça de escra- vo, maior de doze anos. Eram cobrados impostos de oficinas, lojas, hospedarias, matadouros etc. Outra forma de controle foi a do território, já que passou-se a estabelecer limites de en- trada de pessoas à região das Minas, que teve como resultado a Guerra dos Emboabas, entre paulistas contra estrangeiros e baianos (1708-1709) (FAUSTO, 2011, p. 54). Um episódio conhecido, porém, mais adiante em 1792, foi a Inconfidência Mineira, motivada pela insatisfação da co- brança da “derrama”, imposto advindo da extração do ouro e que teve como destaque o alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Morto e esquartejado no dia 21 de abri de 1792. Para Luiz Roberto Lopes: No aspecto político, não poderíamos deixar de mencio- nar que o ouro foi uma das causas da mudança da ca- pital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro (1763). Além disso, incentivou a política centralizadora da me- trópole e favoreceu o absolutismo da família real dos Braganças, pois os Reis D. João V e D. José I puderam se tornar financeiramente independentes das cortes gra- ças aos impostos cobrados no Brasil na época faustosa do (quinto) e da derrama, outro imposto da mineração (LOPEZ, 1981, p.70). Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 161 Roberto Simonsen informa no livro História Econômica do Brasil que a produção do ouro no país atingiu cerca de 50% do que o resto do mundo extraiu nos séculos XVI e XVIII (SCHILLING, 2004, p.120). Quantidade de Ouro extraídas Tabela 1 Período Quantidade em KG 1691-1700 15.000 1701-1720 55.000 1721-1740 177.000 1741-1760 292.000 1761-1780 207.000 1781-1800 109.000 Fonte: Roberto Simonsen (1969, p.237) 3 O desenvolvimento cultural do território Com tanta riqueza, apesar da pobreza, as “Gerais” foram campos férteis para o surgimento de uma cultura reconhecida e qualificada. Em Ouro Preto surgiu dois nomes da arte barro- ca: o mulato Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, filho de um construtor português e uma escrava, considerado o único gênio artístico do Brasil Colonial, cujas obras podem ser apre- ciadas na Igreja de São Francisco de Assis e Nossa Senhora 162 História do Brasil Colônia do Carmo, e o Mestre Ataíde, pintor de abóbodas das mesmas igrejas. Na música se destacaram José Joaquim Emérico e o Padre José Maurício (FAUSTO, 2011; SCHILLING, 2004). Em 1748, ocorreu a grande festa de efusão do Barroco: a festa do Áureo Trono Episcopal, para demonstrar a abun- dância e a opulência do ouro, do minério mitológico. Uma das poucas coisas que fazia com que a sociedade deixasse o trabalho cotidiano para apreciar a rica procissão. No entanto, segundo os cronistas, nesse momento o ouro já estava em decadência. O barroco mineiro predominou na construção das casas, palácios e igrejas, são consideradas na atualidade as maravi- lhas dos tempos áureos. Contudo, a maior crítica feita a des- coberta do ouro foi quanto ao seu desperdício. Gastou-se em escravos, oferendas religiosas, capelinhas e igrejas, mas não se investiu. O ouro não repercutiu em desenvolvimento de in- dústrias, considerado por muitos como resultado do tratado de Methuen, além de outros fatores, que veremos adiante. 4 Os grupos sociais e o contexto aurífero Historiadores confirmam que um traço marcante da sociedade da mineração foi o desenvolvimento de grupos intermediários e de classes ricas e pobres. Para Luiz Roberto Lopez (1981) isso ocorreu por dois motivos, um relacionada a própria condição da economia do ouro, que ao contrário do açúcar, não exigia altos investimentos para começar sua exploração, e outro foi Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 163 que o ouro, também diferente do açúcar, possibilitou um maior controle contra o contrabando, o que fez com que a Coroa criasse atividades administrativas para coibir o desvio. Segundo Boris Fausto (2011), gente de toda condição afluiu para Minas Gerais. A partir da chegada dos paulistas, de seus escravos indígenas e de imigrantes de todo o Brasil. Assim, a sociedade das Gerais passou a ser constituída por mineradores, negociantes, advogados, padres, fazendeiros, artesãos, burocratas e militares. A vida social ficou concentra- da nas cidades nas relações econômicas e nas festas comemo- rativas. Na base da sociedade estavam os escravos. O desenvolvimento da mineração atraiu um notável incre- mento da atividade comercial resultante da convergência de produtos para os estabelecimentos comerciais fixos, como lojas e vendas, que comercializavam tecidos, instrumentos de traba- lho, bebidas, comestíveis etc. (FIGUEIREDO, 1993, p. 40). As vendas eram os locais preferidos pelos diversos segmen- tos da população pobre que compunham a sociedade mineira, em busca de alimentos, instrumentos de trabalho, vestimentas e outros produtos como aguardente. Nesses espaços, negros refugiados em quilombos buscavam armas e pólvora (FIGUEI- REDO, 1993, p. 45). Por isso a Coroa passou a intensificar o controle nas vendas. Contudo, outra atividade, essencialmente feminina, era o comércio ambulante,“as negras de tabuleiro”, que preocupavam o governador das Minas. As negras vendiam quitutes e aguardente, o que motivava o desvio de ouro extraído por escravos, deixando de converter em volume de metal arrecadado pelo produtor e, consequen- 164 História do Brasil Colônia temente, uma diminuição de sua contribuição para o quinto real (FIGUEIREDO, 1993, p. 61-62). Como se vê, a sociedade do ouro não era feita somente de esplendor, mas de crises. O período inicial, a corrida do ouro se mostrou promissora. Entretanto, além da falta de or- ganização e de carência na distribuição das riquezas, a falta de suporte de outras atividades gerou falta de alimentos e uma inflação que atingiu toda a Colônia (FAUSTO, 2011). Conforme salientou Laura de Mello e Souza (2004), os anos de 1697, 1698 e 1700, 1701 foram os das maiores cri- ses, os mineiros morriam à míngua, com a falta de alimentos e com a consequente inflação, já que milho, feijão, galinha, passaram a ser considerados artigos caros em virtude de sua necessidade. Cidades como Ribeirão do Carmo e da Serra do Ouro Preto tornaram-se desertos, a debandada destes locais foi geral. Minas Gerais, com toda a riqueza produzida pelo minério, tinha 70% da produção de ouro da Colônia, contudo, o sistema colonial, por meio do fisco, da tributação sobre o escravo e a partir da própria manutenção da escravaria, tor- nava o saldo de toda a riqueza produzida negativa (SOUZA, 2004, p. 47). A sociedade mineira acabou por acumular riquezas cujos vestígios estão nas construções e nas obras de arte das cida- des históricas. No entanto, essas riquezas geradas a partir das Minas ficaram nas mãos de poucos (FAUSTO, 2011, p.56), ge- rando o que Souza (2004) denominou de um espaço privilegia- do de desclassificação social de homens pobres, livres, indíge- nas e escravizados, desmobilizados pelo trabalho compulsório. Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 165 Na mineração, como de resto em qualquer atividade pri- mordial da Colônia, a força de trabalho era basicamen- te escrava, havendo, entretanto os interstícios ocupados pelo trabalho livre ou semilivre. Dificilmente o homem livre destituído de recursos vultosos poderia se manter como proprietário, sobretudo em Minas, região que, apesar de tida tradicionalmente como rica e democrá- tica, apresentava possibilidades favoráveis apenas para um pequeno número de pessoas (SOUZA, 2004, p.99). 5 A decadência do ciclo do ouro no Brasil No plano das relações internacionais o século XVIII foi marca- do pela institucionalização da dependência de Portugal à In- glaterra. Em 1703, por meio do Tratado de Methuen, nome do diplomata inglês que o obteve, a Inglaterra ficou responsável pela sustentação militar e diplomática da Colônia. Na Europa, era conflagrada a guerra de sucessão da Espanha. Em troca os lusos abririam os portos aos produtos manufaturados bri- tânicos. A partir disso Portugal passou a ter déficit na balança comercial com a Inglaterra, com prejuízos a sua potencialida- de interna de industrialização no Brasil (LOPEZ, 1981). Na busca pela ampliação de mercados, os ingleses foram impondo ao mundo o livre comércio e ao abandono dos prin- cípios mercantilistas, ao mesmo tempo tratavam de proteger o seu mercado e de suas colônias com tarifas mercantilistas e abriram cada vez mais a brechas com acordos comerciais, como o de Methuen. O mundo colonial também foi afeta- 166 História do Brasil Colônia do pela extinção da escravidão, manifestada pela Inglaterra e França (FAUSTO, 2011, p. 59). As medidas de José de Carvalho Melo, Marquês do Pom- bal, representou o esforço para tornar eficaz a administração portuguesa, ante o difícil contexto (1750-1777) em que, inter- namente, o ouro começou a arrefecer. Assim, passou a preva- lecer aquela velha máxima: “tudo que é bom acaba”. Nas Gerais, conforme rareava o ouro, os mineradores se viam impossibilitados de suportar o ônus da manutenção da escravaria. A máquina, em decorrência desse estado de coi- sas, compulsoriamente, sucateava-se (SOUZA, 2004, p.48). Recapitulando Neste Capítulo foi abordada a importância do ouro para a compreensão da formação cultural, social, política e econô- mica do Brasil entre os séculos XVII, XVIII e XIX. As bandeiras foram importantes para a interiorização do território. No sé- culo XVII, expedições lançaram-se pelo sertão em busca de indígenas a serem escravizados e metais preciosos. A notícia da descoberta do metal precioso no interior do Brasil foi con- siderado até então o maior manancial encontrado em todo o ocidente. O ciclo