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16 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Unidade II MÓDULO 3: OS PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS E ONTOLÓGICOS DA ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA, DESENVOLVIDA POR ROGERS. Compreensão do conceito de Pessoa presente na obra de Carl Rogers Bibliografia básica: ROGERS, C. “Ser o que realmente se é: Os objetivos pessoais vistos por um terapeuta”. Tornar‑se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Bibliografia complementar: AMATUZZI, M. “Abordagem Centrada na Pessoa e Psicoterapia”. Rogers: Ética Humanista e Psicoterapia. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010. Carl Rogers, o fundador dessa abordagem, nasceu em 8 de janeiro de 1902 em Oak Park, Illinois, nos Estados Unidos. Trabalha como psicólogo desde 1927 realizando psicodiagnóstico infantil, aconselhamento de pais, estudantes e adultos e psicoterapia no Centro de Prevenção de Violência contra a Criança (NY). Rogers falece em 4 de fevereiro de 1987. Visita o Brasil algumas vezes na década de 1970. Nessa época, a Psicologia norte‑americana está dividida entre behaviorismo e psicanálise, ambas apoiadas nas ciências naturais. Para Rogers, a metade do século XX é uma época que valoriza a tecnologia como valor máximo, aplicando esse valor às relações humanas. Com isso, visando um tratamento eficiente, o psicólogo mantém uma postura distanciada de seu “objeto de estudo”, o paciente. Além disso, o ser humano é visto como “vítima passiva de forças”, sejam elas impulsos inconscientes, pressões sociais ou condicionamentos. Por meio de seu trabalho como psicólogo no Centro de Prevenção, Rogers percebe os efeitos positivos de uma postura acolhedora e respeitosa com seus clientes. Essa postura se contrapõe à postura distanciada, científica, dos psicólogos da época. Colocando‑se assim na relação com os clientes, Rogers descobre que todo indivíduo tem a capacidade de descobrir e buscar o que é melhor para si mesmo. Essa ideia está em sintonia com a compreensão humanista, que, como já discutido, enfatiza a liberdade e a responsabilidade essenciais do homem. A hipótese sobre o ser humano formulada por Rogers é a seguinte: “Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para a autocompreensão e para a modificação de seus autoconceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima, passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras” (p. 38). Em outras palavras, as pessoas são capazes de perceber e compreender o que acontece em suas vidas e de se posicionarem em relação a esses acontecimentos. Para isso, precisam dispor de liberdade e criatividade diante das situações da vida. O termo “responsabilidade” tem dois significados aqui. O primeiro é o significado mais corrente do termo: os acontecimentos de minha vida estão sob meu encargo. O segundo significado enfatiza a etimologia da 17 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA palavra, indicando a capacidade de responder. Ser responsável significa ser capaz de responder ao que me solicita. Esse responder não é um mero reflexo, mas um posicionamento do indivíduo em relação ao que lhe advém. É, portanto, um ato de livre determinação do homem, mas que exige criatividade. A psicologia da época de Rogers estuda o ser humano visando descobrir as causas determinantes de seu comportamento. A psicanálise hipotetiza as pulsões como princípio dos comportamentos. Ademais, explica que as pulsões, correlatos psíquicos dos instintos, objetivam a satisfação do prazer ou alívio do desprazer. Na vida em sociedade, esses impulsos, que facilmente nos levariam a destruir o próximo para satisfazer nossos desejos, precisariam ser reprimidos. A partir de sua experiência no contato com pessoas que atendia, Rogers vê‑se obrigado a contestar essa hipótese. Segundo ele, “O ser humano é, em seu cerne, um organismo em que se pode confiar” (p. 41). Atividades recomendadas: 1) Faça uma leitura criteriosa dos textos indicados, atentando para a noção de pessoa que fundamenta a obra de Carl Rogers. 2) Críticos da concepção de homem de Carl Rogers, como a psicóloga brasileira Virginia Moreira, consideram‑no excessivamente otimista. Com base nos textos lidos, faz sentido essa crítica? Quais são as consequências positivas e negativas desse otimismo? 3) Acompanhe o seguinte exemplo de exercício: A Terapia Centrada no Cliente, desenvolvida por Rogers, oferece ao cliente um espaço de acolhimento e aceitação a fim de que ele possa assumir sua própria vida e “tornar‑se quem é”, desenvolvendo uma atitude de maior consideração em relação a si mesmo e às situações significativas de sua vida. Essa abordagem assenta sobre uma compreensão de homem que afirma que: a) os indivíduos possuem dentro de si recursos para compreenderem‑se e para modificar seus conceitos, suas atitudes e seu comportamento. Esses recursos podem ser ativados a partir de atitudes psicológicas facilitadoras. b) quando são ainda bebês, os indivíduos são objeto dos afetos dos pais. Esses afetos são introjetados e formam a personalidade da pessoa. As relações significativas posteriores são reedições dessas experiências primeiras. c) os indivíduos são determinados pelo meio em que vivem. Assim, a história de vida é determinante do jeito que ela se relacionará com os demais ao longo da vida. d) os indivíduos têm uma tendência a se anularem em favor dos outros. Assim, tornar‑se quem se é significa entender o quanto é nocivo agradar aos outros. e) o único aspecto realmente importante da vida é o aqui‑e‑agora; a história de vida e as expectativas em relação ao futuro são secundários. 