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RESENHA – REALISM, THE REAL WORLD, AND THE ACADEMY John J. Mearsheimer, "Realism, the Real World, and the Academy," em Michael Brecher and Frank P. Harvey, eds., Realism and Institutionalism in International Studies (Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2002), pp. 23-33 apresenta uma grande reflexão sobre o papel da teoria realista para a explicação do mundo e das relações entre os países. Dividido em três seções, este artigo, Realism, the Real World, and the Academy, busca mostrar que a teoria realista nas Relações Internacionais, caída em descrédito após o fim da Guerra Fria, ainda tem extrema importância e explica diversos fatores da política mundial. O autor, John J. Mearsheimer, um realista ofensivo contemporâneo, nascido em Nova York, 1947, e professor da Universidade de Chicago, é um dos mais importantes teóricos de Relações Internacionais, tendo escrito, além de inúmeros artigos como esse apresentado, o livro “A tragédia da política das grandes potências”, sobre o realismo ofensivo, que se baseia nos preceitos básicos do realismo estrutural, como a anarquia internacional e a busca de sobrevivência dos Estados, mas defende a ideia de que os Estados buscam maximizar seu poder a todo momento, inclusive os já muito potentes, através, por exemplo, da estratégia de buck-passing. Com esse conhecimento sobre o autor e sua teoria, se pode fazer uma melhor análise do artigo aqui apresentado, de 2002, que mostra, claramente, a importância que a teoria realista tem e terá na explicação de diversos fenômenos internacionais. O autor apresenta na seção Realism o realismo como uma teoria ampla, que dentro de si mesma possui diversas vertentes e diferenças, como entre os ofensivos e os defensivos, mas que de modo geral, legitima a guerra como forma de busca ou manutenção do poder dos Estados, além de que coloca os mesmos como agentes sempre conflituosos, e não harmoniosos, como algumas teorias defendem. Em The Real World, há o destaque para a manutenção dos Estados como atores chave da política global mesmo após o fim da Guerra Fria, e que a questão da soberania dos Estados, num sistema anárquico, não deixou de ser fundamental. Como essa estrutura não mudou, mesmo após o fim da bipolaridade, é falacioso pensar que o novo século seria muito diferente dos anteriores, pois o perigo de conflitos internacionais e busca dos agentes por poder continua muito grande – e isso provou-se verdade. Alguns estudiosos quiseram tratar o fim da Guerra Fria como o fim da história e dos conflitos armados, por exemplo, numa visão extremamente idealista. Mearsheimer prova que, da década de 90 em diante, o que aconteceu foi o contrário. Invasões norte-americanas no Iraque e em Kosovo, além das disputas entre países fortemente armados – inclusive com bombas nucleares – como na região da Caxemira e no Golfo Pérsico, ilustram que as preocupações realistas da disputa de poder entre os Estados continuam muito pertinentes. Um problema futuro apontado pelo autor é o enorme crescimento econômico e militar da China no Nordeste Asiático, que pode vir a ser uma ameaça aos países vizinhos, como o Japão, na busca da hegemonia regional – algo que desagradaria aos Estados Unidos, o “quase-hegemônico” atual, que provavelmente tomariam partido numa possível disputa por território, poder e influência. Entretanto, a principal evidência de que as “políticas de poder” continuam sendo de extrema importância nessa parte da Ásia é que os Estados Unidos mantinham, em 2002, cem mil tropas com planos de permanência na região por muito tempo. Se a zona fosse pacífica, como é o mundo segundo alguns teóricos idealistas, seria isso necessário? E na Europa, continente considerado o principal para a visualização do fim do que pregava o realismo, a história continuou a mesma. Enquanto acreditou-se que, com a decadência soviética e o fortalecimento da União Europeia, seria estabilizado o poder em todo o Velho Mundo, o que realmente aconteceu foi a OTAN se tornar responsável pela segurança da região – sendo ela uma organização militar, e não econômica. Vladimir Putin, presidente da Rússia, afirmou na época que as relações internacionais são baseadas nos Estados querendo aumentar seu poder, principalmente por meios militares, incluindo até a produção de armas de destruição em massa. Como na Ásia, a OTAN, chefiada pelos EUA, mantém cerca de cem mil tropas na Europa, considerado o continente pacífico do mundo pós-Guerra Fria. Aí vem o questionamento do autor: Se esse continente fosse um local