do ouro favoreceu o povoamento do interior, já que deslocou o eixo histórico colonial do nordeste para o centro sul da colônia além de ter caracterizado uma economia mais flexível do que a açucareira que necessitava de vultosos recursos de seus participantes. No entanto, a grande procura motivou o controle da Coroa, tanto no trânsito de pessoas ao Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 167 território quanto ao controle econômico, de um modo geral, houve, conforme Boris Fausto (2011), duas formas de impos- tos: o quinto e a capitação. As consequências da descoberta do ouro no Brasil Colônia podem ser analisadas em três dimensões: a) o deslocamento da atividade econômica e político-administrativa para o eixo centro-sul do país; b) a fixação da população em outras regi- ões além do litoral e do sertão para o interior do país; e c) o surgimento do primeiro complexo urbano composto pelas vilas auríferas e diamantíferas, diferente do que existia no nordeste. A produção do ouro no país alcançou cerca de 50% do que o resto do mundo. Com tanta riqueza, apesar da pobreza, as “Gerais” foram campos férteis para o surgimento de uma cultu- ra reconhecida e qualificada. Em Ouro Preto surgiram dois no- mes da arte barroca: o mulato Antônio Francisco Lisboa, o Alei- jadinho, e o Mestre Ataíde. O desenvolvimento da mineração atraiu um notável incremento da atividade comercial resultante da convergência de produtos para os estabelecimentos comer- ciais fixos, como lojas e vendas além das “negras de tabuleiro”, que tencionaram as relações econômicas. Nas Gerais, confor- me rareava o ouro, os mineradores se viam impossibilitados de suportar o ônus da manutenção da escravaria. Referências SCHILLING, Voltaire. Um olhar sobre a história da eco- nomia do Brasil. Povoamento e civilização movidos a 168 História do Brasil Colônia pau-brasil, cana e ouro. Porto Alegre: Duetto/Rimoli As- sociados, 2010. FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2011. LOPES, Luiz Roberto. História do Brasil Colonial. Porto Ale- gre: Mercado Aberto, 1981. SOUZA, Laura de Mello e. Nas redes do poder. In: Desclas- sificados do ouro, Rio de Janeiro: Graal, 2004. FIGUEIREDO, Luciano. O avesso da memória: cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais do século XVIII. Bra- sília: EDUMB, 1993. Salvador, José Gonçalves. Os Cristãos-Novos Em Minas Ge- rais Durante O Ciclo Do Ouro, 1695-1755: Relações Com a Inglaterra. São Paulo: Pioneira, 1992. Atividades 1) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. a) ( ) Nos séculos XVI e XVII a região mais próspera da colônia era a nordeste, principalmente em virtude do açúcar, considerado a principal atividade econômico- -mercantil de Portugal junto ao Brasil. b) ( ) As bandeiras foram importantes para a interiorização do território. No século XVII, expedições lançaram-se Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 169 pelo sertão em busca de indígenas a serem escraviza- dos e metais preciosos. c) ( ) As bandeiras foram importantes para a interiorização do território. No século XVII, expedições lançaram-se pelo sertão em busca de africanos a serem escraviza- dos e metais preciosos. d) ( ) O ciclodo ouro favoreceu o povoamento do interior, já que deslocou o eixo histórico colonial do nordeste para o centro sul da colônia além de ter caracterizado uma economia mais flexível do que a açucareira que necessitava de vultosos recursos de seus participantes. e) ( ) O ciclo do ouro favoreceu o povoamento do litoral, já que deslocou o eixo histórico colonial do nordeste para o centro sul da colônia além de ter caracterizado uma economia mais flexível do que a açucareira que necessitava de vultosos recursos de seus participantes. 2) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. As consequências da descoberta do ouro no Brasil Colônia podem ser analisadas em três dimensões: a) ( ) a. o deslocamento da atividade econômica e polí- tico-administrativa para o eixo centro-sul do país; b. a fixação da população em outras regiões além do litoral e do sertão para o interior do país; e c. o surgi- mento do primeiro complexo urbano composto pelas vilas auríferas e diamantíferas, diferente do que existia no nordeste. 170 História do Brasil Colônia b) ( ) a. o deslocamento da atividade econômica e políti- co-administrativa para o eixo centro-sul do país; b. a fixação da população em outras regiões além do lito- ral e do sertão para o interior do país; e c. o surgimen- to da industrialização no Brasil aos moldes ingleses. c) ( ) O ouro atraiu as Minas Gerais, homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, clé- rigos e religiosos. Na multidão também vinham “crimi- nosos, vagabundos e malfeitores”. d) ( ) O ouro no país atingiu cerca de 50% do que o resto do mundo extraiu nos séculos XVI e XVIII. e) ( ) Os negros e os grupos indígenas tornaram-se os maiores mineradores das Minas Gerais, o que possibi- litou a compra de alforrias e o final da escravidão. 3) A partir dos estudos desenvolvidos neste Capítulo, marque (X) somente nas assertivas verdadeiras. a) ( ) Historiadores confirmam que um traço marcante da sociedade da mineração foi o desenvolvimento de grupos intermediários e de classes ricas e pobres. b) ( ) As negras vendiam quitutes e aguardente, o que motivava o desvio de ouro extraído por escravos. c) ( ) Minas Gerais com toda a riqueza produzida pelo minério tinha 70% da produção de ouro da Colônia, contudo, o sistema colonial por meio do fisco, da tri- butação sobre o escravo e a partir da própria manu- Capítulo 8 O Ouro e as Minas Gerais 171 tenção da escravaria, tornava o saldo de toda a rique- za produzida negativa. d) ( ) Os grupos sociais se organizaram e começaram a controlar a riqueza, principalmente os religiosos. e) ( ) A sociedade mineira acabou por acumular riquezas cujos vestígios estão nas construções e nas obras de arte das cidades históricas. 4) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. Os grupos envolvidos nas revoltas foram: a) ( ) Os anos de 1697, 1698 e 1700, 1701 foram os das maiores crises, os mineiros morriam à míngua, com a falta de alimentos e com a consequente inflação. b) ( ) Os anos de 1697, 1698 e 1700, 1701 foram os mais prósperos em virtude da autonomia dos mineiros na coleta e comercialização do ouro. c) ( ) Em 1703, por meio do Tratado de Methuen, Portu- gal passou a coordenar os negócios à frente da Ingla- terra. d) ( ) Na busca pela ampliação de mercados, os ingleses foram impondo ao mundo o livre comércio e ao aban- dono dos princípios mercantilistas, ao mesmo tempo trataram de proteger o seu mercado. e) ( ) Na busca pela ampliação de mercados, os ingleses foram impondo o fechamento dos mercados e portos. 172 História do Brasil Colônia 5) Leia com atenção o que se pede e marque apenas duas alternativas como verdadeiras: a) ( ) A sociedade do ouro não era feita somente de es- plendor, mas de crises. O período inicial, a corrida do ouro se mostrou promissora. No entanto, além da falta de organização e de carência na distribuição das riquezas gerou falta de alimentos. b) ( ) Nas vendas, muitos negros refugiados em quilom- bos buscavam armas e pólvora. c) ( ) Na sociedade de Minas Gerais a prosperidade rei- nou, pois tinha muito ouro, não existindo crises. d) ( ) À medida que o ouro diminuía a Coroa Portuguesa liberava as populações do pagamento de impostos. Gabarito 1) a, b, d: verdadeiras; c, e: falsas 2) a, c, d: verdadeiras; b, e: falsas 3) a, b, c, e 4) b, c, e: falsas; a, d: verdadeiras 5) a, b ???????? Capítulo ? As Revoltas Coloniais1 1 Doutor em História pelo PPGH-PUCRS, professor de História da FAPA – Faculda- de Porto Alegrense e do Ensino Básico (Fundamental: séries finais e ensino médio) do Estado do Rio Grande do Sul. Arilson dos Santos Gomes1 Capítulo 9 174 História do Brasil Colônia Apresentação Neste capitulo serão demonstradas as principais revoltas do período colonial brasileiro. Diante disso, o Capítulo tem por seguintes objetivos: ana- lisar as principais causas das revoltas estudadas; demonstrar as tensões entre os grupos sociais brasileiros; evidenciar os indivíduos que lideraram destacadas rebeliões do período; es- tabelecer relações entre o poder colonial e a sociedade da época; interpretar os resultados das revoltas. No Capítulo, o acadêmico desenvolverá as seguintes habi- lidades: compreender a origem das tensões existentes no Brasil colonial entre 1640 e 1720; entender as diferentes deman- das dos grupos sociais na colônia brasileira; perceber o pro- tagonismo dos diferentes grupos e indivíduos em momentos de pressão e de disputas pelo poder político e econômico de determinadas regiões do país. Neste Capítulo, pretende-se que o aluno consiga compre- ender as dinâmicas sociais e políticas das revoltas do Brasil colonial. Introdução No século XVI e XVII, Portugal passou a intensificar a explora- ção em sua rica colônia. Era uma necessidade de expansão de lucros, de comércio e de consumo, características efetuadas nas colônias de exploração, como foi o caso do Brasil. Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 175 O açúcar foi o primeiro produto deste modelo colonial, com técnica de extração sem grandes tecnologias, o gênero tropi- cal comum as grandes propriedades, era exportado à Europa. O capital inicial da estrutura colonial de produção (plantation) era holandês. Esse pequeno país com populações flamengas foi o credor da iniciativa portuguesa. Ou seja, os maiores acu- muladores da extração do açúcar brasileiro eram estrangeiros. Uma parte do lucro era de Portugal e outra, maior, ia parar nas mãos dos investidores holandeses (SANTOS, 1979). A força motriz do empreendimento era baseada na mão de obra escrava, que em conjunto com a grande propriedade, possibilitava aos produtores altos lucros, em que pese toda a resistência das comunidades africanas e indígenas sob aquela condição. Muitos portugueses e europeus em geral vieram para o Brasil no intuito de enriquecer, tornarem-se senhores de seus negócios. Uns atravessaram o oceano para serem explorados enquanto outros para enriquecerem. Alguns tinham perspectivas de lucros e outros tinham perspectivas do desconhecido, porém com reconhecidas perdas. Uns para investir dinheiro e outros grupos marcados pelo estigma, para servir de mola propulsora do incipiente capitalismo. Os próprios holandeses não contentes tentaram se apropriar das terras produtoras de açúcar da Bahia (1624) e de Pernambuco (1630), em episódios conhecidos como “as invasões holandesas”. Em Pernambuco, definitivamente, der- rotados na batalha de Guararapes ocorrida em (1648-1654). Com a descoberta do ouro, no século XVII e XVIII, tem- -se outro ciclo. Contudo, as relações dos portugueses com a colônia passou a ser mais direta, sem atravessadores. O que desencadeou uma séria de mudanças na forma de a Coroa176 História do Brasil Colônia Portuguesa explorar o Brasil, inclusive, com a criação de apa- rato administrativo direto, no intuito de controlar ao máximo a produção por meio de impostos e pelo uso da força. Assim como o que ocorreu com o açúcar, por meio dos flamengos, ocorreu com o ouro, por meio dos ingleses. Em virtude de con- tratos mal formulados, os portugueses passariam a depender cada vez mais dos capitais ingleses. Segundo demonstrado no Capítulo do “Ouro e as Minas Gerais”, grande parte dos lu- cros do ouro brasileiro encheram os cofres ingleses. Estas relações gerariam tensões constantes entre as grandes potências da época, mas principalmente tensões internas entre os grupos que compunham a sociedade no Brasil colonial. No entanto, quais foram as principais revoltas entre o final do século XVII e início do século XVIII? Quais os motivos gera- dores de cada revolta? Como os grupos se organizavam? O que queriam e quais foram os resultados destas rebeliões para os grupos e indivíduos envolvidos? Para a resposta destas questões, o Capítulo será dividido a partir dos seguintes itens: A Aclamação de Amador Bueno, a revolta de Beckmann, a guerra dos emboabas, a guerra dos Mascates e a revolta de Vila Rica. 1 Aclamação de amador Bueno Amador Bueno Ribeira (1584-1649) faleceu em São Paulo. Espanhol, tomou posse como ouvidor-mor da Capitania de Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 177 São Vicente em 1627. No ano de 1633 foi nomeado provedor e contador da fazenda. Teve muitos conflitos com os bandei- rantes na pessoa de Raposo Tavares, mas uniu-se aos bandei- rantes contra os jesuítas que queriam o fim da escravização indígena (FLORES, 2008, p.108). A Aclamação de Amador Bueno aconteceu em 1641 na futura vila de São Paulo, e foi, segundo a história tradicional, a primeira ação consciente re- alizada no Brasil Colônia reivindicando autonomia diante de Portugal metrópole. Aclamação de Amador Bueno Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5e/Oscar_Pereira_da_Silva_-_1931_- _Aclama%C3%A7%C3%A3o_de_Amador_Bueno.jpg Na realidade, o evento serviu apenas para demonstrar o descontentamento de alguns colonos ricos com a dominação 178 História do Brasil Colônia portuguesa marcada pela tumultuada relação entre Portugal e Espanha. Amador Bueno, que era de origem espanhola, ga- nhou destaque por ter se envolvido diretamente na defesa de proprietários brasileiros contra os interesses portugueses, na questão de quem teria mais direitos na exploração do território nacional, se portugueses ou espanhóis, em um contexto re- cente da interrupção da união das coroas ibéricas, em 1640. Com a restauração do trono português, sob a figura de D. João VI, colonos portugueses ficaram satisfeitos de suas demandas no Brasil, principalmente as autoridades locais da Colônia (SANTOS, 2006, p. 44). Em contrapartida, desagra- dou aos interesses das elites de São Paulo. Esta insatisfação levou os proprietários a aclamar Amador Bueno como o rei da vila, que prontamente recusou o convite e prestou na Câmara juramento a favor do rei de Portugal, com isto enfraquecendo o movimento. No entanto, a insatisfação dos brasileiros foi tamanha que Amador Bueno teve que se refugiar junto a um convento no interior de São Paulo. Seria a manutenção de seus privilégios a principal causa da recusa de Amador Bueno de tornar-se líder da resistência local contra a coroa de Portu- gal? Seria esta atitude uma forma de evitar um conflito entre os brasileiros e os portugueses? O fato foi que os paulistas acabaram por aceitar a subordinação a Portugal. Após esta aclamação, lembrada como um dos mais longos registros his- tóricos das tensões existentes entre grupos residentes no país contra interesses da metrópole. Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 179 2 A revolta de Beckmann Manuel Beckmann e seu irmão Tomás Beckmann chefiaram uma rebelião contra o governo colonial em São Luiz do Mara- nhão, em 25 de fevereiro de 1684. Representantes dos senho- res de engenho rebelaram-se contra as relações desiguais en- tre os interesses econômicos das elites maranhenses contra os interesses da Coroa Portuguesa, representadas no Brasil pela Companhia de Comércio do Maranhão. Manoel e Tomás, em conjunto com outros senhores de engenho, prenderam o capitão-mor Baltasar Fernandes, ocu- param um depósito da Cia do Maranhão e encarceraram os jesuítas no seu próprio colégio. Conforme Joel Rufino dos Santos (1979, p. 61), na noite do dia 24 de fevereiro de 1684, os rebeldes prenderam o governador, em seguida, os rebeldes se dirigiram ao colégio dos jesuítas, derrubaram o portão, violaram celas, injuriaram padres e profanaram o oratório. Foram, depois aos armazéns da Cia Geral de Comércio do Maranhão, saquearam e des- truíram tudo. Em seguida, Manoel Beckmann, que conhecia livros de cunho liberal, criou um governo com membros do povo, do clero e da nobreza. Existia o cargo de procuradores do povo, que ouviam reclamações (CHIAVENATO, 2007, p.20). O membro do povo eram pessoas com posses. 180 História do Brasil Colônia Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-88IJW4vlg3k/UBKIMq893dI/AAAAAAAAB8E/aCQc1G9Q5qI/s1600/end.jpg Para Chiavenato (2007), na raiz desta rebelião estava à falta da mão de obra. Poucos negros chegavam ao Maranhão, e os índios não podiam ser escravizados em virtude da “pro- teção” dos jesuítas. Sabe-se que esta “proteção” legou quase à extinção dos grupos indígenas. Todavia, seriam necessários mais negros para abastecer os interesses das elites e de Beck- mann. Visando atenuar o problema Lisboa chegou a prometer o envio de navios negreiros para abastecer os reclamantes e manter uma relação mais igual entre os interesses da Compa- nhia do Maranhão e os produtores locais, que eram constan- temente roubados na relação de troca entre os seus produtos Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 181 locais e os produtos importados, que eram de responsabilida- des da Companhia. Com a falta de indígenas e africanos e a falta de uma re- lação econômica harmoniosa, na troca de seus produtos pe- las mercadorias importadas, restou aos senhores de engenho violentamente reivindicar. Todavia, o sucesso e a rapidez da vitória de Beckmann foram pela insatisfação geral dos pro- prietários da terra contra a exploração que sofriam. Visando enfraquecer o movimento, o governador do Maranhão, Sá de Meneses, tentou subornar Beckmann, o que foi inviável, já que defender os interesses da elite local seria, certamente, mais rentável a todos os enganchados no movimento. Até porque se Beckmann aceitasse o suborno, como ele viveria diante dos olhos das insatisfações das elites? A reação da metrópole tardou um ano, mas foi dura (SAN- TOS, 1979). A Coroa Portuguesa venceu a revolta com duas ações. Primeiro destituiu o governador Sá de Meneses por Go- mes Freire de Andrade e acabou com o monopólio da Compa- nhia de Comércio do Maranhão. Isso enfraqueceu Beckmann e o movimento. Beckmann acabou sendo traído por seu filho adotivo e enforcado no dia 2 de novembro de 1686 (CHIAVE- NATO, 2007, p. 22). Tomas Beckmann também foi enforcado. A principal causa da guerra era a liberdade comercial obtida com o fechamento da Companhia Comercial e a manutenção da escravaria por posse das elites maranhenses. 