18 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Seus estudos devem ter‑lhe auxiliado a perceber que as alternativas “b” e “c” apresentam hipóteses deterministas sobre a natureza humana, que não correspondem à perspectiva de Carl Rogers. A alternativa “d” interpreta equivocamente a noção de “tornar‑se quem se é”, pois pressupõe que os outros são nocivos para a pessoa. A alternativa “e” desconsidera a importância da história de vida e dos projetos existenciais. Portanto, a alternativa correta é a “a”, que apresenta a compreensão de pessoa como um organismo que tende à autorrealização e é, em sua essência, confiável. A Tendência Atualizante Bibliografia básica: ROGERS, C. “Ser o que realmente se é: Os objetivos pessoais vistos por um terapeuta”. Tornar‑se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Bibliografia complementar: AMATUZZI, M. “Abordagem Centrada na Pessoa e Psicoterapia”. Rogers: Ética Humanista e Psicoterapia. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010. O ser humano não é determinado por forças que o impelem a destruir o outro ou si mesmo. Pelo contrário, todo organismo busca a autorrealização e o crescimento cada vez mais plenos. Realizar‑me como indivíduo significa também ajudar os outros na busca da autorrealização. Assim, Rogers formula que todo organismo possui uma tendência natural a um desenvolvimento mais completo e mais complexo. Isso pode ser observado em todos os organismos e não seria diferente com o ser humano. Nossos processos naturais também estão voltados para a manutenção, para o crescimento e para reprodução do organismo que somos. Essa tendência natural ao desenvolvimento mais completo e mais complexo recebe o nome de Tendência à Autorrealização (ou Tendência Atualizante). Na Abordagem Centrada na Pessoa, todos os comportamentos humanos são manifestações dessa tendência à autorrealização, o que significa que buscam amanutenção e o crescimento do organismo. Todas as pessoas possuem essa tendência intrínseca para buscar estados novos de maior complexidade afetividade e cognitiva. A compreensão da tendência atualizante intrínseca às pessoas é o fundamento da proposta rogeriana para a psicoterapia. Atividades recomendadas: 1) Faça uma leitura criteriosa dos textos indicados, atentando para a concepção de homem desenvolvida por Carl Rogers. Relacione essa concepção com os aspectos gerais das Psicologias Humanistas vistos no Módulo 1. 2) Reflita sobre a sua recepção dessa concepção otimista da essência humana. Você se percebe disposto a reconhecer que a “essência das pessoas é digna de confiança” (p. 66)? Quais motivações você identifica para o seu posicionamento? 3) Acompanhe o seguinte exemplo de exercício: 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA Rogers reconhece nos seres humanos a tendência à autorrealização. Diz ele: Quer falemos de uma flor ou de um carvalho, de uma minhoca ou de um belo pássaro, de uma maçã ou de uma pessoa, creio que estaremos certos ao reconhecermos que a vida é um processo ativo, e não passivo. Pouco importa que o estímulo venha de dentro ou de fora, pouco importa que o ambiente seja favorável ou desfavorável. Em qualquer uma dessas condições, os comportamentos de um organismo estarão voltados para a sua manutenção, seu crescimento e sua reprodução. Essa é a própria natureza do processo a que chamamos vida. Esta tendência está em ação em todas as ocasiões. Na verdade, somente a presença ou ausência desse processo direcional total permite‑nos dizer se um dado organismo está vivo ou morto. (Rogers, 1983, apud Moreira, 2007, p. 52) Sobre a tendência à autorrealização está correto afirmar: a) A preocupação com uma possível tentativa de suicídio evidencia a presença de uma tendência destrutiva no âmago da condição humana. b) Esta tendência se manifestará somente se houver, por parte do indivíduo, conscientização de sua existência. c) Esta tendência pode ser frustrada ou desvirtuada, mas não pode ser destruída sem que se destrua também o organismo. d) Sem estímulo externo, não há como esta tendência ser desenvolvida pelos organismos. e) Esta tendência e sua manifestação independem da relação com o meio, sempre se manifestará da mesma forma, na mesma intensidade em todos os indivíduos. A afirmação “a” apresenta uma tentativa de suicídio como evidência de uma tendência destrutiva na essência humana. Como vimos no texto acima e nas leituras indicadas, uma das principais contribuições de Rogers para a Psicologia foi a formulação de uma visão otimista do homem: “a essências das pessoas é digna de confiança”, pois a tendência à autorrealização visa a manutenção e o crescimento do organismo. Essa afirmação está, portanto, incorreta. A afirmação “b” indica uma condição para a manifestação da tendência à autorrealização. Como vimos, essa tendência é intrínseca aos organismos e está sempre presente e atuante, extinguindo‑se apenas quando o organismo morre. Está, portanto, incorreta. Na afirmação “c” lemos que a “tendência pode ser frustrada ou desvirtuada, mas não pode ser destruída sem que se destrua também o organismo”. Está correto que ela pode ser frustrada ou desvirtuada. Devido a situações desfavorecedoras o organismo pode ficar limitado na sua capacidade de buscar desenvolvimentos criativos, restringindo seus comportamentos apenas aos de sobrevivência. Porém, mesmo desvirtuada ou frustrada a tendência à autorrealização permanece presente e atuante. Por isso, por meio de um clima facilitador, pode encontrar modos mais apropriados de manifestação, que conduzam a pessoa (o organismo) a modos mais complexos de vida. Esta afirmação está correta. Vejamos 20 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II as demais. A afirmação “d” apresenta como condição para a tendência à autorrealização a presença de estímulos externos. Há