preparado para a paz, necessitaria Washington gastar bilhões de dólares anualmente para manter lá grandes exércitos? Logo, pode-se perceber novamente que as preocupações realistas de soberania estatal e poder militar, num mundo mais conflituoso do que cooperativo, têm grande fundamento. Diversos especialistas em defesa e estrategistas militares da Europa, cita Mearsheimer, como o alemão Christoph Bertram, defendem que uma saída da OTAN do continente seria um desastre, e colocaria a Europa numa profunda insegurança. Alguns chegam a afirmar que, na busca por aumentar poder de cada país, a União Europeia estaria fadada a uma desintegração, o que seria desgracioso às teorias liberais, atualmente dominantes, que creem num mundo de cooperação onde a força militar não é algo tão importante – nem mesmo o Estado nacional em si. Por fim, John J. Mearsheimer estabelece, em The Academy, uma crítica à hostilidade que recebe, na época, o realismo nas instituições de ensino, principalmente as estadunidenses. Essa teoria foi considerada um “paradigma degenerativo” (Vasquez, 1997), e grandes teóricos, como Morgenthau e Waltz, são sempre vistos numa perspectiva negativa. Importantes universidades, como Harvard, não contratam teóricos realistas há muito tempo, e tratam o realismo simplesmente como uma teoria falsa, como na citação do professor de Harvard, que disse que “o realismo é um total absurdo nos dias de hoje” (HOFFMANN, 1993, New York Times). Entretanto, em contrapartida a essa “tentativa acadêmica” de exclusão do realismo, ele mantém seus autores e sua agenda e, mesmo que muitos queiram discordar de sua teoria, ela segue sendo a principal explicação para grande parte dos temas que envolvem as Relações Internacionais. Completando sua análise, Mearsheimer enfatiza que o realismo só desaparecerá se houver uma mudança radical no sistema internacional, o que não parece estar perto de acontecer. Com isso, depreende-se que a importância dessa teoria permanecerá durante muitos anos, apesar das críticas, e continuará fornecendo grandes explicações para o modo como se dão alianças, conflitos e outras demonstrações de poder no mundo. Baseando-se nas dinâmicas vistas no século XXI, mais de uma década após esse artigo de Mearsheimer, se pode comprovar muito do que ele disse, afinal, o mundo está imerso em conflitos por poder, ameaças militares e até a grande integração entre Estados de anos atrás está começando a se desmantelar. Para citar alguns, a questão da Coreia do Norte e sua ameaça nuclear amedronta todo o planeta pela possibilidade de um iminente conflito a nível mundial – com o envolvimento de grandes potências como os Estados Unidos, a Rússia e a China. A guerra civil síria, que já dura mais de sete anos, também envolve a disputa por poder de grandes potências mundiais, e parece longe de um fim. A nível mais diplomático, o brexit, processo de saída do Reino Unido da União Europeia, simboliza um enfraquecimento do ideal de cooperação mútua entre diversos Estados, visto que um dos principaismembros do bloco econômico mais unido do mundo, decidiu que era melhor para si viver sem a dependência desse organismo internacional. Tomando como referência esses exemplos contemporâneos e o que pregou o autor no artigo Realism, The Real World and The Academy, deve-se valorizar o realismo como teoria de fundamental importância para a compreensão da política internacional e das dinâmicas de poder pois, como disse um dos principais pensadores clássicos para o realismo, Nicolau Maquiavel, “os homens, quando não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição”, que é o que ocorre entre os Estados no Sistema Internacional. Para o realismo, o indivíduo pouco importa, o objeto é o Estado, e os Estados são como os indivíduos no ‘estado de natureza’, lutam pelo poder e são primordialmente maus (como defende Hobbes), buscando sempre sua sobrevivência, sem importar- se com os outros – o que leva sempre a relações conflituosas, algo que é visível no mundo desde muito tempo e que, ao contrário do que liberais idealistas e outros teóricos quiseram acreditar, não acabou com o fim da Guerra Fria. O Sistema Internacional continua anárquico e um ambiente de luta sedenta pelo poder, essencialmente através da força militar (chamada de High Politics, por Carr). A leitura do artigo é de suma importância para um melhor estudo acadêmico das relações entre os países. Cássio Henrique, Jéssica, Gustavo Passos e Vitor Augusto Burin, acadêmicos de Relações Internacionais da UNISC.
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