182 História do Brasil Colônia 3 A guerra dos emboabas Em pleno boom da descoberta do ouro no Brasil, tem-se mais um episódio das revoltas da época colonial, denominado de guerra dos emboabas. Emboaba significa alguém de fora, es- trangeiro, forasteiros. A recente descoberta do ouro na atual região de Minas Gerais, no final do século XVII, atraiu milhares de pessoas em busca do metal precioso. Homens, mulheres, pobres, aventu- reiros etc. Todos queriam se estabelecer nas Minas. Entre os gruposque adentraram o território para explorar o minério estavam os nordestinos, os bandeirantes, os pau- listas e, obviamente, os estrangeiros. Isso porque o Brasil era um território vasto e inóspito, ocupado basicamente em faixas litorâneas, constituindo seu interior como um local ao mesmo tempo rico de recursos naturais para exploração. Cientes des- ta situação, grupos beligerantes e ávidos em fazer fortuna do ouro passaram a disputar os espaços das gerais. Por isso, em 1702, como se viu no capítulo específico sobre o ouro, o go- vernador geral do Brasil, D. Rodrigo Costa, comunicou ao rei de Portugal que a situação tornava-se calamitosa. As bandeiras paulistas foram utilizadas pela Coroa Portu- guesa para a interiorização do território. Embora complexa, de um modo geral, a busca de metais preciosos e a expan- são territorial eram compatíveis com o interesse da Metrópole (FAUSTO, 2011, p. 51). No entanto, com medo de ver esvaindo o metal, a extração do ouro e diamantes, deu origem à ampla intervenção regu- lamentadora da Coroa no Brasil. Entre estes, estão o controle Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 183 da imigração para a região e o aumento de impostos. Como se defenderam os bandeirantes paulistas? Os paulistas defen- dem-se sonegando os impostos e contrabandeando ouro. No ano de 1664 os bandeirantes teriam que pagar, por descoberta, um quinto de impostos à Coroa Portuguesa. Con- forme aumentaram as descobertas, mais impostos passaram a incidir sobre o ouro localizado pelos bandeirantes. Em 1702, o governador Silveira e Albuquerque decretou uma lei que tentava impedir os acessos as Minas Gerais. Fato que causou mais irritação contra o governo português, que pretendia levar o ouro em grandes quantidades para Portugal. Com isso, os bandeirantes abandonaram as minas, pois a fome passou a imperar, contudo, os caminhos abertos eram cobiçados pelos emboabas, os de fora e os forasteiros. Surgi- ram conflitos entre os grupos interessados pelo precioso metal. Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-b13Y-I- CfAY/UZu9SNqFptI/AAAAAAAACW8/5AyycB62cns/s1600/BANDEIRANTE+E+OS+INDIOS++CA%C3%87ADA+(1).jpg 184 História do Brasil Colônia A guerra iniciou de fato com o cerco da vila de Sabará pelos emboabas, que, com maior contingente e melhores ar- mamentos, enfrentaram os bandeirantes e venceram. A guerra durou dois anos (1708-1710), com milhares de mortos. O confronte derradeiro foi em Capão, conhecido como Capão da Traição, pois os emboabas prometeram poupar a vida dos bandeirantes que entregassem as armas, o que não ocorreu, já que houve um massacre com cerca de 300 mortos (CHIAVENATO, 2007, p. 23; FLORES, 2008, p. 211). Para o governo português não importavam os vencedores ou os derrotados, mas sim, o seu lado: a manutenção do ouro. Após o conflito, o governo português intensificou o controle e qualificou sua administração nas gerais, criando a capitania das Minas do Ouro separada do Rio de Janeiro (CHIAVENATO, 2007). Outro resultado foi a criação da capitania de São Paulo. A disputa pelo ouro possibilitou as causas desta guerra que como resultado teve uma maior atenção da Coroa Portuguesa a sua mais rica colônia de exploração localizada no novo mundo. Nesse contexto foi criado o cargo de Juiz de Fora, magis- trado do distrito que teve seu regimento em 1709, sua fun- ção era proceder contra os que cometiam crime no município (FLORES, 2008, p. 330). 4 A guerra dos mascates Esta guerra foi deflagrada em virtude da guerra comercial en- tre proprietários abrasileirados e brasileiros contra a expansão Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 185 econômica e financeira dos comerciantes portugueses. No fi- nal do século XVII com a crise do açúcar e o aumento pela procura do ouro e, superadas as invasões holandesas (1654), surgiram novos grupos na elite local. A cidade de Olinda pas- sou a ser sede política. Sobretudo, com espírito comercial na- tivo. A tensão entre os comerciantes que vivam no Brasil e os comerciantes portugueses, patrocinados pela Coroa Portugue- sa, passou a ser generalizada. Para Chiavenato (2007), a causa aparente desta guerra foi o desejo dos portugueses de fazer de Recife a capital da pro- víncia, em lugar de Olinda. Os comerciantes de Olinda revol- taram-se e apelaram às armas. Foi isso? Acredita-se que não. Fonte: http://www.brasilescola.com/upload/conteudo/images/a0f57f379b9323d6e31617f1e77758e2.jpg 186 História do Brasil Colônia É nítido que existiu uma tomada de consciência dos co- merciantes locais em usufruir do seu território de origem e não mais viver a mercê dos comerciantes estrangeiros. Santos (2009, p. 62), diz que Olinda era uma cidade bela com arqui- tetura clássica, era uma vila estruturada com pelourinho (poste de madeira, erguido na praça central para tortura pública de escravos e criminosos) e tinha uma Câmara Municipal. Recife, ao contrário, era cinzenta e baixa. No entanto, era Recife que servia de moradia para comerciantes (mascates), oriundos de Portugal e do estrangeiro. Esta cidade também quis ter seu pelourinho e sua câmara, e o rei português conce- deu. Com isso os comerciantes e fazendeiros de Olinda der- rubaram o governador e se dirigiram a cidade para derrubar o poste do pelourinho. Era o estopim da crise. A luta entre os mascates portugueses e os senhores de terras da região intensificaram-se. Outro motivo para esta crise, entre elites locais e estrangei- ras estavam, segundo alguns historiadores, relacionadas dire- tamente à crise do açúcar, já que muitos senhores de engenho pediam empréstimos, justamente, para os mascates, correndo riscos de perder seu patrimônio que muitas vezes era penho- rado. Quanto aos mascates, estes cobravam altos juros nas negociações. Os mascates tinham poder econômico, mas não poder político, o que lhe daria vantagem nas cobranças judi- ciais. Para preservar suas posses os proprietários brasileiros fizeram a guerra contra os mascates. Os mascates estrangeiros venceram os latifundiários locais, porém, por meio de um acordo entre estes e a Coroa Portu- Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 187 guesa, fez com que nenhuma propriedade fosse confiscada por falta de pagamento, mantendo os privilégios. Contudo, o centro do poder mudou de Olinda para Recife, como que- riam os mascates. E as elites, mesmo divergentes, mantiveram suas posses, representadas pelos seus latifúndios e sua mão de obra escravizada. Para Joel Rufino dos Santos (1979, p. 62), tratou-se de uma luta de senhores de engenho contra a Metrópole, com um espírito nacionalista, já que Bernardo Vieira de Melo, fazen- deiro de Olinda, teria dito, pelos nossos interesses: “Sejamos Brasileiros!”. No entanto, para Chiavenato (2007, p. 26), Ber- nardo Vieira de Melo apelava sim para a república como um meio para preservar o latifúndio e o regime servil. 5 A revolta de Vila Rica Em 1720, um homem chamado Felipe dos Santos, um em- boaba, revoltou-se oito dias depois de instalação da Casa de Fundição. Nesta repartição todo o ouro da capitania devia ser fundido e quitado – isto é, deduzido dele um 1/5 de imposto (SANTOS, 1979). Ele se dirigiu a casa do governador, D. Pe- dro de Almeida Portugal, instalada em Vila Rica, para cobrar satisfações. Não precisou de aparato policial para acabar com a sedição, pois se conseguiu localizar um representante da insatisfação, Felipe. 188 História do Brasil Colônia Fonte: http://www.jornallivre.com.br/images_enviadas/o-que-foi-a-guerra-dos-mascate.jpg D. Pedro mandou enforcar Felipe e que o esquartejassem em praça publica, amarrando seus braços e pernas em quatro cavalos que partiram em direções opostas (SANTOS, 1979). Castro (2008) refletiu sobre a revolta que teve como úni- co condenado Felipe. Segundo ele, “Felipe dos Santos, par- ticipante da Revolta de VilaRica, foi o único dos envolvidos na sedição que foi condenado a morte, assim como ocorreu com Tiradentes na Inconfidência Mineira. No entanto, nunca teve a mesma importância na historiografia brasileira do que o personagem da Inconfidência Mineira”. É possível estabelecer algumas hipóteses que justificariam isso. Para Castro (2008), Felipe dos Santos não é lembrado como importante para o nacionalismo brasileiro por dois mo- Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 189 tivos, em primeiro lugar Felipe dos Santos era português, nas- cido em Cascais, enquanto Tiradentes era nascido na Colônia, mais precisamente na cidade de São José del Rey, hoje Tira- dentes. Felipe migrou para a Colônia em 1713 deixando a sua esposa, Thereza Maria Caetana, em Portugal e em Vila Rica atuou como muladeiro, ou seja, transportador de animais de carga, a serviço de Pascoal da Silva, um dos mais importantes homens envolvidos na revolta. O ofício exercido por Felipe dos Santos aparece, portanto, como uma segunda questão para reforçar o porquê da sua figura ter sido relegada a uma expo- sição menor que a de Tiradentes, que desempenhou serviços militares. Portanto, desta revolta de Vila Rica fica a indagação: se Felipe dos Santos era português e carregava mulas, tem-se na sua figura elementos para pensar o quanto a insatisfação con- tra o governo metropolitano português atingiu amplos setores sociais, já que Felipe, um carregador de mulas, foi considera- do tão perigoso que sua morte pode ser pensada com o ca- rácter pedagógico para todos que ousassem desafiar a Coroa. A partir disto, entende-se que muitos atores preocuparam o poder colonial. Concorda-se com Luiz Roberto Lopes (1981, p. 73-74), quando menciona que nenhum desses movimentos teve qual- quer objetivo nacional, eram de perspectivas locais, imediatis- tas e regionais, sem projetos políticos consistentes. Devemos analisar estas rebeliões com suas especificidades, isoladas. Contudo, demostram as contradições forjadas no decorrer da existência colonial do Brasil. 