dois erros nessa afirmação. Primeiro, a autorrealização é inerente, intrínseca aos organismos. Lembremos, entretanto, que toda manifestação acontece no meio em que o organismo vive. O segundo erro está em condicionar a tendência à autorrealização a estímulos. Se necessitasse de estímulos externos ela seria um reflexo e não uma força motriz, origem de todos os comportamentos. Ela é iniciadora. A afirmação “e” ignora a influência do meio em que vive o organismo. Como vimos, cada organismo interage constantemente com seu meio. Os meios podem ser mais ou menos favorecedores para a expressão da tendência à autorrealização, podendo até sistematicamente frustrá‑la. Como o meio em que o organismo vive é fundamental para seu crescimento, a relação de ajuda na Abordagem Centrada na Pessoa é pensada como um ambiente facilitador. Outro equívoco na afirmação “e” é a ideia de que a tendência à autorrealização se manifesta da mesma forma em todas as pessoas. Como cada pessoa tem uma história de vida singular, pois desenvolveu‑se em ambientes diferentes, relacionando‑se de formas diferentes consigo mesmo e com os outros, a tendência à autorrealização se manifesta de modo singular em cada pessoa ou organismo. O objetivo da Psicoterapia e o lugar do terapeuta na Terapia Centrada na Pessoa Bibliografia básica: ROGERS, C. “‘Ser o que realmente se é’: Os objetivos pessoais vistos por um terapeuta”. Tornar‑se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Bibliografia complementar: AMATUZZI, M. “Abordagem Centrada na Pessoa e Psicoterapia”. Rogers: Ética Humanista e Psicoterapia. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010. “Tornar‑se quem se é” é o objetivo da relação terapêutica. Significa poder experimentar seus sentimentos e se relacionar consigo mesmo e com os outros de modo profundo, complexo e satisfatório. Porém, as relações vivenciadas podem conduzir à direção oposta. Circunstâncias ameaçadoras fazem com que o indivíduo priorize a defesa de sua integridade, ficando limitada na sua capacidade de experimentar a complexidade de sentimentos presentes nas relações humanas. Outras circunstâncias podem levar o indivíduo a falsear ou negar a sua realidade vivenciada, ou ainda a reprimir seus sentimentos e desejos. Por exemplo, uma criança pode sentir inveja diante do nascimento de um irmão, mas esse sentimento é mal visto e repreendido pelos pais. Isso pode levar essa criança a reprimir sentimentos percebidos como errados, ficando limitado na sua capacidade de se relacionar com os demais, pois a inveja é um sentimento humano. A Abordagem Centrada na Pessoa compreende que a repetição e o acúmulo de ameaças à integridade ou repressão de sentimentos, que experimentamos na família, na escola e na cultura podem limitar nossa liberdade de nos reconhecermos como somos e nossas necessidades, de experimentarmos nossos sentimentos e de realizarmos escolhas pertinentes ao nosso desenvolvimento pessoal e relacional. O terapeuta nesta abordagem é um facilitador do desenvolvimento pessoal. É alguém que se dispõe a compreender o cliente, respeitá‑lo e aceitá‑lo tal como ele próprio se percebe. Vê o cliente como pessoa, isto é, um ser livre e responsável, capaz de compreender‑se e transforma‑se, e relaciona‑se com ele enquanto tal. A partir dessa relação terapêutica, a pessoa (cliente) começa a afastar‑se de modelos falseados de si mesmo, encaminhando‑se para maior autonomia. Torna‑se progressivamente mais 21 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA responsável por si mesmo,pois é capaz de decidir‑se sobre quais são comportamentos e sentimentos significativos e quais não. Encaminha‑se, assim, para uma realidade mais fluida, em processo. Atividades recomendadas: 1) Faça uma leitura criteriosa dos textos indicados, atentando para a concepção de homem e de psicoterapia desenvolvida por Carl Rogers e buscando os nexos entre ambas. 2) Responda: fundamentado na abordagem desenvolvida por Carl Rogers, qual é a importância do autoconhecimento do terapeuta para a relação terapêutica? 3) Acompanhe o seguinte exemplo de exercício: Com relação à abordagem centrada na pessoa de Carl Rogers nós podemos afirmar que: I – Trata‑se de uma abordagem que ressalta a importância de que o terapeuta desenvolva um conjunto de atitudes que serão fundamentais para a mudança da pessoa, muito mais do que recursos técnicos de intervenção terapêutica. II – A abordagem centrada preocupa‑se fundamentalmente com intervenções que visam o conteúdo daquilo que se fala na sessão. III – Na medida em que o terapeuta interage de modo autêntico, acolhedor, compreensivo e aceitando as pessoas, estas desenvolvem uma atitude de maior consideração em relação a si mesmas e fazendo com que elas se tornem mais congruentes. Estão corretas: a) I, apenas. b) II, apenas. c) III, apenas. d) I e II, apenas. e) I e III, apenas. Se você leu e compreendeu os textos indicados para estudo, pôde perceber que a afirmação I está correta, pois a Terapia Centrada no Cliente foi desenvolvida a partir da percepção de Rogers de que certas atitudes por parte do terapeuta eram mais propiciadoras de mudanças do que as técnicas. Rogers conhecia bem as técnicas psicológicas utilizadas na primeira metade do século XX, pois iniciou sua carreira como conselheiro psicológico. Sua postura acolhedora, compreensiva, revelou‑se mais facilitadora de mudanças do que as técnicas persuasivas empregadas pela psicologia da época. Isso 22 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II levou‑o a conclusão de que a autenticidade, a compreensão e aceitação incondicional do terapeuta são condições suficientes para a autocompreensão e automodificação dos clientes. A afirmação III também está correta. A afirmação II está incorreta, pois processo terapêutico depende de que o terapeuta consiga propiciar um ambiente facilitador para o cliente. Portanto, a alternativa correta é “e”. 