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Escuta Surda e Escuta-experimentação Falando sobre escuta surda e escuta-experimentação, podemos observar o seguinte: A primeira, tomada como retrato e dispositivo da norma, avalia apenas o entrevistado e tem o poder de julgar, determinar e punir que se estende para além do comportamento do sujeito, por acreditar que tal sujeito possui uma natureza humana, um caráter a ser revelado. O foco deixa de ser o fato em si, para centrar-se nas condutas ditas irregulares do individuo investigado. Muitas vezes, tal indivíduo é avaliado por terceiros, sem nunca ter tido a oportunidade de apresentar-se. A escolha por essa metodologia nos leva a procedimentos definidos por Luis Antônio Baptista (2000) de “escuta surda”. Por escuta surda entendemos práticas que ouvem sem escutar. Uma escuta surda se constitui quando no lugar de indagar as evidências que nos constituem como sujeitos, nos deixamos conduzir por estas, reificando-as. Produz-se aí uma psicologia das evidências. Uma escuta que acaba sendo reduzida a um ato protocolar, uma técnica de coleta de evidências, de sinais ou, ainda, a um jogo interpretativo. A escuta surda produz como efeito a tutela e a culpabilização dos sujeitos. Poderíamos dizer que essa escuta permanece no campo de uma escuta moral, prescritora de modos de vida, julgadora de práticas, deixando-se conduzir por valores instituídos sem a correspondente indagação destes mesmos valores. “Uma escuta surda se constitui quando no lugar de indagar as evidências que nos constituem como sujeitos, nos deixamos conduzir por estas, reificando-as. Produz-se aí uma medicina das evidências, uma psicologia das evidências, uma enfermagem das evidências que, tendo seus procedimentos dirigidos por naturalizações, pouco consegue captar as singularidades que permeiam o humano, a variabilidade e imprevisibilidade que constitui o vivo.” Heckert (2007, p.7) Na segunda, a entrevista assume potência de dispositivo, que abre múltiplas possibilidades de intervenção, ao ser conduzida por profissional que não aposta nem na sua neutralidade, nem numa essência de seu entrevistado a ser atribuída e desvendada. Essa pode ser arquitetada como um encontro. Segundo Deleuze, um encontro é uma experiência intensiva com afetações, que pode suscitar manifestação derivada, um efeito, a produção de um sentido para essa experiência: uma ficção com a realidade. A opção por essa diretriz nos leva a uma “escuta-experimentação”. No contexto da escuta-experimentação não se visa apreender uma realidade, uma verdade do sujeito, mas sim abrir espaço para criação de modos de existência compatíveis com uma vida solidária e generosa; visa acompanhar os movimentos que criam paisagens por vezes suaves, por vezes endurecidas, por vezes mortificadoras. Afirmar a escuta como experimentação significa indicar que as necessidades do outro precisam ser incluídas não por uma operação humanista e piedosa, mas como elemento perturbador e analisador dos modos de vida naturalizados. Uma escuta sensível (experimentação) implica, necessariamente, ouvir os vestígios, ver os movimentos. Envolve uma disponibilidade subjetiva de afetar e ser afetado pelo outro, colocar em análise nossos preconceitos, endurecimentos e indiferenças. Requer a escuta do outro, das vozes e dos silêncios do mundo., como nos aponta Ana Heckert (2007). “A escuta-experimentação não visa a apreender uma realidade, uma verdade do sujeito, e sim abrir espaço para criação de modos de existência compatíveis com uma vida solidária e generosa, acompanhar os movimentos que criam paisagens por vezes suaves, por vezes endurecidas, por vezes mortificadoras.” Heckert (2007, p.10) Optando por um caminho ou por outro, nossas entrevistas, transformam-se em relatórios que, se não tem poder decisório por eles mesmos, podem, em muitos casos, orientar a decisão do médico, do juiz, do professor... As palavras escolhidas à confecção, os fatos privilegiados, os entrevistados a serem chamados ou não, a impressão do psicólogo em cada caso, tudo deve ser problematizado e pensado, não com o psicólogo como perito neutro a dizer no relatório a verdade sobre os envolvidos, mas vendo nele um instrumento político, que afetará historias de vidas diversas, já que incide não apenas sobre a vida daquele que se apresenta, mas também sobre a dos que com ele convivem e, não com menor importância, sobre a pratica do psicólogo nos espaços ocupados. Em síntese, a opção por uma dessas concepções marca o caminho traçado pelos psicólogos frente as demandas que lhes são endereçadas. Nessa ótica, a escuta, ferramenta do psicólogo, pode funcionar como um potente dispositivo de intervenção, na aposta por uma prática engajada na potência da vida ou no aprisionamento em verdades instituídas, mas se constitui, sempre, em um ato político. Fonte: • https://psicologado.com/atuacao/psicologia-da-saude/o-olhar-o-escutar-e-o-escrever- comoferramentas- para-o-itinerario-terapeutico © Psicologado.com; • www.portaldeacessibilidade.rs.gov.br/.../1308660615Direitos_Humanos_e_Conexoes; • Heckert (2007, p.7-10).
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