190 História do Brasil Colônia Recapitulando A Aclamação de Amador Bueno, segundo a história tradicio- nal, foi a primeira ação consciente realizada no Brasil Co- lônia reivindicando autonomia diante de Portugal metrópo- le. Na realidade, o evento serviu apenas para demonstrar o descontentamento de alguns colonos ricos com a dominação portuguesa marcada pela tumultuada relação entre Portugal e Espanha. Amador Bueno foi aclamado como o rei da vila de Vicente, mas prontamente recusou o convite e prestou na Câmara juramento a favor do rei de Portugal, com isto enfra- quecendo o movimento. A Revolta de Manuel Beckmann e de seu irmão Tomás Beckmann era contra o governo colonial em São Luiz do Maranhão, e eclodiu no dia 25 de fevereiro de 1684. Com a falta de indígenas e africanos e a falta de uma relação econômica harmoniosa, na troca de seus produtos pe- las mercadorias importadas, restou aos senhores de engenho violentamente reivindicar. Os líderes foram enforcados e a Co- roa portuguesa se viu obrigada a fechar a Cia Comercial e a manutenção da escravaria por posse das elites maranhenses. A guerra dos emboabas foi motivada pela pressão exercida aos bandeirantes. No ano de 1664 os bandeirantes teriam que pagar, por descoberta, um quinto de impostos à Coroa Portu- guesa. Conforme aumentaram as descobertas, mais impostos passaram a incidir sobre o ouro localizado pelos bandeirantes. Eles passaram fome e saíram das minas, porém os forasteiros passaram a ocupar os caminhos descobertos pelos bandei- rantes. A guerra iniciou de fato com o cerco da vila de Sabará pelos emboabas, que, com maior contingente e melhores ar- Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 191 mamentos, enfrentaram os bandeirantes e venceram. A guerra durou dois anos (1708-1710), com milhares de mortos. Como resultado o governo português intensificou o controle em sua Colônia mais rica. A guerra dos Mascates foi deflagrada em virtude da guerra comercial entre proprietários abrasileirados e brasileiros con- tra a expansão econômica e financeira dos comerciantes por- tugueses. Os mascates estrangeiros venceram os latifundiários locais, porém, por meio de um acordo entre estes e a Coroa Portuguesa, fez com que nenhuma propriedade fosse confisca- da por falta de pagamento, mantendo os privilégios. A revolta de Vila Rica, em 1720, teve como protagonista, um homem chamado Felipe dos Santos, um emboaba que se revoltou oito dias depois de instalação da Casa de Fundição. Esta insatisfação faz perceber-se o descontentamento de mui- tos setores ao monopólio colonial. As características das revol- tas até aqui são regionais e desarticuladas. Referências CASTRO, João Henrique Ferreira de. Do despertar do sen- timento nacional à importância das redes de sociabi- lidade: balanço sobre a produção historiográfica brasilei- ra sobre a Revolta de Vila Rica. Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: 192 História do Brasil Colônia tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. Disponível em: <http://anpuh.org/anais/wp-con- tent/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0188.pdf>. Acesso em: 20 de setembro de 2014. CHIAVENATO, Júlio José. As lutas do povo brasileiro. Do “descobrimento” a Canudos. São Paulo: Moderna, 2007. CONCIANI, Aline; SANTOS, Danielle Camila dos. O surgi- mento da Federação Brasileira e sua concretização na atual Constituição Federal. Revista Direito Público, Lon- drina, V, 4, N. 3, P. 268-281, SET./DEZ. 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/ article/viewFile/10881/9517>. Acesso em: 28 de setem- bro de 2014. FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2011. LOPES, Luiz Roberto. História do Brasil Colonial. Porto Ale- gre: Mercado Aberto, 1981. FLORES, Moacyr. Dicionário de História do Brasil. Porto Ale- gre: Edipucrs, 2008. SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Identidade Urbana e Globalização – a formação dos múltiplos territórios em Guarulhos SP. São Paulo: Anablume, 2006. SANTOS, Joel Rufino dos. História do Brasil. São Paulo: Mar- co Editorial, 1979. Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 193 Atividades 1) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. A revolta de Beckmann teve como uma de suas reivindicações: a) ( ) o fim da derrama, imposto do ouro cobrado da população. b) ( ) a liberdade dos escravizados. c) ( ) a instauração de um poder republicano. d) ( ) o monopólio comercial da Companhia do Mara- nhão. e) ( ) aplicar as ideias liberais europeias. 2) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. Sobre a guerra dos emboabas é possível dizer que: a) ( ) foi uma luta travada entre os sul-rio-grandenses com o império, com a vitória dos imperiais sobre os sul-rio-grandenses. b) ( ) foi uma luta travada entre os paulistas bandeirantes contra os forasteiros, com a derradeira vitória para os forasteiros no Capão da Traição. c) ( ) foi uma luta travada entre os brasileiros e portugue- ses, com a vitória dos portugueses em Salvador. 194 História do Brasil Colônia d) ( ) foi uma luta travada entre o clero e a nobreza, com a vitória da Santa Igreja. e) ( ) foi uma luta travada entre os bandeirantes e os pau- listas, com a vitória dos bandeirantes em São Paulo. 3) A partir dos estudos desenvolvidos neste Capítulo, marque (X) somente nas assertivas verdadeiras. a) ( ) Tomas Beckmann foi enforcado. A principal cau- sa da guerra era a liberdade comercial obtida com o fechamento da Cia Comercial e a manutenção da escravaria por posse das elites maranhenses. b) ( ) Os ideais liberais e democráticospassaram a ditar os planos da Inconfidência Baiana. Seus integrantes eram suspeitos de espalhar pela cidade de Salvador mensagens audaciosas sobre liberdade e igualdade. c) ( ) Amador Bueno Ribeira (1584-1649) faleceu em São Paulo. Espanhol, tomou posse como ouvidor-mor da Capitania de São Vicente em 1627. No ano de 1633 foi nomeado provedor e contador da fazenda. d) ( ) Amador Bueno Ribeira (1584-1649) faleceu em São Paulo. Português, tomou posse como governador Ge- ral da Capitania de São Vicente em 1627. e) ( ) A Aclamação de Amador Bueno aconteceu em 1641 na futura vila de São Paulo foi, segundo a his- tória tradicional, a primeira ação consciente realizada no Brasil Colônia reivindicando autonomia diante de Portugal metrópole. Capítulo 9 As Revoltas Coloniais 195 4) Assinalar (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. Os grupos envolvidos nas revoltas foram: a) ( ) da de Beckmann: negros, índios e brancos pobres. b) ( ) Amador Bueno aceitou sua aclamação, feita por pobres, negros e índios, considerando-se rei de São Vicente e representando estes grupos. c) ( ) na Revolução de Pernambuco: maçons, padres, la- tifundiários e o povo. d) ( ) na de Vila Rica: um negro escravizado. e) ( ) Amador Bueno recusou sua aclamação e se refu- giou em convento do interior. 5) Leia com atenção o que se pede e marque apenas duas alternativas como verdadeiras. a) ( ) A forca e o esquartejamento eram práticas comuns realizadas pelo poder português contra os revoltosos no intuito de servir como exemplo aos demais que de- safiavam a Coroa. b) ( ) As revoltas discutiam amplamente sobre o fim da escravidão dos negros no Brasil. c) ( ) Os movimentos trabalhados neste Capítulo foram bem articulados entre os grupos sociais das diversas províncias e cobravam, planejadamente, a indepen- dência do Brasil. 196 História do Brasil Colônia d) ( ) Nenhum desses movimentos citados, de fato, teve qualquer objetivo nacional, eram de perspectivas lo- cais, imediatistas e regionais, sem projetos políticos consistentes. Gabarito 1) d: verdadeira; a, b, c, e: falsas 2) b: verdadeira; a, c, d, e: falsas 3) a, b, c, e 4) a, b, d: falsas; c, e: verdadeiras 5) a, d A Crise do Sistema Colonial: Quadro Internacional e Nacional (Inconfidência Mineira e Inconfidência Baiana)1 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 1 Mestre em História. Professora da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA. Juliane Maria Puhl Gomes1 Capítulo 10 198 História do Brasil Colônia Introdução O sistema colonial consistiu em um padrão específico de re- lações estabelecidas entre colônias e metrópoles, nas quais as primeiras subordinavam-se política, administrativa e economi- camente às segundas. É possível afirmarmos que esta modalidade de relações vigorou de meados do século XVI, quando do início do pro- cesso de colonização da América pelas potências Europeias, com especial destaque a Portugal e Espanha, naquilo que a historiografia convencionou denominar de expansão marítima europeia, até o final do século XVIII, período em que teve início o processo de independência das colônias europeias no con- tinente americano. Ainda que tenhamos que enfatizar as diferentes caracte- rísticas da colonização americana, levada a termo pelas res- pectivas metrópoles, é possível identificarmos elementos de unidade nesse processo, com especial destaque às relações estabelecidas entre segmentos mercantis coloniais e metropo- litanos, na medida que o sistema estabelecia a subordinação dos primeiros em relação aos segundos, criando monopólios que favoreciam os capitais metropolitanos. As áreas metropolitanas se constituíam como o centro do sistema, disputando entre si o controle e a hegemonia na Amé- rica, na África e na Ásia, além de serem responsáveis exclusivas pelo abastecimento da colônia e pela aquisição da produção oriunda das regiões coloniais, além de onerar essas áreas, identificadas como a periferia do sistema, com pesados tribu- Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 199 tos, de tal sorte que a economia colonial organizasse como complementar da economia metropolitana europeia. É importante destacar que esse conjunto de normas e pro- cedimentos compunha o denominado pacto colonial ou exclu- sivo metropolitano no qual o monopólio do comércio colonial era constituinte das relações metrópole-colônia. Feitas essas considerações preliminares passaremos agora a aprofundar nossas reflexões sobre a crise do sistema colo- nial brasileiro, ainda que seja fundamental percebê-lo como parte de um processo mais ampliado que atinge o mundo e a América como um todo, e que ainda que estejamos diante de um conjunto importante de singularidades, as transformações ocorridas no Brasil estão intimamente vinculadas a transforma- ções que ocorriam no cenário mundial. 