4) Realize os exercícios deste módulo, anotando as dúvidas que surgirem durante a resolução. Busque respostas às suas dúvidas na bibliografia indicada ou por meio de novas pesquisas bibliográficas. Caso suas dúvidas persistam, apresente‑as ao professor nas aulas presenciais. MÓDULO 4: A GESTALT‑TERAPIA DE PERLS. SUAS INTERLOCUÇÕES COM O PENSAMENTO HUMANISTA. FENÔMENOS PSICOLÓGICOS À LUZ DA GESTALT‑TERAPIA. Objetivo: Conhecer os pressupostos teóricos da Gestalt‑terapia e a articulação com as abordagens humanistas em psicologia. Diferenciar os pressupostos e os objetivos da Gestalt‑terapia das demais abordagens humanistas. Dados biográficos de Fritz Perls e o desenvolvimento da Gestalt‑Terapia Bibliografia Básica: PERLS, F. (1988) “Fundamentos”. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, cap. 1. Bibliografia complementar: MENDONÇA, M. “A psicologia humanista e a abordagem gestáltica”. In: FRAZÃO, L. M. & FUKUMITSU, K. O. (orgs.) Gestalt‑terapia. A Gestalt‑terapia é uma abordagem terapêutica que enfatiza a responsabilidade e a liberdade essenciais do ser humano perante a sua existência. Seu desenvolvimento deve‑se principalmente ao trabalho de Frederik Perls, cujo nome ficou associado a esse modelo de atendimento psicoterápico. Perls nasceu em 1893 na Alemanha, onde formou‑se médico sob supervisão de Kurt Goldstein, neurologista estudioso da percepção em pacientes com ferimentos cerebrais. Inicia sua análise com Wilhelm Reich, dissidente da psicanálise freudiana. A influência de Reich faz‑se sentir na importância que a Gestalt‑terapia atribui ao corpo. Com a ascensão do nazismo, Perls, já casado com Laura Perls, foge para a África do Sul, onde funda um Instituto de Treinamento Psicanalítico. Data dessa época o seu primeiro livro Ego, fome e agressão (Ego, Hunger and Agression, 1947). Em 1946 muda‑se para os EUA, estabelecendo‑se em Nova Iorque. Lá tem contato com a psicóloga humanista Karen Horney. Com a contribuição de Laura Perls, que era estudiosa da Psicologia da Gestalt, começa a dar corpo ao modelo de atendimento que realiza em workshops nos EUA. O nome Gestalt‑terapia aparece pela primeira vez em 1951 (no livro O Início da Gestalt‑terapia). Pouco depois fundam o Instituto de Gestalt‑terapia de Nova Iorque. Seguindo as ideias de Reich, Perls enfatiza a experiência corpórea como possibilidade de expressão. Fritz desenvolve essa compreensão na Gestalt‑terapia por meio de uma concepção holística de homem. 23 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA Há um paralelismo entre corpo e mente, de modo que ambos expressam vivências. O homem é um organismo total que busca constantemente o equilíbrio por meio de trocas com o meio. Na Psicologia de Gestalt, Perls descobre que o “homem não percebe as coisas isoladas e sem relação, mas as organiza no processo perceptivo como um todo significativo” (Perls, 1988, p. 18) a partir de um interesse motivador. Essa mesma teoria fornece outros conceitos importantes: figura‑fundo, princípio de pregnância e teoria de campo. Atividades recomendadas 1. Pesquise na bibliografia a vida e a obra de Fritz Perls e Laura Perls. 2. Pesquise inserção da Gestalt‑terapia no Brasil. É difundida? Dispõem de centros de estudo e treinamento? 3. Pesquise na internet vídeos que mostram Fritz Perls realizando workshops e sessões terapêuticas. Descreva a postura dele nos atendimentos. Essa postura está em acordo com os fundamentos da Gestalt‑terapia? Por quê? Está em acordo com a Psicologia Humanista? Por quê? 4. Acompanhe o exercício abaixo: A imagem abaixo costuma ser usadas para se estudar a relação figura/fundo, estudada pela Psicologia da Gestalt e apropriada pela Gestalt‑terapia. Sobre o termo Gestalt, é correto afirmar que: a) refere‑se à figura, que emerge a partir de um fundo. No caso da figura, a Gestalt é aquilo que vejo primeiro, seja um cálice ou dois rostos. b) refere‑se a um todo, a uma configuração estrutural que faz do todo uma unidade maior do que a soma das partes. 24 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II c) refere‑se ao fundo, que determina que aspecto da figura aparece. No caso, se eu vejo os rostos primeiro, a Gestalt é fundo branco. d) é sinônimo de awareness, isto é, a percepção global de si mesmo. e) refere‑se à possibilidade de perceber todas as imagens contidas numa mesma imagem. Perceber somente o rosto ou o cálice na figura é uma Gestalt‑parcial. Se você leu atentamente os textos indicados, lembra‑se de que o termo Gestalt, apresentado pela Psicologia da Gestalt, refere‑se a uma forma. A forma organiza‑se como um todo estruturado a partir da relação figura‑fundo. A percepção humana se dá por meio de todos organizados (Gestalt), por isso Fritz Perls utilizará esse termo para a terapia focada na capacidade de interação saudável indivíduo‑meio que ele desenvolve. Das alternativas fornecidas, devemos encontrar aquela que apresenta adequadamente essa noção do termo Gestalt. A alternativa “a” indica como Gestalt apenas a figura que aparece. Está, portanto, incorreta. A alternativa“c” propõe o oposto: que o fundo é a Gestalt. A alternativa D apresenta esse conceito como sinônimo de awareness, importante conceito da Gestalt‑terapia que designa a capacidade de percepção da totalidade presente. Está incorreta, portanto. A alternativa “e” refere‑se a todas as figuras possíveis de serem vistas no desenho, estando também incorreta. A alternativa que apresenta corretamente o conceito de Gestalt é “b”. Principais conceitos da Gestalt‑terapia Bibliografia Básica: PERLS, F. (1988) “Fundamentos” A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, cap. 1. Bibliografia complementar: FRAZÃO, L.M. “Psicologia da Gestalt” In: FRAZÃO, L. M. & FUKUMITSU, K. O. (orgs.) Gestalt‑terapia. A Psicologia da Gestalt estuda a percepção humana. Sua conclusão básica é de que o homem percebe totalidades, e não partes isoladas. Uma séria de pontos sequenciais, próximos uns aos outros, por exemplo, é visto como uma ‘linha’. A Gestalt‑terapia busca seu nome no conceito de Gestalt, que se pode traduzir por ‘forma’. Gestalt significa também um ‘todo’. Nesta concepção, o todo é sempre diferente da mera soma das partes. Perls (1988) define esse conceito como: “forma, configuração, modo particular de organização das partes individuais que entram em composição” (p. 18). Disso se desdobra a concepção de que os indivíduos vivenciam totalidades. As totalidades se organizam como figuras sobre um fundo, organizadas de acordo com o interesse do indivíduo. De acordo com a visão holística que fundamenta a Gestalt‑terapia, os indivíduos são totalidades corpo‑mente e ambos modos de ação, psíquico ou físico, são formas de expressão. O princípio que rege as ações do organismo é a homeostase, processo por qual busca o equilíbrio. As necessidades orgânicas e psicológicas geram desequilíbrio, que o organismo busca restaurar. Entretanto, a vida é um processo contínuo de desequilíbrio e busca de equilíbrio, nunca atingindo o equilíbrio absoluto. O mesmo processo regula a tendência à sobrevivência de todo organismo. 25 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA Os organismos agem em ‘campos’. Esse é um conceito da Psicologia da Gestalt, desenvolvido pelo psicólogo Kurt Lewin. Um campo é uma totalidade em equilíbrio de forças e todos os acontecimentos no campo são funções desse campo total. Os comportamentos do indivíduo, em resposta a suas necessidades, podem estar em relação mútua com o meio no qual acontecem ou em relação conflituosa. Neste caso, há dispêndio desnecessário de energia e perda da capacidade do indivíduo de interagir com seu meio. Isso pode culminar num processo neurótico: “Se, por alguma alteração no processo homeostático, o indivíduo for incapaz de manipular seu meio a fim de atingi‑las [necessidades], comportar‑se‑á de modo desorganizado e ineficaz”. (Perls, 1988, p. 33) A Gestalt‑terapia é um processo a partir do qual o organismo (no caso, o cliente) pode recuperar sua capacidade de relação com o meio, reconhecendo suas necessidades e agindo eficazmente de acordo com elas. Atividades recomendadas 1. Leia atentamente os textos indicados, prestando atenção aos conceitos que fundamentam esta abordagem. Marque‑os e construa um glossário para seus estudos. 2. Pesquise por meio da bibliografia e da internet a Psicologia da Gestalt. Estabeleça uma relação entre a Psicologia da Gestalt e a Gestalt‑terapia a partir de seus principais conceitos. 3. Acompanhe o exercício abaixo: Fritz Perls (1988) considera que “se não nos podemos compreender nem entender o que fazemos, não podemos pretender resolver nossos problemas nem esperar viver vidas gratificantes” (p. 17). Por essa razão, a Gestalt‑terapia deve repousar sobre fundamentos claros e compreensíveis, ao invés de obscuros e irracionais. A Gestalt‑terapia por ele iniciada segue algumas premissas básicas. Indique‑as abaixo: I – A autorregulação, que é o processo por meio do qual o organismo interage com o meio. II – A homeostase, segundo a qual o organismo busca permanecer em equilíbrio e evitar o desequilíbrio. III – O conceito de Gestalt, que se refere ao todo figura‑fundo. IV – A projeção, a partir do qual o organismo projeta no ambiente os significados que lhe são satisfatórios. São premissas da Gestalt‑terapia: a) I, III e IV. b) II e IV. 26 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II c) I, II e IV. d) I e III. e) I e II. A leitura atenta do enunciado indica que precisamos avaliar as afirmações tendo em vista a correção dos conceitos gestálticos que apresentam. A afirmação I fala de autorregulação, que é a capacidade do organismo de interagir com seu meio na busca do equilíbrio homeostático. Está correta. A afirmação II apresenta o conceito de homeostase, que é a busca contínua pelo equilíbrio, que nunca é atingido pois o campo é móvel e as necessidades, fluídas. Esta afirmação apresenta incorretamente a noção de homeostase. A afirmação III apresenta corretamente a noção de Gestalt, central na Gestalt‑terapia. A afirmação IV fala de projeção, que é um mecanismo neurótico. Na projeção, o indivíduo torna o meio responsável por algo que se origina no eu, desapropriando‑se de seus impulsos e necessidades. Não se refere exclusivamente a significados satisfatórios, dado que podem ser projetados aspectos insatisfatórios do indivíduo também. A alternativa correta é “d” (I e III). A Gestalt‑terapia como possibilidade de atuação do psicólogo. Bibliografia Básica: PERLS, F. (1988) “Fundamentos”. A Abordagem Gestáltica e Testemunha Ocular da Terapia, cap. 1. Bibliografia complementar: MENDONÇA, M. “A psicologia humanista e a abordagem gestáltica”. In: FRAZÃO, L. M. & FUKUMITSU, K. O. (orgs.) Gestalt‑terapia. A gestalt‑terapia é um modelo de atendimento terapêutico para crianças, adultos, casais e grupos, que promove a recuperação e/ou a ampliação da capacidade de conscientização (awareness) no aqui‑agora, possibilitando contato mais pleno e trocas mais eficientes com o meio. Esta proposta se fundamenta na compreensão de que o sofrimento psicológico é a expressão de dificuldades em perceber as próprias necessidades, as ações voltadas para satisfazê‑las e o caráter ‘nutritivo’ ou ‘tóxico’ das trocas com o meio. O campo (indivíduo‑meio) muda constantemente de acordo com as mudanças de equilíbrio intrínsecas e geradas pelo organismo em busca de sua homeostase. Nos processos neuróticos há uma confusão entre indivíduo e meio, de modo que o organismo perde a sua capacidade de interagir com eficiência. Segundo Perls (1988), a neurose ocorre quando “a busca do equilíbrio do homem o leva a retirar‑se mais e mais, a permitir que a sociedade o influencie demais, a subjugá‑lo com suas exigências, ao mesmo tempo a separá‑lo do convívio social, a pressioná‑lo e moldá‑lo” (p. 56) Vale destacar que a Gestalt‑terapia reconhece a neurose como um processo, não como uma estrutura. Com a capacidade de autorregulação limitada, cada nova situação propicia ao indivíduo que aumente seu desequilíbrio. A Gestalt‑terapia aproxima‑se das terapias humanistas por compreender as pessoas como livres e responsáveis. O termo ‘responsabilidade’ deve ser entendido como capacidade de responder, e não somente como obrigação de responder pelos atos. Nesse contexto, a Gestalt‑terapia promove a autonomia através da capacidade de responder às situações vivenciadas pelos pacientes. 27 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA O Gestalt‑terapeuta é um facilitadorda conscientização (awareness) da situação presente, aqui‑agora, do paciente. Para isso, oferece condições para o encontro dual EU‑TU (tematizado por Martin Buber), no qual cada um reconhece a liberdade e responsabilidade ontológicas do homem. A relação terapêutica é horizontal, isto é, não há um agente de mudanças (terapeuta) e um objeto (paciente). A relação se estabelece entre dois iguais, sendo que um deles (o terapeuta) dispõe‑se a facilitar a conscientização (awareness) do outro (paciente). A Gestalt‑terapia reconhece que frequentemente os pacientes procuram o Gestalt‑terapeuta esperando que ele provoque transformações, mas cuida para que o paciente se torne consciente (aware) dessa postura de vitimização, que dificulta a liberdade, a autonomia e a responsabilidade. Atividades recomendadas 1. Leia atentamente os textos indicados, anotando suas dúvidas. 2. Considere a perspectiva gestáltica como modelo de trabalho do psicólogo. Justifique a sua inserção no âmbito das psicologias humanistas. 3. Acompanhe o exercício abaixo. Nas primeiras sessões, Fernanda parece não conseguir dizer o que quer dizer e se perde entre palavras chegando a dizer, entretanto, coisas que parecia não querer dizer. Seu discurso compõe frases como: não sei por que estou aqui; acredito que ninguém pode me ajudar; ninguém me ajuda; estou sozinha; diga‑me o que fazer. Parece que Fernanda perdeu o sentido de quem é, e principalmente, de quem deve viver a sua vida. Suas demandas incluíam solicitações que se perdiam num mundo dos porquês e das tentativas de explicações em busca de uma cura para tudo que estava acontecendo em sua vida, uma vida que muitas vezes não identificava como sendo dela própria. A partir da perspectiva da Gestalt‑terapia, leia atentamente as afirmações abaixo sobre o modo como se abordaria esta situação terapêutica: I – Fernanda pede explicações e se perde nos porquês, pois não observa e não parece saber descrever o que está fazendo e como (aqui e agora). II – Fernanda perde o sentido de quem é, pois não está consciente (awareness) de sua situação existencial. III – Fernanda busca explicações e justificativas, pois não se reconhece como autora de sua própria vida. IV – Fernanda perde o sentido de quem é, pois parece ter traumas infantis importantes que precisam ser analisados. V – Fernanda espera que o terapeuta lhe diga quem ela é, dado que esse é o papel do terapeuta na Gestalt‑terapia. 28 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Apresentam leituras corretas dos fenômenos clínicos apresentados somente nas afirmações: a) I, II e V. b) I, II e IV. c) II, IV e V. d) I, II e III. e) I, II, III e V. Se você leu atentamente os textos indicados, foi capaz de perceber que as afirmações I, II e III estão corretas. A primeira apresenta a dificuldade vivenciada por Fernanda de descrever‑se, isto é, de aperceber‑se de si na situação presente. Com isso, perde a capacidade de trocar com o meio eficientemente. A segunda afirmação apresenta‑a como não estando aware de sua situação. Esse modo de estar presente nas situações faz com que sinta dificuldades nas suas vivências, mas atribua essas dificuldades a motivos alheios, sem reconhecer a sua participação (afirmação III). A afirmação IV apresenta “traumas infantis importantes” como motivo das dificuldades atuais. Como vimos, é no aqui‑agora que se encontram as dificuldades, e não no lá‑então. Portanto, não são traumas infantis, mas sua dificuldade de conscientização (awareness) da situação atual, acompanhada da perda de contato, que motivam as dificuldades vivenciadas. A última afirmação apresenta o papel do Gestalt‑terapeuta como “dizer a Fernanda quem ela é”. Porém, como vimos, o terapeuta facilita o processo de awareness no aqui‑agora, acompanhando os pacientes no resgate de sua autonomia. Portanto, a alternativa correta é “d”. 4) Realize os exercícios deste módulo, anotando as dúvidas que surgirem durante a resolução. Estas dúvidas devem ser motivo de novas pesquisas bibliográficas, na tentativa de saná‑las. Caso elas persistam, apresente‑as ao professor nas aulas presenciais. MÓDULO 05: PSICOLOGIA HUMANISTA COMO ÉTICA Objetivo: Reconhecer a atitude ética do psicólogo humanista. Bibliografia básica: AMATUZZI, M. A Abordagem Centrada na Pessoa como Ética das Relações Humanas. Rogers: Ética Humanista e Psicoterapia. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010. Abordagem Centrada na Pessoa como ética das relações humanas A palavra “ética” é definida no Dicionário Houaiss como: 1. parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo esp. a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social. (Dicionário Houaiss online, 2016) 29 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA Dessa definição deriva o significado de conjunto de regras e valores morais. Ao formar‑se psicólogo, você comprometer‑se‑á com o Código de Ética profissional, que rege os comportamentos aceitos e não aceitos dos psicólogos no exercício profissional. Etimologicamente, ética deriva de duas palavras gregas que compartilham a mesma raiz: éthos e êthos. A primeira significa costume, uso, hábito e a segunda, caráter, maneira de ser de uma pessoa, disposições naturais de alguém. A disciplina filosófica Ética trata da segunda. O que significa, então, afirmar, como Amatuzzi (2010), que a Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers, traz contribuições éticas e é, ela própria, uma ética? Significa que as propostas de Rogers não se dirigem a técnicas, manejos e procedimentos do psicólogo, como um código de ética faria, mas, sim, à sua atitude. Significa ainda mais que isso: que, embora a ACP seja tida como uma abordagem psicológica, ela propõe uma atitude, um modo de ser em relação com os outros e consigo mesmo. Já foi visto com Holanda (2015) que as Psicologias Humanistas são um acontecimento recente numa história de resgate da ética do pensamento. Assim como o Humanismo renascentista recolocou como centro de preocupação o homem, resgatando sua dignidade, devolvendo‑lhe sua responsabilidade por seu ser e se seu mundo, a ACP surge como abordagem psicológica (no primeiro momento ela é Terapia Centrada no Cliente) para, em seguida, tornar‑se uma reflexão sobre as relações humanas. (Amatuzzi, 2010) Diferenciando‑se das psicologias em voga nos EUA na década de 1940, Rogers assume a crença na orientação positiva e na tendência ao crescimento das pessoas. Tal atitude manifesta‑se na relação com o cliente como horizontalidade, ou seja, o psicólogo deixa de ser um “vidente ilustrado” (Amatuzzi, 2010, p.11), que usa teorias psicológicas gerais e causalistas para diagnosticar e intervir, para “facilitar ao o outro o recurso às suas próprias fontes interiores” (Amatuzzi, 2010, p. 12). Contribui, portanto, postulando um modo de acontecer a relação psicólogo‑cliente que resguarda (e resgata) sua autonomia e sua responsabilidade. Atividades recomendadas 1. Leia atentamente a bibliografia indicada. 2. Pesquise na literatura e na internet sobre a Ética na filosofia. 3. Pesquise o Código de Ética Profissional do Psicólogo, considerando se ele se dirige a comportamentos ou a atitudes. 4. Acompanhe o exercício abaixo: Segundo Amatuzzi (2010), A Abordagem Centrada na Pessoa, desenvolvida por Carl Rogers, é uma ética. Diz ele: “Trata‑se de olhar o ser humano (pessoas, comunidade, humanidade) com um senso de respeito que decorre da natureza própria e original desse objeto. É olharpara ele não como algo útil, mas como ser portador de um valor próprio e inalienável, como ser que me impõe algo de absoluto. É respeitá‑lo naquilo que ele é.” (21) 30 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Nessa afirmação, estão contidos os seguintes pressupostos: I – O ser humano é autônomo e capaz de orientar sua própria vida de forma positiva para si mesmo e para a coletividade. II – A Abordagem Centrada na Pessoa desenvolve técnicas e procedimentos voltados para uma relação mais igual entre os participantes. III – A ACP é etica porque se refere àquele que procura atendimento psicológico como cliente, ao invés de paciente. IV – A ACP reconhece o valor único de cada pessoa. Estão corretas somente as afirmações: a) I e II. b) II e III. c) III e IV. d) I e IV. e) I, II e IV. Se você leu atentamente a apresentação acima e a bibliografia indicada, terá identificado a alternativa “d” como correta. A afirmação II propõe que a ACP desenvolve técnicas, mas a atitude da pessoa é mais importante do que as técnicas que utiliza. Por isso, as reflexões da ACP se dirigem para as atitudes, não para as técnicas. Rogers chega a propor que “na relação de ajuda, devemos abandonar todas as técnicas e procedimentos padronizados, todas as estratégias pré‑fabricadas” (Amatuzzi, 2010, p.12). A afirmação III indica uma mudança de nomenclatura, que, embora correta, não necessariamente traz consigo uma mudança de atitude. Esta, sim, é que é a especificidade da ACP, que a torna uma ética das relações humanas. A relação psicólogo‑cliente na Abordagem Centrada na Pessoa: Relação ética Bibliografia básica: AMATUZZI, M. A Abordagem Centrada na Pessoa como Ética das Relações Humanas. Rogers: Ética Humanista e Psicoterapia. Campinas, SP: Editora Alínea, 2010. “Tornar‑se quem se é” é o objetivo da relação terapêutica. Significa poder experimentar seus sentimentos e se relacionar consigo mesmo e com os outros de modo profundo, complexo e satisfatório. Porém, as relações vivenciadas podem conduzir à direção oposta. Circunstâncias ameaçadoras fazem com que o indivíduo priorize a defesa de sua integridade, ficando limitada na sua capacidade de experimentar a complexidade de sentimentos presentes nas relações humanas. Outras circunstâncias podem levar o 31 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA indivíduo a falsear ou negar a sua realidade vivenciada, ou ainda a reprimir seus sentimentos e desejos. Por exemplo, uma criança pode sentir inveja diante do nascimento de um irmão, mas esse sentimento é mal visto e repreendido pelos pais. Isso pode levar essa criança a reprimir sentimentos percebidos como errados, ficando limitado na sua capacidade de se relacionar com os demais, pois a inveja é um sentimento humano. A Abordagem Centrada na Pessoa compreende que a repetição e o acúmulo de ameaças à integridade ou repressão de sentimentos, que