1 Sistema colonial brasileiro e seu esgotamento Conforme informado anteriormente o sistema colonial, tam- bém denominado de sistema colonial mercantilista, justamente pela preponderância das relações mercantis, é parte de um ar- ranjo socio-político-econômico que pautou as relações entre metrópoles e colônias, relações essas que passam por signifi- cativas transformações decorrentes em sua dimensão econô- mica do esgotamento do mercantilismo e pelas transformações advindas da revolução industrial que acaba por redimensionar o papel da Inglaterra nas relações internacionais. 200 História do Brasil Colônia Segundo Arruda: A função precípua da colônia era, portanto, a de ace- lerar a acumulação primitiva de capitais, produzir ex- cedentes por meio da comercialização dos produtos coloniais nos mercados europeus, lucros estes que be- neficiaram diretamente a burguesia mercantil do Reino e a elite aristocrática, incrustada no aparelho de Estrado. Eram lucros de monopólio. Não quaisquer lucros. Ex- pressavam a exclusividade da compra dos produtos co- loniais a preços rebaixados e a certeza de altos lucros na revenda. O abastecimento das necessidades coloniais com produtos produzidos na metrópole ou adquiridos nos mercados continentais, igualmente garantidores de vantagens excepcionais, completavam o circuito (ARRU- DA, 2000, p. 246). Na segunda metade do século XVIII o governo lusitano sofreu a influência dos princípios iluministas, percebida com a chegada de Sebastião José de Carvalho – mais conhecido como Marques de Pombal, aos quadros ministeriais do gover- no de Dom José I, propondo a modernização da administração pública do país e ampliando ao máximo os lucros provenientes da exploração colonial, principalmente em relação à colônia brasileira. Essas medidas, no entanto, não foram capazes de reverter o quadro de crise da monarquia portuguesa, além de fazer um esforço para tornar mais eficaz a administração por- tuguesa com mudanças no relacionamento metrópole-colô- nia, buscando uma articulação entre o absolutismo ilustrado e o mercantilismo. Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 201 Com o objetivo de desenvolver o norte do Brasil, Pombal criou a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba, tendo ainda se notabilizado pela expulsão dos jesuítas da América Portuguesa. 1.1 Alguns antecedentes externos do esgotamento Para a compreensão do desdobramento dessas questões no Brasil, destacamos que Portugal, neste período, passava por uma crise significativa que aumentava a dependência em rela- ção à economia inglesa, de tal forma que é possível afirmar- mos a existência de um conflito entre o emergente capitalismo industrial inglês e o frágil e esgotado colonialismo mercantilista português, fortemente amparado na existência de monopólios comerciais e no trabalho compulsório, exatamente ospontos mais combatidos pelo capitalismo inglês. O trabalho compulsório, prioritariamente da população africana e/ou afrobrasileira, constituía-se em um significativo impedimento à configuração de um mercado consumidor ca- paz de absorver a produção industrial inglesa em processo de expansão, sendo notórias as pressões britânicas pela aboli- ção da escravidão, que no caso brasileiro foi significativamen- te tardia quando comparado a tradições de nossos vizinhos americanos. Ademais, a existência de monopólios comerciais obstacu- lizava a livre circulação de capitais ingleses na América Por- tuguesa o que desagradava os interesses ingleses, mesmo em 202 História do Brasil Colônia um período em que a dependência lusitana para com os capi- tais britânicos era absoluta. A revolução industrial, ocorrida na Inglaterra na segunda metade do século XVIII, pode ser identificada com um proces- so mais ampliado de transformações de diferentes naturezas ocorrido no período, ao qual a historiografia denomina de “revoluções burguesas”, com especial destaque à Revolução Industrial, Revolução Americana com a independência das 13 colônias inglesas na América1 e Revolução Francesa2. Elemento importante para a compreensão dessas transfor- mações decorreu da influência do Iluminismo, constituída do contexto do Século das Luzes, marcado pelo culto ao raciona- lismo e defesa da ideia da liberdade e igualdade, ainda que esses princípios tenham sido apropriados das mais variadas formas nos diferentes contextos, e ponto de convergência des- tas interpretações, possamos encontrar uma efetiva oposição ao Antigo Regime. Todas as transformações apontadas foram fatores que re- fletiram nos domínios portugueses no continente americano, tendo sido potencializadas pela crescente demanda lusitana por ouro, em uma tentativa de minimizar o impacto da crise econômica que assolava o país, e que resultou em inúmeros 1 A Revolução Americana do ano de 1770 teve como principal consequên- cia o fato de as Treze Colônias inglesas tornarem-se independentes, e após longa guerra contra a Inglaterra, a Declaração de Independência em 1776. 2 A Revolução Francesa, em 1789, pode ser caracterizada pela ascensão da bur- guesia francesa ao poder, modificando-se profundamente a noção de política no mundo desde então, tendo sido responsável pela quebra do antigo regime que tinha por base o sistema colonial. Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 203 abusos por parte do governo português nas áreas produtoras de minérios, ensejando levantes autonomistas que veremos na sequência. 1.2 Alguns antecedentes internos do esgotamento Até o presente momento privilegiamos como antecedentes da crise do sistema colonial elementos cuja compreensão impli- cam na percepção de transformações externas à América Por- tuguesa. Passaremos agora a apontar variáveis relacionadas às transformações internas pelas quais passava a região no período em análise. No século XVII, especialmente no seu último quartel, está- vamos diante do que a historiografia convencionou denominar de desenvolvimento interno da colônia cujas principais carac- terísticas foram a interiorização da América Portuguesa em ra- zão de um processo de expansão territorial, além de crescente complexificação das relações produtivas e comerciais o que acabou por provocar uma insatisfação progressiva das elites coloniais com a condução da política e da economia colonial ensejando a emergência de sentimentos nativistas. Desde o início do período colonial o padrão de fixação territorial lusitana privilegiou o litoral, postura essa que aca- bou se notabilizando pela fala de Frei Vicente de Salvador, em 1627, que afirmou que “os portugueses pareciam caranguejos uma vez que permaneciam fixados na costa brasileira”. Cabe destacar que essa postura muito se deveu à dificul- dade de locomoção para o interior da colônia, bem como a 204 História do Brasil Colônia forte resistência indígena. Esse cenário começou a apresentar mudanças a partir do século XVII em razão da ação dos jesuí- tas, de soldados, do bandeirantismo e do desenvolvimento da pecuária, elementos que potencializaram a interiorização dos domínios portugueses. Como consequência do movimento de interiorização, te- mos um crescente dinamismo na economia colonial, com a formação de núcleos populacionais e constituição de grupos sociais intermediários que, juntamente com outros, reagem às pressões metropolitanas potencializando a resistência contra o absolutismo português. A crise no sistema colonial esta relacionada a emergên- cia de novas ideias, acrescidas de importantes transformações econômicas e políticas ocorridas no interior da América por- tuguesa que conflitava com interesses metropolitanos (após a Restauração em 1640) em intensificar o pacto colonial como uma estratégia de enfrentamento a crise financeira decorrente do domínio espanhol, de tal sorte a ocasionar na população colonial um desejo de emancipação. Entre esses movimentos destacaremos: Inconfidência Mi- neira e Conjura Baiana. 2 Inconfidência ou conjuração mineira (1789) A Inconfidência Mineira foi um movimento nativista que ocorreu em Minas Gerais, muito influenciado pelas ideias do Iluminis- Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 205 mo e da independência dos Estados Unidos da América, que circulavam na região, resistindo prioritariamente à cobrança crescente de impostos por parte da metrópole portuguesa, e mais precisamente em razão da Derrama3. A expressiva maioria dos participantes desse movimento pertencia à alta sociedade mineira, sendo que entre os mais atuantes destacamos: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antô- nio Gonzaga, Inácio José Alvarenga, José de Oliveira Rolim e o alferes Joaquim José da Silva Xavier (conhecido historica- mente como Tiradentes). Os inconfidentes propunham a adoção do regime republi- cano, tendo a Constituição dos Estados Unidos como modelo; fomentavam a adoção de medidas industrializantes, além da adoção de uma nova bandeira, tendo ao centro um triângulo com os dizeres: Libertas quae sera tamen, que em latim, signi- fica “Liberdade ainda que tardia”. Chama atenção o fato que, mesmo fortemente influenciado pelas ideias de liberdade e igualdade, os inconfidentes nada definiram acerca da escravidão, visto que seus componentes não chegavam a um consenso acerca do tema. A ação dos inconfidentes deveria ter início quando da de- cretação da Derrama, o que não chegou a ocorrer uma vez 3 A Derrama era um procedimento que foi estabelecido pela Coroa Portuguesa no sentido de garantir um valor mínimo de arrecadação, sendo que se uma região não conseguisse destinar o montante de 1500 quilos de ouro para a metrópole Portugal, as forças militares poderiam expropriar a população até completar o valor fixado. Os fiscais, acompanhados de muitos soldados, chegavam de surpresa às cidades e invadiam as casas tomando tudo que fosse de valor até completar o valor estipulado. 