experimentamos na família, na escola e na cultura podem limitar nossa liberdade de nos reconhecermos como somos e nossas necessidades, de experimentarmos nossos sentimentos e de realizarmos escolhas pertinentes ao nosso desenvolvimento pessoal e relacional. O terapeuta nesta abordagem é um facilitador do desenvolvimento pessoal. É alguém que se dispõe a compreender o cliente, respeitá‑lo e aceitá‑lo tal como ele próprio de percebe. Vê o cliente como pessoa, isto é, um ser livre e responsável, capaz de compreender‑se e transforma‑se, e relaciona‑se com ele enquanto tal. A partir dessa relação terapêutica, a pessoa (cliente) começa a afastar‑se de modelos falseados de si mesmo, encaminhando‑se para maior autonomia. Torna‑se progressivamente mais responsável por si mesmo, pois capaz de decidir‑se sobre quais são comportamentos e sentimentos significativos e quais não. Encaminha‑se, assim, para uma realidade mais fluida, em processo. Esse modo de compreender a relação terapêutica se desenvolve ao longo da obra de Rogers para uma atitude nas relações humanas, isto é, não exclusivamente na relação terapêutica. O pressuposto humanista – resgate da dignidade humana, afirmação de sua responsabilidade, liberdade e autonomia – aparece na Abordagem Centrada na Pessoa como atitude de reconhecer que “O ser humano tem algum poder sobre as determinações que o afetam, e esse poder é, na verdade, mais relevante para o desenvolvimento do que aquelas determinações”. (Amatuzzi, 2010, p. 17) Refere‑se a um modo de ser, isto é, de assumir‑se e estar com outro, como pessoa, no sentido da relação Eu‑Tu descrita por Martin Buber. Rosmaninho (2015) descreve os modos de relação Eu‑Tu e Eu‑Isso: Para Buber existem duas formas básicas do homem se relacionar: uma ele chamou de Eu‑Isso e outra de Eu‑Tu. São modos do homem se relacionar e se colocar diante do outro e do mundo. Na relação Eu‑Isso, o homem se coloca diante do mundo como algo objetivo e, nessa atitude, ele se torna capaz de conhecer e habitar o mundo. Já na relação Eu‑Tu, o homem se coloca em relação a um outro, que pode ser uma outra pessoa, uma obra artística ou literária, ou, ainda, uma situação vivenciada. A relação Eu‑Tu é marcada pelo impacto da presença do outro, é um encontro no qual o homem é atravessado pela potência e pela força da vivência do outro. Este encontro foge às apreensões usuais e se recusa a ser sistematizado ou esquematizado. (Rosmaninho, 2015, p. 176‑7) Na ACP, a relação Eu‑Tu descreve o encontro inter‑humano, no qual cada participante é aceito como pessoa autônoma, livre, criativa e capaz de dirigir suas ações na direção do crescimento do crescimento, da complexificação e da realização. Isso porque a pessoa que assim se coloca na vida reconhece a existência de uma tendência formativa universal. (Amatuzzi, 2010) 32 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade II Referência bibliográfica: ROSMANINHO, M. A relação Eu – Tu no encontro terapêutico. In: EVANGELISTA, P. (org) Psicologia fenomenológico‑existencial – Possibilidades da atitude clínica fenomenológica. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Via Verita, 2015, pp. 173 – 182. Atividades recomendadas: 1) Faça uma leitura criteriosa dos textos indicados, atentando para a concepção de homem e de psicoterapia desenvolvida por Carl Rogers e buscando os nexos entre ambas. 2) Responda: fundamentado na abordagem desenvolvida por Carl Rogers, qual é a importância do autoconhecimento do terapeuta para a relação terapêutica? 3) Acompanhe o seguinte exemplo de exercício: Com relação à Abordagem centrada na pessoa de Carl Rogers nós podemos afirmar que: I – Trata‑se de uma abordagem que ressalta a importância de que o terapeuta desenvolva um conjunto de atitudes que serão fundamentais para a mudança da pessoa, muito mais do que recursos técnicos de intervenção terapêutica. II – A abordagem centrada preocupa‑se fundamentalmente com intervenções que visam o conteúdo daquilo que se fala na sessão. III – Na medida em que o terapeuta interage de modo autêntico, acolhedor, compreensivo e aceitando as pessoas, estas desenvolvem uma atitude de maior consideração em relação a si mesmas e fazendo com que elas se tornem mais congruentes. Estão corretas: a) I, apenas. b) II, apenas. c) III, apenas. d) I e II, apenas. e) I e III, apenas. Se você leu e compreendeu os textos indicados para estudo, pôde perceber que a afirmação I está correta, pois a Terapia Centrada no Cliente foi desenvolvida a partir da percepção de Rogers de que certas atitudes por parte do terapeutaeram mais propiciadoras de mudanças do que as técnicas. Rogers conhecia bem as técnicas psicológicas utilizadas na primeira metade do século XX, pois iniciou sua carreira como conselheiro psicológico. Sua postura acolhedora, compreensiva, revelou‑se mais 33 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a ABORDAGENS HUMANISTAS EM PSICOLOGIA facilitadora de mudanças do que as técnicas persuasivas empregadas pela psicologia da época. Isso levou‑o a conclusão de que a autenticidade, a compreensão e aceitação incondicional do terapeuta são condições suficientes para a autocompreensão e automodificação dos clientes. A afirmação III também está correta. A afirmação II está incorreta, pois processo terapêutico depende de que o terapeuta consiga propiciar um ambiente facilitador para o cliente. Portanto, a alternativa correta é “e”. 4) Realize os exercícios deste módulo, anotando as dúvidas que surgirem durante a resolução. Busque respostas às suas dúvidas na bibliografia indicada ou através de novas pesquisas bibliográficas. Caso suas dúvidas persistam, apresente‑as ao professor nas aulas presenciais.
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