206 História do Brasil Colônia que as autoridades foram avisadas dessas intenções, dando início à prisão dos inconfidentes. Dentre os acusados apenas “Tiradentes” assumiu a responsabilidade pela conspiração, o que resultou em sua condenação à morte no ano de 1792, tendo sendo enforcado no dia 21 de abril, na cidade do Rio de Janeiro. Outros conspiradores foram condenados ao desterro, e Cláudio Manuel da Costa enforcou-se na prisão. Quadro Síntese Inconfidência Mineira PRINCIPAIS CAUSAS 1. Exploração política e econômica exercida por Portugal sobre sua principal colônia, o Brasil. 2. Derrama: caso uma região não conseguisse pagar 1500 quilos de ouro para Portugal, soldados entravam nas casas das pessoas para pegar bens até completar o valor devido. 3. A proibição dainstalação de manufaturas no Brasil. PRINCIPAIS OBJETIVOS 1. Obter a independência do Brasil em relação a Portugal. 2. Implantar uma República no Brasil. 3. Liberar e favorecer a implantação de manufaturas no Brasil. 4. Criação de uma universidade pública na cidade de Vila Rica. 3 Conjura ou inconfidência baiana (1798) No início do século XVIII o nordeste brasileiro e principalmente a Bahia passavam por uma significativa crise econômica de- Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 207 corrente da decadência da economia açucareira e da transfe- rência da capital da colônia, em 1763, para o Rio de Janei- ro. Essa crise vitimava principalmente as camadas populares, formadas por ex-escravizados, pequenos artesãos e mestiços, que com frequência promoviam manifestações e contestações, promovendo vários saques em estabelecimentos comerciais portugueses de Salvador. Os ideais de liberdade e igualdade, oriundos da Revolução Francesa, contrastavam com a precária situação da popula- ção que penava com a elevada carga tributária e a escassez de alimentos, acentuando o grave quadro sócio-econômico do Brasil. Naquele contexto foi fundada em Salvador a “Academia dos Renascidos”, um clube literário que debatia os ideais do Iluminismo, assim como os problemas sociais da população. Os chamamentos para o movimento decorreram dos de- bates promovidos pela Academia dos Renascidos contando com a participação de pequenos comerciantes, soldados, ar- tesãos, alfaiates, libertos e mulatos, sendo um dos primeiros movimentos populares da História do Brasil. Em meados de 1798, circulavam panfletos dirigidos à po- pulação, convocando todas as parcelas socias para um levan- te que resultaria na proclamação da República Baianense. O material distribuído, fortemente influenciado pelas ideias da fase radical da Revolução Francesa, defendia a igualdade so- cial, a liberdade de comércio, o trabalho livre, extinção de todos os privilégios sociais e preconceitos de cor. 208 História do Brasil Colônia [...] cada um, soldado e cidadão, principalmente os ho- mens pardos e pretos que vivem escornados e aban- donados, todos serão iguais, não haverá diferença, só haverá liberdade, igualdade, e fraternidade (Manifesto dirigido ao “Poderoso e Magnífico Povo Bahiense Re- publicano”, em 1798. apud NEVES; NADAI, 1990, p. 119). Entre as lideranças do movimento encontramos dois al- faiates, João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira, além dos soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga das Virgens, todos mulatos. Merece referência, ainda, a par- ticipação de mulheres negras, como as forras Ana Romana e Domingas Maria do Nascimento. A Conjura ou Inconfidência Baiana, em razão do seu perfil popular e da profissão de al- gumas de suas lideranças, também ficou conhecida como a “Conjuração dos alfaiates”. O movimento foi duramente reprimido pelas autoridades metropolitanas, sendo que seus líderes foram condenados à morte por enforcamento ou receberam pena de degredo na África. As lideranças que tinham vínculo com a maçonaria (pertencentes a elite baiana) foram absolvidas, o que eviden- cia o grande temor das autoridades com os levantes populares realizados por negros e mulatos (ainda resquícios de medo da Revolução do Haiti). A atuação de segmentos populares e o objetivo de eman- cipar a colônia e abolir a escravidão apontam uma diferença significativa desse movimento em relação à Inconfidência Mi- neira, caracterizada por uma composição social mais elitista, Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 209 além de não ter se posicionado acerca da escravidão como já dito anteriormente. Quadro Síntese Inconfidência Baiana PRINCIPAIS OBJETIVOS 1. Abolição da Escravatura. 2. Proclamação da República. 3. Diminuição dos Impostos. 4. Abertura dos Portos. 5. Fim do Preconceito. 6. Aumento Salarial. 4 A transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808) Um elemento importante para entendermos a crise do siste- ma colonial brasileiro está diretamente relacionado a ques- tões cujo epicentro encontramos na Europa, na conjuntura de transição do século XVIII para o XIX. Naquele momento as disputas entre ingleses e franceses afetava diretamente as Co- roas Ibéricas provocando desdobramentos em seus domínios americanos. Como mencionado no início deste capítulo, a Inglaterra passava por importantes transformações de ordem econômi- ca decorrentes da Revolução Industrial, colocando-se como a mais importante potência naquele contexto. 210 História do Brasil Colônia Contrapondo os projetos britânicos a França, liderada por Napoleão Bonaparte, pretendia enfraquecer a Inglaterra im- pondo o Bloqueio Continental, pelo qual nenhum país da Eu- ropa Continental poderia manter relações comerciais com a Inglaterra. Naquele contexto Portugal era economicamente dependen- te da Inglaterra, portanto não era capaz de cumprir as determi- nações do Bloqueio Continental, ficando vulnerável à invasão do temido exército francês, pois representava uma brecha no bloqueio (FAUSTO, 2002). As pressões francesas foram tão intensas que o Príncipe D. João (regente do trono Português), mediante uma série de tratativas e negociações com a Inglaterra4, transferiu-se com a ajuda do embaixador inglês em Lisboa, Lord Strangford, no dia 29 de novembro de 1807, para o Brasil, acompanhado de sua Corte composta por aproximadamente 15.000 pessoas. Todo o aparelho burocrático vinha para a Colônia: mi- nistros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcio- nários do Tesouro, patentes do exército e da marinha, membros do alto clero. Seguiram também o tesouro real, os arquivos do governo, uma máquina impressora e várias bibliotecas que seriam a base da Biblioteca Na- cional do Rio de Janeiro (FAUSTO, 2002, p. 121). 4 Dentre as tratativas estava: a esquadra portuguesa seria entregue à Inlaterra; a Ilha da Madeira, ocupada pelos ingleses, serviria como ponto de combate após a ocupação total da Península Ibérica pelas tropas francesas; a Inglaterra teria direito a um porto livre, de preferência na ilha de Santa Catarina (Florianópolis); seriam assinados novos tratados comerciais, assim que o Estado português se estabeleces- se aqui (ALENCAR et al, 1996, p. 81). Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 211 No dia 30 de novembro as forças francesas, comandadas pelo general Junot, invadiam Lisboa. D. João chegou à Bahia em 22 de janeiro de 1808, estabelecendo uma nova fase na História do Brasil, na qual a presença inglesa consolidou-se de forma substantiva, fragilizando o sistema colonial brasilei- ro, especialmente em decorrência de crescente autonomia das elites nacionais no que tange as transações mercantis sem a mediação portuguesa. A viagem para o Brasil é relatada de forma “novelesca”, como denomina Boris Fausto (2002), mas a grande verdade é que a partir da chegada da Família Real ao Brasil, as relações entre a Metrópole e a Colônia ficaram no mínimo alteradas. Na sequência apresentaremos as principais medidas ado- tadas pelo governo português na denominada administração Joanina no Brasil (1808-1820), extremamente benéfica aos interesses ingleses. 28/01/1808: Abertura dos Portos às Nações Amigas: De- creto que pôs fim ao monopólio luso sobre o comércio brasi- leiro. A principal interessada na medida era a Inglaterra, que procurava ampliar o mercado consumidor de seus produtos manufaturados. 01/04/1808: Alvará de Permissão Industrial que concedia liberdade para o estabelecimento de indústrias e manufaturas na colônia. Essa medida não se concretizou pela concorrência dos produtos ingleses - principalmente após 1810 - e pela concentração de recursos na lavoura exportadora. 212 História do Brasil Colônia 1810: Tratados de Aliança, Comércioe Navegação: As- sinados com a Inglaterra tendo validade por 14 anos, sendo que o Tratado de Comércio estabelecia taxa de apenas 15% sobre a importação de produtos ingleses; produtos portugue- ses pagariam uma taxa de 16% e produtos de outras nações pagariam 24%. Aos cidadãos ingleses ainda foi concedido o direito de extraterritorialidade, ou seja, continuariam submetidos às leis britânicas. O tratado estabelecia ainda que o governo lusitano deveria abolir o tráfico negreiro. 16/12/1815: Elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves. Representando um avanço no que tange a progres- siva emancipação política. Outras medidas de D. João: Fundação do Banco do Bra- sil; instalação de Ministérios, Tribunais, cartórios; Criação da Imprensa Régia, escolas, bibliotecas; o Jardim Botânico, entre outras medidas. O estabelecimento destas estruturas no Brasil teve grande significado, pois foi o primeiro passo para a auto- nomia de poderes no país. Mesmo que estes poderes estives- sem submetidos à Coroa, eles inauguraram células de poder, ou exercício de poderes no Brasil. A presença da corte no Rio de Janeiro criou em todo o Brasil, entre as classes proprietárias e as camadas ur- banas, uma “ideia de Império”, ou seja, um esboço de sentimento de nacionalidade. Os proprietários rurais começaram a perceber que o Brasil ia além das suas terras. E que os seus interesses eram os mesmos de ou- tros senhores escravocratas. A Corte, como centro cata- Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 213 lisador, ia acabando com a dispersão. (ALENCAR et al, 1996, p. 85). Houve a promoção do cultivo de novas espécies vegetais como chás, café, noz moscada, carambola, groselha, fruta pão, dentre outras. A corte doou sesmarias e incentivou a vinda de estrangei- ros de diferentes nações europeias, talvez pensando em uma estratégia para a hipótese do fim da escravidão. Naquele momento o desenvolvimento artístico e cultural do Brasil foi potencializado pela vinda da Missão Artística France- sa, a convite de D. João. O mais famoso representante desta missão foi Jean Baptist Debret, que deixou várias pinturas, de- senhos e aquarelas, retratando os costumes do Brasil Joanino. Tantas foram as mudanças que alguns autores chegam a afirmar que a vinda da Família Real representou o “redescobri- mento” do Brasil pelos portugueses. Infelizmente, os indígenas, assim como no achamento em 1500, sofreram mais consequ- ências. D. João autorizou (1808) a guerra contra os remanes- centes indígenas de São Paulo e Minas Gerais, condenando os índios capturados a 15 anos de cativeiro (trabalhos forçados). Obviamente que o exército tentava de todas as formas não matar os “rebeldes” para aumentar a força de trabalho na colônia. Em 1809 a medida se estendeu a qualquer indígena preso em conflito com brancos. A presença da Família Real ao mesmo tempo que trouxe o poder de forma concreta ao Brasil, ensinou que a autonomia era possível. Algumas novidades se mesclaram a antigas es- 214 História do Brasil Colônia truturas e poderes. Abria-se uma possibilidade de mudanças no horizonte, que em anos anteriores havia sido interrompida pela punição aos chamados “inconfidentes”. Estes ventos de mudança levaram à Revolução de 1817, iniciada em Pernambuco. A Corte estava aqui, mas os interes- ses defendidos ainda eram os portugueses. Os impostos au- mentaram muito, para que fosse possível manter e aumentar as novas estruturas trazidas por D. João. Além disso, a mudan- ça da capital para o Rio de Janeiro deslocou o eixo de pode- res, deixando o nordeste a parte dos favorecimentos locais. A revolta logo agregou diferentes camadas populares, com objetivos diversos, mas com um ponto em comum: o descon- tentamento com o desfavorecimento dos brasileiros em prol dos portugueses. O movimento foi duramente reprimido pelas tropas por- tuguesas e após mais de dois meses de combate, os rebeldes foram vencidos, seus líderes presos e executados. Recapitulando A crise no sistema colonial com seus desdobramentos específi- cos para o caso português, só pode ser efetivamente compre- endida à medida que considerarmos elementos de natureza externa, principalmente aqueles decorrentes dos novos arran- jos produtivos que constituíram o capitalismo industrial sob a hegemonia dos capitais ingleses; o surgimento e a difusão de ideias ilustradas, com especial destaque aquelas provenientes Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 215 da Revolução Francesa e Revolução Americana, além do pró- prio esgotamento das políticas mercantilistas que era a base de sustentação do Antigo Sistema Colonial. Ademais é preciso considerar transformações de ordem in- terna que ocorriam na América Portuguesa, principalmente em razão de um processo de interiorização e de crescente autono- mia das elites locais, fragilizando o Pacto Colonial, o que foi agravado com a vinda da família real para o Brasil e com os desdobramentos de ordem comercial favoráveis à Inglaterra decorrentes desta transferência, potencializando no limite um sentimento de emancipação, que acaba por provocar a inde- pendência política do Brasil, em um contexto de emancipação da América Latina como um todo. Referências ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia C.; RIBEIRO, Marcus V.T. História da Sociedade Brasileira. 18. ed. Rio de Ja- neiro: Ao Livro Técnico, 1996. ARRUDA, José. O sentido da Colônia: revisitando a cri- se do antigo sistema colonial no Brasil (1780-1830). In: TENGARRINHA, José (org.). História de Portugal. Bauru: EDUSC; São Paulo: UNESP, 2000. [pp. 245-263]. CHIAVENATO, Júlio José. As várias faces da Inconfidência Mineira. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1994. [Coleção re- pensando a História]. 216 História do Brasil Colônia FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: EDUSP, 2002. FRAGOSO, João, FLORENTINO, Manolo, FARIA, Sheila de Castro. A Economia Colonial Brasileira (Séculos XVI- -XIX). São Paulo: Atual, 1998. GUAZZELLI, César. A crise do sistema colonial e o processo de independência. In: WASSERMAN, Claudia (Org.). His- tória da América Latina: cinco séculos. Porto Alegre: Edito- ra da Universidade, 1996. [pp. 120-177]. NEVES, Joana; NADAI, Elza. História do Brasil: da Colônia à República. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 119. NOVAIS, Fernando A. O Brasil nos Quadros do Antigo Sis- tema Colonial. In: MOTA, Carlos G. (org.) Brasil em Pers- pectiva. 10.ed. Rio de Janeiro, São Paulo: DIFEL, 1978. __________. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (l1977-l808). São Paulo: Hucitec, 1995. RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Inconfidência Mineira. 4.ed. São Paulo: Global, 1988. [Coleção História Popular]. Atividades 1) A crise do sistema colonial pode ser explicada consideran- do variáveis internas e externas. Como variáveis externas podemos destacar: Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 217 a) A interiorização da América portuguesa em razão da ação do bandeirantismo. b) Um processo de urbanização no interior dos domínios portugueses na América. c) O crescente desenvolvimento do capitalismo industrial inglês cujas práticas conflitavam com o mercantilismo típico do sistema colonial. d) Levantes independentistas mineiros e baianos. e) Aumento dos poderes dos senhores locais pelo cresci- mento econômio proporcionado pela manufatura bra- sileira. 2) A transferência da Corte Portuguesa para o Brasil resultou em inúmeras mudanças para a vida da colônia, EXCETO: a) A extinção do monopólio, através do decreto da Aber- tura de Portos, em 1808. b) O Alvará de Liberdade Industrial anulado em grande parte pela concorrência inglesa. c) As iniciativas que favoreceram a vida cultural da co- lônia, como o ensino superior, a imprensa régia e a Missão Francesa.d) A manutenção da estrutura urbana e administrativa idêntica ao período anterior. e) Os Tratados de 1810, assinados com a Inglaterra, que aboliram vantagens e privilégios, bem como a prepon- derância comercial deste país em relação aos brasileiros. 218 História do Brasil Colônia 3) No final do século XVIII, as restrições econômicas de Portu- gal ao Brasil chegaram ao máximo; o ouro declinava e as ideias liberais difundiam-se pelo país. Tais fatos provoca- ram um movimento pela independência, acentuadamente popular, com fortes preocupações sociais, conhecido por: a) Inconfidência ou Conjura Mineira. b) Guerra dos Mascates. c) Revolta de Felipe dos Santos. d) Conjura Literária. e) Inconfidência ou Conjura Baiana. 4) A Inconfidência ou Conjura Mineira, no plano das ideias, foi inspirada: a) Nas reivindicações das camadas menos favorecidas da colônia. b) No pensamento liberal dos filósofos da ilustração eu- ropeia. c) Nos princípios do socialismo utópico de Saint-Simon. d) Nas ideias absolutistas defendidas pelos pensadores iluministas. e) Na Revolução do Haiti. 5) Os objetivos da Inconfidência ou Conjura Baiana eram: I – Abolição da escravatura e manutenção do Pacto Colo- nial. Capítulo 10 A Crise do Sistema Colonial: Quadro... 219 II – Abolição da escravatura e Proclamação da República. III – Proclamação da República e manutenção do Pacto Colonial. IV – Diminuição dos impostos e abertura dos portos. V – Fim do preconceito e aumento salarial. A alternativa correta é: a) As alternativas I, IV e V estão corretas. b) As alternativas II, IV e V estão corretas. c) As alternativas III, IV e V estão corretas. d) As alternativas II e IV estão corretas. e) As alternativas I e IV estão corretas. Gabarito 1) c, 2) d, 3) e, 4) b, 5) b A Expansão Marítima Portuguesa e a “Descoberta” do Brasil Os Indígenas na Colônia A Colonização da América Portuguesa Religiosidades na Colônia O Trabalho na Colônia: Escravização de índios e Negros Tráfico Transatlântico e Resistências Escravas Engenhos, Casa-Grande e Senzala, União Ibérica, Invasões Holandesas e Restauração Pernambucana O Ouro e as Minas Gerais As Revoltas Coloniais A Crise do Sistema Colonial: Quadro Internacional e Nacional (Inconfidência Mineira e Inconfidência Baiana)